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NEE e Ow: PESQUISA NB APIA AUTOR UWE FLICK. Psicélogo e socidlogo. Professor titular de pesquisa qualitativa na Alice Salomon University, em Berlim, Alemanha, nas éreas de Enfermagem, Gerontologia e Servico Social. Anteriormente, foi professor auxiliar da Memorial University of Newfoundland, em St. John’s, no Canada. E professor auxiliar na Free University of Berlin, na area de metodologia da pesquisa, professor assistente da Technical University of Berlin na érea de métodos qualita- tivos e avaliacdo; e é também professor adjunto e chefe do Departamento de Sociologia Médica da Hannover Medical School. Ocupou cargos como professor visitante na London School of Economics, na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales de Paris, na Cambridge University (UX), na Memorial University of St. John's (Canada), na Universidade de Lisboa Portugal), na Itdlia, Suécia e na School of Psychology da Massey University, em Auckland (Nova Zelandia). Tem como principais interesses de pesquisa os métodos qualitativos, as representacdes sociais nos campos da saiide individual e publica e a mudanca tecnolégica na vida cotidiana. F621i Flick, Uwe. Introdugio A pesquisa qualitativa [recurso eletrénico] / Uwe Flick ; traducao Joice Elias Costa, -3. ed. - Dados eletrénicos— Porto Alegre : Artmed, 2009. Editado também como livro impresso em 2009. ISBN 978-85-363-1852-3 1. Pesquisa cientifica ~ Pesquisa qualitativa. I. Titulo. CDU 001.891 Catalogacao na publicacao: Renata de Souza Borges — CRB-10/Prov-021/08 Métodos de Pesquisa INTRODUGAO A PESQUISA QUALITATIVA 3 EDIGAO Uwe Flick Traduciio: Joice Elias Costa Consultoria, supervisio e revisdo técnica desta edigo: SOnia Elisa Garegnato Doutora em Ciéncias da Informagéo pela Sheffield University, Inglaterra Professora na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicagiio da UFRGS. Versio impressa desta obra: 2009 2009 Obra original mente publicada sob o titulo Qualitative Sozialforschung, 3rd Edition ISBN 978-1-4129-1146X © 1995, 2002, 2007 by Rowohlt Verlag GmbH, Reinbeck bei Hamburg All rights reserved. Capa Paola Manica Arte-finalizagdo Vs Digital Preparacdo do original ‘Maria Francisca Oliveira Vargas Leitura final Josiane Tibursky Superviséo editorial ‘Ménica Ballejo Canto Projeto e editoragéo Armazém Digital Elitoragdo EletrOnica ~ Roberto Vieira Reservados todos os direitos de publicacdo, em lingua portuguesa, & ARTMED® EDITORA S.A. Ay. Jerénimo de Ornelas, 670 - Santana 90040-340 Porto Alegre RS Fone (51) 3027-7000 Fax (51) 3027-7070 E proibida a duplicacao ou reproduco deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrOnico, mecanico, gravacio, fotocépia, distribui¢o na Web e outros), sem permissdo expressa da Editora. SAO PAULO Av. Angélica, 1091 - Higiendpolis 0127-100 Sao Paulo SP Fone (11) 3665-1100 Fax (11) 3667-1333 SAC 0800 703-3444 IMPRESSO NO BRASIL. PRINTED IN BRAZIL A pesquisa qualitativa encontra-se em ‘um processo continuo de propagacao, com 0 surgimento de novas abordagens e mé- todos, e vem sendo adotada como parte essencial dos currfculos de um mimero cada vez maior de disciplinas. Perspectivas novas e mais antigas da pesquisa qualitati- va podem ser encontradas na sociologia, na psicologia, naantropologia, na enferma- gem, na engenharia, nos estudos culturais, etc. Um dos resultados destes avancos re- side no constante crescimento da literatu- ra dispontvel na area da pesquisa qualita- tiva: publicacao de novos livros nessa 4rea, surgimento de novos periédicos repletos de artigos sobre metodologia e de trabalhos resultantes de pesquisa qualitativa. Outra consequéncia é o risco da pesquisa quali- tativa dividir-se em diversos campos de pesquisa e discusses metodoldgicas e que, nesse processo, princ{pios e ideias que lhe so centrais possam ser negligenciados em fungo da diversidade de campos. Desde a publicacao da primeira e da segunda edigo deste livro, diversas dreas da pesquisa qualitativa desdobraram-se ainda mais, o que tomou outra vez necessé- rigs algumas revisées. A ética da pesquisa € uma questo que atrai uma atengéo cada vez maior e que precisa ser desenvolvida e detalhada especificamente para a pesqui- sa qualitativa. A combinacdo entre pesquisa qualitativa e quantitativa encontra-se em ‘voga enquanto tema. A internet tornou-se, ‘ao mesmo tempo, um campo de pesquisa e uma ferramenta para fazer-se pesquisa. Os documentos s4o um tipo de dado em si mesmos. Algumas das tendéncias atuais em pesquisa qualitativa tornaram a revisio deste livro um desafio. Esta terceira edicio foi revista, am- pliada e complementada de diversas manei- ras, em comparaco As edigdes anteriores: * Atualizaco das discussées e das refe- réncias ao longo de todo o texto. + Em todos os capitulos, elementos adi- cionais foram integrados incluindo uma secfio panoramica na introdugio, a in- cluso de estudos de caso, uma lista de pontos-chave e um conjunto de exerci- ios ao final de cada capitulo. © Acréscimo de alguns capitulos novos: — Um capitulo com a finalidade de orientar o leitor do comego ao final do livro (Capitulo 1) — Umcapftulo sobre aética na pesqui- sa qualitativa (Capitulo 4) — Outro capitulo examina a utilizagio da literatura na pesquisa qualitati- va (Capitulo 5) — Um capitulo que oferece uma visio geral sobre o planejamento da pes- quisa (Capitulo 12) ~ Um capitulo sobre 0 uso de docu- mentos (Capitulo 19) — Outro capitulo trata da pesquisa qualitativa online (Capitulo 20) * Alguns capftalos foram movidos e inte- grados na disposicao geral do livro — Preficio & tereeira edigo por exemplo, o capitulo sobre pesquisa qualitativa e quantitativa (Capitulo 3). Ampliagio de diversos capitulos como &0 caso do capitulo introdutério, ten- do sido este complementado por uma seco sobre a situacao atual do desen- volvimento da pesquisa qualitativa (Ca- pitulo 2) e do capitulo a respeito das posturas tedricas subjacentes & pesqui- sa qualitativa (Capitulo 6), com ainclu- so de segdes sobre feminismo, positi- vismo e construcionismo. + Alguns capitulos foram divididos em capitulos mais claramente delimitados ¢ enfocados. Um exemplo é a separa- Go do capitulo sobre observacao (Ca- pitulo 17) daquele sobre métodos de da- dos visuais (Capitulo 18). Na Parte VI, © capitulo sobre a andlise de conversa- cdo e a anilise de discurso (Capitulo 24) foi separado do capitulo sobre as andlises de narrativa e a hermenéutica (Capitulo 25). Prefacio a terceira edicio... |. Um guia para este livro .. 1, Pesquisa qualitativa: por que e como fazé-la 3. Pesquisa qualitativa e quantitativa... 4. Etica na pesquisa qualitativa PARTE II Da teoria ao texto. 5, Auutilizacéo da literatura na pesquisa qualitativa .. 6. Posturas teéricas subjacentes 4 pesquisa qualitativa 1. Base epistemolégica: construgao e compreensao de textos .. 8. © processo da pesquisa qualitativa... 9. Questées de pesquisa 10. Entrando no campo ... | punine Il. Amostrager.... 17 12. Como planejar a pesquisa qualitativa: uma visdo geral 129 PARTE IV Dados verbais. lat 1B. Entrevistas 143 14, Narrativas... 164 15. Grupos focais 16. Dados verbais: uma viséo geral .... PARTE V Dados multifocais.. 201 17. Observacdo e etnografi 203 1B. Dados visuais: fotografia, filme e video 219 19. Utilizacao de documentos como dados ... 20 20. Pesquisa qualitativa online: a utilizagao da internet 238 11. Dados multifocais: uma visdo geral.. 254 PARTE VI Do texto a teoria ... 263 12. Documentagao de dados .. 265 3B. Codificagao e categorizacio 276 24. Andlise de conversacao, do discurso e de género .. 298 25, As andlises de narrativa e a hermenéutica.. 307 26. © uso dos computadores na pesquisa qualitativa 318 21. interpretagao do texto: uma visio geral .. 332 PARTE VII O embasamento e a redacao da pesquisa quelitativa 18. Critérios de qualidade na pesquisa qualitativa.. 29. A qualidade na pesquisa qualitativa: além dos critérios 356 30. Aredacao e o futuro da pesquisa qualitativa: arte ou métod Referéncias.. indice onomastico indice tematico Essa pagina foi deixada em branco intencionalmente. PARTE | A estrutura A Parte I constitui-se de uma estrutura para o procedimento da pesquisa quali- tativa e para a compreensio dos cap{tulos posteriores. O Capitulo 1 serve como um guia para o livro, apresentando suas partes principais. Para tanto, fornece uma orientagio sobre os motivos da relevancia da pesquisa qualitativa nas il- timas décadas do século XX e no inicio do século XXI. O livro inicia com uma visio geral dos fundamentos da pesquisa qualitativa. Passo entdo a apresentar ao leitor os aspectos fundamentais da pesquisa qualitativa (de modo geral), bem como a variedade dos métodos e das abordagens (Capitulo 2). O Capitulo 3 apresenta as relagées entre a pesquisa qualitativa e a pesquisa quantitativa, assim como as possibilidades e as ciladas das abordagens combinadas de ambas. O quarto capitulo delineia as questes éticas relativas & pesquisa qualitativa. Juntos, estes capftulos oferecem um panorama para auxiliar a pesquisa e a utilizagéo dos métodos qualitatives que se encontram delimitados e discutidos detalhadamente nos capitulos posteriores do livro. Essa pagina foi deixada em branco intencionalmente. ‘A abordagem do livro, 13 Acestrutura do livro, 14 Recursos peculiares deste livro, 17 ‘Como utilizar este livro, 18 OBJETIVOS DO CAPITULO ‘Apés a leitura deste capitulo, vocé deverd ser capaz de: Vv entender a organizagéo deste livro. 7, situar diversos aspectos da pesquisa qualitativa neste livro. V identificar quais capitulos utilizar para diversas finalidades. A ABORDAGEM DO LIVRO Ao escrever este livro, levamos em consideracao dois grupos de leitores — os pesquisadores novatos e os pesquisadores experientes. Em primeiro lugar, o livro ori- enta 0 novato & pesquisa qualitativa, tal- vez até mesmo & pesquisa social em geral. Para este grupo, formado em grande parte Por estudantes de graduacao ou pés-gra- duago, o livro é concebido como uma in- troducao basica aos principios e as prati- cas da pesquisa qualitativa, a sua base ted- rica e epistemoldgica e a métodos mais im- portantes. Em segundo lugar, o pesquisa- dor no campo poderd utilizar este livro como uma espécie de caixa de ferramen- tas ao enfrentar questes e problemas pra- ticos do cotidiano da pesquisa qualitativa. ‘A pesquisa qualitativa esta se firmando em muitas ciéncias sociais, na psicologia, na enfermagem e em reas afins. Tanto pes- quisadores novatos quanto experientes po- derao utilizar uma grande variedade de métodos especificos, cada um dos quais partindo de diferentes premissas e perse- guindo diferentes objetivos. Cada método na pesquisa qualitativa esté baseado em um entendimento especifico de seu objeto. Contudo, os métodos qualitativos nao de- ‘ven ser considerados independentemente do processo da pesquisa e da questo em estudo. Eles esto especificamente encai- ‘xados no processo de pesquisa e sao mais ‘bem compreendidos e definidos a partir de uma perspectiva orientada a0 processo. Portanto, a preocupacao central do livro é uma apresentaio das diferentes etapas no processo da pesquisa qualitativa. Os méto- dos mais importantes para a coleta e a in- terpretaco dos dados e para a avaliagdo e a descrigao dos resultados esto apresen- i Sie Fits tados e situados em uma estrutura orien- tada ao processo. Isto deverd fornecer uma visfio geral do campo da pesquisa qualita- tiva, das alternativas metodoldgicas con- cretas, bem como de suas pretensées, apli- cages ede seus limites. Isto deverd habili- tar o pesquisador a optar pela estratégia metodoldgica mais apropriada a seu obje- to ea suas questdes de pesquisa. ponto de partida neste livro consis- teno fato de que a pesquisa qualitativa tra- balha, acima de tudo, com textos. Os mé- todos para a coleta de informagées ~ en- trevistas ou de observagdes — produzem da- dos que so transformados em textos atra- vés de gravagao e de transcrigo. Os méto- dos de interpretacao partem destes textos. Diferentes roteiros conduzem em diregio aos textos do centro da pesquisa, e tam- bém conduzem ao afastamento desses tex- tos. Muito resumidamente, 0 processo de pesquisa qualitativa pode ser representa- do como sendo um caminho da teoria ao texto e outro caminho do texto de volta d teoria. A intersego desses dois caminhos a coleta de dados verbais ou visuais e a interpretago destes dentro de um plano especifico de pesquisa. A ESTRUTURA DO LIVRO O livro é dividido em sete partes que visam ao desdobramento do processo da pesquisa qualitativa em seus estdgios prin- cipais. A Parte I delimita a Estrutura de pro- cedimento da pesquisa qualitativa confor- me 0 discutido nos Capitulos de 2 a4. * Capitulo 2 ~ investiga e responde ques- tdes fundamentais da pesquisa qualita- tiva. Com esta finalidade, a atual rele- vancia da pesquisa qualitativa ¢ deli- neada tendo como pano de fundo as recentes tendéncias na sociedade e nas ciéncias sociais. O debate sobre abor- dagem qualitativa versus abordagem quantitativa é abordado e contextuali- zado em exemplos de pesquisas reali- zadas nos Estados Unidos e na Europa. Por tiltimo, o capitulo discute técnicas para o aprendizado da aplicagao da pesquisa qualitativa. * Capitulo 3 ~ expée a relagio entre pes- quisa qualitativa e pesquisa quantita- tiva. Sao levantadas e desenvolvidas al- gumas questées para a orientacdo da avaliago da apropriabilidade da pes- quisa qualitativa e da quantitativa. Este capitulo permite que o leitor conheca diversas abordagens e possa entao de- cidir qual delas se adapta melhor a sua pesquisa. * Capitulo 4 - enfoca uma estrutura dife- rente para a pesquisa qualitativa - a ética na pesquisa. A ética da pesquisa qualitativa merece uma atencao espe- cial, uma vez que o pesquisador chega- 14 muito mais préximo de quest6es da vida particular e cotidiana dos partici- pantes. Ponderacao e sensibilidade a questo da privacidade sao essenciais antes de se dar inicio a um twabalho qualitativo. Ao mesmo tempo, debates genéricos sobre ética de pesquisa fre- quentemente deixam de contemplar di- ficuldades e problemas peculiares & pesquisa qualitativa. Apés a leitura des- te capitulo, o pesquisador devera saber da importdncia de um cédigo de ética antes de iniciar sua pesquisa, bem como reconhecer a necessidade das comissdes de ética. A questao se a pesquisa é ou no ética dependerd em muito das de- cisGes praticas tomadas no campo. ‘Apés a delimitacdo da estrutura da pesquisa qualitativa, podemos entender o processo de um estudo qualitativo. A Parte I levard o leitor Da Teoria ao Texto. * Capitulo 5 ~ apresenta a utilizagio da literatura tedrica, metodolégica ¢ empirica — em um estudo qualitativo. Trata da utilizacdo e da busca destas Introduce & pesquisa qualitativa fontes ao longo do processo de pesqui- sa e durante a composigao escrita do trabalho. Ao final, so apresentadas al- gumas sugestdes sobre como encontrar a literatura. * Capitulo 6 ~ trata das diversas posturas tedricas fundamentais a pesquisa qua- litativa. As perspectivas do interacio- nismo simbélico, da etnometodologia e do estruturalismo encontram-se dis- cutidas enquanto abordagens paradig- miticas em seus pressupostos basicos e em avangos recentes. A partir destas dis- cussOes, a relago dos aspectos essenci- ais da pesquisa qualitativa fica comple- ta. Ao final, apresento dois debates te- Gricos atualmente muito fortes na pes- quisa qualitativa. © feminismo e os es- tudos de género, assim como a discus- so envolvendo positivismo e constru- cionismo j4 contam com uma quanti dade considerdvel de estudos qualitati vos ~ sobre como entender as questées de pesquisa, como conceber o proceso de pesquisa e como utilizar os métodos qualitativos. * Capitulo 7 — segue a discussio levanta- da no Capitulo 6 e esboca a base epistemolégica da pesquisa qualitativa construcionista coma utilizagao de tex- tos como material empirico Na Parte Ill, Plano de Pesquisa, che- gamos a questGes mais praticas sobre como planejar a pesquisa qualitativa * Capitulo 8 - delineia o processo da pes- quisa qualitativa demonstrando que as etapas isoladas encontram-se muito mais ligadas umas as outras do que no processo passo a passo da pesquisa quantitativa. * Capitulo 9 trata da relevancia de uma questdo de pesquisa bem-definida para a conducao da pesquisa e de como alcancé-la. * Capitulo 10 ~ fala sobre como aden- trar um campo e sobre como entrar em contato com os participantes da pes- quisa. * Capitulo 11 - abrange o tema da amos- tragem —como selecionar os participan- tes ou grupos de participantes, situa- goes, etc. * Capitulo 12 — apresenta uma visio ge- ral das questées préticas sobre como planejar a pesquisa qualitativa. Compre- ende também os planos basicos da pes- quisa qualitativa. A Parte IV apresenta uma das princi- pais estratégias para a coleta de dados. A produgao de dados verbais nas entrevistas, narrativas e grupos focais. + Capftulo 13 - apresenta uma série de entrevistas caracterizadas pela utiliza- cdo de um conjunto de questées aber- tas para estimular as respostas dos par- ticipantes. Algumas destas entrevistas, comoé ocaso das entrevistas focais, sio utilizadas para os mais diversos propé- sitos; jA outras, como as entrevistas com espedialistas, possuem um campo de aplicacao mais especifico * Capitulo 14—esboca uma estratégia dis- tinta para a obtengio de dados verbais. A etapa central aqui é o estimulo as narrativas (isto é, especialmente as nar- rativas de historias de vida ou narrati vas mais focadas em situagées espectii cas). Essas narrativas sao estimuladas em entrevistas especialmente planeja- das —a entrevista narrativa na primeira entrevista, e a entrevista episddica como segunda alternative. * Capftulo 15 — analisa as formas de co- leta de dados verbais em um grupo de participantes. Atualmente os grupos focais esto muito proeminentes em al- gumas 4reas, enquanto que os grupos de discusséo s4o mais tradicionai Ambos baseiam-se no estimulo de dis- cussdes, ao passo que as entrevistas de grupo servem mais & obtengao de res- postas para questées especificas. As Uwe Flick narrativas em conjunto pretendem fa- zer com que um grupo de pessoas con- te uma histéria que seja comum a to- dos os participantes. * Capitulo 16 - resume os métodos para coleta de dados verbais. O capitulo tem a finalidade de ajudar o leitor a deci- dir-se entre os diferentes caminhos de- lineados na Parte 4, por meio da com- paracdo entre os métodos e de um checklist elaborada para orienté-lo nes- ta decisio. A Parte V analisa os dados visuais em suas varias propostas de comunicagao, bem como a utilizacao de dados eletrénicos. * Capitulo 17 - trata da etnografia e da observaciio, participante ou nao. O emprego de outras estratégias para a coleta de dados (como entrevistas, uso de documentos, etc.) como objetivo de complementar a observacio. * Capitulo 18 ~ amplia a parte visual de dados para a andlise, 0 estudo e a utili- zagdo de midias como fotos, filmes e videos como dados. * Capitulo 19 — avanga um pouco mais e explora a utilizagio de documentos além dos dados visuais. O capitulo ana- lisa a construgo e o processo desses do- cumentos na pesquisa qualitativa. * Capitulo 20 — analisa a internet como campo de pesquisa e como instrumen- to para o procedimento da pesquisa. ‘Aqui, outra vez, o leitor encontrard meétodos que jé foram tratados em ca- pitulos anteriores — como entrevistas, grupos focais e etnografia. Porém, aqui, estes métodos aparecem descritos de forma especifica para a utilizagio na pesquisa qualitativa online. + Capitulo 21 - adota uma perspectiva comparativa e sintetizadora dos dados visuais. Esta visao geral deverd auxiliar oleitor a definir sobre quando escolher cada método e sobre quais séo as van- tagens e os problemas de cada um deles. As primeiras partes do livro concen- tram-se na coleta e na produgao de dados. A Parte VI trata do prosseguimento do texto & teoria trata de como desenvol- ver insights teoricamente relevantes a par- tir desses dados e do texto produzido a partir deles. Para tanto, o foco desta parte so os métodos qualitativos para a andlise dos dados. Capitulo 22 ~ discute como documen- tar os dados na pesquisa qualitativa. As notas de campo e as transcriges so apresentadas em detalhes, por meio de exemplos, quanto a seus aspectos téc- nicos e gerais. Capitulo 23 — abrange métodos que uti- lizam cédigos ¢ categorias como instru- mentos para a andlise de textos. Capitulo 24 — prossegue com aborda- gents cujo interesse maior est na for- ma como algo é dito e nao apenas no que é dito. A andlise de conversagao observa como funciona 2 conversa¢ao no cotidiano e em um contexto insti- tucional e observa quais s4o os méto- dos utilizados pelas pessoas para a co- municagio em qualquer tipo de con- texto. Andlises de discurso e de géne- ro vém aprofundando esta perspectiva em diversas direcdes. Capitulo 25 ~ explora a andlise narrati- va ea hermenéutica. Estas abordagens analisam os textos a partir de uma ori- entago combinada para forma e con- tetido. Aqui, uma narrativa nao é ape- nas analisada quanto zo que é dito, mas também como a historia € revelada, em que momento ela é contada eo que isso revela sobre o que € relatado. Capitulo 26 — discute 0 uso de compu- tadores e especificamente de softwares para a andlise de dados qualitativos. Apresenta fundamentos e exemplos do software mais importante. Este capitu- lo deveré auxiliar o leitor a decidir-se pelouso ou nao de algum software para sua andlise, e sobre qual deles utilizar. Introduce & pesquisa qualitativa I * Capitulo 27 - oferece uma visio geral resumida das perspectivas para a and- lise de textos e outros materiais na pes- quisa qualitativa. O leitor encontraré, novamente, uma comparacdio entre as diversas abordagens e um checklist que deverio auxilid-lo a escolher o método apropriado para a andlise do material em questo e, assim, avangar teorica- mente dos dados para descobertas re- levantes. Asétima e tiltima parte retoma ocon- texto e a metodologia, apresentando ques- tées sobre a fundamentacao e a redagao da pesquisa qualitativa. + Capitulo 28 - discute a aplicabilidade dos critérios tradicionais de qualidade na pesquisa qualitativa e seus limites. Discorre também sobre os critérios al temativos que vém sendo desenvolvi- dos para a pesquisa qualitativa e para abordagens mais especificas. Ao final, © capitulo demonstra por que respon- der-se 4 questo da qualidade na pes- quisa qualitativa representa atualmen- te, ao mesmo tempo, uma grande ex- pectativa exterior & disciplina euma ne- cessidade para o aperfeigoamento da pratica de pesquisa. * Capitulo 29 - prossegue tratando deste tema, apresentando formas de respon- der & questo da qualidade na pesquisa qualitativa além da formulacio de cri- térios. Com este propésito, o capitulo discute estratégias para o controle de qualidade e para a solugdo das ques- t6es da indicacao e da triangulacao. * Capitulo 30 — por iiltimo, apresenta as questées da redacao na pesquisa qua- litativa — a apresentagao dos resulta- dos ao publico e as influéncias da for- ma deredacao sobre as descobertas da pesquisa. O capitulo conclui ao langar um olhar para o futuro da pesquisa qualitativa, oscilando entre arte e mé- todo. RECURSOS PECULIARES DESTE LIVRO Acrescentei alguns recursos como ob- jetivo de tornar o livro mais util 20 apren- dizado da pesquisa qualitativa e a orienta ‘so do estudo qualitativo. Vocé ira encon- tré-los ao longo dos capitulos seguintes. + Objetives do capitulo No inicio de cada capitulo, encontra- se um guia ao préprio capitulo que consis te de duas partes: primeiro uma visao ge- ral dos tépicos tratados no capitulo. A se- guir, uma lista dos objetivos do capitulo, definindo, assim, o que o leitor deverd ter aprendido apés sua leitura. Isto devera orient4-lo dentro do capitulo e ajuda-lo a encontrar novamente os tépicos apés con- luir a leitura do capitulo e do livro. * Quadros Os temas principais encontram-se destacados em quadros. Esses quadros po- derao ter diversas fungdes ~ alguns resu- mem etapas centrais de um meétodo, alguns fornecem informagoes priticas, e outros apresentam listas de modelos para ques- t6es (por exemplo, nos métodos de entre- vista). Os quadros estruturam o texto de modo a favorecer uma melhor orientagao durante a leitura. * Estudos de caso Os estudos de caso considerados ao Tongo de todo o livro analisam os métodos e a aplicaco destes por parte de proemi- nentes pesquisadores. Estas colegoes de estudos demonstram a pritica dos princf- pios da pesquisa qualitativa em situagdes particulares. Os estudos de caso servirio || Sie Fits para ajudé-lo a refletir sobre como as coi- sas sao feitas na pesquisa qualitativa e so- bre problemas ou questdes que surgem durante a leitura de tais casos. Muitos dos estudos de caso apresentados aqui foram extraidos de publicagées de figuras-chave na pesquisa qualitativa. Outros foram reti- rados de minha propria pesquisa. Ainda, em diversos destes estudos, o leitor identi- ficard osmesmos projetos de pesquisa men- cionados anteriormente para ilustrar algum outro tépico. * Checklists ‘As checklists aparecem em varios ca- pitulos, em particular nos Capitulos 16, 21 27. Muitas destas checklists oferecem um processo de tomada de decisao para a se- lecdo de métodos, e outras tém a finalida- de de averiguar a correcao de uma deci- sio. * Tabelas Nos Capftulos 16, 21 27, oleitor en- contraré também tabelas de compzracio entre os métodos descritos em detalhes nos cap{tulos anteriores. Estas tabelas adotam. ‘uma perspectiva comparativa para um tini- co método, permitindo uma visualizagio de suas qualidades e fragilidades & luz de outros métodos. Esse é um aspecto peculi- ar deste livro e foi pensado com a intengio de auxiliar 0 leitor na selecao do método “certo” para sua questio de pesquisa. * Questées-chave Ao final da descrigdo de cada um dos métodos aqui apresentados, estes serio avaliados por meio de uma lista de ques- tées-chave (por exemplo: Quais as limita Bes do método?). Essas questées-chave aparecem repetidamente no livro e deve- ao facilitar o encaminhamento e a avalia- ao de cada método. * Referéncia cruzada A referéncia cruzada oferece o enca- deamento de métodos especificos ou ques- tes metodolégicas. Isso facilita o arranjo da informago dentro de um contexto. * Pontos-chave Ao final de cada capftulo, o leitor en- contra uma lista de pontos-chave que resume os pontos mais importantes do ca~ pitulo. * Exerci Os exercicios situados ao final dos ca- pitulos funcionam como uma revisdo, pois propdem a avaliacao de pesquisas realiza- das por outras pessoas ¢ o planejamento da pesquisa futura. * Leituras adicionais Ao final dos capitulos, uma lista de referéncias bibliograficas oferece uma oportunidade para o aprofundamento dos contetidos apresentados no capitulo. COMO UTILIZAR ESTE LIVRO O leitor poder utilizar este livro de diversas maneiras, dependendo de sua ex- periéncia e especialidade no campo da pes- quisa qualitativa. A primeira destas manei- ras é proceder a leitura continua do inicio 20 final do livro, uma vez que ele iré guid- lo por todasas etapas de planejamento para a montagem de um projeto de pesquisa. Estas etapas conduzem o leitor desde a Introduce & pesquisa qualitativa AL obtengao do embasamento necessdrio a planejamento e a condugao da pesquisa as questées de avaliagao da qualidade e de redagio da pesquisa. No caso do livro ser utilizado como uma ferramenta dereferén- cia, a seguir uma lista destacando algumas dreas de interesse: * O contetido de fundamentacao teérica da pesquisa qualitativa encontra-se nos Capitulos de 2 a 7, os quais apresentam um panorama geral e a base filoséfica. * As questdes metodolégicas de planeja- mento e de concep¢éo da pesquisa qua- litativa encontram-se expostas e discu- tidas na Parte Ill. A Parte VII retoma esse nivel conceitual ao analisar o tema da qualidade na pesquisa. + AParte III apresenta, ainda, discussées sobre como planejar a pesquisa quali- tativa em um nivel pratico, propondo sugestdes sobre como fazer amostra- gem, como formular uma questéo de pesquisa e como entrar em um campo. + As Partes de IV a VII revelam questdes praticas relevantes ao procedimento da pesquisa qualitativa ao descreverem uma série de métodos detalhadamente. Arelevancia da pesquisa qualitativa, 20 (Os limites da pesquisa quantitativa como ponto de partida, 21 Aspectos essencias da pesquisa qualitativa, 23 Um breve histérico da pesquisa qualitativa, 25 A pesquisa qualitativa no inicio do século XXI~0 estado de arte, 28 ‘Avangos e tendéncias metodologicas, 32 ‘Como aprender e ensinar a pesquisa qualitativa, 36 ‘A pesquisa qualitativa no final da modernidade, 37 OBJETIVOS DO CAPITULO ‘Apés a leitura deste capitulo, vocé deverd ser capaz de: J. compreender a histéria @ a fundamentagio da pesquisa qualitativa. W discutir as tendéncias atuais da pesquisa qualitativa. entender as caracteristicas gerais da pesquisa qualitativa e a diversidade das perspectivas de pesquisa. compreender por que a pesquisa qualitativa consiste em uma abordagem oportuna e necessaria na pesquisa social. ARELEVANCIA DA PESQUISA QUALITATIVA Por que utilizar a pesquisa qualitati- va? Existe alguma demanda especial desse tipo de abordagem na atualidade? Em uma primeira etapa, irei esbogar uma justifica- tiva para o enorme crescimento do inte- resse na pesquisa qualitativa ao longo das tiltimas décadas. A pesquisa qualitative é de particular relevancia ao estudo das re- lagoes sociais devido A pluralizacio das esferas de vida. As expressOes-chave para essa pluralizacéo sto a “nova obscurida- de” (Habermas, 1996), a crescente “indivi- dualizagao das formes de vida e dos pa- drdes biograficos” (Beck, 1992) e a disso- lucdo de “velhas” desigualdades sociais dentro da nova diversidade de ambientes, subculturas, estilos e formas de vida. Essa pluralizacao exige uma nova sensibilidade para o estudo empfrico das questées. Os defensores do pés-modernismo ar- gumentam que a era das grandes narrati- Introduce & pesquisa qualitativa vas e teorias chegou ao fim. As narratives agora precisam ser limitadas em termos locais, temporais e situacionais. No que diz respeito & pluralizacao de estilos de vidae de padrées de interpretacao na sociedade moderna e pés-moderna, a afirmacao de Herbert Blumer torna-se novamente rele- vante, assumindo novas implicagdes: ‘A postura inicial do cientista social e do psicé- logo quase sempre carece de familiarida- decom aquilo que de fato ocorre na esfera davida que ele se propée a estudar” (1969, p.33). A mudanca social aceleradae acon- sequente diversificacao das esferas de vida fazem com que, cada vez mais, os pesquisa- dores sociais enfrentem novos contextos e perspectivas sociais. Tratam-se de situagoes to novas para eles que suas metodologias dedutivas tradicionais — questées e hipste- ses de pesquisa obtidas a partir de modelos teéricos e testadas sobre evidéncias empiri- cas ~ agora fracassam devido & diferencia ‘go dos objetos. Desta forma, a pesquisa est cada vez mais obrigada a utilizar-se das estratégias indutivas. Em vez de partir de teorias e testé-las, so necessdrios “con- ceitos sensibilizantes” para a abordagem dos contextos sociais a serem estudados. Contudo, ao contrdrio do que vem sendo equivocadamente difundido, estes concei- tos so essencialmente influenciados por um conhecimento teérico anterior. No en- tanto, aqui, as teorias sio desenvolvidas a partir de estudos empfricos. O conhecimen- toe a prética so estudados enquanto co- nhecimento e pratica locais (Geertz, 1983). No que diz respeito, em particular, & pesquisa na area da psicologia, questiona- se sua relevancia para a vida cotidiana por no dedicar-se suficientemente & descri¢o detalhada de um caso ou partir de suas cir- cunsténcias concretas. A andlise dos sig- nificados subjetivos da experiéncia e da pratica cotidianas mostra-se tio essencial quanto a contemplacio das narrativas (Bruner, 1991; Sarbin, 1986) e dos discur- sos (Harré, 1998). OS LIMITES DA PESQUISA QUANTITATIVA COMO PONTO DE PARTIDA Além desses desenvolvimentos gerais, as limitagées das abordagens quantitativas vém sendo adotadas como ponto de parti- da para uma argumentago no sentido de justificar a utilizagéo da pesquisa qualita- tiva, Tradicionalmente, a psicologia e as cifncias sociais tm adotado as ciéncias naturais e sua exatidao como modelo, pres- tando atencdo em especial ao desenvolvi- mento de métodos quantitativos e padro- nizados. Os principios norteadores da pes- quisa e do planejamento da pesquisa sio utilizados com as seguintes finalidades: iso- lar claramente causas efeitos, operaci nalizar adequadamente relacdes tedricas, medir e quantificar fenémenos, desenvol- ver planos de pesquisa que permitam a generalizacéo das descobertas ¢ formular leis gerais. Por exemplo, selecionam-se amostras aleatérias de populagées no sen- tido de obter-se um levantamento repre- sentativo. Os enunciados gerais séo clabo- rados da forma mais independente poss{- vel em relagio aos casos concretos estuda- dos. Os fendmenos observados sao classifi cados de acordo com sua frequéncia e dis- tribuicéo. No intuito de classificar da for- ma mais clara possivel as relagbes causais e sua respectiva validade, as condigdes em que os fenémenos ¢ as relagdes em estudo ocorrem so controladas ao extremo. Os estudos sao planejados de tal maneira que a influéncia do pesquisador, bem como do entrevistador, observador, etc., seja climi- nada tanto quanto possivel. Isso deve ga- rantir a objetividade do estudo, pois, des- sa forma, as opinides subjetivas tanto do pesquisador quanto daqueles individuos submetidos ao estudo so, em grande par- te, desconsideradas. Os padrées obrigaté- rios gerais para a realizacao ¢ a avaliagio da pesquisa social empirica vém sendo for- mulados. Os procedimentos relativos & for- Uwe Flick ma como construir um questionario, como planejar um experimento e como realizar uma andlise estatistica tormam-se cada vez mais aperfeigoados. Durante muito tempo, a pesquisa psi- coldgica utilizou quase que exclusivamen- te planos experimentais. Esses planos pro- duziram grandes quantidades de dados e resultados que demonstram e testam as relagSes psicolégicas das varidveis e as con- digdes sob as quais elas so vélidas. Pelas razées mencionadas acima, durante um longo periodo a pesquisa social empirica baseou-se essencialmente em levantamen- tos padronizados. O objetivo era documen- tar e analisar a frequéncia e a distribuigio dos fenémenos sociais na populagao — por exemplo, determinadas atitudes. Em esca- la menor, os padrées e os procedimentos da pesquisa quantitativa foram fundamen- talmente considerados analisados no sen- tido de esclarecer objetos e questdes de pes- quisa a que eles se ajustam ou nao. ‘Ao ponderarmos os objetivos menci- ‘onados acima, proliferam-se os resultados negativos. Os ideais de objetividade, em grande parte, desencantam-se; ha algum tempo, Max Weber (1919) afirmou ser “desencantamento do mundo” tarefa da ciéncia. Mais recentemente, Bon8 e Hartmann (1985) declararam o crescente desencantamento das ciéncias - seus mé- todos e suas descobertas. No caso das ci cias sociais, o baixo grau de aplicabilidade dos resultados e os problemas para conec- téclos a teoria e ao desenvolvimento da so- ciedade sao considerados indicadores des- te desencantamento. Com uma abrangén- cia bem menor do que a esperada —e, so- bretudo, de forma bastante diversa—as des- cobertas da pesquisa social tém encontra- do seu caminho deatro dos contextos poli- ticos e cotidianos. A “pesquisa de aplica- ao” (Beck and Bon, 1989) vem demons- trando que as descobertas cientificas no so incorporadas as praticas politicas ¢ ins- titucionais tanto quanto se esperava que fossem. Quando utilizadas, so claramen- te reinterpretadas e criticadas: “A ciéncia no produz mais verdades absolutas’, ca- pazes de serem adotadas sem nenhuma critica. Fornece ofertas limitadas para a in- terpretagao, cujo alcance é maior do que o das teorias cotidianas, podendo ser aplica- das na pratica de forma comparativamen- te flexivel” (1989, p. 31) ‘Tornou-se claro, também, que os re- sultados das ciéncias sociais raramente so percebidos e utilizados na vida cotidiana. Na busca por satisfazer padrdes metodolé- gicos, suas pesquisas e descobertas frequen- temente afastam-se das questdese dos pro- blemas da vida cotidiana. Por outro lado, andlises da pritica de pesquisa demons- tram que os ideais (tedricos) de objetivida- de formulados pelos metodélogos apenas se verificam em parte do procedimento da pesquisa concreta. Apesar de todos os me- canismos de controle metodolégico, torna- se muito dificil evitar a influéncia dos inte- esses e da formacio social e cultural na pesquisa e em suas descobertas. Esses fato- res influenciam na formulagao das questées e das hipéteses de pesquisa, assim como na interpretacao dos dados e das relagées. Por ultimo, o desencantamento re- latado por Boni e Hartmann traz conse- quéncias para o tipo de conhecimento pelo qual a psicologia e as ciéncias sociais po- dem lutar e, sobretudo, o tipo de conhe- cimento que podem produzir. “Na condi- sao de desencantamento dos ideais do objetivismo, nio podemos mais partir ir- refletidamente da nogao de enunciados objetivamente verdadeiros. O que resta € a possibilidade de enunciados relativos a sujeitos e a situagdes, que devem ser de- terminados por um conceito de conhe- cimento sociologicamente articulado” (1985, p. 21). A formulacio empirica- mente bem fundamentada destes enun- ciados relacionados a sujeitos e a situa- ses € um objetivo que pode ser alcanga- do coma pesquisa qualitativa. Introduce & pesquisa qualitativa ae ASPECTOS ESSENCIAIS DA PESQUISA QUALITATIVA As ideias centrais que orientam a pes- quisa qualitativa diferem daquelas da pes- quisa quantitativa. Os aspectos essenciais da pesquisa qualitativa (Quadro 2.1) con- sistem na escolha adequada de métodos e teorias convenientes; no reconhecimento ena andlise de diferentes perspectivas; nas reflexdes dos pesquisadores a respeito de suas pesquisas como parte do processo de produgao de conhecimento; e na varieda- de de abordagens e métodos. Apropriabilidade de métodos e teorias As disciplinas cientificas utilizaram padroes metodolégicos definidores para distinguirem-se das outras disciplinas. Um ‘exemplo disso inclui 0 uso de experimen- tos como o método da psicologia ou de le- vantamento de dados como métodos-cha- ve da sociologia. Nesse processo de esta- belecer-se como disciplina cientifica, os métodos tornaram-se 0 ponto de referén- cia para a verificagéo da adequagao de ideias e de questes para a investigacao ‘empirica. Isto muitas vezes leva a suges- tées como a abstencao de estudar-se fend- menos aos quais nao possam ser aplicados métodos como a experimentagao ou o le- vantamento de dados; as vezes nao é pos- sivel o isolamento e a identificacao clara de varidveis, de modo que elas nao podem ser organizadas em um plano experimen- tal, Outras vezes, a sugestio é de afasta- mento de fendmenos que possam ser estu- dados apenas em casos muito raros, 0 que dificulta estudé-los a partir de uma amos- tra suficientemente grande para um estu- do representativo e para descobertas pro- pensas & generalizacao. E daro que faz sen- tido refletir-se quanto a possibilidade ou nio de uma questo de pesquisa ser estu- dada empiricamente (ver Capitulo 9). O fato de que a maior parte dos fenémenos no possam ser explicados de forma isola- da é uma consequéncia da complexidade destes fenémenos na realidade. Se todos 0s estudos empfricos fossem planejados ex- lusivamente de acordo com o modelo de nitidas relagSes de causa ¢ efeito, todos os objetos complexos precisariam ser excluf- dos. Nao escolher fenémenos raros e com- plexos como objeto € seguidamente a so- lugdo sugerida dentro da pesquisa social A questo sobre como tratar este tipo de fe- némeno. Uma segundasolucao consiste em levar em conta as condig6es contextuais em planes complexos de pesquisa quantitati- va (por exemplo, andlises multivariadas) e em compreender modelos complexos empirica e estatisticamente. A necesséria abstraco metodolégica dificulta a reintro- dugio das descobertas nas situagdes coti- dianas em estuco. O problema bésico ~ de que oestudo pode apenas demonstrar aqui- Jo que 0 modelo subjacente da realidade revela ~ no é resolvido dessa forma. QUADRO 2.1 Uma lista preliminar de aspectos da pesquisa qualita Apropriabilidade de métodos e teorias Refiexividade do pesquisador e da pesquisa Perspectivas dos participantes e sua diversidade ‘Variedade de abordagens e de métodos na pesquisa qualitativa Uwe Flick Por tiltimo, a adogéo de métodos abertos a complexidade de um tema de pes- quisa é também uma maneira de resolver temas incomuns com pesquisa qualitativa. Aqui, o objeto em estudo ¢ 0 fator determi- nante para a escolha de um método, e nao © contrario. Os objetos nao so reduzidos asimples varidveis, mas sim representados em sua totalidade, dentro de seus contex- tos cotidianos. Portanto, os campos de es- tudo no sio situacées artificiais criadas em laboratério, mas sim praticas e intera- es dos sujeitos na vida cotidiana. Aqui, em particular, situagdes e pessoas excepcio- nais sao frequentemente estudadas (ver Capitulo 11). Para fazer justica & diversi- dade da vida cotidiana, os métodos sio caracterizados conforme a abertura para com seus objetos, sendo tal abertura ga- rantida de diversas maneiras (ver Capitu- los 13 a 21). O objetivo da pesquisa est, entdo, menos em testar aquilo que jé é bem- conhecido (por exemplo, teorias jé formu- ladas antecipadamente) e mais em desco- brir o novo e desenvolver teorias empirica- mente fundamentadas. Além disso, a vali- dade do estudo 6 avaliada com referéncia a0 objeto que est sendo estudado, sem gui- ar-se exclusivamente por critérios cientifi- cos tedricos, como no caso da pesquisa quantitativa. Em vez disso, os critérios cen- trais da pesquisa qualitativa consistem mais em determinar se as descobertas estio embasadas no material empfrico, ou se os meétodos foram adequadamente seleciona- dos e aplicados, assim como na relevancia das descobertas e na reflexividade dos pro- cedimentos (ver Capitulo 29). Perspectivas dos participantes e sua diversidade O exemplo das doencas mentais per- mite-nos explicar outro aspecto da pesqui- sa qualitativa. Estudos epidemiolégicos demonstram a frequéncia da esquizofrenia na populacéo e, além disso, mostram a for- ma como varia sua distribuigao: nas clas- ses sociais mais baixas, doencas mentais graves, tais como a esquizofrenia, ocorrem com muito mais frequéncia do que nas clas- ses mais altas. Estas correlacées foram constatadas por Hollingshead e Redlich (1958) nos anos 1950 e, desde entao, vim sendo repetidamente confirmadas. No en- tanto, ndo se conseguiu esclarecer a orien- tagao desta correlagio ~ sera que as condi- s6es de vida em uma classe social mais baixa favorecem a ocorréncia e a manifes- tagao de doencas mentais? Ou serd que as pessoas com problemas mentais passam para as classes mais baixas? Além disso, essas descobertas no nos esclarecem a respeito do que significa viver com doenga mental. Tampouco esclarecem 0 significa do subjetivo da doenga (ou da satide) para aqueles que sao afetados diretamente, nem a diversidade de perspectivas sobre a do- enga é compreendida em seu contexto. Qual o significado subjetivo da esquizofre- nia para o paciente, e qual seria este signi- ficado para seus familiares? Como as di- versas pessoas envolvidas lidam com a do- enga no cotidiano? O que levou & manifes- tagao da doenga no curso da vida do pa~ ciente, e o que fez com que ela se tornasse uma doenga crénica? Quais tratamentos influenciaram a vida do paciente? Que ideias, metas e rotinas orientam a execu- do real dos tratamentos desse caso? A pesquisa qualitativa a respeito de temas como a doenca mental concentra-se em questGes como essas. Demonstra a va- riedade de perspectivas ~ do paciente, de seus familiares, dos profissionais ~ sobre 0 objeto, partindo dos significados sociais subjetivos a ele relacionados. Pesquisado- res qualitativos estudam 0 conhecimento ¢ as praticas dos participantes. Analisam as interagdes que permeiam a doenga men- tal e as formas de lidar com ela em um campo especifico. As inter-relagdes so des- critas no contexto concreto do caso explicadas em relacdo a este. A pesquisa qualitativa leva em consideragio que os Introduce & pesquisa qualitativa EO pontos de vista e as praticas no campo sao diferentes devido as diversas perspectivas ¢ contextos sociais a cles relacionados. Reflexividade do pesquisador eda pesquisa De modo diferente da pesquisa quan- titativa, os métodos qualitativos conside- ram a comunicacao do pesquisador em campo como parte explicita da produgéo de conhecimento, em vez de simplesmen- te encaré-la como uma varidvel a interfe- rir no processo. A subjetividade do pesqui- sador, bem como daqueles que esto sen- do estudados, tornam-se parte do proces- so de pesquisa. As reflexes dos pesquisa- dores sobre suas prdprias atitudes e obser vagdes em campo, suas impresses, irrita- ées, sentimentos, etc., tornam-se dados em si mesmos, constituindo parte da inter- pretacéo e so, portanto, documentadas em didrios de pesquisa ou em protocolos de contexto (ver Capitulo 22). Variedade de abordagens e métodos na pesquisa qualitativa A pesquisa qualitativa nao se baseia em um conceito tedrico e metodolégico unificado, Diversas abordagens tedricas ¢ seus métodos caracterizam as discussdes e a pratica da pesquisa. Os pontos de vista subjetivos constituem um primeiro ponto de partida. Uma segunda corrente de pesquisa estuda a elaboracio e o curso das interagdes, enquanto uma terceira busca reconstruir 2s estruturas do campo social e o significado latente das praticas (para mais detalhes, ver © proximo capftulo). Essa variedade de abor- dagens é uma consequéncia das diferentes linhas de desenvolvimento na histéria da pesquisa qualitativa, cujas evolugées acon- teceram, em parte, de forma paralela e, em parte, de forma sequencial. UM BREVE HISTORICO DA PESQUISA QUALITATIVA Aqui é oferecido apenas um panora- ma breve e um tanto superficial da historia da pesquisa qualitativa. A psicologia e as ciéncias sociais em geral possuem longa tra- digao na aplicacao de métodos qualitativos. Na psicologia, Wilhelm Wundt (1928) utili zou métodos de descrigao e verstehen em sua psicologia popular, lado a lado com os métodos experimentais de sua psicologia geral. Aproximadamente nesta mesma épo- a iniciou-se, na sociologia alema (Bonk, 1982, p. 106), uma discussdo entre uma concepgao mais monogréfica da ciéncia, ori- entada para a indugio e para os estudos de caso, e uma abordagem empirica e estatis tica. Na sociologia norte-americana, os mé todos biograficos, os estudos de caso e os métodos descritivos foram centrais durante um longo periodo (até a década de 1940). Isto pode ser demonstrado pela importén- cia do estudo de Thomas e Znaniecki, The Polish Peasant in Europeand America (1918- 20) e, deforma mais geral, coma influéncia da Escola de Chicago na area da sociologia. Durante o posterior estabelecimento dessas duas ciéncias, no entanto, abor- dagens cada vez mais “duras”, experimen- tais, padronizantes e quantificantes supe- raram as estratégias de compreensao “su: ave”, abertas e qualitativo-descritivas. Nao foi antes da década de 1960 que a critica da pesquisa social padronizada e quantita- tiva tornou-se novamente relevante na so- ciologia norte-americana (Cicourel, 1964; Glaser e Strauss, 1967). Na década de 1970, esta critica foi absorvida nas discus- ses alemas. Por fim, esse processo levou a um renascimento da pesquisa qualitativa nas ciéncias sociais e também (com algum atraso) na psicologia (Banister, Burman, Parker, Taylor e Tindall, 1994). Avangos e discussées nos Estados Unidos e na Alema: nha nao apenas ocorreram em épocas di tintas, como também foram marcados por etapas distintas,

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