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Escritos sobre espaco e historia Copyright © 2014, Mauricio de Almeida Abreu Ditetos cedidos para esa edicio & Rua Candido de Oliveira, 43/Sala Rio de Janeiro ~ Brasil - Tek: (21) 2504-9211 editors @garamond.com.br Rio Comprido 5 Revise Mavticio Drummond Eaitorgio Eletbice Editora Garamond / Luiz Oliveira Capa . Estidio Garamond Sabve: Vie pane Exe lief CIP-BRASIL.CATALOGACAO NA PUBLICACKO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS Ry Tela bibiogria ISBN 9788576173505 1948-20112. Geogafia wana ~ Bat Rogério, epp:910.1307760981 (CDU:316.33456 ‘Teds os cits reservados. A reproduo nlo-sutrizada desta publicagio, por qualquer ‘meio ea toul ou parcial, consis volo da Lio 9.610/98, Agradecimentos Gostarfamos de agradecer inicialmente a todos 0s amigos ¢ ccolegas cujoestimulo foi essencial para a realizagao deste livro, em especial a Fraricisco Viana, que nos auxiliou no acesso 0s textos originais, ado de versdes e na primorosa elaboragao de um mapa. Nosso reconhecimento aqueles que nos ajudaram na libe- rago dos artigos republicados nesta coletdnea: Luiz Al Gongalves e Paulo Cesar Quintsir junto ao Instituto Brasileiro de Geogratia e Estatistica; Cecflia Cichowski e Rosemary Alves da editora Bertrand Brasil; Isabel Mauad da editora Mauad ¢ Beatriz Kushnir do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. Em relagio a outras quesides editoriais, somos também gra- tos ao apoio de Maria Adélia de Souza, Ana Fani Alessandri Carlos, Luciana Martins Tiago Cargnin Goncalves. ‘Agradecemos a Maria Luiza Filgueiras, Valéria da Conceigao de Almeida e Kétia Sotelo da Biblioteca da Pos Graduagio do Instituto de Geografiae @ Maria Luiza Cavalcanti Jardim da Biblioteca do Instituto de Pesquisa e Planejamento de Janeiro Fondacdo Carlos Chagas de Amparo & Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro pela concessao de recursos através do Programa Cientista de Nosso Estado que viabilizaram estes Escritos. A apropriagao do territério no Brasil colonial* © peso da hist6ria ainda se faz sentir bastante no Brasil. As vésperas problemas do pais tém origens distantes no tempo.e acon relacionada 20 sistema ssn vigorou em out .gum senhorio, que somos enfiteutas,e que devemos pagar ur ppara podermos alienar noss6 ddfninio itil. E 0 que falar das tentativas dda Unido de cobrar taxas de ocupagio dos que ocupam terrenos de marinhas? Mesmo nas avangadas propostas que defendem uma refor- Os exemplos sio intimeros. Todos el de hoje ainda se rege + Antigo onginlmacepublicado em Caso 1; Gomes, P; Cora, R. (orgs). Explorazzes ‘geogrfca:pererio# no fin do seul, Ria de ani Baran Brasil 1997 eepubliendo ‘evita Cidade, ol 8.14, juldez 20 265 - 266 | Benmossome sage ewmTOMA presente trabalho pretende contribuir nessa objetivo maior é 0 de langar luz sobre os fundamentos hist da apropriagio territorial do pafs, indicando, na medida do possi ccdmo esse processo evoluiu no tempo. A énfase do estudo é sobre 0 periodo colonial. Ficard claro, entretanto, que o que sera discutido aqui produz efeitos até hoje. BUSCANDO AS ORIGENS: A APROPRIAGAO TERRITORIAL EM PORTUGAL As formas de apropriagao terri do século xvi tém sua origem n: ficamente no processo de regond) introduaidas no Brasil a partir ide média ibérica, mais especi- sta GHIStE GO¥ (ErFiTrios ocupados pelos sarracenos. A reconquista foi um processo Tito, qe progre- diu dé Trorte para o sul, ¢ que durou oito séculos. Um proceso que, no raro, resultou na reapropriagao de territ6rios quase que vazios, abandonados por mouros em fuga. Para garantir as vitérias cristas, tomnou-se necessirio aproveité-los economicamente ¢ garantir a sua defesa militar (Rau, 1982: 27-28). E neste contexto que surgiram na. peninsula, e muito especialmente em Portugal, formas de apropriago territorial que eram andmalas aquelas que predominavam no regime senhorial medievo (Marques, 1975: 543). s territérios sucessivamente ganhos aos mouros pertenciam aos soberanos por titulo origindrio, isto &, por direito de conquista. Entretanto, para Fa sua ocupacdo, 0s reis logo transferiram grande parte deles a particulares, e muito especialmente & nobreza ‘guerreira, Surgiu entdo a presiiria, que nada mais foi do que a “divisio tumultudria” das terras pelos vencedores (Rau, 1982: 28-57) ‘A progressio da reconquista acabou por extinguir a prestiria, ‘A ordem social passou a nao mais tolerar esse sistema, que nem sempre levava & fecundagio da terra pelo trabalho. Concomitante a sua desintegragao, dois outros processos, fundamentais para a st6ria portuguesa, tiveram lugar. O primeiro foi a autonomizagio politica do pafs em relagao ao reino de Ledo; o segundo consistiu no desenvolvimento do poder local, surgindo entdo os conselhos ‘Amomugio 20 naanéno xo Bus coma 267 municipais (ou concelhos, segundo a grafia lusa). Foi a partir deles que 0 povoamento definitivo das terras reconquistadas pode ser cconcretizado, garantindo-se assim a consolidagao territorial do pats (Rau, 1982: passim) Os consethos municipais mult icaram-se em Bortugala partir do séoulo Xit, Passou a’sér comum doté-los de um patriménio territorial, is vezes concedido por algum propri loci lidago do povoamento do lugar ou, o que foi mais comum, institufdo pelo rei através de cartas de forat (Rau, 1982: Cap. 11). 14 no inicio do ‘século x11 toda a terra em Portugal havia se tornado domi to 6, estava sob 0 dominio dife10 Ge alguma autoridade, Destacavam-se af (Serrao, 1975, ¥. I: passim): (1) 0s bens da Coroa, ivisos ¢ inaliendveis, patrimdnio do Estado; (2) os bens pessoais do rei (os chamados reguengos); (3) as terras da nobreza, do clero, das ordens monésticas e das ordens militares; (4) algumas propriedades alodiais, livres de direitos e de deveres senhoriais, (5) as terras de natureza comunal, em geral concedidas pelo rei aos habitantes dos conselhos, e que se subdividiam em (@)terras dos consethos, de propriedade administrativa dos governos locais e que podiam ser por eles distribufdas aos seus rinhos”, € (b) bale insusceptiveis de individializagio, destinadas a pastagem do gado e & obtengao de lenhas. E na distribuigéo das terras dos consethos que esté a origem dc sistema sesmarial, uma forma de apropriagio territorial que se di diu pelo sul de Portugal a partir do século xit € que se converteu em: verdadeira politica de povoamento. interessado na conso- Sesmarias medievais portuguesas igo de um conselho municipal implicava na necessidade da distribuigdo de suas terras pelos moradores. Para coibir pretensées territoriais desmesuradas, generalizou-se nessa época a utilizagao de - (268 | seus oe mo x msdn ‘uma variante do antigo instrumento greco-romano da enfiteuse, que ficou conhecida como sesmaria, ~ A enfitese (ou afordmento) & um contrato de alienagdo territorial '" que divide a propriedade de um imével em dois tipos de dominio: \ domfnio eminente, ou direto, © 0 dominio itl, ou indireto. Ao utilizar ‘um contrato entfitéutico, 0 proprietario de pleno direito de um bem no © transfere integralmente a terceiros. Apenas cede o seu domfnio ail, isto 6 0 di lizar 0 imével e de nele fazer benfeitorias, retendo centretanto para si o dominio direto, a propriedade em ttima inst&ncia, Em troca do domfnio indireto que Ihe € repassado, 0 outorgado aceita uma série de condigdes que Ihe so impostas,e obrige-se também a pagar uma pensdio anual (ou foro) ao proprietério do domfnio direto, razBo pela ual transforma-se em foréiro deste ditima, N4o cumprindo o foreiro as reverte ao detentor do dominio direto. ccondigdes do contrato, o domi | era um unico détallie: a0 contrério da obrigatoriedade de pagamento de umTOro que-as Tezes também ocorria), o que se exigia era o cultivo detentor do dominio eminente (um conselho municipal, por exemplo) poderia retomar o dominio ttil da gleba (entao chamada de casal) e ‘outorgé-lo a outros. Buscava-se com isso garantir 0 uso produtivo da terrae o sucesso do esforgo de povoamento. ‘A origem do nome sesmaria est ligada & organizagao ter dos conselhos. Para riiéIhor’< as terras dos conselhos em sesmos, ou sextas partes, A fim de evitar injustigas nas doagGes e fiscalizar o cumprimento das condigSes legais, cra indicado um homem bom (um cidadao) para cada sesmo, exigindo- se a sua presenga ali durante um dos dias tteis da semana, Os sesmos ficaram ent&o conhecidos como sesmos de segunda-feira, de terca-feira, tc., €05 delegados municipais tomaram a denominagao de sesmeiros. PPor sua vez, as tertas que eles concediam ficaram conhecidas como ‘sesmarias (Rau, 1982: 47-57). Utilizadas depois para povoar os reguen- 0S ¢as terras da Igrej e da nobreza, as sesmarias foram assim mais, ‘uma forma de apropriagtio do que de propriedade (Marques, 1975: 543). ‘A onornngio 20 rasibuo No Bus count | 269 Em meados do século xiv, com 0 progresso do povoamento, pou- cas eram as glebas ainda dispontveis, mas a eclosdo da peste negra e a elevagdo dos saléris artesanais urbanos logo levaram a um crescente @xodo rural. As terras maninhas (terrenos incultos de propriedade particular) tomaram-se ento mais numerosas, causando diminuigdo de ‘renda e decréscimo da produgao de graos. Para combater essa situagao, a Coroa promulgou “yma das primeiras leis agrarias da Europa que merega tal nome” (Rau, 1982: cap. V). A lei das sesmarias, assinada por D. Fernando em 1375, fc realidad Unie lei OEE, que ido teve Com o Ago sistema sesmari endo um ponto de contacto: a obrigatoriedade de cultivo como condi- do de posse da terrae a expropriagdo da gleba ao proprietério que a deixasse inculta. No mais, tudo nela era coago, pois seu objetivo maior cera obrigar os trabalhadores rurais a permanecer no campo (Rau, 1982: 87). B importar to, que ela introduziu um elemento importante na sobre todo o territéria, o que abria caminho para combater o latifindio ce expropriar qualquer propriedade que nao fosse aproveitada no tempo cconvencionado (Smith, 1990; Marques, 1975: 544; Rau, 1982: Cap. vi) ‘Toda a legislagio sobre sesmarias foi incorporada, em 1446, &s ‘Ordenagées Afonsinas (Livro 1¥, Titulo 81), e mantida, com poucas alteragdes, nas Ordenages Manvelinas lo 67), de 1521, ce nas Ordenagées Filipinas (Livro rv, Titulo 43), de 1603. Com a ex- ‘panstio maritima portuguesa, o instituto da sesmaria foi transposto para as conquistas (como, de resto, toda a estrutura juridica lusa). Grande vviabilizador do processo de apropriagdo do territério brasileiro, €impos- sivel entender o perfodo colonial sem que se faca referéncia ao sistema sesmarial, que s6 foi abolido as vésperas da Independéncia. Todavia, seu impacto sobre a estrutura fundisria do pafs faz-se sentir até hoje, A TRANSPOSICKO DO SISTEMA SESMARIAL PARA 0 BRASIL. ‘A Coroa Portuguesa tomou posse do territério brasileiro por aquisieao origindria, isto 6, po direito de conquista (Cine Lima, 1954: 89). Por 270 | sseuos some sng rmona essa razdo, todas as terras “descobertas” passaram a ser consideradas, como terra virgem sem qualquer senhorio ou cultivo anterior, o que Permitiu que a Coroa pudesse traspassé-las a terceiros, visando com isso a assegurar a colonizagio, ‘A carta patente dada a Martim Afonso de Souza é unanimemente considerada como o primeiro documento sobre sesmarias do Brasil. Na realidade, Martim Afonso trouxe consigo trés cartas r outorgava-Ihe “grandes poderes”, nomeando-0 capi de todas as terras que fossem descobertas, com plena jutisdicio sobre as pessoas que com ele seguissem, que jé estivessem no Brasil, ou que para af fossem depois. A segunda permitia que ele nomeasse oficiais de justiga, necessérios & tomada de posse e & governanca da terra. A Ultima, enfim, dava-lhe pdder para doar sesmarias as pessoas (que na dita terra quyserem vyner e pouoar Bessoas por seus seruyeos e calydades pera aas aproweytarem e a hhasy der sera somente nas vidas daquelles a que as der e mays nara Freitas, 1924: 159-160). segundo 0 merecerem as ditas A instituigao, logo a seguir, do sistema de capitanias hereditérias, em nada mudou o espirito da lei. Nos forais dados aos donatérios, ‘como atesta bem o de Duarte Coelho, mandava El-Rei D. Joo mi que repartissem as terras, ‘na forma ¢ maneira que se conthem em minhas ordenagbes... [sto 6], 0 ¢a- pitam da dita capitania e seus sobcesores daram e repatiram todas as terras della de sesmarya a quaesquer pesoas de qualquer calydade e condigam que seyam contanto que seyam chrstdos ly emente sem foro nem éereito algum somenteo dfcimo que seram obrigados de pagara hordem de mestrado de n0s0 ‘Senhor Jhesu Christo de tudo que nas ditas terras ouverem.. Se a ordem da Coroa era para que a concesséo de sesmarias no Brasil fosse feita segundo estabeleciam as Ordenagées, a verdade é que a prética acabou sendo bem outra. Ao comentar o sistema sesmarial implatitado além-oceano, Costa Porto (1965: 58) assim se expressou: 4 ae TS transplantado, quase sem nenhum retoque, a legislaglo reinol para meio totalmente diverso, de tal modo pesando as influéacias diferenciadoras de ‘espagoe tempo que, via de regra, ou o sistema nfo Funcionou, ov, funcionando, ‘acarretou, aqui, resultados opostos Bqueles obtidos em Portugal. [77 Quaisseriamessasinftuénciasdiferenciadoras de espag e tempo? | portugués acabou se transformando em sesmarialismo colonial? Uma breve andlise dessas questdes, sustentada por autores que discutiram-nas 1 fundo, permite que cheguemos a algumas conclus6es importantes. A primeira éque as “influéncias diferenciadoras de espago e tempo” fizeram-se sentir desde 0 infcio. Ao conceder as primeiras sesmarias, Martim Afonso jéo fez.em caréter perpétuo, cont be @stabelecia que a doaco seria apenas vital to, que essa modificagio veio ase adequar melhor aos objetivos entret da colonizagao: nfo seria possfvel povoar uma terra tao longinqua e es rantir aos conquista- dores 0 direito de trandferir 0 fruto de seus esforgos a seus herdeiros. ‘A determinagao das Ofdenagoes para que os sesmeiros estabele- . sempre tempo aos que as derem, ao mais de cinco anos , que as lavrem e aprovei E se as pessoas... as {oi pouco respeitada. Logo ficou claro que tempo no poderia come- ar a correr desde data de doagao, jé que a insubmissio do indigena dificultava o aproveitamento das terras (uma cor nao raro, impedia mesmo a sua ocupagio (Meréa, 1924: 183). Por essa raziio, muitas sesmarias 86 acabaram sendo eultivadas bem depois do “ perfodo estabelecido nas cartas de concessio, e nfo foram poucas as

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