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To cite this article: Andréa Doré (2014) O deslocamento de interesses da Índia para o Brasil
durante a União Ibérica: mapas e relatos, Colonial Latin American Review, 23:2, 171-196, DOI:
10.1080/10609164.2014.917541
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Colonial Latin American Review, 2014
Vol. 23, No. 2, 171–196, http://dx.doi.org/10.1080/10609164.2014.917541
O período de união das coroas ibéricas, de 1580 a 1640, foi especialmente intenso na
produção de material cartográfico a respeito das possessões espanholas então
espalhadas por quatro continentes. O reinado de Filipe II, que se iniciou em 1556,
foi determinante para o dinamismo registrado na atividade de cosmógrafos, pintores,
gravuristas, dedicados a tornar visíveis espaços distantes e desconhecidos dos
europeus. Os historiadores que se debruçam sobre este longo reinado concordam
em enfatizá-lo como um momento de inédita valorização da produção cartográfica a
serviço da expansão, da administração e da manutenção de um império.
De forma paradoxal, os estudiosos da produção especificamente portuguesa
identificam um ritmo bastante diferente, muito menos dinâmico, neste mesmo
período. Para Armando Cortesão, o período de 1580 a 1640 é caracterizado pela
‘decadência’ na história da cartografia portuguesa, devida à dominação de Portugal
pela Inquisição, pela Companhia de Jesus e pelos Filipes, avaliação partilhada por
Max Justo Guedes, para quem a ‘estagnação e decadência’ da cartografia portuguesa
no início do Seiscentos foram seguidas de um ‘renascimento’ (Alegria 2001, 62;
Guedes 2000, 107–9). Estudos posteriores sobre a cartografia portuguesa passaram a
questionar essa leitura. De fato, percebe-se uma redução no número de mapas no
início do século XVII, que pode ser atribuída, não exatamente à perda da
independência de Portugal mas aos ataques de outras nações europeias às costas do
Brasil, tornando-as bastante inseguras, e podemos acrescentar, não só as do Brasil,
mas igualmente as da Índia.
Este artigo propõe a inserção do material cartográfico sobre as possessões
portuguesas no conjunto das necessidades de informação apontadas pelos reis
Habsburgo. Com o objetivo de compreender o papel que essas possessões ocuparam
entre os interesses do Império espanhol, são analisados dois documentos, que da
Índia e do Brasil responderam a demandas da administração filipina. Produzidos
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entre 1615 e 1635, esses documentos reúnem mapas e relatos e apontam para o
deslocamento de interesses da Índia para o Brasil. Por meio de seu estudo em
paralelo, propõe-se abordar aspectos que interessavam à Coroa saber, conhecer e
registrar sobre seus domínios. As ordens régias que deram origem a esses
levantamentos trazem alguns elementos que dão especificidade a cada uma das
regiões, mas acentuam outros dados que visam homogeneizar as informações e
assegurar uma administração comum aos mais diferentes espaços do império.
Interessa igualmente destacar as diferenças mais marcantes entre as capitanias do
Novo Mundo e as cidades-fortalezas do Índico, conforme se verifica nas respostas
enviadas ao rei.
A leitura de alguns trabalhos da imensa bibliografia sobre o reinado de Filipe II
permite constatar a ênfase dada ao desejo e à necessidade de conhecer e registrar
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informações sobre diferentes partes do império. Geoffrey Parker afirma que durante
este reinado, os mapas se tornaram pela primeira vez um instrumento de governo,
uma ferramenta vital para mobilizar recursos do estado em seu próprio território e
projetar seu poder para o exterior (Parker 2002, 98).
O objetivo da confecção de mapas neste contexto se voltava fundamentalmente
para fins práticos. Os êxitos espanhóis nas guerras contra os Países Baixos, a partir
das revoltas das Províncias Unidas contra a dominação espanhola iniciadas em 1572,
teriam sido viabilizados, segundo Parker, por um profundo conhecimento do terreno
e da geografia, o que incluía o mapeamento de cidades e vilas, dos acidentes naturais
e das distâncias a serem percorridas. O mesmo interesse pela cartografia se verificou
quando das ofensivas contra a Inglaterra. Vários conjuntos de mapas e vistas de
cidades foram, então, encomendados por Filipe II a diferentes cartógrafos,
portugueses, italianos, espanhóis, holandeses e ingleses.
O interesse na produção corográfica —aquela que se refere a regiões, países, ou
vistas de cidades— antecede, seguramente, o momento da União Ibérica e já estava
presente no reinado de Carlos V. ‘Mapping served the king (or queen) as a means of
both recording and enhancing political authority’, escrevem Richard L. Kagan e
Benjamin Schmidt (2007, 661).
A própria formação do príncipe passava pelo uso das imagens topográficas. Data
de 1548, a obra de Pedro de Medina, Grandezas y cosas notables de España, produzida
com o intuito de informar ao futuro Filipe II sobre províncias e reinos sob o controle
espanhol e, em 1555, surgiu a Nova descriptio Hispaniae, publicada em Londres por
Thomas Geminus (Parker 2002; Kagan and Schmidt 2007, 664).
Preocupado em mapear suas possessões na Europa, Filipe II encomendou
levantamentos em diferentes regiões, seguindo diferentes métodos de medição e de
representação, o que impulsionou, igualmente, as técnicas de produção de mapas. Em
1559, Jacob van Deventer, que já tinha produzido uma série de vistas de cidades dos
Países Baixos espanhóis a mando de Carlos V, foi contratado pelo rei espanhol.
Parker cita um trecho da ordem régia que nos auxiliará, em seguida, a interpretar as
ordens enviadas pelos sucessores de Filipe II a outras partes do império. Van
Deventer foi contratado para ‘to visit, measure and draw all the towns of these
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provinces, with the rivers and villages adjoining, likewise the frontier crossings and
passes. The whole work is to be made into a book containing a panorama of each
province, followed by a representation of each individual town’.1
Dois anos após esta encomenda relativa aos Países Baixos, em 1561, foi a vez de
Anton van den Wyngaerde ser convidado a ir a Espanha fazer um trabalho
semelhante. Utilizou uma técnica diferente, colocando-se em uma parte elevada do
terreno e em um formato panorâmico, e não de uma perspectiva vôo de pássaro
como fez Jacob Van Deventer. Paralelamente a esta solicitação, uma equipe liderada
pelo cartógrafo Pedro de Esquivel percorreu a Espanha em torno de 1570. Um dos
produtos desse esquadrinhamento cartográfico é o mapa da Península Ibérica, datado
de 1585, constante do Atlas Escorial.2
Outro importante conjunto de mapas fruto de encomendas após o início do
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sob domínio holandês e necessitava ser defendida pela mesma monarquia que tentava
manter sua soberania em regiões da Europa, como a fronteira com os Pirineus, muito
bem retratada no Atlas.
O estudo da atenção dedicada às possessões portuguesas na produção cartográfica
do período Habsburgo guarda um duplo objetivo. De um lado, entender em que
contexto e em que gênero de documentação se inserem os levantamentos realizados
sobre essas possessões. Essa via se alia à proposta metodológica de J. B. Harley de que
a análise de um mapa ganha maior amplitude quando realizada a partir do contexto
do autor, do contexto da sociedade e o de outros mapas (Harley 2001). Esse terceiro
contexto tem como ponto fundamental o domínio filipino sobre Portugal e a tradição
de conhecimento cartográfico dinamizada nos reinados filipinos. De outro lado,
o estudo desta cartografia tem como objetivo entender o que significou para a colônia
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peças isoladas. Mesmo que para o Brasil não disponhamos de grandes projetos
cartográficos como os registrados na Europa ou na América espanhola, em um
ambiente de ameaças e conflitos entre portugueses, holandeses e franceses pelo litoral,
exigiu-se a presença de engenheiros militares e cartógrafos, garantindo a produção de
mapas e roteiros. Como resultado, temos outros conjuntos cartográficos produzidos
sobre o Brasil, obras compostas por textos e mapas.6
É neste cenário de ameaças por parte de outra potências europeias, que exigia da
coroa espanhola um conhecimento mais preciso de seus domínios, e das condições
que possuía para defendê-los, que se insere o Livro que dá razão do Estado do Brasil.
Esta obra foi estudada por Hélio Vianna, que lhe atribuiu a autoria e indicou as
diferenças —cortes e acréscimos— entre os manuscritos existentes.7 A obra foi escrita
em Lisboa entre 1612 e 1613 pelo sargento-mor do Estado do Brasil, Diogo Campos
Moreno, e os mapas e plantas foram acrescentados nos anos seguintes, por João
Teixeira Albernaz I.
O trabalho dos dois autores, Campos Moreno e João Teixeira, ao que tudo indica
foi complementar e, assim, mapas e relatos devem ser analisados em conjunto.
Informações contidas nos mapas não poderiam ser conhecidas por alguém que nunca
tivesse visitado o Brasil. Algumas indicações permitem concluir que o texto foi
redigido —ou finalizado— quando Campos Moreno estava em Lisboa, onde também
se encontrava o cartógrafo. Após a redação do Livro, o sargento-mor retornou ao
Brasil, onde participou das expedições de conquista do Maranhão e sobre a qual
escreveu a Jornada do Maranhão por ordem de Sua Majestade feita no ano de 1614
(Moreno 2011).
João Teixeira Albernaz I, por sua vez, integrava uma das famílias de cartógrafos
mais notáveis de Portugal do Renascimento. As famílias Teixeira, Reinel e Homem
foram responsáveis por boa parte dos mapas produzidos sobre as descobertas no
século XVI e início do XVII. O patriarca dos Teixeira foi Pero Fernandes, autor de
duas cartas hoje conhecidas (de 1525 e 1528), e pai de Luís Teixeira, de Marcos
Fernandes Teixeira e, provavelmente, de Domingos Teixeira. Foi avô de Pedro de
Lemos e de João Teixeira Albernaz I (que assinava em alguns mapas apenas ‘João
Teixeira’), autor dos mapas do Livro que dá razão do Estado do Brasil, da Descripção
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Sua Magestade e seu cosmographo’ (Kagan 2004, 98). Foi o mais prolífico cartógrafo
das regiões do Brasil, autor de um total de 340 mapas, dos quais 146 tratam da
colônia portuguesa na América.
Simultaneamente, no oceano Índico, o levantamento de Antonio Bocarro também
se insere num momento singular de registro do conhecimento sobre as possessões na
Ásia, sendo que alguns estudos o antecederam.8 Produzido entre os anos 1634–1635,
seu levantamento, no entanto, pode ser considerado o mais importante envolvendo as
fortalezas às margens do Índico, feito após um pedido de Filipe IV, em 1632, ao vice-
rei da Índia, Conde de Linhares, que em carta de 2 de janeiro de 1633, informa que
encarregava o cronista mor do Estado da Índia para a tarefa.9 Os engenheiros Pedro
Massai de Frias e Domingos de Toral foram enviados para percorrer as fortalezas e
Antonio Bocarro, cronista e guarda-mor dos Arquivos de Goa, produziu o texto do
Livro das plantas de todas as fortalezas, cidades e povoações da Índia Oriental.
Antonio Bocarro era um homem de letras e distante das ações militares. Nasceu
em Abrantes ou em Lisboa em 1594, filho de cristãos-novos, e foi batizado e educado
até os dezesseis anos no colégio jesuíta de Santo Antão de Lisboa. Em 1610, um de
seus irmãos, Manuel Bocarro Francês, mais tarde conhecido médico, matemático e
astrólogo, converteu-o secretamente ao judaísmo. Segundo Charles Boxer, para
praticar a ortodoxia judaica, Antonio Bocarro embarcou como soldado para a Índia,
em 1615. Seguiu depois para Cochim onde havia uma numerosa comunidade judaica
e lá permaneceu por nove anos, casado com Isabel Vieira. Em 1622, ‘começou a ter
dúvidas a respeito da Lei de Moisés’ e em 1624 confessou-se ao jesuíta Sebastião Dias
(Boxer 1956; Cid 1991; Hermann 1998). Foi depois a Goa fazer sua confissão
voluntária diante do Tribunal da Inquisição, denunciando como cripto-judeus seus
pais e parentes, muitos dos quais já haviam acertado suas contas com a Inquisição na
metrópole. Sua trajetória, no entanto, não impediu que o Conde de Linhares,
conhecido por sua tolerância frente aos cristãos-novos, o nomeasse cronista do
Estado da Índia e guarda-mor dos Arquivos de Goa.
As 52 vistas de cidades e fortalezas são comumente atribuídas ao secretário do vice-
rei, Pedro Barreto de Resende. Essa atribuição, no entanto, é questionada por
estudiosos que a consideram fruto de uma leitura incorreta do prefácio da versão
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manuscrita feita por Resende, que ao retornar a Portugal com o vice-rei em 1636 teria
completado sua própria versão de ‘O livro do estado da Índia Oriental’. Em nenhum
momento de seu prefácio, no entanto, Resende afirma ser o autor das plantas (Alegria
et alii 2007, 1024–25).
A execução do Livro que dá rezão do Estado do Brasil foi fruto de uma ordem de
Filipe III ao governador do Brasil, D. Diogo de Meneses Siqueira, quando se
encontravam separadas de seu governo as três capitanias do sul: São Vicente, Rio de
Janeiro e Espírito Santo. Somente no governo seguinte, por meio do Regimento de 31
de agosto de 1612, reiterou-se a ordem régia ao então governador-geral Gaspar de
Sousa, e o trabalho foi realizado. Apesar de, naquele mesmo ano, terem-se unido
novamente todas as capitanias, a obra não foi refeita ou ampliada, mas foi organizado
um outro documento, a Folha Geral, para registro das despesas reais das diferentes
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capitanias. Para o que aqui nos interessa, a ordem contida no Regimento de 1612
indica o teor das preocupações do rei e de sua administração:
Imagem 1 ‘Descrição de todo o Estado do Brasil, que para o norte começa no Grão-
Pará, cuja entrada está debaixo da equinocial, e para o sul termina na entrada do Rio da
Prata, em altura de 35 graus. Mostram-se na presente carta todos os seus portos, em suas
verdadeiras alturas e nas seguintes tábuas cada um em particular, com suas sondas, barras
e povoações. E juntamente mostra-se, neste mapa, a confrontação que tem este Estado
com as terras do Peru e Novo Mundo, e com os estreitos de Magalhães e São Vicente’.
João Teixeira Albernaz I. Livro que dá razão do Estado do Brasil, 1612. (Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB, Rio de Janeiro).
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autor recorre ao modelo espanhol de exploração das terras e dos índios, as
encomiendas, por meio das quais se podia obter ‘de bem fundadas povoações um
fácil e justo proveito’ (109).
Campos Moreno mantém seu tom de crítica ao tratar da ação das ordens religiosas.
Não aprova seu número excessivo e seu esforço em manter os indígenas aldeados fora
do convívio com os colonos. Além das dificuldades que a Coroa e os colonos
enfrentavam para contar com os índios convertidos para a proteção do território, ou
para o trabalho nas lavouras, as despesas com a manutenção de igrejas e conventos
pareciam-lhe exageradas.14
Neste tema não há nenhum diálogo, quer seja com a América Espanhola, quer seja
com o Estado da Índia. O quadro com o qual se depara Antonio Bocarro ao abordar a
presença portuguesa na Ásia é muito diverso e não há espaço para críticas à ação
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evangelizadora, sendo esta responsável, em muitos locais, pelo vínculo mais forte que
os portugueses puderam estabelecer. Em várias ocasiões a observação de Bocarro vai
em sentido contrário à de Campos Moreno: ‘Christandade nenhũa temos nas terras
de Sofala’ (Bocarro 1992, 10), escreve o cronista quando percorre a costa oriental
africana. Já no reino de Manica, a cristandade é ‘muy larga’ e, assim como em Sofala,
o autor apela para o envio de missionários: ‘quanto mais obreiros andarem nesta
vinha mayor cultivação farão nas almas’ (21).
A composição do livro de Bocarro se inicia, justamente, com a Descripção da
Fortaleza de Sofala e segue, grosso modo, os portos frequentados pelas naus da
Carreira da Índia. Muito mais descritiva, como os próprios títulos dos capítulos
propõem, menos opinativo do que o Livro de Campos Moreno, a obra enfrenta o
desafio de esclarecer minimamente a complexidade das diferentes sociedades que
margeiam o oceano Índico. As informações em resposta às ordens do rei são
permeadas por capítulos que tratam de questões políticas e sociais envolvendo
potentados locais, aspectos ligados à natureza, como os regimes dos ventos e os
animais e considerações sobre a vida material, formas e capacidades das embarcações,
técnicas de edificação, produtos cultivados e consumidos. No percurso entre uma
fortaleza e outra, a construção de cada uma delas demanda a retomada da história
daquele espaço, as negociações realizadas e os conflitos com outras sociedades.
‘Descripssão do Reino de Cacha’, ‘Mocranga’, onde descreve o ‘imperio do
Monomotapa’, ‘Reinos do Mogor…’ Este roteiro não está dissociado do papel
desempenhado pelo Estado da Índia no conjunto do Império, ligado às contingências
de um muito mais Velho Mundo, como se explica a seguir.
Passado e Futuro
É ocioso afirmar que estamos lidando com representações, com simplificações, com
escolhas mais ou menos conscientes para quem as realizou. Os autores dos textos
devem responder à ordem régia e suas observações são orientadas neste sentido. Para
além da concisão da ordem, no entanto, os textos incorporam aspectos considerados
relevantes e representativos da existência portuguesa no Brasil e na Índia. Como
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igualmente se pode constatar nos relatos portugueses dos séculos XV e XVI a respeito
das explorações e conquistas ultramarinas, aqui é diminuto ou inexistente o espaço
para manifestações de espanto ou para explicações inventivas para fenômenos
naturais ou costumes exóticos. Retratar o que interessa ao monarca, sem desvios,
não significa, no entanto, que os relatos sejam desprovidos de toda sorte de filtros,
motivações, omissões e ênfases. Da mesma forma, os mapas que acompanham esses
textos (ou poderíamos dizer, que são acompanhados por esses textos) são mais do
que uma miniatura do espaço real. Vão além da consideração de Joaquim Romero
Magalhães, de que ‘cartografar não é mais do que reduzir os espaços reais para os
apreender através de minúsculos desenhos’ (Magalhães 2009, 69). Os desenhos de
João Teixeira Albernaz ou os atribuídos a Pedro Barreto de Resende, dispostos sobre
a escrivaninha do monarca ou de um seus conselheiros mais atento à diversidade do
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ultramar, deveria tanto agradar quanto informar, e a cada ‘leitor’ dessas imagens
eram dados a ver elementos diferentes.
Ao cotejarmos duas dessas produções —a cidade de Cochim, no Malabar, com a
capitania de Pernambuco, no Brasil, por exemplo—, percebe-se o ordenamento das
construções no interior da fortificação, no primeiro caso, e da distribuição dos
engenhos, no segundo. As muralhas em Cochim, arte dos portugueses, rasgam e
marcam o território da mesma forma que os rios, generosos na natureza do Novo
Mundo, irrigam a produção açucareira de Pernambuco. Para preencher os espaços
vazios, palmeiras são dispostas de forma harmoniosa na praça do Malabar, assim
como a vegetação litorânea que precede a exuberância da Mata Atlântica na serra da
capitania do Atlântico. Essas duas imagens (2 e 3) incluem, em alguma medida, artifícios,
convenções ou simplificações cartográficas. Mas nas costas do Atlântico, em espaços
férteis e carentes de vida civil, ‘desabitados’, na concepção do militar e do cartógrafo,
é com uma lupa que se chega à mesma escala de observação obtida no Índico.
No Brasil vê-se o contorno da costa, muitos rios penetrando o território e as
povoações portuguesas tornam-se pequenas frente a um espaço gigantesco. Esse
espaço, entretanto, mesmo que inexplorado, pertencia ao rei. Na Índia, a mesma
vastidão é resumida aos espaços portugueses, e a observação se concentra na
fortificação que, efetivamente, fixa os limites, muito mais tímidos, de uma dominação
cercada.15
Duas propostas nos surgem para interpretar as escolhas dos autores baseadas em
elementos possivelmente partilhados por seu público leitor. A primeira delas se
concentra em identificar o que se considerava domínio português —ou espanhol
naquele contexto. Paralelamente às informações solicitadas pelo monarca, há a
compreensão do conceito de posse vigente entre exploradores e conquistadores.
Anthony Pagden analisou as diferenças deste conceito expressas por espanhóis, e
ingleses e franceses. O direito de ocupação defendido pelos britânicos, e em menor
grau pelos franceses, baseava-se no argumento, originário do Direito Romano, da res
nullius, ou seja, terras desocupadas seriam propriedade de toda humanidade até que
delas se fizesse uso para a agricultura. De acordo com a leitura que John Locke
propõe no Segundo Tratado do Governo, e muitos outros a partir dele, os indígenas,
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por esse princípio, não seriam proprietários, uma vez que viviam da caça e da coleta,
e não realizavam melhorias, benfeitorias, nas terras em que viviam. Os espanhóis, por
sua vez, assim como fizeram os portugueses, não fundaram colônias baseadas no
‘plantio’, mas sim na conquista, o que não produziu ‘agricultural goods, but semi-
sacred precious metals, and were invariably described as “kingdoms”, the “kingdoms
of the Indies”’ (Pagden 1998, 79). A discussão sobre os princípios de legitimidade da
posse das terras do Novo Mundo é bastante vasta e cheia de nuances, tanto no
contexto ibérico quanto no anglo-saxão. Inclui-se no debate a edição das bulas papais
que favoreceram os reinos ibéricos e que foram cada vez mais arduamente
questionadas pelas nações do Norte da Europa. Pontualmente, ter em mente o que
cada um considerava como direito de posse ajuda a compreender porque a imagem e
a descrição literária podiam incluir, no caso do Brasil, áreas sem cultivo ou sem
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povoações sem que isso afetasse a ideia de domínio da coroa sobre o território.
Frank Lestringant escreve sobre as novas perspectivas vividas pelos humanistas na
descrição do mundo e suas sugestões de análise oferecem a outra chave de leitura
para nossas fontes. Em uma primeira grade de interpretação, o autor retoma a
proposição de Stéphane Yérasimos e aponta que na disposição do mundo erigido pelo
humanismo europeu da segunda metade do século XVI, ‘the more geography there
was, the less history’ (Lestringant 1994, 2). Nas diferenças existentes entre os textos de
Campos Moreno e de Bocarro, por meio das quais se detecta o que cada um julga
essencial descrever, vê-se que é na Índia que a história acontece, assim como no
campo iconográfico, o mapa da capitania de Pernambuco é mais rico em elementos
geográficos.
Em seu texto, Bocarro retoma traços da história dos portugueses na Índia e o
momento do relato já conta com uma memória saudosa do passado. Nos anos 1630,
período em que a obra foi elaborada, já sentiam-se os efeitos da presença holandesa e
inglesa no Oceano Índico. A fortaleza de Ormuz havia sido perdida para persas e
ingleses, em 1622, e os holandeses já tinham seu quartel-general instalado em Jacarta
desde 1619. Ao escrever ao rei sobre Goa e seus arredores, Bocarro informa
igualmente sobre a posição central que a capital ocupa na comunicação entre as
diferentes partes do Estado da Índia e com o reino e sobre os ritmos das viagens entre
Goa e outras praças do Oriente. Nessas informações há um ‘antigamente’ que lhe
serve de comparação.
O que se leva a India são muitas couzas, porem nas mais dellas há [h]oje muy
pouco interece, pellos olandezes e ingrezes encherem toda Europa de roupas e
drogas em que [h]avia os principais ganhos deste comercio. E, ainda assy, levão a
pimenta por conta de Sua Magestade e algũas roupas de Cambaya, caras e ruins,
porque tambem estas são tam inferiores e somenos do que antigamente que, ainda
não estiverão tão sobidas no preço e os olandezes e ingrezes as não levarão, ainda
assy em grande copia forão os ganhos muy poucos. […] Hia antiguamente pera
Portugal muito anil de Cambaya, já [h]oje, pello levarem em grão copia ingrezes e
olandezes, nem quá está em preço que se possa levar, nem em Portugal tem
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expediente. […] E assy, pellas ditas cauzas, está este dito comercio da India pera
Portugal já muy acabado …. (f. 91v; p. 165, grifo nosso);
A navegação que antigamente se fazia de Goa pera a China era, tirado a do Reino, a
mais rica e de mayores cabedais que [h]avia neste Estado …. (f. 91; p. 167).
assegurados, […] nenhuma comparação fazem com o que pode medrar o dito
Estado e os moradores deste Reino e as alfândegas de Sua Majestade, havendo
muitos escravos e baratos, que trabalhem nas fazendas do açúcar e cortes do pau-
brasil, tudo seguramente navegado sem pagar tributos aos inimigos do Norte, antes
fazendo crescer, nos despovoados, povoações e fazendas. (120–22)
Escalas da posse
A partir de outra grade proposta por Lestringant, o que está em jogo é a escala de
representação. Nos mapas corográficos, ou topográficos, a grande escala qualitativa
permite inserir fatos históricos, ‘to fix accidental details, to inscribe locally the passage
of the present’ (2004, 3). Nas plantas da Índia, esta é a escala privilegiada e pode-se,
assim, identificar traços do urbanismo português, o ‘urbanismo regulado’ de que trata
Walter Rossa (2001). Vários largos protagonizados por edificações religiosas, igrejas e
mosteiros das ordens dos dominicanos, franciscanos, jesuítas. Da muralha é possível
identificar os baluartes, que o texto de Bacarro nomeia, quase todos batizados com
nomes de santos.
Em um outro extremo, a pequena escala utilizada para a representação de mapas-
mundi ‘lent itself ideally, in a future-oriented vein, to audacious strategic anticipa-
tions’ (Lestringant 2004, 3). Mais geografia no Novo Mundo, e mais futuro. A escala
não é tão reduzida quanto a adotada nos mapas-mundi, mas é muito inferior àquela
que representa os espaços asiáticos. Os mapas percorrem o litoral onde ainda os
europeus não se instalaram, onde a natureza é promissora, e onde os nativos não são
propriamente um obstáculo. No plano literário, Diogo Campos Moreno avalia as
promessas da nova colônia: salitre, engenhos, lenha ….
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Imagem 7 Ilha de Goa. Cópia de vistas de cidades inseridas no Livro das plantas de
todas as fortalezas, cidades e povoações do Estado da Índia Oriental (1635), realizadas por
António de Mariz Carneiro em Descrição da Fortaleza de Sofala e das mais da Índia,
1639. Códice Iluminado 149. (Biblioteca Nacional de Portugal).
por exemplo, poderia nos oferecer, assim como estimariam o rei e os administradores
em Madri, uma dimensão quantitativa das diferentes partes de seu império. Os cargos
e as funções, tanto civis quanto eclesiásticas, se repetem em Salvador e em Goa, mas
há vários indivíduos responsáveis por atividades em uma praça que não se verifica em
outra, como o língua em Goa e o procurador dos índios forros, em Salvador. A
ocupação do espaço, o espraiamento das povoações é também bastante diverso. O
papel das ordens religiosas é sensivelmente mais importante em Goa do que em
Salvador, o que poderia resultar da existência de uma população muito mais
numerosa e da existência da ambição de edificação de uma nova Roma no Oriente,
que nunca existiu na costa Atlântica.
A concentração desses levantamentos no período da União Ibérica não parece
resultar apenas do incremento das técnicas de produção, impressão e divulgação de
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Reconhecimento
Este artigo é fruto de projeto de pesquisa financiado pelo Edital Universal 2010-
CNPq. A autora agradece as leituras generosas de uma versão anterior deste texto
feitas por Lisa Voigt e Chet van Duzer.
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Notes
1
Jacob van Deventer. Planos de ciudades de los Países Bajos, 1545. Os volumes II e III deste Atlas
estão preservados na Biblioteca Nacional de España e disponível em versão digital. RES/200.
O volume I foi perdido. Para a citação, ver Parker 2002, 36. Ver também Buisseret 2003.
2
Real Biblioteca del Escorial, [Atlas], Mss. K-1-1.
3
Decreto citado em Visita de las yslas y reyno de la gran canaria hecha por don Ynigo de Briçuela
[…] 1634 (ed. facsímil con un estudio por Juan Tous Meliá, 2 vols., Museu Militar Regional de
Canarias, 2000, 1:40), apud Kagan 2004, 99.
4
O Atlas está preservado no Arquivo Militar de Estocolmo, Suécia, e recebeu sua primeira edição
em 2004. Sobre o espaço concedido às Índia, ver Sánchez Rubio et al. 2004, 69.
5
Este artigo é o ponto de partida de uma pesquisa sobre o papel desempenhado pelo vice-reino do
Peru nas representações cartográficas da América do Sul. Essa investigação se iniciou no âmbito
de um estágio pós-doutoral no Department of Romance Language and Literatures da Harvard
University, financiado pelo CNPq, e por uma fellowship da John Carter Brown Library, da
Brown University, entre 2012 e 2013.
6
A obra, sem mapas, intitulada Roteiro geral com largas informações de toda a Costa do Brasil, de
Gabriel Soares de Sousa, dedicado a D. Cristóvão de Moura, valido português de Filipe II, em
1587; o Roteiro de todos os sinaes (conhecimentos, fundos, baixos, alturas, e derrotas, que há na
Costa do Brasil, desdo cabo de Santo Agostinho até o estreito de Fernão de Magalhães), produzido
entre 1585–1590, com 13 mapas, realizado por Luís Teixeira. É de João Teixeira Albernaz I, filho
de Luis Teixeira, um atlas preservado na Biblioteca Nacional de Paris, o Atlas do Brasil, de 1627,
intitulado Livro em q se mostra a descripção de toda a costa do estado do Brasil e seus portos.
Barras e sondas. Tratando-se do mesmo autor, Hélio Vianna compara as 19 cartas deste atlas
com as plantas que integram o Livro que dá razão do Estado do Brasil, no qual não aparecem as
capitanias do sul, e de que tratarei a seguir (Cortesão e Mota 1987, 4:103–5; Teixeira 1968 e
Moreno 1955). Outro levantamento deste período é a Descripção de toda a costa da Provinsia de
Santa Cruz a que vulgarmente chamão Brasil, de 1642, com 23 mapas do mesmo João Teixeira
Albernaz I, finalizado pouco depois da Restauração portuguesa (Teixeira 2000).
Colonial Latin American Review 193
7
Procedentes de um original perdido, existem apenas cinco apógrafos conhecidos da Razão do
Estado do Brasil, três dos quais datam do século XVII. O primeiro texto do Livro deve ter sido
redigido entre 1612 e 1613. Entre 1625 e 1627, o texto recebeu cortes e acréscimos resultando em
um apógrafo hoje preservado no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), no Rio de
Janeiro, cuja transcrição foi feita por Helio Vianna e que aqui utilizo. Na mesma época, o
apógrafo que pertence à Biblioteca Nacional do Porto recebeu mapas e plantas, de autoria, ‘pelo
menos em parte’, segundo Vianna, do cosmógrafo português, João Teixeira Albernaz. Ver
Moreno 1955, 7–8, e Nelly Martins Ferreira Candeias, A Cartografia Portuguesa no Brasil
Colonial. http://www.jbcultura.com.br/nelly/cartografia.htm.
8
Apenas durante a União Ibérica registra-se O Livro das cidades e fortalezas que a Coroa de
Portugal tem nas partes da Índia, e das capitaneas, e mais cargos, que nelas ha, e da importância
delles (1582), uma panorâmica sem plantas do Estado da Índia, editado somente em 1950 por
Francisco Mendes da Luz. As Plantas de praças das conquistas de Portugal (1610), realizado por
Manuel Godinho de Erédia, possivelmente em resposta a uma ordem régia (Doré 2006); o Atlas
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Universal, de 1630, de João Teixeira Albernaz I, com 31 cartas. A obra intitula-se Taboas geraes
de toda a navegação divididas e emendadas por Dom Ieronimo de Attayde com todos os portos
principaes das conquistas de Portugal. Delineadas por Ioão Teixeira Cosmographo de Sua
Magestade. Anno de 1630 e também traz vistas do Rio de Janeiro. A realização desse atlas
também pode ser atribuída à ação de Filipe IV e é uma prova dos extraordinários recursos
cartográficos da Casa da Índia (Kagan 2004, 98). Há ainda um códice anônimo, localizado no
Paço Ducal de Vila Viçosa, o Livro das Plantas das Fortalezas, Cidades e Povoações do Estado da
Índia Oriental, editado por Luís Silveira, e datado entre 1633 e 1641 (Silveira 1988); e Descripçam
da Fortaleza de Sofala, e das mais da India com uma Rellaçam das Religiões todas, q há no
mesmo Estado, de autoria do cosmógrafo-mor do reino Antonio de Mariz Carneiro, de 1639.
9
Ver Cortesão e Mota 1987, 5:60-65. Segundo os autores, há 5 exemplares desta obra: o da
Biblioteca Pública de Évora, de 1635, com 48 plantas; um exemplar de 1635, se encontrava, em
1960, à venda no Livreiro A. Rosenthal, Oxford, com 48 plantas; o exemplar de c. 1635, da
Biblioteca Nacional de Madrid, contém 52 plantas. É especialmente interessante por se tratar de
uma cópia do original, não assinada mais atribuída a João Teixeira Albernaz I, ou seja, mais de
20 anos depois de produzir o seu levantamento sobre o Brasil, João Teixeira teve acesso a um
trabalho semelhante a respeito do Estado da Índia; a Descripção da Fortaleza de Sofala e das mais
da Índia, de António de Mariz Carneiro, de 1639, na Biblioteca Nacional de Lisboa, com 48
plantas; e ainda um exemplar do século XVII, em Ceylon Government Archives, de Columbo,
com 52 plantas, de um anônimo.
10
Cartas de El-Rei a Gaspar de Sousa, ff. 100v e 101 do códice do Ministério das Relações
Exteriores, ff. 16v e 17, conforme verificado por Hélio Vianna e por ele transcrito em seu estudo
da obra de Diogo de Campos Moreno, Livro que dá razão do Estado do Brasil (Moreno 1955, 7).
11
Carta régia de 06.03.1605. Documentos remettidos da Índia ou Livro das Monções (1880–
1935, 1:29).
12
Apud Bocarro 1991, vol 1. Estudo histórico, codicológico, paleográfico e índices de Isabel Cid, p.
13. A autora explica que carta de 24 de Dezembro de 1633, fonte dessas informações, foi
publicada por Bulhão Pato na introdução da Década 13 da História da Índia, de Antonio
Bocarro (Lisboa: Typ. da Acad. Real de Sciencias, 1876, xvi).
13
Carta reproduzida em PMC, vol 4, Estampa 446. Na primeira carta do Livro em q se mostra a
descripção de toda a costa do estado do Brasil e seus portos. Barras e sondas. [Atlas do Brasil], de
1627, verifica-se a mesma referência ao Peru na legenda e à montanha de Potosi na carta. A
cadeia montanhosa, no entanto, já não prossegue atravessando o Brasil. Carta reproduzida em
PMC, vol 4, Estampa 453.
14
Em vários momentos da obra, pp. 154, 164, 198, 204.
15
Sobre o conceito de uma dominação cercada no Estado da Índia, ver Doré 2010, 14 e 119.
194 A. Doré
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