You are on page 1of 14
Vi ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIACAO NACIONAL DE POS-GRADUACAO E PESQUISA EM CIENCIAS SOCIAIS RITMO, TEMPO E LUTA NO PROCESSO DE CONHECIMENTO DA SOCIEDADE BRASILEIRA Glaucia Villas Boas Professora do Depto. de Ciéncias Sociais da Universidade Federal do RJ. Eduardo Jardim de Moraes Professor do Depto. de Filosofia da PUCRJ. Introdugé O eixo comum que norteia o desenvolvimento das investigagées que serao expostas diz respeito 4 necessidade que elas expressam de trazer para o centro da investigacéo a preocupagio de examinar a constitui¢éo histérico-polftica dos conceitos que sustentam seja a problematica modernista, seja a problematica do desenvolvimento. Trabalho apresentado na Reunido do Grupo de Trabalho “Sociologia da Cultura Brasileira”, Friburgo 20 a 22 de outubro de 1982. (") Esta comunicacdo 6 resultado de duas ordens de trabalho diferentes. A primeira, aquela ‘onde se situam as nosses investigagdes tematizando cada uma delas momentos diferentes — © Modernismo e © Desenvolvimen: tismo. O desenvolvimento destas investigagdes permitiu @ percepgao da presenca de um (0 comum de discusses que corresponde 4 segunda ordem de trabatho de que resulta xposigao. CADERNOS CERU (2? SERIE) NO 1— 1985 106 ‘Ao mesmo tempo, cada uma delas, no seu campo especifico, percebe, como um dos tragos constitutivos das duas problematicas analisadas, a auséncia de uma dimensdo auto-eflexiva que traga 4 tona os pressu- postos epistemoldgicos e pol /ticos que as informam. Este trago constitutivo, nos parece, torna-se claro e verificavel nos estudos e pesquisas que tém como finalidade avaliar as possibili- dades de modernizagio e/ou desenvolvimento da sociedade brasileira, tema que ocupa autores do final do século XIX, tal como Euclides da Cunha, os modernistas, socidlogos das décadas 50 e 60, até cientistas sociais dos dias de hoje. Embora a teméatica, expl{cita ou implicita- mente, seja a mesma, as teorias e conceitos usados variam através do tempo de acordo com as transformag&es econémicas, sociais e pol ticas ocorridas na sociedade brasileira, seu grau de insergdo no “concerto mundial das nagdes” Os propésitos apresentados por esta investigaco comum nos parecem duplamente justificdveis: 1 — Em primeiro lugar, em um sentido mais restrito, estamos de acor- do de que a compreensdo de cada um dos temas em questdo estaria prejudicada se ndo se levasse em conta 0 exame da dimen- sio dos pressupostos jé referida. 2 — Em segundo lugar, em um sentido amplo, esta comunicagao en- cerra uma preocupagao que diz respeito ao proprio desenvolvimen- to dos estudos sobre a sociedade brasileira. Percebe-se que a seleco dos pressupostos tedricos varia de acordo com a origem social daqueles que elaboram o conhecimento ou com o fato de estarem inseridos em instituigdes estatais burocraticas, e, vale relembrar, que a forma através da qual se processa a aplicagao de conceitos e categorias modificase particularmente com o advento das pesquisas emp (rico-indutivas e a recepedio dos padrBes de trabalho cientifico. Malgrado as diferengas que possam ser apontadas, talvez seja poss{vel observar uma continuidade no que se refere a substituigao (que se pretende sempre adequada) de teorias gerais explicativas ou conceitos para andlise de casos. A reelaboracao critica dos conceitos utilizados e ainda a elaboracao de novo quadro conceitual a partir da constituicao particular do objeto de conhecimento — a sociedade bra- sileira — sio consideradas, com freqiiéncia, tarefas desnecessdrias & irrelevantes, quando nao atribu{das ao campo da Filosofia. Ha que chamar a atengdo para o fato de que a consolidacdo das normas do conhecimento cientifico favorece, com o decorrer do tempo, descricgées factuais dos fendmenos sociais e, concorre con- 107 comitantemente para a desvalorizagdo do trabalho de cardter tedrico e mesmo histérico; observa-se também no ambito das ciéncias sociais uma tendéncia ao julgamento precoce de estudos confeccionados dentro dos marcos cognitivos reconhecidos, sobretudo quando con: siderados diante da recepgéo de um novo conceito ou técnica de in vestigaco, como “cldssicos’’ e “‘ultrapassados’’, por fim, verifica-se a permanéncia de uma ruptura entre 0 conhecimento circunscrito 20s circulos académico-universitérios e aquele entendido como ensafstico, literdrio ou ideoldgico. Vale salientar que as tendéncias acima apontadas refletem o esforco para legitimar a “maneira cient{fica de conhecer’’, tarefa de grande relevancia para a produgdo de conhecimento. Contudo nao podemos deixar de nelas observar, muitas vezes, a expresséo de con flitos de ordem corporativa. Neste caso, se transformam em obstaculos para uma mudanga efetiva dos procedimentos cognitivos. O exame da proposigaéo exposta pressupée para sua realizacdo a possibilidade de uma visio interdisciplinar, bem como a superagdo da ruptura entre teoria e fatos. —m termos ainda bastante amplos, pode-se adiantar que o tratamento da questéo da modernidade e do desenvolvimento no caso brasileiro obedece, no plano do conhecimento, na adesio im. plicita a uma certa definig&o da racionalidade, aos mecanismos da expansdo do capitalismo no plano internacional e portanto da insergao da parte Brasil no todo do complexo mundial. O que se pode notar neste quadro é que mesmo os criticos da ordem capitalista e do imperialismo terminam, por subtrair do campo da critica os instrumentos conceituais que utilizam, por se sujeitar aos mecanismos da dominagao. A expansfo do mundo capitalista constitui, também, a ex pansdo de um regime da racionalidade que lhe é inerente. Em outros termos: aquilo que aparece na Histéria das Ciéncias como universa lizagdo do campo do saber cientifico precisaria ser analisado como uma das faces do processo da expanséo capitalista. Desta forma as quest®es que aparecem sao: 1 — No que concerne os “apologistas” da modernizagao ou do desen volvimento, analisar de que forma, em termos epistemoldgicos ou conceituais se imaginou a incorporagdo da parte no todo Como se operou a universalizagéio? 2 — No que concerne seus crfticos: até que ponto a critica da moder. nidade burguesa ou do imperialismo soube ser radical no ques tionamento da racionalidade inerente ao sistema. 108 E preciso acrescentar que o exame do estatuto politico inerente aos regimes da racionalidade nao se faz aqui a partir da recusa da razao. Uma abordagem que se mantivesse imobilizada na critica da razdo, nos moldes de um irracionalismo, padeceria as limitagdes bdsicas pré- prias de um discurso cujo perfil seria definido negativamente com relagdo ao que ele pretende criticar. Aqui a superagSo da oposicao racional-irracional é 0 que se estd propondo e néo a reivindicago do nfio-racional. Se nos situamos a partir da dtica que se propée aqui — que busca trazer 4 tona os pressupostos que informam, na adesio a uma determinada forma de definig&o de racionalidade — os discursos sobre a modernidade e 0 desenvolvimento poderdo ser reavaliados. PARTE I O Modernismo: Vai-se procurar destacar aqui uma das dimensdes por que se pode avaliar 0 Movimento Modernista na década de 20. Tematicamente € 0 conceito de temporalidade nacional proposto pelo movimento que estard em pauta. Mais particularmente, vai-se buscar analisar esta questo a partir da obra de Mario de Andrade e em seguida se tentaré uma abordagem da polémica havida no final daquela década entre Mério de Andrade e o Oswald de Andrade da Antropofagia. A problemética da modernizacio no contexto do Modernismo est4 intimamente ligada ao que 0 movimento chama de incorporagao do pafs no concerto internacional. Para os modernistas, era mesmo a exigéncia da modernizagao que se fazia sentir a partir do processo de insergao na ordem internacional. Isto vale para o 12 Tempo do movi- mento como para o segundo. No primeiro Tempo, antes de 24, quando ‘a questo da brasilidade nfo se colocava ainda entre as preocupages modernistas, era j4 a idéia de acesso, acesso se fazendo naquele mo- mento de forma imediata, a questo basica que sustentava a doutrina do movimento, Neste primeiro tempo, 0 Modernismo entende a problematica da modernizagdo concebendo 0 moderno como ordem universal que se deve se instaurar de forma indistinta em toda parte. 109

You might also like