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1] EB James Madison Alexander Hamilton John Jay OS ARTIGOS FEDERALISTAS 1787-1788 EDICAO INTEGRAL Apresentagio feaac Kramnick Professor de Ciéncia Politica nas universdades de Harvard, Yale e Carell ‘Tradugio Moria Luiza X. de A. Borges yy eDToRA OVA FRONTERA ae (0s ARTIGOS FEDERALISTAS gue se forme um exército regular, plenamente @ altura dos reaur- sos do pais; € que ele sejainteiramente devotado a0 governo federal; ‘mesmo assim, nio seria exagero afirmar que os governos estaduais, com 0 povoa seu lado, seriam capazes de repelit 0 perigo. Segundo as melhores estimativas, 0 nlmero msis elevado a que um exército per ‘manente pode chegar em nosso pais ndo supera um centésimo do nb mero total de almas; outa vigésima quinta parte do ntimero capan de empunhar armas, Esta proporcio nao produz, nos Estados Unidos, tum exército de mais que 2¢ mil ou 30 mill homens. A eles se oporia ‘uma milicia que reuniria quase meio milhao de cidadios armados, co- mandados por homens escolhidos entre cles mesmos, lutando por suas liberdades comuns, unidos e dirigidos por governos em que de- positam sua afeigSo e confianga. Sem diivida, é licito indagar se uma milicia nessas condigies poderia ser derrotada por tal proporgio de tropas regulares. Os que conhecem a resisténcia bem-sucedida opos- ta por este pais As armas da Gri-Bretanha tenderSo a negar essa poss bilidade. Além de 0 povo estar armado, vantagerm que distingue os americanos dos povos de quase todas as outras nagdes, a existéncia de _governos subordinados, que contam com o apoio popular designam 6s oficiais da milicia, forma contra as aventuras ambiciosas uma bar- reira mais intransponivel que todas as que um governo simples, seja qual for sua forma, pode comportar. A despeito das corporasies mi= litares existentes nos virios reinos da Europa, t30 fortes quanto 0 per item 0s recursos piblicos, os governos tém medo de conflar armas a0 povo. E nao & certo que isto por si 6 lhes permitiria sacudir seus jugos. Mas se 0 povo possuisse as vantagens adicionais de governos locais escolhidos por ele mesmo, capazes de concentrar a vontade na- ional e dirigir as fora nacional, ¢ de oficiais escolhides no seio da milicia por esses governos fis tanto a cles quanto & milicia, pode-se alirmar com a maior seguranga que 0 trono de todas as tiranias da Europa seria rapidamente derrubado, a despeito das legides que 08 puidessem cercar. Nao facamos aos braves ¢ livres cidadios da Améri- ca 0 insulto de supor que seriam menos capares de defender direitos de cuja posse desfrutariam efetivamente do que o seriam os aviltados siiditos de um poder arbitrério de se ibertar das mios de seus opres- sores, Mchor and, no os ntltemos mais com a sspeice de ae leriam jamais ser capazes de se deixar reduzir a necessidade de fa- saacra pena, por ama sibmiscio cae eign ang 5 «qiéncia de medidas insidiosas que teria de precedé-la e produzi-la, aa A discussio relativa ao presente tépico pode ser expressa de uma forma muito concisa, que parece de todo convincente, O modo vo- ‘mo © governo federal devers ser constituido o tornari ou nao suft. cientemente dependente do povo? Na primeira hipdtese, esta depen. dnc oimpedi de formar exquema epusnor one dee futra, nio contard com a confianga do pove, e seus esquemas de usurpacio serdo facilmente frustrados pelos governos estaduas, {eto 0 apoto do povo, 7 Resumindo as onsiderages Feta neste artigo ¢no anterior, els parecem corresponder 4 mals convincente prota de que os polores {ue se pretend atbuiran govern fier so to poseo omer res para aqueles reservados aos Estados individuais como sio indigpene savelmente necessirios para a realizagio das finalidades da Unigo; ¢ aque todas as deminias dem anlacio calcula e provocada dos go- vemos estaduaisdevem, sob a mals favorévelinterpretayio, ser at ‘buldas aos temores fantasiosos de seus autores. que Pustius (Madison) Exame ¢ definicdo do significado da méxima que impoe « separagao dos poderes Tendo anaisado a forma geral do governo proposto ¢ o volume total do podera ele atribuido, passo a examinar a estrutura particular deste governo e a distribuigio desse montante de poder entre suas partes constituintes, Uma das principais objegdes insinuadas pelos mais respeitivels adversirios da Constituigio & sua suposta violesio da mixin segun- doa qual o legislativo, 2 executive eo judictrio devem ser indepen- dentes ¢ distintos. Afirma-se que, na estratura do governo federal, parece nio ter sido dada nenhuma importincia a essa precaugo em prol da liberdade. Os varios bragos do poder estariam distribuidos ¢ tions maneira tal a destruir toda simetria beleza de forma, 2 expor algumas das partes essenciais do edificio ao perigo de sere esmagadss pelo peso desproporcional das outras. ha Por certo nenhuma verdade politica tem maior valor intrinsecn, 6 foi selada pela autoridade de patronos mais esclarectdos da liber. dade, que esta que serve de base 8 objegdo. O actimulo de todos os Poderes, legislativo, executivo e judicidrio, nas mesmas mos, seja de a3 (05 ARTIGOS PEDERALISTAS uma pessoa, de algumas ou de muitas, seja hereditério, autodesig. nado ou eletivo, pode ser justamente considerado a prépria definigio de tirania, Portanto, se a Constituigao federal pudesse ser realmente acusada desse aciimulo de poder, ou de misturar poderes, revelando perigosa tendéncia a tal acimulo, no seriam nevessirios qualsquer argumentos adicionals para inspirar uma reprovacio universal do sis- tema. Extou convencido, entretanto, de que ficard claro para todos aque essa acusagio ni se sustenta e que a mxima em que ela se funda foi inteftamente mal interpretada e mal aplicada, Para formar idéfas ccorretas sobre este importante assunto ser conveniente investigar 0 sentido em que a preservagio da liberdade exige que os trés grandes bragos do poder sejam distintos. (© ordculo sempre consultado e citado a este respeito € 0 cele- bradlo Montesquicit. Se nfo foi o autor deste inestimével preceito da cigncia da politica, ele teve pelo menos o mérito de exp6-lo e reco- mendi-lo com extrema eficicia & atengio da humanidade. Que nos seja permitido tentar, antes de mais nada, yerificar 0 que Montes quieu pretendea dizer a este respeito. 'A Constituigio britinica foi para Montesquieu o que Homero fora para os autores de obras diditicas sobre poesia pica. Assim como estes consideravam a obra do bardo imortal um modelo perteito, do qual se deviam extrair 08 principios e regras daarte épiea, pelos q todas as obras semelhantes deviam ser julgadas, também esse grande xftico politico parece ter visto a Constituigao da Inglaterra como pa- drdo, 04, para usar seus proprios termos, como o espelho da liberda- de politica, ¢ ter expressado, na forma de verdades elementares, 0s vvérios principios caracteristicos desse sistema particular. Para termos certeza, portanto, de que no nos enganamos quanto as suas inten ‘Bes neste caso, recorramos & fonte de que a mixima foi extraida, ‘Ao mais superficial exame da Constituigao britanica, percebemas ‘que os poderes legislativo, executivo ¢ judicidrio nao sio em absolute totalmente independentes e distintos entre si. O magistrado executi- vyo é parte integrante do poder legislative. Detém sozinho a prerroga- tiva de fazer tratados com soberanos estrangeitos que, quan fitos tm, sob certas limitagSes, a forga de atos legislativos. Todos os ‘membros do poder judiciério sio designados por ele, podem ser re- movidos por ele por solicitago das duas Camaras do Parlamento, € compor, quando convier a0 magistrado executivo consulté-los, um de seus conselhos constitucionais. Uma das cimaras do poder legis- NiiweRo euvin Iativo forma também um grande conselho constitucional para o chefe executivo, sendo também, por outro lado, o nico depositério do po- der judiciério em casos de impeachment eestando investido da supre- ‘ma jurisd 70 de apelaco em todas os demais casos, Além disso, os juizes estio Go intimamenteligados ao poder legislative que freqien- temente assistem is suas deliberagies e delas participam, embora sem direito a0 voto legislativo, Destes fatos, pelos quais Montesquiew se guiou, pode ser clara- mente inferido que ao dizer: “Nio pode haver kiberdade quando os po- deres legislativo € exccutivo estio unidos na mesma pessoa ou corpo de magistrades” ou “se 0 poder de julgar wo for independente dos po- deres legislativo ¢ executivo”, ele nio queria dizer que. esses poderes no devem ter nenbuma iagerénciaparctal, ou nenhum controle sobre os atos_uns dos outros. O que quis dizer, como suas proprias palay incam eo xemplo gue tinh sob ov olos reves sins elas amente, no podia ser senio isto: que quando todo o poder de um bbrago é exercido pelas mesmas mios que possuem todo o poder de outro, os princlpios fundamentais de uma constituigio livre estio sub- vertidos. Este teria sido 0 caso, na constituigSo por ele examinada, se 0 16), que €0 nico magistrado executivo, possuisse também todo o po- der legislativo, ou a administragdo suprema da justiga; ou se todo o corpo legislative possulsse o poder judiciério supremo, cua autoridade execativa suprema, Este, entretanto, nio esta entre os vicios dessa constituigio. O magistrade que detém todo o poder executivo nio po- de ele proprio fazcr uma lei, embora possa vetar qualquer leis nem administrar pessoalmente a justia, embora tenha o di os que a administram. Os julzes nio podem exercer nenhuma prerro- sativa executiva, embora sejam rebentos do tronco executivo; nem qualquer Fungo legislativa, embora possam ser aconselhados pelos conselhos legslativos. © conjunto do legislative nto pode desempe- har nenhum ato judiciério, embora a agio conjunta de suas duas ¢i- Imatas posta remover os julzes de scus cargos, e embora uma de suas ‘cimaras possua o poder judicial em itima instincia, Mais uma vez, 0 conjunto do legislative nao pode exercer nenhuma prerrogativa exe- cutiva, embora uma de suas cimaras constitua a suprema magistratura xecutiva, ¢ outra, no impedimento de uma terccira, possa julgar e condenar todos os funcionsrios subordinados ao executivo, As razBes em que Montesquieu fimdamenta sua mixima sio uma provaadicional de sua intengio. “Quando 08 poderes legislativo e exe- nee Fret 8 AnTIGOS FEDERALISTAS cutive extio unidos na mesma pessoa ou. sors, diz de, “tio pode wer berdade porque podem surgi temores de que o mesmomonarca aceon esnes peopel miners rues ainda: “Quando o poder de ulgar se une ao de legisla, a vida ea iber- dade do aiditoficam expostas a controle arbitrao, pois oolz poderia agir com toda a violéncia de um opresor.” Algumas destas ra2des si0 aa completamente explicadas em outras passagens, mas brevemente formuladas como 0 sio aqui, f so suficientes para estabelecero signi. ficado que atribuimos & celebrada méxima deste celebrado autor, Se considerarmos as constituigdes dos varios Estados, veremos ue, nao obstante os termos enfiticos, ¢ por vezes irrestritos, com eeste axioma foi afirmado, no hi um tinico caso em que. .deres tenham sido mantidos absolutamente independentes-¢ distin tos. New Hampshire, cuja constituicio fot a hima formulada, parece ter tido plena consciéncia da impossibilidade e inconvenincia de evi- tar toda e qualquer mistura des poderes ¢ restringlu a doutrina nos seguintes termos: “Os poderes legislativo, executive e judiciirio de- vvern ser mantidos to separados ¢ independentes uns dos outros quan- sada ontrz du gore 04 no md compari om ‘aquela cadeia de elas que liga todo o vecido da consttuigao mum loso tn- dieolivel de untdade e omizade.” Em conformidade com isto, a es tuigdo desse Estado mistura esses poderes sob varios aspectos. : se nado, que € um ramo do poder lepdtvo mbm wm tbr judicitrio para o julgarmento de impeachment. O Bresdente, que €0 chefe do poder exceutivo, é também o presidente do Senado; e, ; de voto igual em todos os casos, tem a de Minerva i casos F ‘empate. Finalmente, o chefe do executivo é ele proprio eleito a cada ano pelo poder legislativo, que escolhe, também a cada ano, ene seus proprios membros, © seu conselho. Varios cargos pill a também preenchidos por nomeagio do legislative, e os membros do poder judiciSrio so designados pelo poder executive. Wt: {A constitugio de Massachusetts exibiu uma cautela suficiente, embora menos incisiva, ao expressar este artigo fundamental da li- berdade. Decl que“ por legidativo jms deers exrcer o» sderes executive e judicisrio, ou ambos; 0 executive jamais devers ceetae ppoderes legislativo e judicidrio ou ambos; 0 poder judicid- i 4 exercer os poderes legislativo e execativo ou am- rio jamais deverd exercer os poderes legis caro on a bos". Esta declaragio, que corresponde precisamente toa de Montesquieu, tal como foi exposta, nfo ¢ violada em um pon Ndwero xuvn 335 quer pelo plano da convens3o. Ela se contenta em proibir qualquer um dos bragos do governo, em sua globalidade, de exercer os pode- res de outro. Na pripria Constituigao a que ela serve de introdusso, admite-se uma mistura parcial de poderes. © magistrado executive tem um poder qualifcado de veto sobre o corpo legislativo, © 0 Sena. do, que é parte do legislative, & tuma corte de impeachment pare os membros tanto dos poderes executivo como do judicisrio. Os mem. bros deste ultimo, por sua vez, so designados pelo poder executivo ¢ podem ser removides pela mesma autoridade por solicitagSo das duns cimaras legislativas. Finalmente, muitos servidores do governo sio anualmente designados pelo paler legislative, Como a designasio para cargos, particularmente os executivos, & por natureza uma fm. ‘si0 executiva, neste ponto os compiladores dessa Constituigio viola ram a regra estabelecida por eles mesmos, Deixo de lado as constituigdes de Rhode Island ¢ Connecticut, porque foram formuladas antes da Revolugio e antes mesmo que o Principio sob exame tiveste sc tornado objeto de atengio politica. A constituigo de Nova York nfo contém nenhuma declaraczo a este respeito, mas parece ter sido moldada muito claramente com a intengio de evitar © perigo da mistura indevida dos diferentes pode- res, Entretanto, confere ao magistrado executivo um controle parcial sobre o legislativo; mais ainda, concede um controle semelhante a0 poder judiciério, chegando ao ponto de misturar os poderes exec {vo ¢ judiciario no exercicio desse controle. Em seu conselho de no. -meagdes, membros do legislativo associam-se & autoridade executive para designar fimcionérios tanto do executive como do judicirio. E seu tribunal para julgamento de impeachmencs ¢ punigSo de faltas dleverd ser composto por uma cimara do legislative © os principals ‘membros do poder judicirio, A constituisio de Nova Jersey mesclou os diferentes poderes de governo mals que qualquer uma das anteriores. O governador, que é ‘© magistrado executivo, é nomeado pelo legislative; é chefe do tribu- nal de eqiidade e juiz do tribunal estadual de sucessdes; é meinbro da Suprema Corte de Apelasio ¢ presidente, com voto de Minerva, de ‘uma das efmaras legisiatvas, Esta mesma cémara legslativaatua por sua.vez como conselho executivo do governador e constitui com ele o Tribunal de Apelagio. Os membros do poder judiciério s0 nomea- os pelo poder legislative e podem ser removidos por uma de suas cmaras por denéincia, ou impeachment, da outra 336 es Segundo a constituigio da Pensilvinia, 0 presidente, que & 0 chefe do poder exceutivo,¢ analmente eto por ma vraio em ave wredomina o legislativo. Juntamente com um consclho executivo, ele pevacia os mernbros do udicirio e integra um tribunal de impeach funcionéries, tanto do judi ment para 0 julgamento de todos os Jom do exeeaivo, Verifiea-se que jlzes do Supremo Tribunal jul. desde paz podem também ser removidos pelo legsativo; eo poder executive do indulo, om certs ess, também atibuid 20 legis Intivo. Os membros do conselho executive sSo declarados juizes de 2 ex offio em todo 0 Estado. Tet Pree Deleware, o principal magisado executivo & eleko mas. iente pelo legislative. Os presidents das duss cimaraslgilativas Sho vice presidentes do executive, O chefe do executivo, com sei Sutros membros nomcados peo legislativo, tés por cada ciara in- cegra © Supremo Tribunal de Apelagio;junta-se 20 poder legislative tna numeagio dos demais juizes. Nos diversos Estados, evidenciaee gue os membros doleglatve podem 20 reso tempo juzede claware, os membros de uma das cimaras sa juizes de paz care c caw tanbim rao et membres do coselto executive Os principais cargos do poder executivo sio preenchides por nomea- ceric tegalaswe eum elmare deste ttimo forma um tribunal de ‘peaches Tod ‘dores podem ser removidos por solicita- {peachments. Todos 08 serv 0 do legislativo. Fe eed alot a mixima nos termes os mais irrestitos: dec rou que os poderes legsativo, executive ejudicidrio do govern de- Tem ler ecpre independents e dstintos uns dos outros. Nao abs tante, sua consttuigao confere 20 leislativo aeleigSo do magistrado execitivo; e 20 executive a dos membros do jn. et ‘A linguagem da Virginia a este respeito é ainda mais contundente saa cones decara que “s pores letslatvo,exccutivo e i ‘Girio serio independentes¢distintos; de tal modo que nenhium deles exerga os pees prepriamentepetencentes ab outro; tampons devert qualquer pees exeroer of poderes de mas de um des ‘mesmo tempo, exceto no eso dos jules dos trbunas dos condados, due sero elegives para abs scares seb" No na to lem da exer express na ocate 20 membros dosti inerores, veneames que © mgisrado principal ae conte exceutvo so nomeador pelo legiiv; que dois membros deve ‘onselho podem ser substtuidos a cada triénio, ao arbitrio do leg: NUMERO xEvHT 337 tivo; e que todos os principais cargos, tanto do executive como do jdiciio, sio preenchidos pelo legislativo, A prerrogativa exccutiva do indulto parece também ser sido atribuida ao legislativo, A constituigio da Carolina do Norte declara que “os poderes legislativo, executivo ¢ judiciério supremo do governo devem ser sempre independentes e distintos uns dos outros” ¢ atribui ao mes- mo tempo ao legislativo a nomeagio no s6 do chefe do executivo ‘como de todos os prineipais servidores tanto nesse poder como no judiciério, Na Carolina do Sul, a constituigdo torna o magistrado executive elegivel pelo poder legislative, Confere também a este diltimo a no- cago dos membros do poder judicirio, ineluindo os juizes de paze xerifes; © a designacio de funciondrios do departamento executivo, até 0 posto de capitdo no exército e na marinha do Estado, Na constituigio da Gedrgia se declara que “os poderes legiss- tivo, executive ¢ judiciério deverdo ser independentes e distintos, de tal modo que nenhum exerga os poderes propriamente pertencentes 20 outro”. Nela, verificamos porém que o poder executivo deve ser preenchido por nomeasio do legislativo; e que a prerrogativa execu- tiva do indulto é finalmente exercida pela mesma autoridade, Até os juizes de paz devem ser nomeados pelo legislative, Ao citar estes casos, em que os poderes legislativo, executivo ¢ judiciério no foram mantidos totalmente independentes e distin. tos, no desejo ser encarado como defensor das formas particulares de organizagio dos diversos governos estaduais. Tenho plena cons- cléncia de que, entre os muitos excelentes prinelpios que exempli- ficam, elas carregam fortes marcas da pressa, © mals fortes ainda a inexperiéncia, sob as quais foram construidas. E bastante Sbvio «que, em alguns casos, o principio fundamental que estamos conside- ando foi violado por uma mistura excessiva ¢ até por uma efetiva fusio dos diferentes poderes; e que em nenum caso foram tomadas medidas competentes para manter na pritica a independéncia de- lineada no papel. O que pretendi demonstrar é que a acusagio fei- {2 4 Constituicdo proposta, de violar a maxima sagrada do governo livre, nao ¢ autorizada nem pelo significado real associado a essa mi- xima por seu autor, nem pelo sentido que, até agora, Ihe foi atribul- do na América, Esta interessante questio « fri retomada no préximo artigo, Puntius [Madison] 338 (0s ARTICOS FEI Desenvolvimento do tema, com exame dos meios de dar eficdcia pritica a essa maxima Mostrou:se no tiltimo artigo que 0 apotegma politico ali examinado no exige que os poderes legislativo, executivo ¢ judiciirio sejam in- teiramente desvinculados entre si. A seguir, tentarel mostrar que, a menos que esses poderes sejam vinculadas e misturados 0 suficiente para que cada um tenha um controle constitucional sobre os Sutras, 9 {grau de independéacia exigido pela mdxima como essenelal a um go- Verno livre jamais poderé ser devidamente mantido na prética. Todos concordam que a8 fungSes propriamente pertencentes a ‘um dos poderes no devem ser direta ¢ completamente administradas por nenhum dos outros dois. f igualmente evidente que nenhum de- Jes deve possuir, direta ou indiretamente, uma influéneia dominante sobre os outros na administragio de suas respectivas sues [Ninguém negara que o poder € abusivo. por natureza.e que. deve ser Sretwamente impedido de tanspor os limites ele arbor, Por- tanto, apds discriminar na teoria as varias clases de poder, segundo sejam por natureza legislativas,executivas ou judictirias, a tarelase- {guinte e mais dificil éfornecer a cada uma delas alguma garantiapréti- tea contra a invasio das outras. Qual deve ser essa garantia é o grande wroblema a resolver. pre cer suficiente demarcar com precio os Timites desses poteres na constituigio do governo e conflar nessas barreiras de papel contra 2 indole abvsiva do poder? Foi sobretudo a essa garantia que parecem ter recorride 0s compiladores da maioria das constituigbes dos Es tadosamerianos. A experinca nos ama pore, qe 2 cficdcia [essa medida foi cnormemente superestimada, ¢ que os bragos mais oon oon tém events mpresiavel de alguma defesa mais adequada contra os mais fortes. Em toda parte, 0 legislative es- tende a esfera de sua atividade e suga todo poder. para se 7 tandadores de nossas repiblicas tm tamarho mérit pel si >edoria que demonstraram que nenhuma tarefa pode ser menos ogra- divel que a de apontar os erros em que incorreram, O respeito pela verdade, contudo, nos obriga a assinalar que eles parecem nio ter desviado seus olhos por um s6 momento do perigo que representa, para a liberdade, a prerrogativa exagerada e todo-abrangente de umm niateno xe A magistrado hereditirio, amparado e fortalecido por um brago he- reditirio da autoridade legislativa, Parece que jamais lhes ocorreu o perigo das usurpagies legislativas, que, a0 reunir todo o poder nas esmas mios, conduz & mesma tirania que se teme das usurpagdes executivas, Num governo em que numerosas ¢ amplas prerrogativas sfo pos- tas nas mis de um monareahereit © poder executive € muito justemente visto como a fonte do perige e vigiado com todo o cuida- slo que 0 zelo pela iberdade deve inspirar. Numa democracia em que grande niimero de pessoas exerca pessoalmente as fungoes legisati- ‘as, estando continuamente expostas, por sua incapacidade de delibe- rar regularmente ¢ tomar medidas de comum acordo, as intrigas am- biciosas de seus magistrados executivos, hé razdes para se temer que, noma emergéncia favorivel, a tirania surja da mesma fonte. Numa _sepiblica representativa, porém, em que o magistrado executivo & ‘cuidadosamente limitado, tanto na extensio quanto na duragio de seu poder; € em que 0 poder legislativo & exercida por ma assem. bléia que, gragas @ uma suposta infTuéncia sobre o povo, esti imbuida de intrépida confianca em sua prépria forga; e que é suficientemente hhurmerosa para sentir todas a paixdes que move uma multido, em- bora nao tanto a ponto de ser incapaz de perseguir 08 alvos de suas paixdes pelos meios que a razao prescreve; é contra a ambicio atrevi da deste poder que 0 povo deve cultivar todo o seu zelo e exaurit todas as suas precaugses. Em nosios governs, o poder legislativo deriva superioridade também de outras circunstancias. Sendo seu poder ao mesmo tempo mais amplo menos suscetivel de limites precisos, ele pode, com maior facilidade, mascarar suas intrusGes nos poderes paralelos sob a forma de medidas complicadas ¢ indiretas. Nao raro, para 08 corpos legislativos é uma questio realmente delicada decidir sea aplicagio de determinada medida irt ou no ultrapassar sua esfera de competén- cia, Por outro lado, estando 0 poder executive restrito num émbito mais estreito ¢ sendo mais simples em sua natureza, ¢ estando o judi- ‘cidrio limitado por fronteiras ainda menos incertas, projetos de usur- [paso que partissem desses dois poderes haveriam de se trair e de se frastrar imediatamente. E isto ainda nfo é tudo: como apenas o poder legislativo tem acesso ao bolso do povoypossuindo em algumas cons- UituigSes plena liberdade dé décisio — e em todas uma influéncia prevalente — sobre a remuneragdo pecuniaria dos membros dos ou- aso 08 anticos Fe tros poderes, cria-se nestes iltimos ume dependéncia que facilita ain- ‘mais as usurpagdes do primeiro. Saas Sen prépria experiéncia como prova da verdade do que propus sobre este assunto, Se Fosse necessiio validar essa expe- ziéncia com provas especificas, seria possivel multiplici-les indefini- ddamente. Posso reunir uma abundincia de confirmages nos registros ‘carquivos de todos os Estados da Unio. Recorrerei porém, para uma prova mais concise © ao mesmo tempo igualmente satislatéria, a0 cexemplo de dois Estados, atestado por dus autoridades inatacdveis © primeiro exemplo é o da Virginia, Estado So larou expressamente em sua constituigio que os trés grandes po- toe io devem se entremescler. Abona o exemplo a autoridade do sr. Jefferson, que, além de suas outras vantagens para comentar o fancionamento do governo, exerceu o cargo de seu principal magis- trado. Para transmitir plenamente as idéias que sua experiéncia the ensinou sobre este assunto, serd preciso citar uma passagem um tanto cextensa de sua interessantissima obra Notes on the State of Virginia, p. 195. “Todos os poderes governamentas, legislativo, executivo & judiciério, acabam_por recait no corpo legislativo. A concentracio desses poderes nas mesmas mos é precisamente a definicgo do go- verno despético. O fato de serem exercidos por uma pluralidade de ios, endo por uma finica, no melhora nada, Cento ¢ setenta e tr8s éspotas seriam sem éivida t3o opressivos como um s6, Os que duvi- dam, que voltem seus olhos para a repiiblica de Veneza. O fato de cles serem escolhidos por nos também nio nos adianta muito. © des- potisno eletvo nao é 0 governo por que lutamos; lutamos por um que indo somente sejafundado em principios livres, mas em que os pode- res de governo sejam de tal modo divididos ¢ equilibrados entre vi- rios corpos de magistratura que nenhum deles possa transgredir seus limites legais sem ser efetivamente controlado ¢ restringido.pelos ou- ‘ros. Por esta razio a convencio que sancionot o regulamento do go- verno langou seus fundamentos sobre esta base, a de que o legislativo, o executivo eo judiciirio seriam independentes € distintos, de modo que nenhuma pessoa exerceria os poderes de mais de um deles 20 mesmo tempo. Nenhuma bortira fot erguide, porém, ence esses divest poderes. Os membros do judicidrio e do executive foram deixados na depencdéncia do legislativo para sua subsisténcia nos cargos, ¢ alguns para sua permanéncia neles. Portanto, caso © legslativo se arrogue poderes executivos e judicifrios, ndo encontrard provavelmente ne: wuiMERo xuvary ae nbuma oporicSa; tampouco pode esta, se existr, ser effcaz. Isto por- que, 20 faz8-lo, o primeiro pode pér suas medidas na forma de atos da Assembléia, o que as torna compulsérias para os outros poderes. As- sim, em muito casos, o legislative decide dretes que deveriam ter sido deixados & controvérsia judicidrios e 0 controle sabre o executvo, durante tado 0 periodo de uma legislatura, etd se tormondo habitual e familiar” © outro Estado a que recorrerei para um exemplo é a Pensilvania € outra autoridade € o Conselho de Censores, que se reuniu nos anos de 1783 ¢ 1784. Parte da missio desse corpo, tal como indicads pela ConstituigSo, era “inquirir se a Constituigdo fora preservada in- ‘iolada em todas as suas partes; e se os bracos legislativo e executive «do governo tinham desempenhado sua missio como guardies do po ‘Yo, ou se tinham arrogado ou exercido outros poderes além dos quea Constituigdo thes concede”. Na execugio deste encargo, o conselho foi inevitavelmente levado a comparar as agdes tanto do legslativo como do executive com seus poderes constitucionais; e a partir dos fatos enumerados, em sua maioria subscritos por ambos os lados do conselho, revela-se que a Constituigdo tinha sido flagrantemente vio- lada pelo legisltivo em diversos casos relevantes Grande niimero de lets tinha sido aprovado gragas 4 violagio, sem qualquer necessidade aparente, da regra que exige que projetos de natureza publics sejam previamente impressos para a consideracio do ovo; esta é, no entanto, uma das principais precaugdes a que a Cons- tituigio recorre contra atos impréprios do legislativo. (O julgamento constitucional por jr tinha sido violado, e poderes rio delegados pela Constituigéo tinham sido apropriados. Poderes executivos tinham sido usurpados. s salérios dos juizes, cuja fixagio a Constituiso requer explici- tamente, tinha sido ocasionalmente alterado; c casos pertencentes 20 poder judicidrio tinham sido com freqiiéncia agambarcados pela juris- digdo e determinagio do legislative. (Os que desejarem ver 06 virios casos incidentes em cada um des- tes tdpicos podem consultar os anais do conselho, que estio publi- cados. Alguns deles, como se veré, podem ser atribuldos a circuns- Uncias associadss & guerra; na grande maioria, contudo, revelam-se como rebentos espontineos de um governo mal constituido. Verifica-se também que 0 executivo foi culpado de freqiientes i fragdes da Constituigdo. A este respeito, no entanto, trés observacio se impdem: primeito, os casos foram em grande parte ou dirctamente 4a 05 ARTIGOS FEDERALISTAS produzidos pelas necessidades da guerra, ou recomendados pelo Con- sgresso 04 pelo comandante-em-chefe; segundo, na maioria dos outros ‘casos havia acordo com o pensamento dectarado ou conkecido do po- der legislativo; terceiro, 0 poder executivo da Pensilvania distingue-se do dos demais Estados pelo niimero de membros que © compéers Sob este aspecto, assemelha-se tanto a uma assembléia legislativa {quanto a um conselho executivo. E, estando ao mesmo tempo livre da restrigio de uma responsabilidade individual pelos atos do corpo, derivando confianga do exemplo miituo e da influéncia comum, ten- dia, é claro, aarriscar mais ivremente medidas no autorizadas do que poderes executivos administrados por uma tinica mo ou por poucas. ‘A conclusio que posso seguramente extrair destas observacies & que.a mera demarcagao.no papel dos limites constitucionais dos vi- ros paderes nio é uma salvaguarda suficiente contra aqueles abusos {que levarn a uma concentracio tirinica de todos.os poderes de gaver- zno nas mesmas maos. Pustius (Madion) Desenvolvimento do tema na mesma perspectiva (© autor das Notes on the Seate of Virginia, citado no tiltimo artigo, ane- xou a esse valioso trabalho o esbogo de uma Constituigdo, preparado para ser apresentado perante uma convengio que deveria ser convo- cada em 1783, pelo legislativo, para estabelecer uma Constituigdo para aqucla comunidade. O plano, como todo produto da mesma pe- za, revela um movimento de pensamento original, abrangente e pre- ciso c merece ainda maior atencio por exibir igualmente uma fervoro- sa fidelidade a0 governo republicano € uma visio esclarecida das perigosas tendéncias contra as quais ele deve ser protegido. Uma das precaugies que ele propée, © em que parece confiar como salvaguarda bisica para os poderes mais fracos contra a usurpagio do mais forte, & talvez criacSo inteiramente sua, © como esté diretamente relacionada ao tema de nossa presente investigacio, nio deve ser ignorada. Sua proposta é que “sempre que dois dos.trés bragos do governo coincidirem, cada um pela voz de dois tergos de seu nlimero total, na opinizo de que & preciso haver uma convengio para alterar a Const tuigio, ou corrigir infasBer dela, deve-se convocar uma convensio com essa finalidade”. NUMERO KLIK ae Commo a povo é a tinica fonte legitima de poder, e & dele que provém a carta constitucional sob a qual of varios bragos do governo ddetém seu poder, parece estritamente compativel com a teoria repu- blicana recorrer a essa autoridade original, no s6 sempre que for necessério aumentar, diminuir ou remodelar os poderes do governo, mas também sempre que um deles possa usurpar as competéncias constitucionais dos outros. Se os virios poderes estiverem perfei- tamente coordenados segundo os termos de seu mandato comum, nenhum deles, é evidente, pode pretender um direito exclusive ou superior de fixar os limites entre suas respectivas esferas; e de que modo evitar os abusos dos mais fortes, ou corrigir os erros do mais fraco, sem recorrer ao préprio povo, que, como outorgante do man- dato, € 0 Unico a poder declarar seu verdadeiro significado e impor sua observancia? HA por certo muita forga neste raciocinio, ¢ devemos permitir que prove a necessidade de se tragar e manter aberta uma via consti- tucional para a decisdo do povo em determinadas ocasides importan. tes ¢ extraondinirias, Verifica-se, porém, que hi abjegdes insupers- vyeis contra 0 proposto apelo ao povo como medida usual para manter 65 vitios poderes dentro de seus limites constitucionais, Em primeito lugar, o dispositivo no prevé o caso de um conluio de dois poderes contra um terceiro. Se a autoridade legislativa, que possui tantos meios de atuar sobre os assuntos dos outros poderes, fosse eapaz de conquistar para sua causa um segundo poder, ou mes- mo um tergo dos membros deste, 0 terceito jf néo teria como se valer dessa cliusula corretiva, Nao insistiei, contudo, nesta objecio, [porque se poderia pensar que ela se volta mais contra as alteracSes do principio do que contra o préprio principio. Em segundo lugar, pode-se considerar como uma objecio ineren- te 20 principio o fato de que, como todo apelo ao povo equivaleria & denkincia de algama falha do governo, apelos freqiientes privariam 0 govemo, em grande medida, daquele respeito que o tempo confere a todas 28 coisas e sem o qual o mais sdbio e mais live dos governos ndo possuiria a necessiria estabilidade. Se é verdade que todo governo se funda na opinido, no é menos verdade que a forga da o cada individuo, e sua influéncia pritica na sua conduta, depende mui- todo mimero de pessoas a quem ele atribui igual opinio. A razio do homem, como ele mesmo, é timida e cautelosa quando deixada 56, © ganha firmeza e confianga na proporgo em que outras se The ass0- 348 08 ARTIGOS FEDERALISTAS iam. Sabe-se que, quando os exemplos que reforgam a opini3o sig ‘Ho antigos quanto numeraros, eles tém um duplo efeito. Numa nagio de filésolos, esta consideragao deveria ser descartada. O respeito pe- las leis seria suficientemente incutido pela voz de uma r22i0 escla- recida. Mas uma nagio de fildsofos & coisa tao pouico provivel quanto a estirpe flosélica de reis desejada por Platao. E em qualquer outro tipo de nagio, o mais racional dos governos ndo vers coma vantagem, supérflsa tera seu favor as simpatias da comunidade, ( perigo de perturbar a tranguilidade piblica pelo estimulo ex. cessivo das paixdes piblicas € uma objecdo ainda mais séria contra uma referéncia freqiiente de questdes constitucionais& decisio de to- da a sociedade. A despeito do sucesso aleancado pelas revisses de nnossas formas estabelecidas de governo, que tanto honraa virtude a inteligéncia do povo da América, & preciso confessar que essas expe- riéncias sio de natureza arriscada demais para serem desnecessaria- mente multiplicadas. Devemnos lembrar que todas as constituigdes existentes foram elaboradas em meio a um perigo que reprimiu as paixdes mais adversas & ordem e & concdrdia; de um ardor geral por formas novas e diferentes, produzido pelo ressentimento ¢ aindigna- ‘0 gerais contra o antigo governo; e num momento em que nenhum ‘espirito de partido associado com as mudangas a serem [eitas, ou os abusos a serem corrigidos, podia misturar seu fermento ao processo, ‘As situagdes futuras em que podemos esperar nos ver colocados com freqtiéncia nio apresentam nenhuma garantia equivalente contra 0 erigo que se teme. ttle bo te tilted i re sultariam provavelmente dessas consultas nio atenderiam a0 propd- sito de manter 0 equilibrio constitucional do governo, Vimos que os governos republicanos exibem uma tendéncia ao engrandecimento dio legislative & custa dos outros poderes. Os apelos a0 poro, portan to, seriam Feitos em geral pelos poderes executive ¢ judiciério. Mas, {quer scjam feitos por um ou por outro lado, gozariam os dois de vantagens iguats no julgamento? Consideremos as diferentes st tuagdes. Os membros dos poderes executivo e judiciétio sie pouco numeroxos, ¢ $6 podem ser pessoalmente conhecidos por pequena parcela da populagio, Os tltimos, em razio do modo como sio no- ‘meados, bem como pela natureza de sua permanéncia n6 cargo, e8- ‘io demasiado afastados do povo para gozar de muita simpatia em seu meio. Os primeiros costumam ser objetos de desconfianga, € sua Nthezno xu ae sxdministragio estd sempre sujeitaa ser manchada e tomada impopu- lar. Os membros do poder legislativo, por outro lado, sio numero- s0s. Esti distribuldos entre o povo em geral, vivendo em seu melo. Suas relagbes de sangue, de amizade e conhecimento abarcam grande proporcio da parte mais influente da sociedade. A natureza de sua rrissio piblica implica uma influéncia pessoal no scio do povo, e que atuem, de modo mais imediato, como guardiges fidedignos dos di- reitos ¢ liberdades do povo, Com tais vantagens, dificilmente se po- de supor que a parte contréria teria igual possibilidade de obter um resultado favoravel. ‘Mas o legislative ndo seria apenas mais capaz de defender sua ‘cause junto 20 povo. Provavelmente, seus membros se constituiriam a si mesmos como juizes. A mesma influéncia que Ihes yalera a el ‘gio para o legislativo thes asseguraria uma cadeita na convengio. Se este nio for o caso de todos, serd provavelmente 0 de muitos, e sem davida o daquelas figuras de lideranga de quem tudo depende nessas asserbléias. A convengio, em suma, seria composta sobretudo por homens que tivessem sido, fossem efetivamente ou pretendessem ser membros do poder cuja conduta estaria sob suspeita. Conse- qientemente, seriam partes interessadas na propria questi que thes caberia decid Por vezes, contudo, a consulta a0 povo poderia ocorrer em cir cunstincias menos adversas aos poderes executivo ¢ judiciério, As usurpagdes cometidas pelo legislative poderiam ser flagrantes e re- pentinas a ponto de nio admitir nenhum dislarce enganoso. Um for- tebloco entre seus prdprios membros poderia tomar posigao a favor dos outros poderes, O executivo poderia estar nas mis de um favo- rito especial do povo. Numa tal situagZo, a decisio piblica poderia ser menos determinada por simpatias pela causa do legislativo. Mes- mo assim, jamais se poderia esperar que ela se fundasse nos verda- deiros méritos da questdo propriamente dita, Estaria indubitavel- mente associada ao espirito de partidos preexistentes ou de partidos formados a partir da propria questo, Estaria ligada a pessoas de des- taque ¢ ampla influéncia na comunidade. Seria pronunciada pelos préprios homens que tinham sido agentes, ou oponentes, das medi- as sob julgamento. Assim, as paixées do povo, no a razdo, atuariam como julzes. Mas ¢ a razdo do povo, apenas, que deve controlar € ‘regular o governo, As paixdes devem ser controladas e reguladas pelo governo, 346 os AnTIGos PROERALISTAS Verificamos no tltimo artigo que meras declaragbes na Constitut. so escrta nfo bastam para restrngir os virios poderes a seus diretog legais. Neste, revela-se que apelos ocasionais a0 povo ne seriam uma medida correta nem eficaz para esse fim. Nao examinarei até que ponto os dispositivos de natureza diferente, contidos no plano acima Citado, poderiam ser adequades. Alguns deles se fundam inquestiona- ‘yelmente em sélides prineipios politicos, e todos sio formulados com singular engenhosidade e precisio, a Puncius (Madison) niimeno Desenvolvimento do tema na mesma perspectiva ‘alvez se possa argumentar que, em vez de consultas ocasionais 20 ie que oo vargem is objogdes fetas,conultas prides seriam ‘0 meio proprio e adequado para evitarecarrigitinfrages 3 Consitugi Cabe notar que estou me limitando, no exame desses expedien- tes, 3 sua capacidade de impor o cumprimento da Constituiga0, man- tendo os varios bragos do poder dentro de seus devicios limites, sem ‘consider$-los particularmente como instrumentos para alterar a pré- pria Constituigio. Ja & primeira vista, 0 recurso ao povo a intervalos fixos parece quase tio inaceitével como o recurso em ncasides esp ais, 4 medida que se apresentem. Se os intervalos forem curtos, as medidas a serem examinadas ¢ retificadas serio de data recente, es- tando ligadas &s mesmas circunstincias que tendem a viciar e perver- ter oreslad ds revises ocaionas Se antral forem logos igual observacio se aplicard a todas a8 medidas mals recentes; e 8¢ 0 dletanclamento das mals remotas pode favorecer um exame desapal- xonado, essa vantagem € insepardvel dos inconvenientes que parecem ccontrabalangé-ta. Em primeiro lugar, uma perspective remota de ccensura piblica seria algo muito ténue para coibir 0 poder na pri daqueles excessos a que poderia ser compelide pela forga de motives atuais. E possivel imaginar que uma assembléia legslativa composta de cem ou duzentos membros, avidamente voltada para algum objeti- +o importante, ¢ violando as restrigdes da Constituigio para aleangs- Jo, se deteria por forga da perspectiva de uma revisio censéria de sua condluta, a ser realizada dez, quinze ou vinte anos depois? Em segun- do lugar, freqiientemente os abusos j teriam promovido todos os seus efeitos danosos antes que a cldusula corretiva fosse aplicada. siteRo ep Efinalmente, quando nio for este 0 caso, esses efeitos jé teriam per- durado por tempo demas, jteriam criado ralzes profundas ej nfo scriam facilmente extizpiveis. A formula de rever a ConstituigSo para corrigir infragses recen- tes, bem como para outros fins, foi efetivamente tentada em um dos Estadas. Um dos objetivos do Conselho de Censores que se reuniu na Pensilvinia em 1783 © 1784 foi, como vimos, avcriguar “se a Const tuicio tinha sido violada, e se os poderes legislative e executive ti ‘ham abusado um do outro”. Esta importante ¢ inovadora experién- cia em politica merece atenso muito especial, sob virios aspectos. Sob alguns deles talvez no possamos consideri-la absolutamente conclusiva, jd que se tratou de uma experiéncia dnica, feta sob cir- ccunstancias algo peculiares. No caso em consideracio, porém, enval- ve alguns fatos que me atrevo a apontar como ilustragio cabal esatis- fatoria da minha argumentagGo. Primetro. Fica evidente, a partir dos nomes dos cavalheiros que compuseram 0 conselho, que pelo menos alguns de seus membros tals ativos e preeminentes tinham sido também figuras ativas e pree- minentes dos partidos que preexistiam no Estado, Segundo, Fica evidente que os mesmos membros ativos e preemi- nentes do conselho tinham sido membros aivos ¢ inluentes dos po- deres legislativo e executivo no perfodo a ser examinado; e até mes- mo patrocinadores ou opositores das préprias medidas a serem submetidas & prova da Constituigio. Dois dos membros tinham sido vice-presidentes do Estado e varios outros tinham feito parte do con. selho executivo nos sete anos anteriores. Um deles tinha sido presi- dente ¢ vérios outros membros destacados da assembléia legislativa 1no mesmo periodo. Terceiro. Cada pagina de seus anais atesta 0 efeito de todas estas circunstincias no espirito das deiberagdes do conselho, Ao longo de toda a sua duragio, ele se dividiu em duas partes definidas e arrebata- das. Eles mesmos reconhccem e deploram o fato. Ainda que nio 0 tivessem feito, a configuragio de seus anais o prova de modo igual- mente satisfatrio, Em todas as questdes, por menor importincia que tivessem, os mesmos nomes aparecem invatiavelmente contrastados em colunas opostas, Qualquer observador imparcial pode inferir, sem risco de errar, © 20 mesmo tempo sem intencio de desacreditar qualquer das partes, ou quaisquer membros individuais de ambas, ‘que, infelizmente, a poixdo, © ndo a razGo, presidiram as suas decisdes, 348 05 ARTIGOS PEDERALISTAS Quando exercem sua razio, fria ¢ livremente, sobre uma variedade de questies distintat, os homens so inevitavelmente levados a con- ‘ceber opinides diferentes scbre algumas delas. Quando sio governa- dos por uma paixdo comum, suas opinides, se & que as podlemos cha- mar assim, sio idénticas. Quer, Pode-se pelo menos suspeitar de que as decisies desse ‘corpo interpretaram erradamente, em varios casos, os limites pres- critos para os poderes legislative ¢ executivo, em ver de reduzi-loe a seus lugares constitucionais, Quinto, Ao que eu saiba, as decisées do conselho em questBes constitucionais, quer fossem correta ou erroneamente formadas, nunca tiveram qualquer efeito no sentido de alterar as préticas fanda- das em interpretayées legislativas. Se ndo me engano, houve mesmo ‘um caso em que o legislative da época negou as interpretacies do conselho e conseguiu de fato vencer a disput, Este corpo censorio, portanto, ao mesmo tempo etn que revela, por suas investigagies, a existéncia da doenga, demonstra por seu ‘exemplo a ineficdcia do remédio. fo se pode imvalidar esta conclisio alegando que 0 Estade em {que a experiéncia foi feita estava numa crise tinha sido antes, por Jongo tempo, violentamente inflamado ¢ perturbado pela paixio par- tidstia, Seri 0 caso de presumir que em algum seténio futuro o mes- mo Estado estara livre de partidos? Serd o caso de presumir que al- 1m outro Estado, por igual periodo ou durante algum outro, estard livre deles? Tal eventvalidade nio deveria ser presumida nem deseja- da, pois a extingio dos partidos implica um alarme geral para a segu ranga piblica ou uma absoluta extingio da liberdade. ‘As dificuldades ni teriam sido eliminadas mesmo que se tivesse tomado a precaucio de excluir, das assembléias elcitas pelo povo pa~ ra examinar a administrag3o precedente do governo, todas as pes- soas que pudessem ter participado dela naquele periodo. Nese eas0 1 importante tarefa recairia provavelmente sobre homens que, sen- do menos capacitados, apresentariam em outros aspectos qualifica- ‘sGes pouco melhores. Ainda que pudessem nio ter tide envolvimen- to pessoal na administrasZo, ndo sendo portanto agentes imediatos das medidas a examinar, provavelmente teriam tido envolvimento com os partidos associados a essas medidas ¢ teriam sido eleitos sob feet Puatius [Madison] NuimeRo Lu 349 Desenvolvimento do tema na mesma perspectiva e conclusao A que expediente, entdo, devemos finalmente recorrer para manter 1a prtica a necessiriadivisio do poder entre o varios bragos do go- verno, como estabelecido na ConstituigSo? A diniearesposta que pode ser dada é que, uma vez que todas essas medidas externas se mostram inadequadas, deve-se sanar a fatha arquitetando de tal modo a estru- tura interna do governo que suas vérias partes constituintes possam ser, por suas relagdes mituas, instrumentos para a manutencio umas das outras em seus devidos lugares. Sem ousar empreender um pleno desenvolvimento desta importante ideia, arriscarci algumas observa. «Ges gerais que talvez possam esclarecé-Ia e nos permitam formar um jlzo mais correto dos principios da estrutura do governo projetado pela convengio. Como base adequada para o exercicio independente e distinto dos diferentes poderes de governo, que até certo ponto todos admitem ser essencial & preservagio da liberdade, é evidente que cada poder deveria determinar-se a si mesmo; conseqiientemente, deveria ser constituide de tal modo que. seus respectivos membros tivessem a menor ingeréncia.possivel na. designago dos membros dos outros. Para ser rigorosamente seguido, este principio exigiria que todas as ‘nomeagbes para as magistraturas supremas do executivo, legislative e jdicirio fossem emanadas da mesma fonte de autoridade, 0 povo, através de canais que ndo tivessem nenhuma comunicagio entre si, Talvez tal modo de estruturar os varios poderes fosse menos dificil na pritica do que pode parecer em projeto. Mas, como sua execugio acartetariaalgumas dificuldades certa despesaadicional, alguns des- vios do principio devem ser admitidos. Na organizacio do poder judi- ticular, -poderia ser-inconveniente insistir no principio. com rigor; primeiro porque, sendo essencial que os membros pos- suam certas qualificagbes, a preocupagio bisica deveria ser encontrar omodo de escolha que melhor assegure tais qualificagdes; segundo, Porque o cariter permanente dos cargos nesse poder nao pode deixar dde anular em pouco tempo todo 0 sentimento de dependéncia para \ com a autoridade que os conferiu, E igualmente evidente que os membros de cada poder deveriam Aepender t2o pouco quanto possivel dos membros dos outros posleres ase 05 ARTICOS FEDERALISTAS para os emolumentos associados a seus cargos. Se o magistrado execu. tivo 01 08 juizes no forem independentes do legislativo neste arpecto, sua independéncia em todos os outros seré meramente nominal {A grande garantia contra uma concentracio gradual dos vérios po- eres no mesmo brago, porém, consiste em dar aos que administram ‘cada poder os meios constitucionais necessarios ¢ 05 MotIVOS pessoais para ae ‘aos abusos dos outros. As medidas de defesa devem, nes. te caso coma em todos 0s outros, ser proporcionais a0 perigo de ata- que. A ambicio deve poder contra-atacar a ambigio. O interesse do hhamem deve estar vinculado aos direitos constitucionals do cargo. ‘Talver nio sejalisonjeiro para a natureza humana considerar que tais cestratagemas poderiam ser necessirios para o controle dos abusos do governo. Mas 0 que €0 préprio governo, senio a maior das citicas & natureza humana? Se os homens fossem anjos, no seria neveisirio ‘governo algum. Se os homens fossem governados por anjos, 0 gover- no nao precisaria de controles externos nem intemnos. Ao moldar um ‘governo que deve ser exercido por homens sobre homens, a grande dificuldade reside nisto: € preciso primeiro capaciter © governo a controlar os governados; © em seguids obrigi-lo.a se controlar asi proprio. A dependéncia para com 0 povo é, sem diva, o controle primordial sobre o governo, mas experiéncia ensinou d humanidade ue precaucées aunillares sio necessirias, ‘Me Rte exquema de suprr por interesses opostos€ rivas a fata de melhores motivos pode ser encontrado em todo 0 conjunto das ativi- dades humanas, tanto privadas como publicas. Nés o vernos particu: larmente exibido em todas as distribuigSes subordinadas, Be poder conde a meta constante ¢ dividir¢ organizar os varios cargos de forma tal que cada um possa exercer controle sobre o outrd de talmodo que o interesse pesscal de cada individuo passa ser uma sentinela dos direitos pablicos. Estas invengBes da prudéncia nio podem ser menos necessirias na distribuigio dos poderes supremos do Estado. Nao ¢ possvel, porém, dar a cada brago do governo igual poder de sutodelesa. No governo republicana, 2 autoridade legislativa predo- rina necessariamente. O remédio para este inconveniente € dividir 0 logislativo em diferentes ramos ¢ torni-los, mediante diferentes mo- dos de cleigo e diferentes principios de as30, tio povco vinculados tum com 0 outro quanto © permitam a natureza de suas lingbes-co- runs ¢ sua dependéncia comum da sociedade, Podem até ser necessé- ras precaugdes adicionais para evitar abusos perigosos. Assim como 0 oriateno us 3 peso do legisativo requer que ele sejadividido, a debilidade do execu tivo pode exigir, por outro lado, seu fortalecimento. © poder absolu- to de veto sobre of atos do legislativo parece ser a defesa natural de que o magistrado executivo deveria étaratmado. Mas alvea nao seja de todo segura ou suficiente. Em ocasides ordinirias, poderia nio ser exercida com a necessiria firmeza e, nas extraordinérias, poderia ser usada de maneira abusiva e pérfida, Nao poderia essa falha do poder absoluto de veto ser sanada por uma vinculagio limitada entre este poder mais fraco e o ramo mais fraco do poder mais forte, pela qual seria conduzido a defender os direitos constitucionals do primeiro, sem se distanciar em demasia dos direitos do proprio poder? Se 0s prineipios em que estas observagies sc fandam forem jus- tos, do que eu proprio estou convencido, e se os aplicarmos como ‘ritérios as varias constituigdes estaduais e 4 Constituigio federal, ve~ rificaremos que se a tltima no corresponde perfeitamente a cles, as primeiras si0 infnitamente menos capazes de resistir & prove, Duas consideragdes particularmente apliciveis ao sistema federal dda América o situam sob um ponto de vista muito interessante, Primeiro. Numa repiblica simples, todo 0 poder concedido pelo povo ¢ submetido a administragio de um governo iinico, ¢ a usur- pagio é evitada por uma divisio do governo em bragos independentes e separados. Na repiiblica composta da América, 0 poder concedido pelo povo € primeiro dividido entre dois governos distintos ¢ depois : orcio que coube a cada um é subdividida por bragos independentes | e separatos. Disto provém uma dupla seguransa para os direitos do povo. Os diferentes governos vo se controlar um ao outro, a0 mes- ‘mo tempo em que cada um ser controlado por si mesmo. Segundo, f de grande importincia numa repiblica nfo apenas pro- teger a sociedade contra a opressio de seus governantes, mas prote- ger uma parte da sociedade contra a injustiga da outra, Existem ne-

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