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Cartruto VI TATICA E “ERROS” DURANTE A ENTREVISTA Observamos a complexidade e a especificidade de toda situago de entrevista. Essas caracteris- ticas tornam toda andlise perigosa enquanto os aspectos funcionais (quadro social, finalidade © motivacio) nfo sfo esclarecidos, o que procura- mos fazer descrevendo as trés situagSes de en- ‘revista que nos parecem fundamentais. Mas, feito isso, 0 leitor se beneficiaré com uma ané- Tise detathada, onde os erros de tética © de apre- ciaglo serio postos em evidéncia de maneira mais, sistemética. Parece-nos stil tragar antes um qi dro esquemitico das varidveis da situagio de en- trevista, 1. VARIAVEIS DA SITUAGAO DE ENTREVISTA Na impossibilidade de estabelecer suas rela- e6es reciprocas reais, essas variéveis sio classifi- ‘cadas, talvez de maneira um pouco artificial, sob ‘diferentes rubrices, para facilitar sua apresenta- ‘gio. Algumas dessas varidveis 36 tém significagio no relacionamento entrevistador-cliente: a idade, A ENTREVISTA PSICOLOGICA 179. © sexo ete. do entrevistador s6 desempenham um papel em ‘relagdo a essas mesmas varidveis do cliente, Além disso, hé interagGes entre essas di- ferentes variéveis. © efeito de algumas dessas variéveis consti+ tuiu objeto de alguns estudos experimentais; mas seus resultados slo ainda pequenos ¢ parciais. ) Identidade dos personagens dae, sexo, raga, inteligénéia ¢ cultura ge- ral fazem parte de ima minoria nacional, tipo de educagio, experiéncia vivida de diferentes eios sociais, nivel s6cio-econdmico ¢ classe social, Principios religiosos e politicos. b) Variéveis inerentes ao. entrevstador Apresentacio fisica (de vestuério), sociabili« dade (comportamento, maneiras, facilidade ver- bal e de clocusio), motivacio ¢ afetvidade (éi- namismo, fi interese pelos problemas humanos, equilrio afetivo, fa Cilidade para compreender as situagdes © os pro- ‘blemas alheios), prestigio pessoal (o entrevistador ivamente ‘conheckdo.socialmente),. compe profisional (conhesimentos téenicos © ex- pele ae eel on aos ricoldpicas preferides, tipologia clinica pessoal, Suas coneepsoes da fialidade da entrevista e da natureza dos dados a serem obtidos durante a entrevista, concsito do seu préprio papel social © ‘eontolgico, papel de autoridade no quadro. so- cial em que trabalha e com relagéo a0 cliente, felagSes com o cliente antes da entrevista, 180 CHARLES NAHOUM ©) Variéveis inerentes ao cliente Apresentagio fisica (de vestuério), capaci dade de comunicacéo e idade (facilidade verbal, postura e maneiras etc.) SituagGo social no momento da entrevista (obretudo urgéncia de atender as necessidades fundamentais) Estado fisico ¢ psicopatologico (fadiga, fome, sede, excitacdo ou apatia, desorientagio etc.) Percepcio da situagio antes da entrevista (natureza ¢ grau de sua informagio quanto 20 quadro social da entrevista, finalidade e motives da entrevista, papel de autoridade, de aconselha- mento, de “confessor” etc., do entrevistador.) Mecanismos de defesa (atitudes reticentes, de ‘maior ou menor cooperagio, mentira, excitagio ou inibi¢éo, emotividade etc.). Motivagdo adequada a entrevista (interesse, necessidade de se fazer confiar, de se expli- car etc.). 4) Varidveis inerentes @ situagtio de entre vista Lugar da entrevista no processo de exame ow da série de entrevista. Condigdes do atendimento marcado e caréter ‘mais ou menos voluntério. Disposigées materiais (local, luz, ruido, ¢a- réter_mais ou. menos privado). Outras, fontes de informasio a disposicio do re entrevistadsr (pesquisa social, exame med sultado de entrevistas com’ parentes pr6ximos, provas psicotécnicas etc.).. AENTREVISTA PSICOLOGICA 181 Organismo em cujo quadro se desenvolve a entrevista (perigo de sangées ou concessfo. de vantagens para os individuos). ©) Varidveis referentes 2 forma e contetido da entrevista. Estruturagio da situaglo de entrevista. (tipo de acolhida, explicacéo da finalidade, o entrevis- tador define 0 seu papel etc.). Grau de planificagfo (entrevista-questionério estitamente estandardizads; investigaglo. sistema. tica; entrevista nfio-diretiva etc.). Forma e conteddo das perguntas. Conduso da entrevista (deixando uma ini. ciativa maior ou menor a0 individuo), As agdes do entrevistador (interpretagdo, su- sgestdes, encorajamento para prosseguir etc.). ‘As varidveis postas em evidéncia no quadro precedente slo resultado de constatagSes empl icas; 0 que permite pensar que podem ser con- cebidas outras, ou apresentélas de mancira di- ferente. Os dados experimentais sio atualmente ‘muito inconsistentes para que permitam uma ex- osigo estruturada de mancira mais cientifica, No entanto, a anélise proposta nos capitulos pre cedentes permite tragar uma espécie de hierarquia das varidveis mais importantes: quadro social, fic nalidade da entrevista, atitude mais ou menos iretiva do entrevistador e grau de sistematizagdo da entrevista. Algumas definem aspectos objeti- ‘vos da situagio; outras caracterizam a propria entrevista, 182 CHARLES NAHOUM No quadro das anilises precedentes indica- mos as técuicas de entrevista que nos parecem ‘mais eficazes. No entanto, no decorrer da entre~ vista, o entrevistador deverd tomar um certo nimero de disposigdes ¢ evitar um certo mimero de erros que correr o risco de cometer ao fazer apreciagSes. B esse ponto de vista instrumental que vai nog interessar na continuagdo deste capitulo. 2. DISPOSIQOES MATERIAIS ‘A importincia das disposigSes_materiais € relativa. Basta que garantam o cariter privado da entrevista, O- minimo necessério é que o entre- Visiador esteja.s6 com o interessado ou interes- sados (se, por exemplo, se deve confrontar mic f filho no decorrer da entrevista) que tenha ferteza de que no seré incomodado. No entanto, determinadas condigdes favorecem a ciagio ds ‘um ambiente calmo’e relaxado. O local nfo deve fer nem grande demais nem pequeno demas; isso pode. causar a sensagio de. abafamento e, nos grandes espagos, pode provocar receios ou angis- tia em determinados individuos; a sensibilidade ato meio material esté em funglo das dificuldades psicolégicas do individuo. ‘A iluminagdo deve ser neutra, espalhada de mancira uniforme e 0 entrevistador nto deve s0- bretudo colocar 0 individuo sob uma forte ilu- sminaglo, crendo que com iso 0 observard melhor. Corre 0’ isco de provocar sentimentos de insegu- ranga ou de angistia. Pela mesma razio, 6 in- icado que o gabinete possua uma janela. ‘© mobilidrio. Cliente ¢ entrevistador devem estar_-no. mesmo nivel (aenhum estrado). Uma ‘mesa simples ¢ uma cadcira permitem que o A ENTREVISTA PSICOLOGICA 183 cliente se _movimente livremente. Com efeito, 6 preciso nfo esquecer que durante a entrevista, fm razdo dos assuntos abordados, 0 individuo mexe-se, instala-se a vontade ou’ se aproxima, movimenta 0 corpo e os membros. # importante que 0 possa fazzr com facilidade, movendo a ca- ddeira ou esticando as pemnas sob a mest, se 0 esejar. ‘©. proprio gabinete nfo deve, por certo, estar muito cheio de méveis em que se possa ‘ater, ou decorado de maneira pouco discreta. ‘No € indicado ter telefone; corre-se 0 isco de ser incomodado, ou de se ter a tentasio de tratar de outro caso respondendo a quem chama. © barutho. Uma sala & prova de som € de- sagradavel mas 6 preciso que os barulhos ou sons rovenientes da rua ou dos gabinetes. adjacentes Dio sejam ouvides. Fizemos a experiencia dessas condiges © constatamos que determinados cli- entes abaixavam a vez porque, como nos expli- taram, no desejavam ser ouvidos de fora. Po- de-se cret que muitos outros adotaram, devido f isso, atitudes reticentes. ‘A vestimenta, © uniforme branco 6 discutido porgue, diz-se, crla uma “distdncia” entre o cliente €.0 enirevistador. No entanto € evidente que este “ltimo exerce uma profissio e, em conseqiéncia, admite-se perfeitamente a necessidade de um ves- tuério de trabalho, De toda mancira € preciso evitar todo excesso no cuidado ¢ na elogincia da fpresentaglo. preciso procurar um aspecto cor- eto © adaptar 0 vestusrio a0 nivel social das pessoas recebidas. Uma vestimenta de trabalho vis- fosa demais ou muito pessoal (hé pessoas que gostam de se vestir inteiramente de preto) 6 con- tra-indicada, Em especial, devem ser eliminadas a5 184 CHARLES NAHOUM ois ¢, para as mulheres, uma maquilagem exces- ‘iva, 3. MEIOS DE REGISTRO © gravador. Deve-se ou no utilizar 0 gra- vador? B uma questio delicada. Uma entrevista intciramente gravada permite, por certo, um estudo mais minucioso ¢ pesquisas ‘ulteriores. ‘Comparando os relatorios feitos apés entre- vistas de “orientagao” nflo-diretivas © material registrado em gravador, Covner B. J, mostra que se 75% a 95% dos dados anotados pelo entre- vistador so exatos, mais de 70% da totalidade do material foi omitida, o que nio pode deixar de dar uma falsa imagem da entrevista, Hé alte- ages na apreciagio do tempo consagrado a tal ‘ou qual ponto, assim como da ordem em que foram tratados. Observa-se mesmo que ha erro nna atribuigo de determinadas declaragSes que, tendo sido feitas pelo cliente, so apresentadas como do entrevistador. O inverso também ocorre, Enfim, e € © que achamos mais grave, acontece por vezes o entrevistador apresentar um dado ‘como sendo um faro quando, na realidade, 6 uma interpretagao. Também aqui o inverso acontece, © interesse dessa experiéncia é chamar a atengio sobre um certo ntimero de erros impor- tantes quando ndo se toma nenhuma anotagio ‘ou quando se confia na meméria. Mas, por outro lado, © emprego de um instramento de registro pode produzir em alguns clientes efeitos psicolo- gicamente desastrosos. Receario contradizer-se, ocultario determinados fatos, evitario expresear suas reagGes muito pessoais. Apesar de todas as garantias de sigilo, a atmosfera criada é antes de uma entrevista pablica do que privada, uma A ENTREVISTA PSICOLOGICA 185 ‘Yez que & voz 6 gravada e pode ser escutada por ‘outras pessoas. Acrescentemos por fim que -o quadro social pode impedir 0 emprego desse meio, # assim, por exemplo, que nio se pode conceber 4 sua utilzago no quadro da Previdéncia Social. ‘Mais impensfvel ainda seria empregar esses meios fem informar os clientes. Logo se saberia que as entrevistas so gravadas e nisso se veria um meio de inquisipfo policial que contraria toda es- Pécie de entrevista psicol6gica. Tomar notas cons. fitui uma solugio pratica, que 6 faciimente aceita pelos clientes. "Mas € preciso saber tomar notas e verificar com antecedéncia que, isso nfo per- turba os clientes. Pode-se dizer: “Tomarei algu- mas notas; compreenderei melhor sua. situagio"; ‘ou mesmo nfo dizer nada, mas fazer ostensiva mente as anotagées e observar a reagio do in vido. Aliés, os proprios clientes, quando tocam mum ponto ‘muito pessoal, pedem que isso nfo sejn anotado, O entrevistador acederé imediata- mente, por certo, mas aproveitaré. para lembrar que 0 prontuétio’ $6 sera consultado por le. Pode-se objetar que 0 psicélogo, absorvido nas suns anotacdes, observard mal o cliente. Além disso, a entrevista pode ficar cortada por siléncios “varios” enquanto 0 cliente espera, para conic rmuar, que entrevistador levante a cabega. No entanto, pode-se realizar as anotagSes de modo a ‘que nfo interrompam a entrevista. # preciso aprender a escrever rapidamente ¢ adotar abrevingdes. As anotagées em taquizrafia, podem exigir, se o cliente olha sua ficha, exp ages suplementares ou. mesmo. provocar ret céncias. Assim, & preferivel evité-las, 1 preciso dispor de uma ficha especialmente preparads, dividida em partes que correspondam 186 CHARLES ‘NAHOUM categoria dos fatos e dos dados a serem co- Thidos. Quando se estuda a biografia, essa ficha deve ser organizada cronologicamente, indo da fnfancin a adolescencia e desta a idade.adulta Maso. entrevistador, a0 mesmo tempo em que anota & parte as inversées ou 05 recuos, deve poder situar e registrar no local préprio os fatos Feferentes aos diferentes periods © entrevistador que trabalha ha algum tempo rum determinado quadro, geralmente sabe de cor © esquema. da entrevista, adaptado ao tipo de problemas de que trata. No entanto, se é levado a favor pergunlas particulares, deve anotélos © registrar as respostas. B preciso que ao tomar notas 0 entrevistador distinga as respostas do cliente de suas interpretagdes, que pode ser le- vado a fazer imediatamente (e que sinta a ne- ‘esidade de anotar). Por exemplo, evar anotr “X sentluse rejltado pelo. seu ‘meio. familiar” fem vez de “Quando estive no preventério, 203 7 fanos, minha me nunea veio me ver"; a primeira formula € uma apreciagdo que exige confronto com outros dados, a segunda 40 Tato. bruto, que pode ter outra significagio. E preciso dispor dias fespostas da mancira exata em que foram ddadas e s6 mais tarde procurar seu significado. 4, ESTADO FISICO E PSICOLOGICO DO ENTREVISTADOR % preciso que no momento da entrevi ‘entrevistador tenha 0 espirito livre. Fatigado, preocupado com sua saide ou com dificuldades familiares ou profissionais, no estaré atento ¢ suas reagbes © sua adaptaco ao caso nfo terdo ‘a flexibilidade necesséria, Ele pode, por certo, A ENTREVISTA PSICOLOGICA 187 ‘controlar-se, mas estando pouco a vontade seré ineficiente, Antes da entrevista propriamente dita, 6 preciso inteirar-se dos documentos de que dispoe: ficha médica, pesquisa social, correspondéncia, exames psicotécnicos feitos anteriormente ete. Cada_um desses documentos dé uma visio do individuo e pode haver entre cles contradigées. © exame desses documentos pode suscitar per- guntas ou a observagio de pontos obscures que ‘opinido essa que poderia influenciar sua maneira de conduzir a entrevista. 5. A SITUACAO DE ENTREVISTA ‘Uma situagiio de entrevista mal definida © ‘Mo estruturadapsicologicamente pode ser fonte ‘Diz Bingham que o fator mais perturbador da entrevista “é talvez 0 fato que os dados co- Thidos refletem, até certo ponto, as reagdes afe- tivas de duas pessoas em presenca uma da outra, as atitudes de uma para com a outra e, particularmente, seu interesse proprio. Inversa- mente, a manifestacdo de preferéncias, gostos, atitudes ¢ tendéncias afetivas, no decorrer da en- trevista, 6 complicada por consideracdes intelec- tuais ¢ racionalizagGes”. Mas, a medida que ‘ese fator € controlado pelo entrevistador, seré, ‘20 contrétio, fonte de material vélido. Para iss0, & preciso Ievar em conta o quadro social, que define o interesse dos personagens que se defron- tam, situar exatamente o personagem principal ¢ a causa das motivagGes proprias & entrevista. 188 CHARLES NAHOUM © entrevistador no pode fazé-lo de maneira arbitréria, assim como no pode manipular a si- tuagéo seniio dentro dos limites impostos pelo quadro objetivo em que se desenrola a entrevista, Dentro desses limites, ele pode propor ao cliente uma racionalizagéo da situagio de entrevista que no perturbe o seu desenrolar. Vimos como isso & possivel nos casos de selesdo ou de pesquisa. No estudo de um caso, sio os aspectos afetivos que so mais importantes, mas a atitude nio-di- retiva, dando ao individuo 0 papel principal, per- mite-the expressar-selivremente. Generalizando nossa andlise, podemos dizer que esse controle dos aspectos afetivos e das racionalizagSes que surgem no decorrer da entrevista deve ser compreendido como um esforgo de tomada de conscitncia, pelo entrevistador inicialmente e depois pelo cliente, de todos os fatores da situago total na qual se encontram em relagéo. As motivagSes ¢ as ra- cionalizagdes dos dois protagonistas estarfo entfo harmonia, donde a riqueza dos resultados ¢ diminuigéo das “resisténcias”, A dificuldade provém do fato de que esse pprocesso de tomada de consciéncia pode fracassar ou demonstrar ser parcial por diferentes razBes: © entrevistador € profissionalmente incompetente, no analisou corretamente a situagio ou, ainda, tem caracteristicas de personalidade que 0 tomam inapto para realizar entrevistas (sobretudo dese- quilfbrio afetivo que se pode traduzir em ten- déncias dominadoras, quer por tendéncias de iden tificaglo to fortes ‘que chega a sentir todas a5 angistias do cliente e perde o controle da entre- vista). O fracasso pode também provir das ina- dequagdes do cliente, perturbacées mentais graves Gesorientacio, afetividade rigida, debilidade ete), A ENTREVISTA PSICOLOGICA 189 que 0 fazem perder 0 senso de seus interesses; stuagio social traumatizante @ que reage pela passividade etc. Em todos esses casos, 0 entre- Vistador competente pode ainda, apesar da falta de cooperagio do cliente, fazéio exprimir-se li- vremente, adotando uma atitude no-diretiva que reduziré ‘20 minimo as resistencias, bem como aumentaré a satisfagdo que o cliente pode ter em falar de si mesmo. 6. NERVOSISMO, EMOTIVIDADE OU TIMIDEZ DO CLIENTE Essas reagies podem prejudicar 0 desenvol- ‘vimento normal da entrevista. © individuo enfrenta a entrevista com re- ‘eeio, constrangimento ou espéranca. Além disso, ele no sabe ainda o que se espera dele © pode ‘temer se mostrar inferior, no saber responder. Apertarthe a mio, ‘fazer um_comentério sobre “o tempo que faz” e uma desculpa por ‘nfo té-lo recebido imediatamente, tudo isto per- mite que a pessoa entre no gabinete, sente-se © reconhega 0 local. 1 preciso explicar em seguida a finalidade da entrevista, Isso deve ser feito calma ¢ simplesmente de modo que ele possa dizer que compreendeu bem. Em geral 0 individu concorda © se so consegue faz#-lo sorrir, acres- entando que “vamos nos conhecer um pouco”, staré. j6 tranglilizado. Mas podem persistir o nervosismo ¢ a emo- tividade, Para ajudé-lo a vencé-los, 6 preferivel ‘comerar a entrevista falando de outras pessoas © no dele (seus pais, por exemplo) ou interro- gando-o sobre um ponto que j@ se conhece ¢ que "8 tem ligagio remota com o objetivo da entre- 190 CHARLES NAHOUM sta CVejo que morou em X... € uma bonite cidade, ersio” — “Tratou-se cm X... 0 trate ‘mento’ € bom, penso"). ‘Uma vez comepada a entrevista, pode-se pro- Yocar algumas pausas para falar de distragSes ow de atividadesprofissionais que. sio do conheci- ‘mento do entrevistador. Em geral, a gente se sente tranqiilizada a0 falar com alguém que teve, por ‘menor que seja, as mesmas experigncias ot 6O- mhecimentos que nés. Um meio que € freqiente- mente eficaz para vencer a emolividade ou a ti tmidez do cliente é de as reconhecer franca ¢ amigavelmente: vejo que & emotivo, mostrando pelo tom da voz que ado hé realmente razio para no sé-lo. importante que essas manifestagSes provo- cadas pela situacio de entrevista. possam ser ter- ‘minadas rapidamente; o seu reaparecimento no decorrer da entrevista vai, com cfeito, ser signi- ficativo dos temas abordados & preciso poder reconhecé-lo. ‘Observemos, enfim, que nervosismo, timidez ‘ou emotividade” podem ser reagSes habituais do cliente quando se encontra em situagio social. Nesse caso, esses tragos serio encontrados na biogratia, 7. A MENTIRA Por vezes acontece 0 individuo no men- ionar determinados.fatos, dar motivos pouco ‘aceitivels de seus atos ou mesmo apresentar os fatos de maneira que Ihe 6 favorével. Esse com- portamento € uma importante fonte de erros. Sabe-se que a mentira, salvo em determinados doentes mentais, ¢ um comportamento especifico A. ENTREVISTA PSICOLOGICA 191 fe niio um trago de personalidade e que deve ser feonsiderado com relagio as circunstincias em ‘que se. produz. ; Vejamos 0 caso em que 0 entrevistador esté certo da dissimulacio, isto é que por verificagies foutras que nio as da entrevista, pode ter cer teza de que hé diferenca entre os fatos reais © 0 que diz 0 cliente. Hé realmente mentia, isto & vontade deliberada de dissimulagao? Um determi- nado individuo afirma “nfo beber” quando, na verdade, 6 um alcodlatra inveterado. 2 preciso que nos lembremos que o-alcoolismo dimimut as faculdades de juleamento, enfraquece a vontade ¢ que 0 alcodlatra, que afirma no beber, pode star convicto de dizer a verdade. B preciso acres- centar que 0 alcoolismo € considerado socialmente ‘como uma tara e que ao se perguntar ao individuo se cle “bebe” no se esté indagando sobre um fato mas esté-se pedindo que ele faca um julga- mento desfavorével de si mesmo; a quantidade de flcool que toma é minimizada. Mas esse compor tamento esté relacionado’ profissio. Se 0 indi- vviduo vem & procura de trabalho, a dissimulaglo € maior, mas nfo em qualquer ramo profissional. Um operirio de construglo civil mostrar-se-6 ‘mais franco porque as exigéncias de trabalho da ‘ua profissio 0 terfo obrigado a lutar para so ‘manter dentro. de limites. razoéveis. Mas numa ‘consulta antialeoslica, alcodlatra, que. vem vo- Juntariamente & consulta, nio terd motivos para rinimizar seu *vicio”. ‘Ao mentir, 0 individuo teage nfo somente ‘em fungio da ‘concepgio que tem da entrevista € do papel do entrevistador, mas também em fun- $40 da situagio total. Fis um exemplo: Numa Consulta de orientacdo num centro de pés-cura 12 CHARLES NAHOUM ppara tuberculosos, X..., de 40 anos, declara-nos fer feito parte da Resisténcia; sua mulher 0 abandonou por um miliciano, levando com ela seus dois filhos. Com excecio desse ponto que desenvolve longamente, mostra-se muito reticen- te sobre sua vida profissional posterior, dizendo ter sido operério de construgdo em “toda a Fran- a”. Chamou-nos a atengio a sua omisso, mas ‘nfo duvidamos um s6 instante da sua hist6ria familiar. Ora, 0 diretor do centro informou-nos depois que ele contava isso a todo mundo, mas que na realidade o que ocorrera era justamente © inverso, como pode verificar por ocasiéo de um inquérito ‘realizado pela policia local, Ele € quem era 0 miliciano, aliés condenado apés a Libertacio, ¢ 0 marido atual de sua mulher € que pertence- ra a Resistencia. Além disso, X... 6 um alco- latra inveterado que no deseja de modo algum se corrigir. O diretor acrescentou: Compreends. B que todo mundo sabe que minha mulher ¢ eu fomos deportados politicos ¢ ele no queria abso- Totamente que se soubeste a verdade a respeito Esse iltimo detalhe explica que, a0 nos men- tir, © individuo reagia ao meio em que se rea- lizava a entrevista. Em outros locais mais neu- tros como, por exemplo, @ sala de consulta do servigo de reclassificagio profissional, no temos fregiientemente nenhuma dificuldade em obter historias igualmente desfavoriveis socialmente. Assim & que no quadro definido acima, no temos em geral dificuldade em saber as causas ‘exatas de troca de emprego, mesmo quando se trata de “desentendimentos” com os contrames- tres; alguns chegam mesmo a culpar seu proprio cardter e, a posteriori, reconhecem niio terem tido, A ENTREVISTA PSICOLOGICA 193 razio. # certo, no entanto, que no caso de se- lego os candidatos.falaréo mais faciimente de pagamento insuficiente ou de desemprego. Evita Go dizer que foram dispensados. ‘Vejamos agora a situacio em que ‘no tem nenhum meio de. verificasio. ‘A sua capacidade profissional nfo impediré que sejaenganado. Utilizar asticias (perguntas que ppermitem fazer a confrontacio das respostas, for- gar o individu a contradizer-se apressando as erguntas etc.) s6 pode abalar determinados indi ‘iduos particularmente emotivos. Para a_ grande maioria o relato ser4 falso mas coerente. Um m geralmente vélido € o de estruturar a entrevista de maneira tal que 0 individuo sinta que os seus interesses serio verdadeiramente salvaguardados @ ‘que nenhum julgamento de valor seré feito sobre © seu comportamento. Mas € preciso nfo ter ilu- sides. Essa estruturacSo psicoldgica € limitada pelas caracteristicas do quadro social ‘© entrevistador pode ser levado desconfiar de uma mentira pela omissio, muito mais do que pela fantasia dos fatos. pela investigagdo dos fatores da situagio que poder esclarecer suas suspeitas. Eis um exemplo: uma mie solteira de 27 anos, tuberculosa, recém-saida de sanatério, de aspecto’fisico bastante estranho (longas trancas cuidadosamente feitas, vestida de maneira curio- s2), nos conta ter obtido seu diploma de. ginésio ¢ de estudos comerciais (que nos apresenta), ter exercido a profissio de estenodatildgrafe, depois de vendedora de jornais e, finalmente, de’ empre- yada doméstica. Explica essa queda social pelas Sificaldades em sua vida familiar e pelo nasi mento do filho. Como sempre temos 0 euidado de anotar as datas dos diferentes periodos, obser- ‘vamos que hé um “buraco” de dois anos; ela he- entre 194 CHARLES NAHOUM sita em responder, 0 que confirma nossas suspei ‘tis. Lembramos entio as caracteristicas da. situ io: 0 interesse pessoal dos segurados 6 predomi- ante para nés e, além disso, o segredo profissio- nal que € escrupulosamente mantido. Ela nos diz: “Sim, 6 certo que se venho pedir a Previdéncia Social para seguir um curso de contabilidade © se no the conto tudo, nfo poderd aconselhar-me bem.” Revela-nos, entio, um episédio psiqui trico bastante grave, provocado por uma intoxi- cagio de maconha, que nio havia revelado 20 médico. “Toda vez que conto isso, acrescentou, Fecusam-me o lugar.” Pudemos compreender me- Thor 0 seu caso e orienté-la para um centro de reeducagio a fim de a readaptar a atividades de eserit6ri Esse exemplo mostra bem que a boa vonta- de, a compreensio do entrevistador, para ser efi- caz, niio pode estar em contradigio ‘com as ca- racteristicas © 05 limites do quadro social da en- abordar corretamente © pro- agio de entrevista, & preciso nfo confiar demais em nossa capacidade de a detectar. A melhor tética consiste em con- fiar no cliente, dando grande atencio is possi- bilidades de motivagdes de mentira aue esto im- plicadas na situagio de entrevista. 8. VALOR DO TESTEMUNHO DO INDIVIDUO. Fala-se de erros de testemunho quando 0 in- dividuo de maneira involuntria, relata incorre- tamente os fatos. Pode haver falso testemunho A ENTREVISTA PSICOLOGICA 195 ‘por omissio de fatos, inversio na ordem dos fa- tos. A descrigio dada pode ser incorreta. Isso acontece sobretudo quando se interroga de ma- neira por demais insistente, sobre todos os deta- Thes. O individuo, tendo esgotado suas lembran- 5, comeca a inventar, a fantasiar, a deduzir. Relembremos algimas nocées da psicologia do testemunho. Distingue-se erro variével (di siio dos depoimentos ou observagSes provenientes de diferentes testemunhas) © erro sistemético (as observacées tém a tendéncia de variar numa de- terminada dirego com relacio aos fatos a descre- ver). assim que hé a tendéncia de superesti- mar a duracio quando ela € breve, em determi- nadas condigves. Um exemplo de erro variével € 0 que 6 consiituido pelas divergéncias de nilfo de diferentes pessoas sobre um mesmo indi- viduo. Encontra-se, a0 contrério, erro sisteméti- 0 quando se pede as pessoas para se avali superestimam os tragos que julgam ser desejé- ‘veis e subestimam 08 no desejaveis. Mas 6 pre- ciso que acentuemos sobretudo 0 fato de que © ‘acordo dos depoimentos no € sempre sinal de objetividade do relato. Com efeito, nos casos em que a situacio fez surgir uma atitde geral co- ‘mum com relago a0 problema estudado, tanto ‘08 individuos interrogados como os entrevistado- tes dario um erro sistemético considerével, erro esse que ¢, certamente, o mais perigoso. Foi as- sim que durante pesquisas realizadas junio a ope- rérios da industria téxtil em greve, a palavra “ar- bitragem” passou a significar “traicio, fracasso da greve”; 6 a pergunta “E a favor da arbitragem?” significava, na verdade, “Deseja.ficar completa ‘mente nas_mios do empregador?”

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