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Copyright © 2014 das Organizadoras representantes dos colaboradores Coordenacdo Editorial: Pontes Editores Editoragao e capa: Eckel Wayne Revisdo: Pontes Editores PONTES EDITORES Rua Francisco Otaviano, 789 - Jd. Chapadio Campinas - SP - 13070-056 «Fone 1932526011 Fax 19 3253.0769 ponteseditores@ponteseditores.com.br www. ponteseditores.com.br Colegao: Linguagem e Sociedade - Vol. 7 Coordenagao da Colecdo: Kleber Aparecido da Silva ConsELHO Eprroriat: Angela B. Kleiman (CUnicamp ~ Campinas) Clarissa Menezes Jordao (UFPR - Curitiba) Edleise Mendes (UFBA~ Salvador) Eni Puccinelli Orlandi (Unicamp ~ Campinas) José Carlos Paes de Almeida Filho (UNB- Brasilia) Maria Luisa Ortiz Alvarez (UNB - Brasilia) Vera Liicia Menezes de Oliveira e Paiva (UFMG Belo Horizonte) ‘Todos os direitos desta edigao reservados & Pontes Editores Ltda. Proibida a reprodugdo total ou parcial em qualquer midia sem a autorizagio escrita da Editora. 3s infratores esto sujeitos as penas da lei. A Editora ndio se responsabiliza pelas opinides emitidas nesta publicagao. 2014 - Impresso no Brasil Tswana Tasso & Enica SiLva Orcs.) MIDIA, RUIDO E SILENCIO TUMULAR NA CONSTITUICAO CONTRADITORIA DA MEMORIA EM CURSO/DISCURSO Maria Cleci Venturini Programa de Pés-Graduagao em Letras (UNICENTRO) SITUANDO AS DISCUSSOES Os acontecimentos politicos, em circulagéo na midia, envolvem o Partido dos Trabalhadores (PT) que ocupa, ha mais de doze anos, a presidéncia do Brasil e produzem 0 ruido e o siléncio tumular no curso/discurso', que tece/destece a meméria politico-social do Brasil. Entre as causas da ‘baru- Iheira’ que faz ressoar e retornar 0 ruido e/ouo siléncio tumular destaca-se 0 fato de o partido ter ocupado e praticado, durante a ditadura militar, o lugar da resisténcia e, de historicamente, ter se colocado a favor da liberdade de expresso e de decla- rar, na materialidade que recortamos para analisar o lugar e 0 funcionamento da meméria, a necessidade de ‘regulacao’ da imprensa. Esta declarag&o teve como motivagao escandalos do porte do chamado ‘mensalao’ e das frequentes dentincias de corrupgdo veiculadas pela ‘grande midia’, responsavel, conforme declaragées frequentes do ex-presidente Lula, pelo julgamento dos mensaleiros ter sido um julgamento politico e nao juridico. ‘Com a expressao curso/discurso referimos & memériae aos discursos que significam 0 discurso sobre a ditadura militar brasileira como um processo sempre em construed, que aponta a resistencia ¢ a transformagao, até porque hé pesquisas em andamento em tomo dos acontecimentos desse periodo, Trata-se, portanto de um discurso em, aberto, No Livova(cexs) ex Discurso. A FORMAGAO DOS OBIETOS Diante disso, cabe colocar em suspenso o lugar da mi perguntando se a pratica midiatica mudou ou se os sujeit que ocuparam o lugar da resisténcia, em defesa da ampla li- berdade de imprensa, é que trocaram de Posi¢ao. A razao deste questionamento esta no retorno de discursos que circularam antes, em outros lugares, e que constituem memérias em torno: de apagamentos e de silenciamentos de Praticas politicas de certo periodo da histéria do Brasil. A cada vez que palavras como ‘regulacdo’ e ‘siléncio tumular’, dentre outras, ganham visibilidade, a democracia se ressente ¢ 08 sujeitos-brasileiros sao tomados pela inquietacao. Estes efeitos materializam-se pela meméria, que sustenta e ancora discursos em circulagao na imprensa, possibilitando que os sentidos Ppossam sempre ser outros. Vale sublinhar que 0 sentido, como diz Pécheux (1997a, p. 160), “nao existe em si mesmo”, mas em relacdo as deter- minagdes ideolégicas em jogo no contexto sécio-histérico ¢ 4 identificastiovinterpelagao do sujeito ao ‘todo complexo com dominante’, A imprensa atua na formagao/estruturagaio de mentalidades e faz circular materialidades pelas quais discursos ressoam, movimentando 0s sentidos, porque a inter- Pretacao é constitutiva dos sujeitos, segundo Orlandi (2004), no que tange a significagao e a leitura do espag¢o urbano e do politico que o significa, pela dtica da midia. Demanda dessas reflexdes e praticas, uma visada aos funcionamentos da memoria e aos modos como pela memoria, enquanto dispositivo teérico, a lingua na historia constitu; discursos a partir de sujeitos interpelados pela ideologia e atra- vessados pelo inconsciente. A Andlise de Discurso, tal como foi proposta por Michel Pécheux, nos anos 1960 e 1970, na Franga, e, no Brasil, por Orlandi na releitura e transformagao lo que foi proposto pelo fundador, juntamente com pesquisa- dores que com ela atuam, fez com que a AD se inscrevesse ¢ Se significasse como ‘brasileira’. A inquietagao que impulsiona 120 Isaara Tasso & Erica SILVA (Oncs.) jioNsa pratica tem origem na relagdo entre teoria e pratica eno modo como as nogées que estruturam 0 edificio teérico daAD lo produtivas na leiturae na interpretagao e, nesse funciona- mento, retiram da zona de conforto os sujeitos- idadaos que leem e produzem materialidades a serem lidas/interpretadas/ compreendidas como préticas responsivas e assentadas no po- \itico, mais que na politica. O fio condutor da nossa pesquisa ¢ Pécheux e € por meio da retomada de sua teoria, que toma corpo a proposta de retornar as bases com vistas a verificar como o lugar de entremeio pode constituir-se em dispositivo de interpretagio de materialidades e de discursos em circulagio, que enfocam o espago urbano, no qual a midia se inscreve e faz circular memérias. O foco é, entdo, a leitura pelo funcionamento da meméria, mobilizando dois conceitos-chaves: 0 discurso de e 0 discurso sobre para sublinhar a produtividade destas duas nogdes na leitura/interpretagdo/compreensao de discursos efetivamente realizados. Outro objetivo, igualmente relevante, diz respeito & diferenciagao entre discurso de (como memsria e discurso do/ de (como discurso advindo de determinado sujeito ou lugar); en- tre discurso sobre (como atualidade) e discurso em torno de um tema ou sujeito. Nessa mesma diregao, ressoa a rememoragao (como discurso de), nao como recordago, nem como o “querer ou fazer meméria a partir de instituigdes que determinam oO que pode/deve estruturar a meméria. Nesse sentido, ° discurso de (meméria), significa como o qué ressoa a partir de sujeitos pelas suas inscrigdes s6cio-historicas pelas suas identieaes a lugares sociais e a lugares discursivos. Desse modo, signifi- camos a comemoracao como o que resulta da rememoragao e estrutura o discurso em sua linearidade, pois ela no é 0 lugar da celebragdo, mas o lugar da critica, conforme desejava Nora (1984) ao cunhar a nogdo /ugar de meméria. Arememoragao/comemoragao estrutura-se pelo discurso de ¢ pelo discurso sobre, sinalizando para os funcionamentos 121 LINGUA(GENS) Ex Discurso. ‘A FORMACAO DOs oBIETOS da memoria (a constituigao e a formulagao) e para a impos- sibi idade de gerenciar os sentidos, seja na constituicaeall arquivo que investe no congelamento de memérias em museus earquivos hist6ricos, ou na pratica da coergao e da interdig&o de institui¢6es politicas e sociais. Nesses lugares, 0 arquivo funciona como o lugar que ‘guarda’ memorias e contribui para a disseminagao de dados e de informagées de interesse institucional, apagando que a memoria sé significa pelo es- pane © escapa ao gerenciamento e ao direcionamento Para dar visibilidade analitica a estes funcionamentos da memoria, tomamos como corpus 0 texto “Batalha Interna”. que circulou no dia 10 de novembro de 2012, no Jornal Ga. zeta do Povo, do Parana, na Segaio 2 — artigo de Opiniao —e efetivamos recortes na materialidade textual, ressalvando as diferengas entre segmentar e recortar, Propostos por Orlandi (1984), para quem os recortes so unidades discursivas, de- signadas de sequéncias discursivas a partir de materialidades discursivas. Passamos, a seguir, a divisdo das SD's pelas quais organizamos as andlises: a 1 “José Direeu, com apoio do presidente do ; diz que a regulagdo da imprensa, é iori- dade do PT, em 2013”, ee ‘SD 2 —Mas Dilma Rousseff ja dei 2 ; "jd deixou claro que na partilha do impulso totalitario. os SD3~E diz “E sempre preferivel o ruido da impren- sa livre ao siléncio tumular das ditaduras”, As sequéncias discursivas recortadas da materialidade “Batalha Interna” atendem ao objetivo de analisar os funcio- namentos da meméria como discurso de (rememoragaio) ¢ iscurso sobre (comemoragao) do que ressoa a rememoragao/ 122 Tswana Tasso & Enica SILVA (Orcs.) comemoragao pela relagdio entre acontecimentos e os efeitos de sentidos deles na formagdo social. Vale destacar que a comemoragao nao recobre o festejar/celebrar positivamente como atualidade, ao contrario, reclama uma memoria para se sustentar e instaurar efeitos de sentidos. Jé a rememoragao fun- ciona como meméria e diferencia-se do discurso de, enquanto discurso que vem de algum lugar ou de um sujeito, signifi- cando falar de, como assunto. Este funcionamento demanda dar visibilidade a estes dois funcionamentos de memérit discurso de e o discurso sobre. 1, FUNCIONAMENTOS DA MEMORIA NA HORIZONTA- LIDADE E NA VERTICALIDADE DO DIZER CO discurso de e 0 discurso sobre como funcionamentos da meméria foram pensados, em Venturini (2009), em relagao 4 rememoragdo/comemoragao, que se constituem juntas no eixo da formulagao, tendo em vista, como diz Pécheux (1997a, p. 167), que “o intradiscurso como interdiscurso é um efeito sobre si mesmo, uma ‘interioridade’ inteiramente determinada como tal do ‘exterior’. Ancoramos esta afirmagao no fato de que o intradiscurso, enquanto linearidade, constitui-se na leitura e na interpretagdo, pelo que “significa antes em outro lugar, como pré-construfdo, que funciona como o ‘sempre-ja- ai’ da interpelagao ideoldgica, que fornece-impée a ‘realidade’ 0 ‘mundo das coisas”, conforme Pécheux (1997a, p. 167), como espago discursivo ou como dominio de memoria, cons- tituindo, no fio do discurso, pontos de estabilizagao que legi- timam e sustentam 0 discurso pela repeti¢ao. Acrescentamos ao que diz Pécheux, o fato de que os pontos de estabilizagao estruturam-se por mecanismos de “fazer-crer’ e ‘fazer-ver’, tal como proposto por De Certeau (1994) e pelos procedimentos de base linguistica e de processo discursivo constitutivos de efeitos de sentido relevantes para a leitura/interpretagaio/ 123 Linoua(aeys) ext Discurso A FORMACAO Dos oalETos sara Tasso & Erica Stva (Oras.) Delimitamos duas modalidades de rememoragao: a primeira, como interdiscurso, enquanto Pré-construido e, a segunda, como discurso fundante. No primeiro funcionamen- to, 0 discurso de (rememoragdo) ocorre como meméria e se materializa, no discurso, como efeito do discurso transverso, mais especificamente, pelo atravessamento, no intradiscurso, de discursos advindos de tempos e lugares outros, instaurando efeitos de sentidos contrarios a homogeneidade. Pela Tepeti- ¢40, estes discursos constituem a enunciabilidade por meio do que retorna como discurso autorizado. Nesta Perspectiva, 0 interdiscurso, enquanto pré-construido, fornece a matéria- Prima que sustenta o dizer no eixo da formulagao —o intra. discurso. Neste movimento, articula 0 ja-dito e a atualidade, construindo redes de memoria, que realizam o que Pécheux (1997a, p. 167) chama de “incorporagdo-dissimulagao dos elementos do interdiscurso: a unidade (imaginéria) do sujeito, sua identidade presente-passada-futura”, O segundo funcionamento do discurso de —rememoragao ~ tealiza-se a partir de discursos que retornam e sustentam/ ancoram o discurso sobre, legitimando o dizer e constituindo, no intradiscurso, efeitos de verdade e de autoridade. Destaca- mos, ainda em torno do discurso de, a sua ocorréncia como o que autoriza, ou nao, o dizer em telag&o a FD, a qual o sujeito da enunciagdo se assujeita, pela identificagao, contraidentifi- cagdo ou desidentificagao com o que € proprio da FD, como um saber. A constituigdio de um sujeito ou de um evento a ser comemorado decorre da sua inscri¢do em espagos discursivos como dominios do saber. O discurso de diferencia-se, portan- {0, de discurso origem, imputado a um sujeito determinado ou a um lugar, mas no possui o mesmo funcionamento que 0 discurso do/de. Nessa mesma diregao, 0 discurso sobre recobre 0 que é da ordem da atualidade, da enunciagao e do discursivo, diferenciando-se, por isso, de discursos em torno de determinada tematica. 125 Livava(oens) ew Discurso ‘A FORMACAO DOS OBJETOS O discurso sobre ocorre na dimenso linear do dizer, eixo sintagmatico ~ intradiscurso — no qual ressoam discursos outros, que sustentam e ancoram o dizer, como seus funda- dores. A primeira mengdo a sustentagdo de um discurso, a partir de um discurso anterior, aparece na AAD69, quando. Pécheux (1997b) afirma que um discurso remete a outro, com 0 qual mantém relagdes de sentido, respondendo direta ou indiretamente por ele. As visibilidades, os siléncios e os apagamentos no discurso sobre devem-se ao compromisso do enunciador com o dizer a partir do lugar que ocupa e de onde enuncia. Este compromisso esté em relago com 0 que De Certeau (1994, p. 286) chama de “taticas permitidas pelas exigéncias de uma Posigdo e pelas pressdes histéricas”. Por isso, a credibilidade do discurso depende do sujeito enuncia- dor e do lugar ocupado por ele. Podemos afirmar, ent&o, que 0 dizer sé entra na ordem do discurso se 0 sujeito for/estiver autorizado a dizer o que diz. E na materialidade do discurso, que os ditos e os néo-ditos sao interpretados/compreendidos. O discurso sobre nao refere a tema ou a assunto e sim ao funcionamento da memoria na horizontalidade, em que os saberes e os dizeres associam-se/relacionam-se e se constituem na ordem do consciente e do pré-consciente, tendo em vista que em sua formulagao ha, em tese, um locutor responsavel pelo dizer e que pode dizer “eu”, esquecendo-se de que ndo € a origem do dizer e de que fala por palavras ja-ditas e ja- significadas. Outro esclarecimento necessario é que 0 discurso de e também 0 discurso sobre, tal como o mobilizamos, nao funcionam separadamente em discursos em circulagdo. Pela memoria discursiva, 0 que € da ordem do repetido/ Ja significado ressoa no eixo da formulagao, preenchendo furos e atualizando o dizer, tendo em vista que 0 texto enca- minha para discursos e nao ha, neste funcionamento, como Separar a memoria da atualidade. Para resumir,dizemos que © discurso de funciona como meméria e, no eixo da consti- 126 Iswara Tasso & Erica SLA (Orcs.) e 6: tuigdo, relaciona-se ao esquecimento numero 1, da oon sa inconsciente, considerando que a memoria nao € to a acessivel ao sujeito, mas ressoa como um jé-dito, ja seni Ea antes em outro lugar, conforme Pécheux (1 997A). oO aes ~ sobre abarca 0 esquecimento numero 2. que é da oes 2 pré-consciente e, pela memoria discursiva, 2 cise el ria —i intradiscurso e ancora/sust memoria — irrompe no intradiscurs ra/sustenta o dis curso sobre — atualidade — constituindo a unidade imaginaria de sentido do texto. 2, ENTREMEANDO DISCUSSOES TEORICAS EANALISES... As condigdes de produgao dos enunciados palduigass : residente, a José Dirceu ¢ ao articulista constituem-se a Be cae da interpretagaio, pois recobrem um So ear histérico bastante especifico. A presidente aa ie abertura da Conferéncia Anticorrupga0, em Brasilia, ind cando o trabalho da midia em dentincias de Perey ia é Di tela, durante o julgami José Dirceu fez a declaragao, em tela, dt ae a ai Iveu liderangas do do mensalao — escndalo que envo! iy dos Trabalhadores — 0 governo Lula. Vale ressaltar que ne prensa foi quem denunciou as irregularidades e, ae at houve, no Brasil, um julgamento gue rompen Ba ce eae 2 i mndenados e iss = julgamentos, pois os réus foram co! ‘ ai as regularidades do discurso em torno de. ares - fticos i novos efeitos de sentidos em ; politicos instaurassem ‘ S sary 6ri unidade como uma p a memérias que sustentam a impu! de co ee i maginario em relag: naturalizada, decorrente de um i aoe julgamentos politicos sustentado/ancorado em memoria: sedimentadas/repetidas. Além das condigdes de produgao em torno estes ciados, vale sublinhar a filiagéo dos sujeitos em sau determinam o dizer. José Dirceu e Dilma filiam-se 4 esqu 127 Livoua(cexs) ext Discurso. ‘AFORMACKO Dos oBrETOS ©, por isso mesmo, foram atingidos pela pratica da censura € de silenciamento, sendo esta filiagdo determinante Para os efeitos de sentidos que circulam na atualidade. Outro Ponto a ser destacado, no funcionamento da memiéria, e que corrobora para a interpretagao, sao os Processos discursivos que dio visibilidade ao modo como as palavras fazem sentido pela inscrigAo de sujeito em FD’s, por suas posigdes ideolégicas e pelas condigdes sécio-histéricas de sua circulagao. Segundo Pécheux (1997a, P. 160), as palavras e o sentido delas “nao existem de modo transparente, mas é determinado pelas Posiges ideolégicas que esto em jogo no processo socio. histérico no qual as Palavras, expressées e Proposi¢des sao produzidas (isto é reproduzidas)”. A mudanga de sentido das palavras esté em relagdo com “as Posigdes sustentadas por aqueles que as empregam”. Destacamos, em fungao disso, em primeiro lugar, o titulo do artigo “Batalha Interna”, que pela palavra “interna” coloca em um mesmo lugar José Dirceu, Tepresentando 0 PT e Dilma, Tepresentando o atual governo, tendo em vista a filiagdo desses dois sujeitos ao mesmo Partido politico. A palavra “batalha” poderia significar diferentemente, mas nessa ocorréncia mo- biliza saberes/dizeres em torno do governo Lula, de Dilma Presidente e de José Dirceu, fazendo com que retornem outros discursos que atualizam 0 dizer e significam a Campanha de Dilma, colada ao Governo Lula e, antes disso, a participagao dela no governo, primeiro como ministra das Minas e Energia €, depois como ministra da Casa Civil, ressoando, também, a atuagao de José Dirceu nesse mesmo governo. Por estes Outros discursos que irrompem, no eixo da formulagao, des. de 0 titulo do texto, € possivel ler/interpretar/compreender a existéncia de divergéncias ou, no minimo, a constituigdo de efeitos de evidéncias de que a presidente, pelo lugar que Seupa, no pode/nao deve dizer que concorda com a regulagao da imprensa. As afirmagdes da presidente instauram efeitos 128 Ismara Tasso & Exica Siva (Oros.) de sentidos que encaminham e sustentam a . one ors visibilidade ao embate ea nd es sa sujeitos iliados a uma mesma FD, encaminhando, ig . para contraidentificagGes, para a resisténcia. Oenunciado “José Dirceu, com 0 apoio do Fe PT, diz que a regulacdo da imprensa, € ue Fee ae , ja 1s, do 013”, recortado, como ja destacamo: 2 to de ¢ aaa Interna”, é bastante produtivo para dar Oe : i i dee do discurso sobre, como fun- funcionamento do discurso ; me i ia. Podemos dizer que este enut cionamentos da memoria. maa ineari: i Jacdo e, aparentemente, lineariza-se no eixo da formul : ee i discurso sobre, de dizer. Tratar-se-ia, entéo, de um ‘ micas significada pelas condigdes de cr ee fn i iado circulou dias apés o julg sua circulagdo. O enunciado circul a care Zo, esc Iveu José Dirceu, sujeito que, mensalao, escdndalo que envolveu Jo e oe enunciado, assume a posigao-sujeito de locutor aa ae desta posigao, responsabiliza-se pelo elie — a fermi igdes de produgao e sustenta uma determiné j ee i enunciado o fato deste sujeito inscrever- = na FD de esquerda e ter sido denunciado pela imprensa, qu tornou publica a pratica de corrup¢ao. A leitura/interpretagao/compreensao Se subordina-se a filiagdo do discurso a um sages " —— a partir de discursos que retomamlFessoam, ne as siscur i ituindo redes par : , como discurso de, constituin 1 © erence furos e, pela eee ees ee ja-dito, signi itro lugar ou instaur , 4-dito, significado antes em out 0 lug t aes a resisténcia. A possibili idade de eee oe novo ou da repetigao decorre de sujeitos e de suas afl des di i jue determinam 0 que por em formagées discursivas, q! n eae ido/i centamos a isso, 0 ser lido/interpretado. Acres paresis i éncia dessas palavras, trat temporalidades de ocorréncia : conligdes de produgaio, serem parte integrante desse processo. 129 Linaua(oeNs) ew Discurso ‘A FoRMAGAO DOS OBIETOS Pelo enunciado imputado a José Dirceu, no artigo de opi- niao publicado no Jornal A Gazeta do Povo, ressoam, portanto, discursos em torno da coergao politica e do silenciamento/ censura praticados no Brasil, na Era Vargas e na ditadura militar, coibindo/cerceando a liberdade de imprensa. No que se refere 4 Era Vargas, vale destacar, ancorados em Aarao (2000) e Aquino (2000), a criagdo, em 1939, do Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP, responsdvel pela censura aos meios de comunicagao e divulgagao do Estado Novo, em que 0 governo seguia de perto os movimentos da imprensa, determinando 0 que podia ou nao ser divulgado. Retornam, igualmente, discursos em torno da censura praticada pelos militares, no periodo da ditadura, que se seguiu a0 Golpe Militar e perdurou durante vinte anos (1964-1985 ). Nesse periodo, sucederam-se Praticas sociais ligadas a re- Pressao policial, aos exilios politicos e a legislagao autoritaria que cerceava a liberdade de imprensa e também de artistas, Apos a promulgagao do AI-5, todo e qualquer veiculo de comunica¢ao deveria ter sua pauta previamente aprovada e Sujeita a inspegao local e pontual de suas matérias por agen- tes autorizados. Todos esses discursos e também aqueles que destacam o desaparecimento de joralistas, retornam nesse discurso, funcionando como meméria. José Dirceu emprega a palavra regulagao da imprensa, mas os discursos que retornam instauram efeitos de silen- ciamento/cerceamento, tememorando/comemorando, nega- tivamente a Era Vargas e os anos de chumbo, referendando © funcionamento da rememoragao (discurso de) como 0 que sustentaancora a atualidade, como comemoragao, lugar da critica e nao como celebrago. Trata-se do que estd posto e é interpretado em relagdo a uma anterioridade, impossivel de ser gerenciada em seus efeitos de sentidos. A palavra regulagdo, pelo funcionamento da lingua na historia, encaminha para re- gulamento, para leis ¢ faz retornar decretos, o Ato Institucional 130 Ismara Tasso & Erica SILVA Ores.) n? 5, entre outros. Nesse enunciado, retornam outros discursos totalitarios, que formam redes parafrdsticas no discurso sobre (atualidade), que se constitui por meio da midia. Nessa mesma materialidade, ha referéncia a obsessdo do PT pela regulagao/ controle da imprensa e pelo que é designado de antigo sonho do PT de exercer o totalitarismo. Junto a essa atualidade, retorna como discurso ligado a0 funcionamento do totalitarismo e, por isso relacionado a direi- ta, um enunciado imputado a Lula, no inicio de seu governo e que foi amplamente divulgado pela imprensa. Trata-se do enunciado em que o entio presidente, teria dito que “nem Deus impediria as reformas” que o Brasil necessitava, segundo ele. Por esse dizer, retornaram outros discursos relacionados aos nao-ditos, ao que ficou por dizer, aos siléncios e fez com quea imprensa se dividisse entre a parte que se filiava ao fendmeno designado pela midia simpatizante de lulismo € que, mesmo assim, filiava o dizer imputado a Lula a sujeitos de pouca escolaridade, que falam muito e, por isso, fazem declaragdes impensadas ¢ ingénuas. Outra facgdo, talvez nao identificada a Lula, explorou amplamente 0 que foi dito e, também 0 que nfo foi dito, filiando os dizeres & pritica coercitiva de Vargas e dos militares que fecharam o congresso, praticaram a censura promoveram o siléncio tumular, referido por Dilma. O enunciado “Mas Dilma Rousseff j4 deixou claro que nao partilha do impulso totalitario”, referenda a opiniao do articulista e sinaliza para dois julgamentos. O primeiro, em relagao a José Dirceu, que apesar da inscrigao em uma aH de esquerda, destoa dela pela pratica totalitéria de control da imprensa e, 0 segundo, em relagao a Dilma, que apesar pertencer ao mesmo grupo que Dirceu, afasta-se dele neste acontecimento. As condigdes de produgao relativas ao momen- to sécio-histérico de circulag&o do texto sinalizam para um imaginario favoravel 4 presidente, tendo em Vista o ee ‘dos companheiros’, que de certa forma, foi permitido pelo 131 Livova(GeNs) em Discurso A FORMACAO DOS OBIETOS governo e, amplamente divulgado pela imprensa, referendan- lo a nao participagao da presidente, no que foi designado de ‘impulso autoritario’. O posicionamento do articulista constitui redes parafrds- ticas, as quais decorrem do titulo do artigo “Batalha Interna” e da relacao partidaria entre os sujeitos envolvidos: Dilma, José Dirceu e 0 presidente do PT. Quando emprega a palavra ‘impulso’, 0 sujeito se identifica a FD a que pertencem o ex- presidente da Casa Civil e a presidente, fazendo com que o sentido derive e signifique entre uma pratica totalitaria e uma agao designada como ‘impulso’, que suaviza essa pratica, atenuando efeitos de sentidos Possiveis frente 4 declaracao de José Dirceu. A presidente Dilma destaca que “E sempre preferivel 0 tuido da imprensa livre ao siléncio tumular das ditaduras”. Por esse dizer, retornam discursos filiados a diferentes dominios de memérias e a sujeitos inscritos a uma mesma FD, do que resulta a contradigfio, tendo em vista as diferentes Posigdes ocupadas por esses sujeitos. Um discurso bastante forte ressoa no/pelo sujeito Dilma, fazendo irromper, no fio do discurso, a sua pratica como Guerrilheira e sua atuagao em defesa dos direitos das minorias. Esse discurso sustenta e ancora a respos- ta dela 4 pretensdo de regular a imprensa, sinalizada por José Dirceu e pelo presidente do PT, sujeitos significados, nessa andlise, ndo em sua empiricidade, mas enquanto posigdes ocupadas na formagao social. Apesar dos efeitos de evidéncias de uma batalha interna em desenvolvimento e da filiagao de Dilma em uma FD de esquerda, 0 seu dizer rompe com o esperado, pois ela designa aatuagao da imprensa de “rufdo”. Esta palavra inscreve o dizer em uma zona de desconforto porque incomoda, mas significa como 0 que nao deve/pode legitimar-se. O funcionamento desta palavra rompe com o que se espera de um sujeito que 132 Iswara Tasso & Enica SILvA (Orcs,) atuou como guerrilheira, pois nela/por ela ressoa uma critica imprensa. Outra palavra que sinaliza para a falta ae a falha é a palavra “preferivel”, que significa junto a ruido promovido por uma imprensa livre €, ao mesmo tempo, cer- ceada. Mesmo assim, 0 efeito de sentido que permanece ae 0 posicionamento da presidente satura 0 discurso e signi - um governo livre do autoritarismo, silenciando os eet lo partido dos trabalhados — PT - representados por José Dirceu e pelo presidente do partido. Podemos dizer, ento, que diferentes efeitos de sentidos ressoam por/nessa declaragiio e estes efeitos devem-se tanto a postura centralizadora da presidente, quanto ao seu a em torno da preservagiio da liberdade de imprensa. Ressal ee ainda, a palavra “tumular”, pela qual retornam eras e as mortes praticadas na Era Vargas ¢ no perfodo lpr rs Nao se trata de uma palavra usada com intengiio de dizer ou nao dizer, mas da sua inscrigdo em um ou outro oe dependendo das posig6es séci listoricas assumidas rates sujeitos responsaveis pelo que é dito. A referéncia a suje ; abarca tanto aquele que assume a fungao-autor, quanto ees sujeito que exerce a fungao-leitor, enfatizando que My Pees vra significa porque tem textualidade e que “a interp ‘i ag : deriva de um discurso que a sustenta, que a prové de realic significante” (ORLANDI, 2004, p. 52). A mesma autora destaca que a palavra nao significa, “€ © texto que significa” (ORLANDI, 2004, p. 52). Eee ane magiio faz eco a Pécheux, segundo o qual, za maine a discursiva, as palavras fazem sentido por meio de relagdes com uma formagaio ideolégica. O autor designa esse sistema de processos, como “o sistema de relagdes de substituigao, parafrases, sinonimias, etc., que funcionam entre elementos linguisticos — “significantes” em uma formagao discursiva dada” (PECHEUX, 1997a, p. 161). 133 Livava(GeNs) eM Discurso ‘A FORWAGAO DoS OBJETOS Por esse processo, as palavras se textualizam em texto e 0 discurso da presidente instaura um efeito de realidade que significa a batalha interna e encaminha para uma defesa das liberdades, legitimada pelo fato de a declaracao de Dilma ter sido feita durante a abertura da Conferéncia Internacional Anticorrupgdo e de José Dirceu estar inscrito aos dominios da corrupgdio, mesmo Pertencendo ao mesmo partido da presi- dente.,O “siléncio tumular” faz retornar, ainda, discursos pelos quais os movimentos artisticos e literarios foram coibidos e os artistas/escritores censurados, tendo em vista que o que era dito, na época, estava Permeado por néo-ditos, por siléncios, enfim, por tudo que ficava por dizer, mas mesmo assim, Tesso- ava, latejando como um discurso que se atravessava/atravessa vindo do passado para o discurso em tela. EFEITOS DE CONCLUSAO. Diante do retorno de discursos que enfocam a liberdade de imprensa, a sempre temida ditadura e 0 fato de que este discurso € sempre atual, enfatizamos a impossibilidade de concluir. A partir do que referendamos o cardter politico de todo e qualquer discurso, tendo em vista a sua inscrig&o e a sua ancoragem em discursos outros, designados como um funcionamento da meméria ligado ao discurso de (meméria). Nesse sentido, a ancoragem em um ou outro discurso escapa a intencionalidade dos sujeitos e mesmo das instituigdes, tendo em vista que em cada Sujeito o que é da ordem da memoria ressoa diferentemente e nao pode ser controlado, porque es- capa ao consciente. Do lugar te6rico em que analisamos discursos, reiteramos duc o dizer nio é acessivel ao sujeito por inteiro, tendo em vista a interpelacao ideol6gica e o atravessamento do inconsciente, Tepetindo o que destaca Orlandi (2004). Courtine, (1999 ), nesta mesma diresdo, assevera que no interdiscurso (meméria) 134 Ismana Tasso & Erica SIVA (Onos.) fala uma voz sem nome, nao havendo, portanto, um sujeito responsavel pelo dizer. Com isso, reiteramos que ee a arquivos histéricos, que funcionam nos museus ¢ bil = = o dizer escapa ao gerenciamento, aos sentidos postos/sedimer tados. A partir disso, sublinhamos que rememorareomienibie refere a funcionamentos da memoria, escapando a cele ragdo e se firmando como o lugar do que escapa & intencionalidade © A celebragao, considerando a contradigao, dada pelo fieio- namento distinto de um mesmo acontecimento, que significa pela lingua na historia. O discurso de e 0 discurso sobre sao, entdo, funciona- mentos de meméria e sinalizam para 0 interdiscurso, como pré-construido que, pelos processos de articulagao ede dis- curso transverso, sustentam/ancoram o dizer no intradiscurso, reafirmando que no eixo da formulagdo, niio ha como ee 0 que é memoria do que é atualidade, tendo em vista a a a textualidade constitui-se de espagos e de furos, preenchido: por discursos que retornam, sem que 0 sujeito tenha consci- éncia desse retorno. O discurso de (rememoragao) e discurso sobre (come- moragao), funcionando juntos no intradiscurso seferenlam ¢ sustentam, nao s6, que as palavras inscrevam-se em distint dominios de memoria e significam por esta inscrigao, mes também, que os sujeitos, pela filiagdo a lugares e a pes es constituem-se como a contraparte constitutiva dos et a d sentidos instaurados em discursos, no caso em tela, da = ia. Alem disso, os discursos que circularam antes em outro aoe e ressoam no eixo da formulagao nao encaminham para brat quer efeito de sentido, mas para aqueles que as. materiali a et linearizadas, no fio do discurso, permitem pela con : de redes parafrasticas, que repetem sentidos ja-dados ou tauram 0 novo, como acontecimento. 135 I Livova(oeNs) ew Discurso ‘A FORMAGAO DOS OBJETOS REFERENCIAS AQUINO, M.A. de. Censura, Imprensa, Estado Autoritério (1968- 1978). O exercicio cotidiano da dominagao e da resisténcia. O Estado de S. Paulo e Movimento. Bauru: EDUSC, 2000. BATALHA interna. Gazeta do povo [Editorial].Parané, 10 de nov. 2012. Disponivel em:. Acesso em: 15 nov. 2012. . COURTINE, J.J. Chapéu de Clementis. Observagées sobre a meméria ¢ 0 esquecimento na enunciagdo do discurso politico. Trad. de Freda Indursky. In.: INDURSKY, F.; FERREIRA, M. C.L. Os miltiplos territérios da Andlise do Discurso. Porto Alegre: Sagra/Luzzato, 1999. DE CERTEAU, M. 4 invengdo do cotidiano, 1. 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