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REPUBLICA DE ANGOLA ‘TRIBUNAL CONSTITUCIONAL ACORDAO N.° 607/2020 PROCESSO N.° 787-C/2020 Recurso Extraordinario de Inconstitucionalidade — Habeas Corpus Em nome do Povo, acordam, em Conferéncia no Plenario do Tribunal Constitucional: I. RELATORIO Adio Domingos Baptista, melhor identificado nos autos, veio ao Tribunal Constitucional impetrar recurso extraordinario de inconstitucionalidade do Acérdao n.° 308, da 2.* Seccao da Camara dos Crimes Comuns do Tribunal Supremo, datado de 31 de Outubro de 2019, que indeferiu a providéncia de hhabeas compu. Vz; ~ © recurso foi admitido notificado para apresentar alegagdes em observancia & : ao disposto no artigo 45.° da Lei n.° 3/08, de 17 de Junho, Lei do Processo \~ Constitucional (LPC), conforme se vé a fls. 24 a 28 dos autos. js sy —> Alega em sintese que: Foi injustamente detido no dia 02 de Agosto de 2018, por pretenso crime de violagdo, previsto ¢ punivel pelo artigo 393.° do Cédigo Penal (CP). Conforme demonstram 0s autos, a detencao do ora Recorrente, foi efectuada RK fora do flagrante delito, isto &, 45 dias depois da suposta data da ocorréncia dos factos. Yea? O mandado de captura foi emitido no dia 29 de Junho de 2018, enquanto, a A? detencao ocorreu no dia 02 de Agosto do mesmo ano. O Recorrente residia ea na mesma circunscrico territorial, bem como, exercia actividade pastoral na mesma comunidade de fé da ofendida. ae : he A data dos factos, foi o Recorrente obrigado a custear consultas e exames médicos, incluindo uma quantia monetéria que dava para o sustento da familia da ofendida. Porém, tao logo obteve os resultados dos exames em seu favor, isto é negativo, deixou de ceder as exigéncias da familia da ofendida. Em face disso, os familiares da ofendida conduziram-no a forga até a esquadra de policia mais proxima. Alega ainda o Recorrente que a validacao da detengao fora do flagrante delito no mereceu a devida fundamentagao por parte do Ministério Piblico, na fase instrutéria, 0 que beliscou o principio da legalidade, previsto no n.° 1 do artigo 8.° e na alinea a) do n.° 1 e 2 do artigo 15.° da Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal (LMCPP). Termina pedindo ao Tribunal Constitucional, que atente aos factos narrados, urge cortigir 0 Acérdao recorrido e, por conseguinte, requer a liberdade provisoria, por violacéo do principio da presuncZo da inocéncia, constitucionalmente previsto. O processo foi a vista do Ministério Piblico. Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir. Ls x IL COMPETENCIA Tribunal Constitucional é, nos termos da alinea a) do artigo 49.° LPC, competente para julgar os recursos interpostos das sentencas e decisOes que contrariem principios, direitos, garantias e liberdades constitucionalmente consagrados, ap6s 0 esgotamento dos recursos ordindrios legalmente previstos. Esta faculdade esta igualmente prevista na alinea m), do artigo 16.° da Lei n° 2/08, de 17 de Junho, Lei Organica do Tribunal Constitucional — ‘+ (LoTC), 7 I. LEGITIMIDADE O Recorrente é parte legitima no Proc n.° 308/19, que correu seus tramites na 2* Secgio da Camara dos Crimes Comuns do Tribunal Supremo, na =) sequéncia da providéncia de habeas comus. Tem direito a contradizer, 0.) p> segundo disp0e o n.° 1 do artigo 26.° do CPC, aplicado subsidiariamente ao 2 | processo constitucional por forga do artigo 2.° da LPC. ‘A legitimidade para interpor o presente recurso extraordinario de alan inconstitucionalidade. cabe lhe, nos termos da alinea a) do artigo 50° da Yves? LPC. ig 2 Ii. OBJECTO 0 objecto do presente recurso é saber se 0 acbrdao da 2.* Secgio da Camara dos Crimes Comuns do Tribunal Supremo, datado de 31 de Outubro de 2019, proferido no Proc. n.° 308/19, teré alegadamente incorrido em inconstitucionalidade, violando os mais lidimos direitos fundamentais do Recorrente, a saber: principio da legalidade, presuncao da inocéncia, acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva e o direito a um julgamento justo e conforme. V. APRECIANDO Providéncia de habeas corpus ‘A providéncia de habeas corpus, 6 uma garantia fundamental, com dignidade constitucional, a que todos devem langar mao, em virtude de ver seu direito de livremente se locomover, cerceados, mediante abuso de poder, prisfio ou detencao ilegal, conforme estabelece a Constituigao no seu artigo 68.°. A existéncia da consagracio constitucional da providéncia de habeas corpus, tem exactamente que ver com a limitag4o do exercicio do poder da acco punitiva do Estado. Dito de outro modo, mister que os direitos, liberdades garantias fundamentais nao sio de exercicio absoluto, porém é igualmente verdade que a sua suspensdo, restricdo ou limitacao deve atender aos ditames previstos na Constituigao, como ditam os artigos, 57.°, 58.°, 67." ¢ 68 ‘Assim, o direito a liberdade de ir, vir, ficar e permanecer, é 0 apanagio do Estado democratico de direito, pois, esta é entendida como um bem juridico de valor elevado. Por esta razo, impde o legislador, que “ninguém pode ser privado de sua liberdade, se nao nos termos permitidos e definidos por lei”, e tal resulta da ideia de limitar 0 Estado no seu ius puniendi, de agir de forma arbitraria, ordem juridica vigente, na medida em que vem coarctar a acco do ius puniendi desprovida de fundamento, traduzindo a ideia de um Estado alicercado nos ideais mais nobres de justia com fundamento na dignidade da pessoa humana. O habeas corpus é uma garantia fundamental ou remédio, porquanto, vem sanar ilegalidades tendentes a violacao da liberdade de ir e vir, por reconhecer que a ninguém deve ser coarctada a liberdade sendo nos termos da Constituicao e da lei. ‘A doutrina pontuada por Guilherme de Sousa Nucci evoca que “o habeas corpus & entendido como um remédio salutar, mais poderoso a garantir a liberdade suprimida ou cerceada que 0 habeas corpus, cujo fim é aliviar 0 paciente, com verdadeira presteza e admiravel prontidéo, da opressdo ilegal. Distingue-se 0 habeas corpus de outras medidas cautelares em prot da liberdade e da defesa de direitos individuais pelo facto de constituir um procedimento célere, com pronta resposta em SS Cae © habeas corpus, como previsao constitucional, é considerado um avango fa ey ‘face da violagio de liberdade de alguém, por acto inconstitucional ou ilegal. (NUCCL, ‘Guitherme de Souza. Habeas Corpus. 2014. Pag. 22). Na mesma senda o autor refere que, “o habeas corpus destina-se, basicamente, a eliminar constrigées ilegais a iberdade individual de ir, vir e ficar. Acgiio constitucional voltada a fazer cessar qualquer constrangimento ilegal contra o direito de locomogio, o habeas corpus é 0 antidoto invocado contra constrangimento ilegal evidente, claro, indisfargdvel e que, de pronto, revela a apreciagao do julgador.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Habeas Corpus. 2014. Pag. 37). Por seu tuo, a Constituigao estabelece nos n°s 1 € 2 do artigo 68.° “ 1. Todos tém o direito 4 providéncia de habeas corpus contra 0 abuso de poder, em virtude de prisio ou detengao ilegal, a interpor perante o tribunal competente. 2. A Providéncia de habeas corpus pode ser requerida pelo préprio ou por qualquer pessoa ‘no gozo dos seus direitos politicos.” Por isso, atentando para aquela norma constitucional, vem o legislador ordinério nos termos do artigo 315.° do CPP, enfatizar que ha lugar a providéncia de habeas corpus quando se trate de pristo efectiva e actual, ferida de ilegalidade por qualquer um dos seguintes motivos: @) Ter sido efectuada ou ordenada por quem para tanto ndo tenha competéncia; Je 4) Ser motivada por facto pelo qual a lei néio autoriza prisio; ) Manter-se além dos prazos legais para apresentagio em juizo e para formagdo g de culpa; @) Prolongar-se além do prazo fixado por decisio judicial para a duragao da pena ou medida de seguranga ou da sua prorrogagiio. Ora, da apreciacio que se depreende dos autos, vislumbra-se que o Recorrente jé foi julgado e condenado, por esta razao, 0 mecanismo de que deveria o Recorrente lancar mfo seria a interposig4o de recurso ordinario no Tribunal Supremo, com vista a sindicar a decisao proferida pela instanciaa quo nao a providéncia de habeas corpus, conforme ficou clarificado no = Acérdao a fis. 7 e 8 dos autos. oa ‘Ademais, no entendimento doutrinario do Professor Guilherme de Souza Nucci, com o qual corroboramos, “pretender debater, na acgiio constitucional, aspectos de direito penal, nitidamente ligados ao mérito da causa, é contraproducente e deve ser coibido pelos juizos e tribunais.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Habeas Corpus. 2014. p. 37). ps! fpdyaee Assegura ainda o Professor Nucci, que o habeas corpus, compreende os“ /* seguintes objectivos: @) O objective do habeas corpus é assegurar a liberdade de ir e vir, excepto se houver imposigéo de pena, com trénsito em julgado; assim sendo combater uma sentenga por meio do remédio herbico significa perverter a sua esséncia; 8) A acgio de habeas corpus exige prova pré-constituida, sem qualquer dilagiio probatéria; avaliar integralmente 0 processo-crime tomna-se incompativel com tal celeridade e estreiteza; Q) Havendo o recurso préprio para contrapor a sentenga, se 0 habeas corpus pudesse ingressar no mérito, em processo distinto, poderiam subsistir decisdes diversas, até mesmo, contraditérias. (NUCCI, Guilherme de Souza. Habeas Conpus.2014. p. 32). Assim, sublinhe-se aqui que os fundamentos elencados pelo Recorrente so subsumiveis & acco principal, logo, andou o Recorrente a margem dos elementos que devem constar na providéncia de habeas corpus. DECIDINDO Nestes termos ado visto ¢ ponderado, acordam em Plendrio os Juizes, do Tribunal Consttucional, em: “|. Meat €x ed a pr Siu Mpe da Lide, ve Ono 2B cle Ce: Sem custas 168 termes do artigo 15° da LPC. Notifique. mwsidgncia Texwers Q0in20 &) Tribunal Constitucional, em Luanda, aos 14 de Margo de 2020. OS JUIZES CONSELHEIROS Dr. Manuel Miguel da Costa Aragio (Presidente) Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente) Dr. Carlos Alberto Burity da Silva, = camer ay Dr. Carlos Magalhaes a) a oe Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira Beto ; ae Dra. Josefa Antonia dos Santos Neto etator | $6 wo wse —— wr 0 Ines Dra. Jilia de Fatima Leite da Silva Ferreira )s\.< us Dra. Maria da Concei¢ao de Almeida Sango_\ ane Dra. Maria de Fatima Lima D’ Almeida B. da Silva a L Dr. Simao de Sousa Victor_<—=~\~ Tai a Dra. Victoria Manuel da Silva Izata_\[be Li wt vel Slo pect “he | }- —)

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