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DOENGAS NEUROMUSCULARES INFANTIS Ronaldo Tadeu Bellarosa Florio INTRODUGAO. ‘As doencas musculares podem afetar qualquer pessoa, a qualquer mo- mento. Sob a denominacdo genérica de doencas neuromusculares, agrupam-se diferentes afeccdes decorrentes do acometimento primario da unidade motora, composta por neurénio motor medular, raiz nervo- sa, nervo periférico, junc4o mioneural e mtsculo. Nas criangas, a maior parte dessas afeccées é geneticamente determinada, sendo as doencas neuromusculares adquiridas bem mais raras que em adultos. Na década passada, intimeros avangos na drea da genética molecular facilitaram o diagnéstico e o aconselhamento genético, possibilitando, in- clusive, técnicas de diagnéstico fetal. Espera-se que esses avancos contri- buam para 0 advento de técnicas de terapia génica, aparentemente a tinica perspectiva de tratamento para boa parte das doengas neuromusculares hereditarias da infancia, as quais, até o momento, vém sendo tratadas ape- nas com métodos paliativos de reabilitag&o motora e cirurgias ortopédicas corretivas das retragées fibrotendineas e deformidades esqueléticas.” [MANUAIS DE ESPECIALIZAGKO Embora a classificagao das doencas neuromusculares de acordo com as diferentes topografias dentro da unidade motora seja pouco utilizada, do ponto de vista pratico, constitui uma forma didatica de descrevé-las, como mostram as Tabelas 1 e 2.? As doencas neuromusculares causam hipoventilagao alveolar, que, se for de instalacdo lenta e progressiva, nao é comumente diagnosticada nem tratada até que ocorra um episddio de insuficiéncia respiratéria aguda. Esse episddio de descompensagao acontece, com frequéncia, du- rante um quadro banal de infeccao de vias aéreas superiores e deve-se a inabilidade do paciente de eliminar secrecées.* Distrofias musculares, neuropatias e doencas da placa mioneural, quando acometem a musculatura da respiracao, tém outro tipo de evolu- Ao, ocorrendo em surtos ou com piora progressiva, em velocidade varié- vel. A forma progressiva do acometimento da musculatura respiratéria TABELA 1 —Doengas neuromusculares ‘Acometimento do neurénio motor periférico Causa genétice: amiotrofia espinal infantil (pos! il) Causa adquirida: enteroviroses, principalmente poliomiclite ‘Acometimonto de ratzes ¢ narvos periféricos Causa genétice: polineuropatias heredtérias sensoriomotoras (véris),princigalmente Charcot-Ma- rle-Tooth ipo le Déjerine-Sottas tipo il Causa adquirida: véras, principalmente Guillain-Barré ‘Acometimento da jungo mioneural Causa genética: sindrome miastérica congénita Causa adquirida: miastenia grave e botulismo Acometimento da fibra muscular: miopatias Causa genética: distrofia muscular congénita(diversos subtipos), distrofia muscular progrossiva (diversos subtipas, principalmente distiofia muscular ligaca 20 sexo: de Duchenne ou de Becker), dis- ‘rofia miottnica (doenga de Steinert), miopatias congénitas (diversos subtipos), miopatias metabilicas (diversos subtipos) Causas adquitidas: miosites de diferentes tipos, principalmente polidermatomiosite FISIOTERAPIA EM NEUROLOGIA TABELA2 — Doengas neuromusculares ~ miopatias geneticamente determinadas Distrofia muscular congénita (ONC) Distrofia muscular progressiva (OMP) DMP ligaca ao sexc: de Duchenne, de Becker e de Emery-Dreytuss DMP tipo cinturas, formes LGDM1 (autossOmicas dominantes) ¢ LGDM2 (autossOmicas recessives) DMP fascioescapuloumeral (formes infantile cléssica) Distrofia mioténica (formas congénita e infanti) Miopatitas congénitas Cental core Nematinica Miotubutar Desproporgdo congénita de fbras Miopatia com ateragGes minimas outres Miopatitas metabolicas Mitocondtiopatias Distirbios da betaotidagao Glicogenoses Canalopatias produz alteracées dos gases sanguineos, tanto hipoxemia quanto hiper- capnia, ambas por hipoventilagéo. Apenas quando os pulmées forem lesados por infeccGes repetidas causadas por ineficacia da tosse e por episédios de aspiragao, em virtude de descoordenacao da degluticao, a hipoxemia pode ser explicada também como resultado de desproporgées de ventilagio e perfusao. Aprincipio, o tratamento de hipoxemia e hipercapnia de um paciente com doenga neuromuscular inclui, obrigatoriamente, técnicas que visem arestabelecer uma adequada renovacao do ar alveolar e nao envolve ne- cessariamente o uso de oxigénio. Na verdade, o oxigénio, empregado isoladamente em situagSes de hipoventilagio, pode levar o paciente A morte.? MANUAIS DE ESPECIALIZAGKO No mtisculo normal, as fibras tm didmetro regular e acomodam-se umas as outras, tomando contorno poligonal com Angulos arredonda- dos. Os mionticleos sao periféricos, ocupando posic&o subsarcolemal (Figura 1). Muitas fibras em uma distrofia mostram alteragées ditas “miopaticas”; entre essas, estdo a presenga de nticleos internos (nao mais em posi¢ao subsarcolemal) e o splitting, ou parti¢ao da fibra em duas ou mais a partir de uma fenda longitudinal, o que acontece principalmente em fibras hipertréficas (Figura 2). HERANCA GENETICA Heranga autossémica dominante Normalmente, a crianca afetada tem um dos progenitores com o mesmo problema. Quando o progenitor é portador do gene da doenga, existe um. isco de cerca de 50% de cada descendente herdar o gene (Figura 3). Hé igual probabilidade de a crianca nfo receber o gene defeituoso e, nesse caso, ela e, mais tarde, seus préprios descendentes estardo livres dessa heranga genética. Existem cerca de 2 mil problemas genéticos autossémicos dominantes conhecidos.* pS "AATADAS FIGURA1 Fibra muscular normal. FIGURA2 — Fibra muscular miopética. FISIOTERAPIA EM NEUROLOGIA Heranga autossémica recessiva Em alguns casos, os pais do individuo afetado s4o consanguineos. Am- bos os sexos tém a mesma probabilidade de serem afetados. Aheranga recessiva ocorre quando os dois genes correspondentes so anormais para produzir a doenga. Se somente um gene do par for anor- mal, a doenga no se manifesta ou se manifesta de forma branda. No entanto, pode ser passada para os filhos (Figura 4). As principais doengas neuromusculares infantis seraio abordadas a seguir. Paraparesia espastica familiar — doenga de Striimpell-Lorraine & caracterizada pela espasticidade lentamemte progressiva, afetando predominantemente os membros inferiores (MMII), com inicio na infan- cia. Faz parte do grupo de doencas genéticas que cursam com degenera- ao do trato corticoespinhal na medula, afetando inicialmente os MMIIe, Pal f Mie I Nio afetado Dy Aletado ([ Portador 6 Z bt Mh Metad> Normal Normal Afetado Ge ctace) FIGURA3 — Heranca autossémica dominante. FIGURA4 —_Heranca autossémica recessiva. MANUAIS DE ESPECIALIZAGKO posteriormente, os membros superiores (MMSS), e disartria (dificulda- de para articular as palavras).45 Odiagnéstico é feito pelo quadro clinico e por exclusao. E lentamente progressiva se a gravidade for varidvel e apresentar perda de marcha na vida adulta, inicio apés os 2 anos de idade, marcha “em tesoura”, pouca fraqueza e atrofia muscular, na qual os reflexos profundos ficam exalta- dos nos quatro membros e hd sinal de Babinski. Algumas formas podem apresentar deficiéncia mental, epilepsia e disfagia. No processo de reabilitacao, prioriza-se a melhora da qualidade da mar- cha por meio de manuseios, visando a prevencdo de retracées musculares e deformidades articulares, ao ganho do controle da flexio/extensao de joelhos, & prescricdo de auxiliares para a marcha, como muletas canaden- ses, 4 analise da necessidade de prescrico de Ortese, ao treino de transfe- réncias e deslocamentos possiveis que nao a marcha, a prescrigéio de cadei- rade rodas (CR) adaptada eas orientacées de exercicios para casa.° Muitas vezes, 0 paciente portador de paraparesia espdstica é submeti- do acorregSes cirtirgicas, principalmente a transferéncia de reto femoral € ao tratamento pés-operatério. Ataxia de Friedreich £ uma doenca neuromuscular marcada pelo desequilfbrio lentamente progressivo da marcha, com inicio antes dos 20 anos de idade e ébito apés os 30 anos. Apresenta a triade pé cavo, escoliose e miocardiopatia Gigura 5).*5 E caracterizada pela mutagao no gene frataxina, de heranga autoss6- mica recessiva. HA degeneracao do cerebelo, das vias espinocerebelares e dos nervos periféricos. Os pacientes apresentam ataxia da marcha, dis- metria e disdiadocinesia dos membros e fala escandida. O diagnéstico é clinico ou feito por meio de eletroneuromiografia (neuropatia periférica associada) e exame de DNA. Entre os principais sinais da doenga, destacam-se a incoordenagao motora, o desequilibrio, FISIOTERAPIA EM NEUROLOGIA FIGURAS — Triade da ataxia de Friedrelch: pé cavo, escolose e miocarciopatia. a ataxia de marcha, a disartria, a fala escandida, o nistagmo, o diabete (frequente), a cardiopatia (frequente), a cifoescoliose ¢ a insuficiéncia respirat6ria restritiva. No processo de reabilitacdo, visam-se, na fisioterapia, ao treino do equilibrio estatico e dindmico, a estimulagao do controle de tronco, & prevencdo de retracdes musculares que dificultem a marcha ou as trans- feréncias (uso de érteses, alongamentos), ao auxilio para marcha com os aditamentos, & fisioterapia respiratéria, quando necessdrio, a prescricéio de CR adaptada e drteses e as orientagdes domiciliares.* MANUAIS DE ESPECIALIZAGKO Ataxia telangectasia E uma ataxia de inicio precoce, com telangiectasias na esclerdtica, dé- ficit cognitivo e infecedes de vias aéreas de repeticao, caracterizada por uma doenga genética de heranga autossémica recessiva, lentamente pro- gressiva, de degeneraciio das vias cerebelares e espinocerebelares, com disttirbios imunoldgicos do tipo humoral e celular, causando infecg6es sinopulmonares frequentes e predisposi¢&o para diversas formas de ne- oplasias (sistema linforreticular).** Apresenta incoordenagao motora de membros, telangiectasias oculocutaneas, pseudo-oftalmoplegia, apraxia dos movimentos octlares e presenca de fenémeno de Roth-Bielschovsky (‘olhos de boneca”, Seu diagndstico é feito clinica e laboratorialmente (diminuicgado da IgA e IgE e um aumento da alfafetoproteina) e os pacientes podem apre- sentar dbito na segunda ou na terceira década da vida, por infeccées , decorrentes da auséncia do reflexo vestibulocular) respiratorias ou neoplasias. Tem inicio nos primeiros anos de vida em ambos os sexos, com sinais de disttirbios de marcha, movimentos invo- luntérios do tipo coreatetésicos, hipotonia muscular, cifoescoliose se- guida ou nfo de infecgées sinopulmonares, bronquiectasia, neoplasias eretardo mental. Visa-se & maxima independéncia funcional possfvel (seja na marcha ou nas outras formas de deslocamentos e transferéncias), devendo-se verificar, portanto, a necessidade de prescricdo de érteses e auxiliares de marcha, alongamentos e movimentagio ativa, orientagées a familiae avaliagio da fisioterapia respiratéria, quando necessario.$ Ataxias olivopontocerebelares Essas ataxias possuem quadro cerebelar lentamente evolutivo e podem associar-se a sinais piramidais e extrapiramidais, além de apresentarem comprometimento de pares cranianos, degeneracio retiniana e quadro demencial. A ataxia olivopontocerebelar tem inicio na vida adulta, apés FISIOTERAPIA EM NEUROLOGIA os 14 anos de idade, e é uma doenga degenerativa de etiologia desco- nhecida, marcada por desequilibrio estatico e dinamico decorrente de degeneracao de neurdnios do cértex cerebelar e dos nticleos pontinos e olivares inferiores.*5 Para o diagnéstico, é padréo-ouro a identificagio clinica de falta de equilibrio, mas também pode ser definido por meio de ressonancia mag- nética de cranio. Os sinais de disfagia, aspiragdo e insuficiéncia respi- ratéria sao comuns nessa patologia e, uma vez evidenciados, requerem avaliacao da fisioterapia respiratéria. A fisioterapia tem papel preponderante no treino do equilibrio est4- tico e dindmico, por meio da introdugaio de algum aditamento para a marcha e na estimulagdo das transferéncias e trocas posturais.® Amiotrofia espinal progressiva (AEP) uma patologia de diagnéstico topogrfico funcional de tetraparesia hi- poténica de envolvimento proximal, com inicio na infancia e lentamente Progressiva. Sua heranga é autoss6mica recessiva, com mutagées/dele- Ses no gene SMN (sobrevida no neur6nio motor), localizado no cromos- somo 5 (5q), com acometimento do corpo do neurénio motor no corno anterior da medula espinal e dos nticleos motores de alguns nervos cra- nianos. Sua incidéncia nao distingue sexo, podendo acometer meninos emeninas.!+5 Tipos * AEP I: doenca de Werdnig-Hoffmann ou forma grave; * AEP Il: doenca de Dubowitz ou forma intermediaria; * AEP III: doenca de Kugelberg-Welander ou forma leve. Aeletroneuromiografia, a biépsia muscular e o DNA so as formas de conclusio diagnésticas da AEP. [MANUAIS DE ESPECIALIZAGKO O prognéstico depende do tipo. No tipo I, cerca de 90% das criancas falecem até o segundo ano de vida por problemas respiratérios. Pacien- tes com AEP tipo II tém sobrevida até a vida adulta, mas nao deambu- lam. Jé no tipo Ill, os pacientes tém sobrevida normal e algum perfodo de marcha. Em todos, o prognéstico esta diretamente relacionado ao en- volvimento respiratério e ao desenvolvimento de escoliose. AAEP I tem inicio precoce, antes dos 6 meses de vida, enquanto a AEP Il tem inicio antes dos 18 meses de vida e a AEP III apés os 2 anos ou en- tre os Se 15 anos de idade. Entre as caracteristicas comuns na patologia, podem-se destacar: hipotonia, fraqueza muscular difusa com predomi- nio nas porgdes proximais dos membros, arrefiexia tendinea profunda, atrofia muscular, fasciculagGes, retragdes musculares e deformidade de coluna e de térax. Esses pacientes apresentam complicacées clinicas, como pneumonias de repeticio, disfagia (nos tipos I e II), insuficiéncia respiratoria e escoliose. As diversas condutas a serem seguidas a partir do quadro motor e res- piratério séo: * AEP I: pacientes graves dependentes de ventilagao nao invasiva (VND); * AEP II: prescric&o de dispositivos auxiliares para ortostatismo (para- pédio, talas de Jona) e érteses, estimulagéo da movimentacao ativa e outras formas de deslocamento que nao a marcha (arrastar de bum- bum, motoca), alinhamento de tronco, minimizagao da progressao dos encurtamentos musculares ¢ das deformidades articulares (para preservar 0 ortostatismo, mesmo que com auxilio, e os deslocamen- tos), prescrig¢ao CR adaptada, monitoragao da fungao respiratoria;® * AEP III: observacao da necessidade de auxiliares para marcha (anda- dor, muletas canadenses), estimulagdo da movimentagio ativa, pre- vengio das retragées musculares que levem ao prejttizo na marcha e nas demais fungSes, monitoracao da fungio respiratéria e do surgi- mento da escoliose.* FISIOTERAPIA EM NEUROLOGIA Doenga de Charcot-Marie-Tooth (CMT) E uma doenga neuromuscular lentamente progressiva, caracterizada por fraqueza muscular, atrofia e deformidades nas porcées distais dos membros. Sua causa sao as mutagées em genes que codificam proteinas fandamentais para o funcionamento do axdnio e da mielina do nervo pe- riférico. Apresenta heranga varidvel e acometimento do nervo periférico (mielina e/ou axénio).** Tipos * CMT1: desmielinizante; * CMT2: axonal. Varias outras formas mais raras apresentam fraqueza e deformidades nos pés € nas mos. O diagnéstico é clinico e por eletroneuromiografia. Quanto ao prognéstico, 10 a 20% dos pacientes podem perder a capaci- dade para a marcha. A idade prevista é varidvel, sendo comum 0 inicio na pré-adolescéncia. Essa doenca € caracterizada por atrofia e fraqueza muscular, deformi- dades dos pés (pés cavos, planos, varos) e das maos (“em garra”), arre- flexia distal e escoliose, com raras complicagdes respiratérias. O tratamento de fisioterapia preconiza os alongamentos, evitando retracées distais (maos, dedos, pés, artelhos) que podem vir a compro- meter a marcha, quando presente, e mesmo a musculatura proximal, em relag&o aos movimentos ¢ as posturas compensatérias para a fraqueza distal. Por exemplo, 0 aumento da flexéo de quadril durante a marcha, para compensar a dorsiflexao ineficaz; a preservacao e a melhora da for- a muscular proximal e a prescric&o de drteses para os pés, de acordo com a musculatura preservada. Quando existir dorsiflexdo, mesmo que menor que grau 4 de Kendal, pode-se pensar na mola de Codivila. J4 quando nao houver movimentagao ativa nos pés, a goteira suropodalica normal deve ser indicada. MANUAIS DE ESPECIALIZAGKO Anecessidade de értese longa com apoio isquidtico pode prorrogar a atividade de marcha com aditamentos, dando-se atengéo & necessidade de adaptacao de andadores e muletas em razdo das dificuldades na preensio. Deve-se monitorar a funcdo respiratéria, quando necessario.S Distrofia muscular progressiva de Duchenne Euma doenca degenerativa e progressiva dos mtisculosesqueléticos,com padrdo de heranga recessiva ligada ao X, caracterizada pela deficiéncia total da proteina distrofina, de cardter rapidamente progressivo.}+* Os individuos apresentam tetraparesia de envolvimento proximal e em membros inferiores, com fraqueza muscular nas porgées proximais dos membros (especialmente inferiores) e pseudo-hipertrofia das pantur- rilhas. Quanto ao diagnéstico, a creatinofosfoquinase (CPK) mostra-se elevada, a eletroneuromiografia mostra alteragdo miopatica e 0 DNA e a biépsia muscular mostram alteragées distrficas e deficiéncia da dis- trofina. Tem inicio apés os 4 anos de idade, com comum atraso para iniciar a marcha, levantar-se do chao escalando o préprio corpo (sinal de Gowers), correr e subir escadas. Progressivamente, os bragos também ficam fracos. Apresenta, ainda, cardiomiopatias, insuficiéncia respiratéria, obesidade e escoliose. Nessa patologia, ha perda de marcha entre 8 e 13 anos de idade e ébito no final da segunda década de vida. Sinal de Gowers Manobra tipica que os individuos usam para conseguirem se levantar do chao, caracteristica da distrofia muscular de Duchenne. Esse sinal con- siste em fazer um movimento de rolamento do corpo para se ajoelhar, apoiar-se no chéo com a extensao dos dois antebracos e levantar-se, com dificuldade, apés colocar as maos sobre os joelhos (Figura 6). Preconiza-se melhorar a ventilago pulmonar e a biomecanica respi- ratéria por meio de manobras de higiene brénquica e alongamento da FISIOTERAPIA EM NEUROLOGIA FIGURA6 — Sinal de Gowers: manobra tipica para levanter do cho. musculatura acesséria, com uso de incentivadores respiratérios e venti- lago nao invasiva com pressio positiva nas vias aéreas (em dois niveis, BIPAP; ou continua, CPAP). Prevenir deformidades, minimizar a instalagdo de encurtamentos musculares por meio de alongamentos e uso de ortese noturna, preservar a movimentagao ativa e as transferéncias e os deslocamentos sao objeti- vos da fisioterapia. Quando necessdrio, prescrevem-se CR e adaptacées. Deve-se ficar atento ao padrao de marcha, pois, quando o paciente est em fase de perda de marcha, pode ser prescrita uma értese longa com apoio isquidtico, como tentativa de prolongar essa marcha por 6 meses a 1 ano, desde que de forma precoce. E importante lembrar que se deve aceitar algumas posturas dos pa- cientes, pois eles dependem dessas compensacées para conseguir reali- zar determinadas fungdes, como amarcha.$ Distrofia muscular progressiva de Becker Semelhante a distrofia de Duchenne, mas com quadro clinico mais bran- do, também é ligada ao cromossomo X, mas com deficiéncia parcial da proteina distrofina e de cardter lentamente progressivo.'* Apresenta quadro de fraqueza e atrofia muscular nas cinturas, espe- cialmente em membros inferiores, além de aumento das panturrilhas, topografia de tetraparesia proximal, hipertrofia de panturrilhas, diag- MANUAIS DE ESPECIALIZAGKO néstico de CPK elevada, eletroneuromiografia com alteracéio miopatica e DNA e biépsia muscular com alteracao distréfica. Tem inicio apés os 5 anos de idade, mas pode comegar na vida adulta. O progndéstico é bem melhor que na distrofia muscular de Duchenne, com perda de marcha somente apés os 16 anos de idade, com limitac&o para subir escadas levantar do chao. Os pacientes podem apresentar cardiomiopatia e problemas respi- ratérios, como diminuicdo da capacidade vital funcional (CVF). Os ob- jetivos funcionais da fisioterapia, portanto, sao os mesmos da DMP de Duchenne.* Distrofia muscular progressiva tipo cinturas-membros Nessa patologia, ha fraqueza nas cinturas pélvica e escapular. Sua épo- ca de inicio varia desde os primeiros meses de vida até a vida adulta e afeta tanto meninos quanto meninas. De heranca autossémica recessiva ou dominante, decorre da deficiéncia de proteinas especificas do tecido muscular, como calpajna, disferlina e sarcoglicanas. O diagnéstico fun- cional ¢ feito com tetraparesia hipoténica e atrofia muscular.**” Eletroneuromiografia e bidpsia com padrao miopatico, além de CPK elevada, sao marcadores diagndsticos para a doenca. O prognéstico é va- ridvel, podendo ser lento ou rapidamente progressivo. Quanto ao quadro. motor, ha limitagao para a marcha, hiperlordose lombar e dificuldade para elevar os membros superiores. Como fatores complicadores, esto as cardiomiopatias ¢ os problemas respirat6rios (pneumonias € diminuigio da CVF). Os quadros clinicos séio bastante heterogéneos, desde leves até muito graves. Portanto, devem-se avaliar as necessidades especificas, sempre pensando na preservagao da maxima independéncia funcional de cada paciente. Seja a marcha ou ou- tra forma de deslocamento e transferéncias, dispdem-se de adaptagéese 6rteses que facilitam essas fungdes e evitam sua deterioragao.® FISIOTERAPIA EM NEUROLOGIA Distrofia muscular fascio-escapulo-umeral £ uma doenca neuromuscular com acometimento de face e das regiées escapular e umeral. Tem padrao de heranca autossémica dominante da musculatura facial, umeral e escapular e é de etiologia desconhecida e Jentamente progressiva.'*” Em geral, tem inicio dos 6 aos 20 anos de ida- de e apresenta escapula alada e dificuldade na elevacao dos MMSS. Seu diagnéstico é feito por eletroneuromiografia e bidpsia muscular com padrao miopatico e CPK normal. Esses pacientes raramente perdem acapacidade para a marcha ou apresentam problemas respiratérios. Em raziio de o comprometimento dos MMII ser mais tardio e de apenas 10 a 20% dos pacientes perderem a marcha, poucos casos precisam de fisioterapia. Quando hd necessidade, porém, deve-se visar & prevenco de perda ainda maior de forca muscular, do trofismo e da instalacéo de deformidades que venham a prejudicar suas fungdes mais tardiamente.$ Distrofia muscular congénita # um grupo de miopatias com manifestacao j4 nos primeiros meses de vida. Possui varios subtipos € cerca de 40% dos casos sao ocasionados pela deficiéncia da proteina merosina no tecido muscular. Esses casos so mais graves e, em geral, os pacientes néo chegam a deambular. Os problemas respiratérios sao intensos.*5*? Fraqueza e hipotonia muscular estéo presentes desde os primeiros meses de vida e as frequentes retragdes articulares s&io marcadores dessa patologia.~!? No diagnéstico dessa distrofia, a CPK é normal ou moderadamente ele- vada, a eletroneuromiografia possui padrao miopatico e a bidpsia muscular apresenta alterac6es distréficas. Os pacientes que apresentam deficiéncia da merosina usualmente nao chegam adeambular e 0 prognéstico depende do grau do envolvimento respiratério em todas as formas de distrofia mus- cular congénita (DMC)." Quanto ao quadro respiratério, os pacientes po- dem apresentar pneumonias, atelectasias, CVF diminufda e disfagia. MANUAIS DE ESPECIALIZAGKO Na fisioterapia, visa-se a estimular a movimentacio ativa € os des- locamentos (rolar, arrastar o bumbum, andar de skate ou de motoca). Deve-se atentar para a musculatura cervical e escapular, a fim de evitar retragdes. Outros objetivos da fisioterapia sao otimizar a funcio; mi mizar a progresséo das deformidades articulares para que nao prejudi- quem a marcha, quando presente, ou outras fungdes; prescrever CR € adaptacées, principalmente na DMC merosina negativa; e monitorar a fungao respiratéria. Alguns pacientes com merosina negativa so submetidos a correcdes citirgicas (alongamentos musculares) e ortetizacao, visando ao ortosta- tismo eA marcha terapéutica. Miopatia nemalinica E uma miopatia congénita que geralmente se manifesta j4 no primeiro ano de vida, com quadro de hipotonia e fraqueza muscular difusa com envolvimento craniofacial. Possui heranca genética varidvel e mutacées em genes que codificam protefnas sarcoméricas. O acometimento ocorre no sarcémero, Oquadro de tetraparesia hipot6nica difusa e de envolvimento bulbare craniofacial é caracteristico dessa doenga, marcado por retragées muscu- lares e escoliose. Seu prognéstico é minimamente progressivo ou mesmo. estavel, podendo apresentar alterag6es pulmonares e disfagia, mas com inteligéncia normal.49"° As primeiras manifestacdes ocorrem no perfodo neonatal ow na infan- cia e seu diagnéstico é feito por meio da biépsia muscular, que mostra os corpos nemalinicos (bastées nas fibras musculares). Durante o processo reabilitacional, estimula-se odesenvolvimento mo- tor normal, pois a maioria desses pacientes apresenta um atraso, além do aprimoramento das etapas motoras e do auxilio nas transferéncias.** FISIOTERAPIA EM NEUROLOGIA Miopatia — central core E uma miopatia congénita, que geralmente se manifesta j4 no primeiro ano de vida, marcada por hipotonia e fraqueza muscular difusa, de he- ranga dominante, com mutagées no gene do canal da rianodina muscu- Jar. HA quadro motor de tetraparesia hipoténica difusa e envolvimento bulbar e craniofacial, com presenca de retragdes musculares, escoliose e atraso do desenvolvimento motor normal no perfodo neonatal ou no infcio da infancia.*> Apresenta minima progressao ou melhora do quadro ao longo da vida, com alteragdes pulmonares, disfagia e deformidades, mas com inteligén- cia normal. Ha suscetibilidade para hipertermia maligna. Abidpsia muscular, que mostra auséncia de atividade oxidativa no cen- tro das fibras, é o marcador da doenca. Na fisioterapia, objetiva-se estimu- Jar o desenvolvimento motor normal, aprimorar etapas motoras, auxiliar as transferéncias e minimizar a instalagao de deformidades e outras com- plicagées que possam agravar 0 quadro motor e limitar suas funcdes.® Miopatia mitocondrial Os dados clinicos que podem fazer suspeitar de uma doenga mitocondrial sao diversos e incluem atraso no desenvolvimento psicomotor, desacele- ragao do crescimento do perimetro cefalico, baixa estatura, convulsées, ataxia, hipoventilacao central, surdez neurossensorial, oftalmoplegia e ptose, retina pigmentar com ou sem atrofia éptica, fraqueza muscular, intolerancia a exercicios, cardiomiopatia e transtornos do sistema de conducio cardiaco, neuropatia, hepatopatia, nefropatia, lipomas milti- plos, diabete melito e transtornos neuropsiquiatricos.* Ahipstese mais provavel da etiologia da doenga sao as disfunges das protefnas da cadeia respiratéria (muta¢gdes em genes mitocondriais ou nucleares), com acometimento de varios sistemas (musculo, encéfalo, [MANUAIS DE ESPECIALIZAGKO ocular, cardfaco), fadigabilidade, atrofia muscular e oftalmoplegia. Pode se apresentar da primeira infancia até a idade adulta, com quadro de tetraparesia hipoténica. O diagnéstico da doenga é feito por meio de biépsia muscular (proli- feracao mitocondrial), ressonéncia magnética de cranio e detec¢ao do aumento do lactato no sangue. Seu progndstico é varidvel. Preconiza-se, com a fisioterapia, estimular o desenvolvimento motor normal, aprimorar etapas motoras, auxiliar as transferéncias e minimizar ainstalacdo de deformidades e outras complicacdes que possam agravar ‘© quadro motor e limitar suas funcdes.6 CONSIDERAGOES FINAIS Entende-se que todas as patologias neuromusculares apresentam parti- cularidades e, sendo assim, o conhecimento delas é necessdrio para seu tratamento. HA diversas técnicas a serem aplicadas a cada uma dessas doencas, sempre respeitando os limites e as capacidades do paciente e ressaltando a importancia de o submaximo ser a exigéncia para o proceso reabilita- cional, pois o esforco “excessivo” pode conduzir & exaustdo e, com isso, internacéo na unidade de terapia intensiva (UTI) pode ser necessaria para compensar a fadiga instalada. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS 1. Bach JR. Guia de exame ¢ tratamento das doengas neuromusculares. Séo Paulo: San- ‘tos, 2004. 2. Reed UC. Doencas neuromusculares/Neuromuscular disorders. J Pediatr 2002; 78 (Suppl. 1):$89-103. 3. Paschoal IA, Villalba WO, Pereira MC. Insuficiéncia respiratéria crénica nas doengas neuromusculares: diagnéstico e tratamento. J Bras Pneumol 2007; 33:1. 4, Diament A, Cupel S. Neurologia infantil. 4.¢d. So Paulo: Atheneu, 2005. yPRPrxnagn 1 12. 13. ue FISIOTERAPIA EM NEUROLOGIA Levy JA. Doencas neuromusculares. Rio de Janeiro: Atheneu, 1989. Lianza S. 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