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ROBERT O, PAXTON A ANATOMIA DO FASCISMO “Trauugdo: Patricia Zimbres e Paula Zimbres @ PAZ E TERRA 4 1 TNTRODUGAO, © fascismo foi a grande inovagio politica do sécul vale boa parte de sus sofrimontos. As demas grale corre cultura politica do Ocidente moderno —0 conser adorn emo ~ atingiram forma macura entre fins do séctlo = © me dos do século xix. Na 1890, contudo, « fascismo nto havia ainda imaginado. F no proficio de 1895 par. a nova ediio =e olanes na Frange, de Karl Marx, ceixa claro que areiava qi ® mpligio do cleitorado, fatalmente, traria mals woros pass cesquerdia, Se- gud afrme cvenga de Engels tanto o emo quanto os nimeros estavam ago socialsta]continuar assi rich Engel ded Jos socialistas. “Se [a crescente 20 final deste século [0 sé nos [os cialistas] teremos conquistado 1a maior parte dos estratos mé le, os pequetos burgueses € vs, transformand-nos na orga decsiva do pls” "Os Conner: “a haviam perc warts eles, Ao contririo, "nds [08 socialists}, sob ess le ‘mos misculos conservadores} nessa legalidadk ne faces rosadas, ¢ a aparéncia de vida eterna. A les [os * resta a fazer senio encontrar, cles tmbém, bree " Embora Engels previsse que 0 inimigos dx exquerta 1: Friedrich Enge! (1848-1850), em The Marne Reale. Norton, 1978, p.571 1895, preficlo 2 Karl Mare, The Clas Struggles France ‘bert C. Tucker, 2. el, NovaYerksW.W. AANATOMIA DO FASCISMO acabariam por langar um contra-ataque, ele, em 1895, no aque ese ataqueviriaa conquistar 0 apoto dis massas, Uma ditaduraanties- querdista cercada d rada que 08 fascistas conseguiriam leria esperar entusiasmo popular ~ essa foi a combinagio inespe- iar no curto espaco de uma geracio. Os vislumbres premonitdrios foram poucos. Um deles partiu de um jovem aristocrata francés de indol bora Tocqueri Estados Unidos, em 1831, preocupouse com o fato de que, numa demo- cracia, a maioria d le. Em- tiva, Alexis de Tocque tenha encontrado muito © que adnnirar em sua visita a0s a 12 6 poder de impor conformidade pela pressio 0 de uma elite social independente. tipo de opressio com o qual 10 ameagados os povos democriticos rio se parecer com nada antes visto no mundo; nosso8 contemporsneos rnio encontrarlam-em sua memoria imagem que a cle se assemelhasse. Eu ‘mesmo busco em vio uma expresso que reproduza com exatidao a idéta que ras despotism ¢ trania ndo si0 Uma outra premonigio vei heiro francés transformado em comentador soci: 1908, Sorel criticou Marx por nio ter percebido que “uma revolugio al- cangada em tempos de decadéncia” poderia “tomar como Georges Sorel. Em uma volta ao passadlo, ou até mesmo a conservagao soc A palavra faseismo tem origem no fas ‘ou mago, Em termos mais remotos, a palavra remetia ao fesces latino, um italiano, lteralmente, um feixe achadlo cercado por um feixe de varas que era levado diante dos magis trados, nas procissées pUblicas romanas, para significar a autoridade © a trad iago Press, 2000, p. 66 4vcap.6. F Georges Sorel, Reflection on lence Cambridge: Cambridge University Press 1999, p. 79-80. ROBERT O, PAXTON midade do Estado, Antes de 1914, de moclo geral, foi a esquerda que s© aprop 0 simbolo da Repit- thor Francesa foi muitas vezes retratada, no séeulo xi, portando o face para representa a forga da solidariedade repu! eroeratas e clericais.* Fascesfiguram com proeminéncia no Sheldontan “Theater da Universidade de Oxford, de autoria de Christopher Wren, ¢ também no Lincoln Memorial de Washington (1922), bem como na moeda orte-americana de um quarto de délar cunhada em 1932.! ‘Os revoluciondrios italianos usaram o termo fascia em fins do sécu- Jo 20, para evocar a solidaiedade © 0 compromisso dos militantes, Os camponeses que se insurgiram contra os senhores de terra na Sicilia, em 1895-1894, denominavam a si mesmos de os Fase! Siciliont. Quando, em fins de 1914, um grupo de nacionalistas de esquer tentou levar a It smo do fasces romano. Mariant se juntar 0 piria socialista Benito Mussolini par da Primeira Guerra Mundial do lado dos Aliados, cles es heram um m era comunicar tanto 0 fervor quanto a campanha: O Fascio Rivoluzionario d nista).” Ao fim da Prime’ Azione Interve! ucionstia de Agao Interven ‘eanhou o termo fascsmo para descrever 0 estado de a os nacionalistas ¢ de revolucionérios sit pequeno bando de ex-s0! Tistas pré-guerra® que vinha reunindo a seu redor. Mesmo entio, ele no Marlanne eu combat: Limagerie et la sybolique 1979, p. 28-9, 108-9, e Marianne au pour. Paris 1989, p.77, 83. onetta Fl Spectacle: The Aewheti of Per in Massolin's 6, 1997, p- 95-9. sara™ prep leraram os lideres fascistas, desvianclo a atengio das pessoas, dos gru- pos e das instit Necessitamos de um mo: Pete mais sutil do fascism, que examine as interagdes entre 0 Lider © 2 Nagio, ¢ entre 0 Partido ea sociedade civ ‘As imagens das malties cantando hinos alimenta a suposieio de que por natureza, predispostos a0 fascism, © es- es que lhes prestaram aux! alguns povos europeus era iasmo devide a seu carater nacional. O cor ponderam a cle com ent scendente de que o fascisio foi gerado dessa imager é uma erenga cor peas mazelas da histria de determinadas mages,” erenga esta que S© 620+ ico da cultura nacional ‘Neel Pica Philesophy. Boston: 1941; e Rohan d”Oller But Nowaark: F. P. Dutton, 1942, O principal exemplo fr 2B AANATOMIA DO FASCISMO verte num 4libi para os paises espectadores: isso jamais aconteceria aqui Para além dessas imagens familiares, num exame mais cuidadoso, a reali- dade fascsta torna-se ainda mais complexa. Por exemplo, o regime que inventou a palavra fascismo ~ a Iélia de Mussolini ~ mostrou poucos sinais de anti-semitism até ter ocupado 0 poder por dezesseis anos. Na verdade, ‘Mussolini contava com 0 apoio deus, qu inclustriaise proprietirios de ter nos primeiros tempos, Ihe forneceram ajuda financeira.”* Alguns de seus amigos mais préximos eram judeus, como o militante do Partido Fascista Aldo Finzi, e ele teve uma amante judia, a escritora Margherita Sarfatti, autora de sua primeira biografia autorizada.” Cerca de duzentos judeus participaram da Marcha sobre Roma.” Por outro lado, o governo colaboracionista francés de Vichy (1940-1944), encabesado pelo Marechal Pétain, era agressivamente anti-semita, embora, sob outros aspectos, pres- te-se mais § classificagio de autoriti que de fascsta, como veremos iva de too 0 povo al rifo-alemes, etambim que havia alguns alemdes de indo Benerolence ond Betray: Penguin, 1993, oferece exemplos interessante rmembro do Partklo Fascista(p- 22) ‘Canistraro e Brian I. Sullivan, If Dace¥ Other Homan. Nova York: Mor he Holecout Prseuton, Rescue, Su York: Basie BAS tentes (sigtjas, 05 exército, os interesses econ bilizar a opine piblica, a0 passo que os fascists rias governam por melo de Forgas conservadores preexi - organizados) e buseam desmo- wermam por meio de um partido tino e tentam gerar enfusismo piblico, Discutremos ess distingSo mais no capil 8, p. 358-362. ROBERT O. PAXTON no capitulo 8. Desse mod cexacerbado como a esséncia do fascismo. Uma & problemitico considerar o anti-semitismo - caracterfstica supostamente essencial do fascismo é seu ani- tentayam seu desprezo pelos valores burgueses e por aqueles que queriam apenas “ganhar dinheiro, dinheiro, imundo dinheiro”.** Atacavam 0 “capi- talismo financeiro internacional” com quase a mesma veemnéncia com que atacavam 08 50 de departamentos em favor de artesios patriéticos, © 0s g rios de terras em favor dos camponeses.** Quando os partidos fascistas chegaram a0 p izeram para cum com extrema € ficaz violéncia suas ameagas contra 0 socialismo, Brigas dle rua em que os fascstas disputavam territério com jovens comunistas 8 AANATOMIA DO FASCISMO constavam entre suas mais poderosas imagens de propaganda.” Ao tomar jos dos trabalhadlores e despejaram inheiro nas indlistrias armamentistas, para a imensasatisfagio dos patrdes. Diante desses conflitos entre palavras ¢ atos, no que se referia a0 capi- 10, 0s estudiosos chegaram a conclusdes opostas. Alguns, tomando vente as palavras, consideram o fascismo uma forma radical de ar vigente de distribuigio da propriedade e de Este livro adota a posigio de que o que os fascstasfizeram &, no sseram nao pod ‘mo, tZo informative quanto © que disseram. O que ignorado, ¢ claro, pois nos ajuda a entender o fascinio exercido por eles. |, contuddo, a retdrica anticapitalista do fascismo era seletiva. Ao mesmo tempo em que denunciavamn as cespeculativas internacionais (juntamente com todas as outras internacionalismo, cosmopolitismo ou de globalizagio), resp ‘Mesmo em sua forma mais radi le um jovem rafiionazista morta itindo o fata de que o motivo da briga foi uma rixa com soa senhoria, Ver Peter Longerich, Die braune Betillone: Gechiche der SA. Munique: C. H. Beck, 1989, p. 138. pritico dessa host What Revolution? oumol of Contemporary History, tado em Walter Laqueur, ed, Faia: A Readers of California Press, 1975, p. 435-67. 9, Sobre o fato de Mussolini, bem cedo, ter abandonado o termo proleta do, substituindo-o por "forgas produtivas", para designar a camada social que seria ROBERT O, PAXTON contudo, referiam-se a ser déb ualista demais para fortalecer a nagio, nio a roubar a classe trabalhadora do valor agregado por seu tra- mo nio era sua exploracio, balho. O que o fascisino mas seu materialismo, sua indiferenga para com a nagio ¢ sua incapacidadle de incitar as alas.” Em um nivel mais profundo, eles rejeitavam a idéia de cas sio o motor basico da historia. Para os fascistas, 0 ‘do entreguerras nio necessitava ser reordena- Suas mazelas poderiam ser curadas pela simples tica para a criag3o de pleno emprego ¢ produt 6 regimes fascistas confiscaram propt 0s, dos estrangeiros ¢ dos judeus. Nenhum aplicagio de vontai idade,*! Uma vez no pod revoluciondrio”, ele o era num sentido expeci acepgio que se costumava dar a essa palavra entre 1789 ¢ 1917, de uma profunda subversio da ordem social e da redistribuigio do No entanto, o fascismo no poder de fato instaurou algumas mudangas profuundas o suficiente para serem chamadas de “revolucionérias”, se nos pus ermos a dar a esse termo um outro significado, Em seu desenvoh mento miximo, redesenhou as fronteiras entre o privado e o publ 4 base da reno 179, 182, 219, Francesa, Frangois Puret, faxclsmo como 0 com: ism in abo Economics in National zim, Fscam ond the Working Clas says by 1995, p. 53-76. (Publicado pela AANATOMIA DO FASCISMO zindo drasticamente aquilo que: mou a pritica da cidadani 4 participagio em ccriménias de massa de alirmasio e conformidade. Re- formulou as relagdes entre o individuo e a coletividade, de forma a que um {duo nao tivesse qualquer direito externo ao interesse comunitirio. [Ampliou os poderes do executivo ~ do partido e do Estado na busca pelo controle total. Por fim, desencadeou emogies agressivas que, até entio, 1 era intocavelmente privado, Transfor- do gozo dos direitos e deveres constitucionais 4 Europa sé havia testemunhado em situagdes de guerra ou de revolucio social, Essas transformagdes muitas veres causaram conflito entre os fas- cistas ¢ 08 conservadores radicados nas farnflias, nas igrejas, na hierarquia social ena propriedade, Veremos adiante," ao examinarmos mais afundo a :mplexa relagio de cump! ligava os capitalistas aos fescistas no poler, que © fascisma no é apenas tuma forma mais truculenta de conser vadorismo, apesar de ter preservado de, acomodagio ¢ ocasional oposicio que ir mapa politico de direita-es- querda, Seri que mesmo os lideres dos primeiros tempos saberiam fae Icro, em margo roa San reunit seus amigos na de 1919, tigos comparheiros do Partido Socialista Italiano, 3 esquerda, ou ataci-los nio estava bem claro se pretendia competi mente a partir da dicita. Em que ponto do espectro politico italiano se encaixaria aquilo que ele, 8s vezes, ainda chamava de “nacional-sindica- lismo"?* Na verdade, o fascismo sempre manteve essa ambigiiidade 237-247. uerreiros e produtores”, mas que, mesmo Ja contea-revlugdo(p. 210, 228). Sternhell etal, Birth, p. 212, acn lesindustriaisdo norte dai ROBERT 0, PAXTON Sot , entretanto, os fascistas tinham clareza: nfo se situa- arn no Centro. Tinham um desprezo absoluto pela suavidade, pela compla- nei e peas solugdes ce compromisso co Centro (apesar de os parties favcistas, na sua luta pelo poder, terem precisado se allar As elites centristas contra 6 inimigo comurn representado pela esquerda), Seu desi pelo ral e pelo displicente individualism burgués, assim pane o tom radical dos remeédios preconizados por cles para a [raqueza © a

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