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A escrita cria um domicílio de memória

A escrita é uma tecnologia estabelecida permite infinitas possibilidades simbólicas para as


palavras formarem os enunciados e das narrativas. Sendo uma interface da linguagem com
ela se relaciona mas dela não é escrava. Contudo, escrever se é livre no imaginário da
composição e da interpretação, muitas vezes, está presa espacialmente no formato ou no
preconceito da autoria. Na idade média não era bom que uma mulher soubesse ler e
escrever, a não ser que entrasse para a vida religiosa.

O sistema de escrita foi usado desde o quarto milênio antes de cristo. A mais antiga
inscrição, dizem, foi gravada no Pórtico de Adriano em Filae, uma ilha egípcia no rio Nilo em
394 da nossa era. A história da escrita trilhou caminhos de preconceitos, de ciúmes
intelectuais, proibições e aprisionamentos em mosteiros medievais. As mulheres estiveram
afastadas da escrita por séculos devido a vigilância de preconceitos remotos. O espantoso,
porém, é saber que sempre existiram mulheres capazes de furar as mais discriminatórias
circunstâncias deste impedimento. Foram mulheres criadoras, políticas, aventureiras,
cientistas.

Foi com a Revolução Francesa que os homens, pelo menos abertamente, concordaram que
a liberdade, inclusive da escrita, ou era uma coisa para todos ou não era para ninguém.
Condorcet, o filósofo francês que participou da Constituição revolucionária colocou: " Ou
bem nenhum membro da raça humana possui verdadeiros direitos, ou bem todos temos os
mesmos; aquele que vota contra os direitos de outro, quaisquer sejam a religião, a cor ou o
sexo deste, está deste modo abjurando os seus próprios direitos." Ironicamente Condorcet
foi morto pela Revolução vítima do ciúme das ideias e do preconceito por sua escrita.

Ainda, assim, as mulheres, e desde muito cedo, usaram a escrita para se comunicar ou
comunicar suas ideias usando despiste. O mais remoto parece ser a escrita Nushu que
literalmente significa "A escrita da Mulher" que foi criada e só utilizada por mulheres de
Jiangyong, na província de Hunan na China. Inventada, dizem, pela amante de um
Imperador Chinês servia para que ela pudesse se comunicar as amigas e outras mulheres. A
escrita Nashu tem mil anos ou mais. Uma escrita secreta que concedeu o poder da
transferência da palavra e da escrita entre mulheres.

Assim, também, protegida pelo poder da pela religião Herrad von Landsberg no século XII
foi a Abadessa de Hohenburg e escreveu por volta de 1165 toda uma Enciclopédia
conhecida como Hortus Deliciarum (O Jardim das Delicias) e com a desculpa da Abadessa
querer ensinar comidinhas e coisinhas monásticas para suas irmãzinhas de Abadia, Herrad
difundiu conhecimentos sobre filosofia, política, artes e música.

O escudo foi, também, com este propósito. O Golem é um ser artificial mítico associado à
tradição simbólica do judaísmo, particularmente à cabala. Este ser pode ser trazido à vida
através de um processo mágico enunciação de palavras. Em vários contos, o Golem se
associa a escrita e a palavras o que o tornam animado. O ser místico assim criado se associa
a ideia de proteção e de defesa do indivíduo, do seu lugar e de suas reflexões. Mary Shelley
usou o escudo.

Numa certa noite de verão na Vila Diodati, à beira do lago Genebra, na Suíça, os poetas
Lord Byron e Percy Shelley discutiam sobre a natureza da origem da vida e de que forma
coisas inanimadas poderiam voltar a ter vida. Na mesma sala, escutando-os atentamente
estava Mary Shelley, mulher de Percy. Mary Shelley, pensando nisso, não dormiu aquela
noite de junho de 1816. Sua escrita, tornado um clássico do gênero, criou o doutor Victor
Frankenstein. O Golem de Shelley, a criação de uma escrita, com palavras mágicas serviu
para atacar o preconceito e a exclusão de sua época, quando clama por um tratamento
igualitário na voz de Victor Frankenstein: "Terei de respeitar o homem quando ele me
despreza. por toda parte vejo felicidade da qual estou irremediavelmente excluído"

O poder das ideias e a necessidade interior de manifestá-las pela escrita são mais fortes
que preconceitos e proibições. Em um novo formato a escrita explode os significados, onde
o signo, de um significante demarcado, é uma fratura de um imaginário. No mundo digital o
signo está livre do código dominante e é conveniado com "o outro" em cada momento. A
grande sedução do desejo da escrita, marca um espaço onde podemos relatar e interagir
nossas façanhas para uma audiência maior. Escrever é mostrar-se e dar-se a ver para a
apreciação dos outros. A escrita cria um domicílio de memória ao qual podemos sempre
regressar para uma pacífica acolhida de coerência, harmonia de acontecimentos e ideias

Aldo de A Barreto
Se desejar conhecer mais:

A escrita Nushu
http://pt.wikipedia.org/wiki/Nushu

Marie Jean Antoine Nicolas Caritat, Marquês de Condorcet


http://pt.wikipedia.org/wiki/Condorcet

A linguagem Nashu
http://pt.wikipedia.org/wiki/Nushu

Sister Herrad von Landsberg


http://en.wikipedia.org/wiki/Herrad_von_Landsberg

Mary Shelley em Vila Diodati


http://en.wikipedia.org/wiki/Villa_Diodati

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