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| IM. Foucault @ os domimios da linguagem Discurso, poder, subjetividacde Diagramagao Claudia de Oliveira Projeto Grafico e Elaboragéio de Capa Dez e Dez Multimeios/Galeria Design Impressiio e acabamento Gréfica Suprema Ficha Catalogratica laborada pela Secao de Tratamonto da Informagao da Biblioteca “Prof. Achille Bassi” Instituto de Ciéncias Matematicas e de Computagao - ICMC/USP F652 Foucault e os dominios da linguagem: discurso, poder, subjetividade / Vanice Sargentini, Pedro Navarro- Barbosa. - Sao Carlos : Claraluz, 2004. 260 p.: 21cm ISBN 85-88638-08-8 1, Anélise do discurso. 2. Teoria de Foucault. |. Sargentini, Vanice, org. II. Navarro-Barbosa, Pedro, org. Ill. Titulo. 2004 Editora Claraluz Rua Rafael de A. Sampaio Vidal, 1217 CEP 13560-390 - Centro / Sao Carlos - SP Fone/Fax: (16) 3374 8332 www.editoraclaraluz.com.br FOUCAULT E 0S DOMINIOS DA LINGUAGEM: DISCURSO, PODER, SUBJETIVIDADE 97 O acontecimento discursivo ea construgao da identidade na Histéria Pedro Luis Na ro-Barbosa® A historia, genealogicamente falando, n&o tem por fin reencontiat as rates de nossa identidade, nas, ao contrirta, se obstinar em dissipa-la; ela nio pretende demarcar o tervitirio tinico de onde nds retornaremos; ela pretende fazer aparecer todas as descontinuidades que mos atravessan Michel Foucault Em meio a ebulicéo do paradigma estrutural que dominou nos anos sessenta as ciéncias humanas na Franga, Michel Foucault surge e se firma como um pensador que fez incursées em varios campos do conhecimento, pois abordou temas diversos, tais como: as condigdes de formagao dos discursos, as redes e dispositivos das relagdes de poder e os procedimentos reguladores de expressio da sexualidade. A partir de seus estudos, Foucault abriu um leque complexo de questées envolvendo a constituig&o dos saberes, a loucura, o processo de subjetivagao, a prisio e a clinica. Disso resulta a dificuldade de caracterizar esse filésofo como um intelectual representante de uma determinada “episteme”, como atestam seus criticos, dentre os quais Rojas (2000), que chama a ateng&o para a multiplicidade de adjetivagdes que, segundo diferentes olhares, definem Foucault como, por exemplo, um dos principais representantes do estruturalismo francés, ou um pensador de direita e antimarxista, ou ainda o filésofo da geragio francesa de 68. Desse conjunto complexo e variado que representa o pensamento critico de Foucault, é possivel extrair interpretagdes para um grande nimero de problemas. Neste trabalho, proponho-me *Professor da Universidade Estadual de Maringa, PR 98 FOUCAULT E OS DOMENIOS DA LINGUAGEM: DISCURSO, PODER, SUBJETIVIDADE a discutir dois aspectos centrais do pensamento desse fildsofo francés, a sabe! © conceito de histéria que norteia as obras Historia da loucura, As palavras e as coisas e A arqueologia do saber, e a no¢gao de acontecimento discursivo. Falar de histéria e de acontecimento discursivo implica considerar uma terceira nogio, a de sujeito do discurso, tal como formulada por Foucault nas obras referendadas. A partir disso, abordarei a construgdo da identidade na produgio discursiva da mfdia impressa sobre 0 V Centenario do Descobrimento do Brasil, considerando-se que nesse contexto ela exerceu um papel andlogo ao do discurso histérico, na medida em que promoveu wma escrita da histéria do tempo presente. Desde jé, registro minha divida para com os comentadores ¢ os criticos dos quais me sirvo para nao entrar sozinho na ordem fascinante, complexa e, por vezes, arriscada do pensamento foucaultiano. Michel Foucault e a desconstrugio da historia © perfodo compreendido entre os anos de 1964 a 1971 é marcado pelo intenso didlogo e pela confrontagio da obra de Foucault com a historiografia francesa. Nesses anos, Foucault é chamado para definir de modo mais preciso 0 seu perfil intelectual, a se situar em relagao aos horizontes da filosofia, do estruturalismo e da historiografia francesa. E nesse contexto que, segundo Rojas, devem ser lidos os varios artigos, as muitas entrevistas e obras, como 4 arqueologia do saber € o langamento miditico de As palavras @ as coisas. Para se posicionar criticamente diante de um projeto positivista de histéria tradicional, Foucault define a diferenca entre histéria tradicional e histéria nova. O trabalho da historia tradicional FOUCAULT E OS DOMINIOS DA LINGUAGEM: DISCURSO, PODER, SUBJETIVIDADE 99 concentra-se em “reconstituir a forma de conjunto de uma civilizagao, o princfpio — material ou espiritual — de uma sociedade, a significagao comum a todos os fendmenos de um perfodo, a lei que explica sua coesao” (FOUCAULT, 1972, p.17). O projeto dessa histéria é, pois, o de reconstituir o “rosto” de um determinado perfodo, supondo haver um sistema de relacdes homogéneas, uma rede de causalidade entre todos os acontecimentos de uma 4rea espago-temporal. Para tanto, o método adotado pelo historiador positivista consiste em tracar as linhas de continuidade do desenvolvimento de um pensamento, numa légica evolutiva. A hist6ria nova problematiza justamente esse espirito de causalidade, ao privilegiar as séries, os recortes, os limites, os desniveis, os deslocamentos. Sua tarefa, portanto, é outra: determinar que forma de relayao pode ser legitimamente deserita entre essas diferentes séries, que sistema vertical clas so suscetiveis de formar, qual é, de umas para outras, o jogo das correlagdes e das dominancias; de que efvito podem ser os deslocamentos, as temporalidades diterentes, as diversas permanéncias; em que conjuntos distintos certos elementos podem figurar simultaneamente (FOUCAULT, 1972, p.18) Foucault rejeita o continuismo presente na hist6ria tradicional, por considera-lo um refiigio do antropocentrismo, um correlato indispensavel ao sujeito, considerado originario de todo o devir e senhor consciente de sua historia. Nessa histéria continua “o tempo € af concebido em termos de totalizagdo e as revolucdes jamais passam af de tomadas de consciéncia” (FOUCAULT, 1972, p. 21). A tarefa desse tipo de historia resume-se, desse modo, a construir uma histéria global, explicativa e dotada de sentido, capaz de restituir a continuidade complexa do devir histérico. A finalidade do fildésofo, entretanto, é outra. Trata-se de 100 FOUCAULT E OS DOMENIOS DA LINGUAGEM: DISCURSO, PODER, SUBJETIVIDADE perseguir algo como uma histéria geral, constitufda de miltiplos centros de estruturagao e de dispersao, de uma pluralidade de sentidos. Desse modo, contra a concepcao de histéria que se desenvolve em uma continuidade linear e simples, Foucault, fundamentado em Bachelard, Canguilhem e Nietzsche, apresenta wma genealogia cujo motor é a descontinuidade. Conseqiientemente, o passado que essa historia complexa e cheia de encruzilhadas encerra é aquele que aconteceu sobre a “negacgdo e derrota de muitos outros passados virtuais, que “terminaram por ser deixados de lado, depois de sucumbir dentro do conflito, diante dessa linha do presente/passado que resultou dominante e vitorioso” (ROJAS, 2000, p. 909). A nova histéria-genealogia rejeita a nogio de causalidade linear, assim como a concepgao de tempo continuo e unilinear, em favor de uma histéria que se pauta pelas miltiplas causalidades imbricadas e por uma teoria das diferentes temporalidades sociais. Nas anélises que Foucault empreende sobre as condigées de emergéncia dos saberes e dos objetos por eles instituidos a nogiio de descontinuidade figura como um conceito operatério com 0 qual © autor faz surgir aos olhos dos historiadores do seu tempo uma hist6ria capaz de colocar em agao um “estruturalismo historicizado”, por nao estar fechada em torno de um centro, mas, sim, definida como espago de uma dispersio. Como bem salienta Dosse, para Foucault importa C.J] abrir as estracur continuidades temporais, para as para de sante das mudangas que regulam os deslocamentos num jogo inc! praticas discursivas. A desconstrugtio da disciplina historica (.. passa pela rentincia a busca de continuidades ¢ as tentativas de sintese entre os elementos heterogéneos da realidade (DOSSE, 2001, p.2 = 15) FOUCAULT E OS DOMiNIOS DA LINGUAGEM: DISCURSO, PODER, SUBJETIVIDADE 101 © projeto de uma histéria geral requer que se coloque em suspenso um determinado ntimero de nogdes intencionais que sustentam o tema da continuidade. Elas compreendem a tradi a influéncia, o desenvolvimento e a evolucao, a mentalidade ou o espirito de uma época. Além dessas nogoes, € necessdrio por em suspenso as unidades do livro e da obra. Foucault dispara sua critica contra essas nogdes e unidades por consideré-las formas histéricas de preservagao da consciéncia e da continuidade. Para ele, E preciso repor em Questao essas sintese acabadas, es agrupamentos que, no mais das vezes, admite-se antes de qualquer @xame, esses lagos cuja validade é reconhecida desde o inicio; € precis desalojar es sas formas ¢ essas forgas obscuras pelas quais se tem o habito de ligar entre si os discursos dos homens (FOUCAULT. 1972, p. 32). Da oposicao histéria tradicional/historia nova, decorre a discussdo sobre o par documento/monumento. Segundo 0 que analisa Foucault, a histéria tradicional empenhava-se no trabalho de memorizagio dos monumentos dos passados para transforma- los em documentos, procurando, com isso, encontrar relagées de causalidade, de determinago circular, de antagonismo ou de expressdo entre fatos ou acontecimentos datados. Porém, a essa pratica histérica que considera o documento como uma matéria Inerte, por meio do qual o discurso se empenha em reconstituir aquilo que os homens fizeram on decidiram, ou em determinar 0 que é passado e 0 que apenas deixa rastros, Foucault opée outra, que faz, do documento histérico um monumento, por meio do qual © historiador pode constituir séries, definindo-lhes seus elementos © limites, descobrindo o tipo de relac&o que Thes sito espectficas e a lei que as rege. Além desse trabalho, a analise do documento possibilita descrever as relacdes entre as diferentes séries, para 102 _ FOUCAULT E 0S DOMINIOS DA LINGUAGE! ISCURSO, PODER, SUBJETIVIDADE constituir, assim, séries de séries ou “quadro” Eis, portanto, 0 método serialista empregado pelo autor para estudar em sua Histéria da Loucura as condigdes de validade e de possibilidade do saber psiquiétrico em relag&o a loucura, tida como um objeto tabu ¢ um recalcado da razao ocidental. _A arqueologia desse recalcado possibilita ao autor compreender que a loucura nem sempre teve o mesmo estatuto, pois de objeto de exclusao passou a ser encarcerada nos hospitais. No Renascimento a figura do louco era indissocidvel da figura da razao; imanente a razdo descobre-se a loucura. No perfodo classico 0 pensamento racional, para se firmar e delimitar seus objetos, exclui o louco do territ6rio nacional. I preciso silenciar a loucura, encarceré-la para que se dé lugar ao mundo da Razao. J4 a partir do fim do século XVIII a loucura passa a ser objeto do saber médico. Assim, da indiferenga passa-se A especificagdo da loucura Ao historicizar as praticas que instituiram a figura do louco como aquele que deve ser odiado ou apartado do convivio em sociedade, Foucault poe a mostra o sistema de exclusao e de divisio instituido nas sociedades cujo poder pode, através de um decreto administrativo, dividir a sociedade nao em bons e maus, mas em sensatos € insensatos. Como analisa Blanchot (s/d), a partir ‘dessa primeira obra, Foucault comega a problematizar questdes como razio e desrazio, tradicionalmente pertencentes aos estudos filoséficos, 4 luz de uma determinada perspectiva da histéria, que privilegia uma certa descontinuidade, ou seja, um pequeno acontecimento que pode fazer a histéria oscilar. Assim, nessas rupturas do saber psiquidtrico em relagio a loucura, Foucault observa uma descontinuidade nas praticas discursivas, a qual induz a novas objetivagées sobre a loucura. Com isso, ele apresenta uma histéria da constituigao dos saberes que o 4 FOUCAULT E OS DOMENIOS DA LINGUAGEM: DISCURSO, PODER, SUBJETIVIDADE 103 leva em conta o fato de um determinado objeto receber significagdes diferentes conforme a época e as praticas em que ele ganha existéncia. Nessa arqueologia que constréi sobre a loucura, Foucault detecta “as descontinuidades que fazem nossa cultura passada parecer fundamentalmente outra, estrangeira para nods mesmos, numa distancia restaurada” (DOSSE, 2001, p. 204). ‘izacdo desse objeto uma ruptura com a Dosse vé na histor’ hist6ria do sujeito ocidental, por abrir caminho para wma nova sensibilidade histérica que, ao contrério de valorizar os herdis da histéria ou glorificar os seus condenados, faz ressurgir do esquecimento aquele que foi encerrado nos asilos e nos hospicios pela razao ocidental. Nessa mesma diregio, Blanchot argumenta que o fato de Foucault privilegiar o discurso nao significa que ele rejeita a hist6ria. O que faz é procurar entrever nela descontinuidades, deslocamentos, mudangas locais, atribuidas nao 4 vontade de um soberano, mas a praticas sociais de homens anénimos que escrevem a hist6ria. Essa opgao de Foucault representa uma recusa a idéia de que, subjacente as transformagées histéricas, haveria “uma grande narrativa silenciosa, um rumor continuo, imenso e ilimitado que seria necessério reprimir (ou recalcar), 4 maneira de um nao-dito misterioso ou de um n&o-pensado” (BLANCHOT, s/d, p. 83). O relativismo histérico que emerge das andlises sobre as condigées de possibilidade e de emergéncia dos saberes leva 4 conclusio de que nfo ha verdade para ser buscada nas diversas etapas constitutivas do saber, mas sim discursos historicamente detectaveis, que constroem verdades e possibilitam o exercicio do poder. As sucessivas rupturas no saber levam o autor a declarar sua incredulidade em relagdo ao sentido, por constatar que nao existe um sentido dado a priori, mas sentidos que sao construidos nas praticas discursivas. 104 FOUCAULT E 0S DOMINIOS DA LINGUAGEM: DISCURSO, PODER, SUBJETIVIDADE A partir dos estudos de Foucault, funda-se uma pratica hist6rica, mais tarde rotulada de micro-histéria, que direciona sua atenc4o aos herdis anénimos, aqueles que s4o exclufdos da histéria tradicional. Uma modalidade de historia que deixa de olhar para as grandes batalhas, as importantes lutar de monarcas, para se voltar para os pequenos acontecimentos (a micro-histéria), que fazem a historia mudar seu curso (DE CERTEAU, 1994). Embora fomente intimeras criticas por parte daqueles que ndo conseguem se desfazer do pensamento psicologizante, 0 método de Foucault é claro, pois, como sintetiza Kremer-Marietti (1977), consiste em interpretar os documentos existentes e reformuld-los para, entao, definir um dominio imenso, que comporta o conjunto de todos os enunciados efetivamente falados ‘ou escritos em sua dispersio de acontecimentos e na instancia propria a cada um. Michel Foucault e o descentramento do sujeito na histéria A nogio de sujeito aparece claramente articulada com a nogao de histéria desenvolvida nas obras referendadas. Na andlise arqueolégica que empreende sobre as condigoés de possibilidade dos saberes, Foucault produz uma ruptura com a crenga segundo a qual a histéria teria como ponto de partida e de chegada o sujeito concebido como originario do devir historico. ‘A investida de Foucault contra o sujeito consciente de sua histéria insere-se em um projeto maior, em uma visada mais abrangente que encontra ecos na histéria: o descentramento do homem em As palavras ¢ as coisas, obra em que o autor empenha-se em fazer a histéria do nascimento e da morte do homem, mostrando que, paradoxalmente, as ciéncias humanas constituem-se como tal FOUCAULT E OS DOMENIOS DA LINGUAGEM: DISCURSO, PODER, SUBJETIVIDADE 105 na medida em que essa morte ¢ anunciada. Foucault vincula o desaparecimento da figura do homem como sujeito, agente e consciente de sua histéria ao antincio da morte de Deus, realizado por Nietzsche: Ca] descobre-se entio que a morte de Deus eo iltimo homem estto vinculados: nao é 0 acaso o tiltimo homem que anuncia ter matado Deus, colocando assim sua linguagem, seu pensamento, seu riso no espaco do Deus jé morto, mas também se apresentando como aquele que matou Deus ¢ cuja existéncia envolvea liberdade e a decisto deste assassinio? [....] o homem vai desaparecer. Mais que a morte de Deus [J] 0 que anuncia o pensamento de Nietzche 0 fim des (FOUCAULT, 2000, p. 534). su assassino Nessa histéria que empreende Foucault mostra que o homem surge como uma cesura no saber, como uma invengio que nao chega a ter dois séculos, e depois desaparece, fadado que esta a finitude. Na episteme classica 0 homem como objeto e sujeito do pensamento, posigdes antevistas por Velasquez no quadro ds meninas, néo tem lugar, pois, nesse perfodo, ele era visto como poténcia de vida, fecundidade do trabalho ou espessura histérica da linguagem. Embora a gramitica geral, a hist6ria natural ou a andlisé das riquezas fossem maneiras de reconhecer 0 homem, Foucault alerta para o fato de que nessas ciéncias nao havia uma consciéncia epistemolégica do homem como tal. Anulado na episteme clissica, o homem reaparece na episteme moderna, mas de modo ambiguo, pois apenas se tem acesso a ele pela vida, pelo trabalho ¢ pela linguagem. Em outras palavras, s6 € possfvel conhecé-lo pelo o que ele 6, produz e diz. Assim, a aparicao do homem como rei da criagio ocorre quando a histéria natural se torna biologia, a andlise das riquezas, economia e a reflexao sobre a linguagem se faz filologia, Nesses saberes 0 homem surge, ao mesmo 106 _ FOUCAULT E 0S DOMINIOS DA LINGUAGEM: DISCURSO, PODER, SUBJETIVIDADIL (cnipo, como objeto para um saber e como sujeito que conhece. Entretanto, nem a filologia de Propp nem a teoria da economia politica de Smith e Ricardo, tampouco a biologia de Lamarck ¢ Cuvier puderam preservar a condig&o do homem de ser sujeito de sua histéria e figura soberana em relagdo a natureza. O sujeito vivo, falante e trabalhador esté fadado a finitude, que é prescrita na propria positividade desses saberes, pois “sabe-se que o homem é finito, como se conhecem a anatomia do cérebro, 0 mecanismo dos custos de produgio ou o sistema da conjugagao indo-européia”’ (FOUCAULT, 2000, p. 432). A recusa a um certo antropocentrismo dominante na historiografia se faz presente também em 4 arqueologia do saber. Uma concepgao de historia centrada no sujeito e na crenga de que as mudangas ocorrem sob um tecido continuo de relagdes impediria Foucault de realizar uma descrigao “pura” dos enunciados cfetivamente ditos. Como salienta Blanchot (s/d), para tratar das priticas discursivas que remetem somente para si proprias (suas regras de formagao, o seu ponto de fixagdo e a sua emergéncia), scm que, para tanto, seja necessdrio determinar um ponto de origem ou, ainda, um autor, Foucault precisa descartar a crenga na cxisténcia de um grande inconsciente coletivo - uma espécie de pro déncia pré-discursiva -, que funcionaria come o alicerce de todo © discurso e de toda a historia Assim, a idéia que se tem sobre o homem é datavel, uma vez que sua aparig&o se d4 num determinado momento, quando se torna objeto do saber. O homem passa a ser também alvo de um poder, nao de um poder centr: Jizado num determinado aparelho ideoldgico, como reivindicam os adeptos do marxismo-althusseriano, mas de praticas, como a psiquiatria, a medicina, economia, ou a midia, objeto de te estudo. Nesse sentido, o individuo 6, segundo os estudos foucaultianos, tecido nos enunciados cientificos, que, de um lado, NOUCAULT E OS DOMINIOS DA LINGUAGEM: DISCURSO, PODER, SUBJETIVIDADE 107 ‘onstituem campos especificos e, de outro, estabelecem-se “como jraticas descontinuas, que se cruzam, se avizinham as vezes, mas também se ignoram ou se excluem” (FOUCAULT, 1995, p.21). A concepgao de sujeito com sendo uma construgao historicamente determinada pelas praticas discursivas vai de encontro, portanto, 4 pratica histérica tradicional, que é 0 correlato indispensdvel & funcdo findadora do sujeito, a garantia de que tudo que The eseapou pode Ihe devolvidos a de que tod sel J a promes S essas coisas mantidas a uma distancia pela diferenga, o sujeito poderé um dia — sob a forma da consciéncia histérica — del ¢ apropriar novamente, restaurar seu dominio sobre elas ¢ encontrar o que se pode bem chamar sua morada (FOUCAULT, 1972, p. 21). E justamente desse sujeito constituinte que o autor vé a necessidade de se livrar, a fim de poder realizar suas anilises sobre a constituigéo do sujcito na trama histérica da qual participa, bem como sobre os mecanismos e as estratégias empregados pelas diversas praticas discursivas para instituir e legitimar processos de subjetivagao. A arqueologia do acontecimento discursivo Com suas andlises, Foucault realiza uma desconstrugio da histéria e anuncia o descentramento do homem, ao mostrar que a emergéncia dos saberes nado obedece a uma légica continua e evolutiva, mas a uma descontinuidade. Por correlato, a histéria descontinua exclui qualquer antropocentrismo, uma vez que a sucessdo das fases obedece a uma légica puramente discursiva, sem qualquer referéncia a um projeto teolégico ou a uma subjetividade

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