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Futebol PARA ALEM DO LADO ECONOMIC & PROFISSIONAL Mauricio Murad” “Futebol se joga no estidio? Futebol se joga na rua, Futebol se joga na praia, Futebol se joga na alma,” Drummond de Andrade |. Maior espectculo da terra © futebol ¢ 0 desporto mais popular do planeta. Envolve directa € indirectamente bilhGes de pessoas, entre praticantes amadores, atle- {as profissionais, adeptos e incalculdveis recursos humanos empre- gados em muitas ocupagdes e servigos, que funcionam de suporte ou meio para a consecugdo de suas metas. E considerado pelos especialistas como a modalidade mais espontinea, imprevisivel, simples, estavel, barata e democratica para © seus praticantes, factores que podem ajudar a entender a sua imensa ¢ diversificada popularidade. Sao apenas 17 as regras do futebol. “O futebol americano rege- “S¢ por mais de 1800 regras, que, depois de compiladas, enchem um —_ * Doutorado em Ciencias do Desporto. Professor da Universidade Estadual do Rio de Jane 246 Em defesa do desporto - —__ Livro de 210 paginas” (Dunning ef al, 1990: 25). Este despo impacto quse sem concorentes, em distinas see” prod Cresimes politics, diferentes culturas, classes socais e relages asnero e, deste modo, aleanga 0 siatus de fenémeno universal, “O Futebol € 0 ideal de uma sociedade perfeita: poucas repay claras, simples, que garantem a liberdade © a igualdade deniro 4g campo, com a garantia do espago para a competéncia individual» (Mario Vargas Llosa, apud Mauricio, 2002: 44) E bom referir, que apesar de ter dimensio € simbologia muito amplas, inclusivamente por seu alcance pedag6gico, 0 futebol nao ¢ nenhuma panacéia, para as diferentes “QuestBes Sociais”, nos dif rentes paises. Nao € panacéia, mas € importante, como € 6bvio, Sey papel social pode ser comparado mais ou menos a0 papel politico da educagdo: nenhuma sociedade se transforma somente pela educa ‘s20; nenhuma sociedade pode prescindir da educagdo, para se trans formar em profundidade. desporto nfo resolve os problemas sociais, mas ajuda a neu tralizé-los, pelo menos em parte, na medida em que auxilia na socia lizagao (nomeadamente de criangas ¢ adolescentes) e na prevengio de comportamentos transgressores, como a violencia ¢ a toxico dependéncia. Fntio, os despartos — 0 futebol, mais ainda ~ devem ser considerados, preferencialmente, como politica piblica e como pedagogia, © futebol pode ser e tem sido um proceso tidico que ajuda « reeducar, uma vez que sua ldgica esté fundamentada, em tese pelo menos, na igualdade de oportunidades, no respeito as diferengas & na assimilagdo de regras € normas de convivéncia com 0 outto Tanto a sua l6gica explicita (ou desportiva) quanto a implicita (ov pedagégica), A grande questio que se coloca € transformar essa forga latent em realidade manifesta, prevenindo ¢ punindo pela forga da lei manipulagdes de dirigentes, omissdes de Arbitros, provocagoes # tweinadores, agressividade de ctletas, violéncia de adeptos © 4 imp nidade, este mal que corréi as relagées sociais e, ao fim ¢ 20 cab desagrega a ética de qualquer agrupamento humano. Em resumo € a aplicagio do principio juridico defendido Pot Rui Barbosa (1849/1923), na Conferéneia de Haia: “a forga do Dite Putchet — pun atém de lade ecomimica © profisionat 2a7 vt sun Yi text el ee (Q futebol em particular — outros esportes colectivos, também — Us oa peas att ce pte nse Cail coed A eam oy Hn ndaors ds democrat 0 crags clissicos consideravam que ert o melhor e 0 mais produtivo ereeuwidades bumanas: a acglo deve ser sempre colectiva, mas. sem I isto. faz-se necessério sublinhar, é um valor que o futebol ccura dentro ¢ fora dos campos. Dentro, pela estrutura e dinémica froprias do jogo: futebol € esporte colectivo, conceituado assim fresmo como “futebol association”. Das “categorias nativas”, (nconiradas nos discursos dos jogadores, uma central e recorrente é Sguela que diz que “ninguém ganha nada sozinho”. Fora, no estabelecimento dos lagos de insergdo e no sentimento de pertenga a uma coletividade. A identidade individual & ritualisti- camente socializada, na liturgia antropolégica do futebol, sem se climinar, contudo, a delicada e necesséria idiossincrasia. Assim: EU = individualidade SOU = identidade EQUIPE = coletividade © Em 185, s aula de gindstica pase a fazer parte do curscuo da escola primi, Jeans fundamental no Brasil, por projeto de Rui Barbosa. E dele, também, o parecer 40 Proto sobre a Reforma do Easno Pras e da Tnstugéo Plc, de 1842, que fron Educago Fisica eDespotva para ambos o exo, que ents era um dist breed somente as homens. Rui Barbosa ¢ considerado 0 precursor do ensino da Eau Fisica, no Brasil ena Amésica Latina i Barbosa era um entusiasta ds despots ed seu caster educscional, Cons eas como o lugar da prevaléncia do meio e dos ideas de igualdade, na medida em eas condgdes igulitras,ponto de partid de suas prticas, era altamenteextimula ds de uma featernidadeética. Para ee, os joven precisavam dos desporos, para que feo se trassem adultos melhores, Imagino ndo estar muito distant da verdad, ‘sr a hipstese pensar que para Rui o desporto pode funconar como um antdowo 3 ‘spit, aque entranhada em seu pensamento mais bilan, ev juao: ‘de tanto nf as nudes; de tanto ver crescer 2 injustigas: de tanto ver agigantarse 0 fu as mos dos corspos, 0 homem chega a desanimar-se da vide, rirse dt {M2 tr vergona de ser honest’ *. Depoimento em fui de Francisco de Asis efits (1914/1991, histriaor e, a época, Presidente da Casa de Ru Barbosa, no Rio {flit Fonte: Nicleo de Sociologia do Futebol, do Deparamento de Cifncias Sociis VER, 1959, a en date a espana _ or um snguo socildgico, 0 Futebol possibilita © necesga jevereicio entre « imdividun e seus CUMEXTOS, Stas mediagées ¢ cambios, Por in n Angulo psicologicn. também, possibilita © meg We necessitio exercieio entre 0 racional € 0 emocional, bem comy suas meagdes € infercimbios. E igsalmente por um angulo ona to, 0 futebol pene anda, a mesma neessra experimen entre 0 real © 0 simbslico Muitos autores, tanto da Sociologia quanto da Antopologie bem como da Psicologia © da Lingifstica, postulam que estam, rum mundo onde as chamadas identidades, de tanto valor para 'mvestigagio sociale cultural, atravessam um processo de desagrega Gio. de implosio (Anderson, 1983: Guiddens, 1990 © Hall, 2990) Tendo em vista essa fragmentagdo, € que diversos pesquisadores ¢ ensaistas apontam os grandes rituais colectivos, como produtores de tum fascinio agregador excelente. © futebol, num século onde © mundo moderno fragmenta as identidades, desteritorializa as pessoas, desgeografiza (Mitio de Andrade) as pessoas & justo neste teeno que Surge 0 FUTEBOL que tem um ethos de unidade dentro da heterogeneidade assim este esporto ganha essa dimensdo. Num mundo assim fragmentado, as pessoas podem ter uma identidade unica, pelo menos durante 99 minutos. As pessoas tém certeza que esto inclufdas, véem seu per tencimento CONCRETIZADO. E isso € tio importante atualmente, por. que as pessoas estio fragmentadas. 0 paradoxo do sistema mundial contemporineo nio € mais ser ou nio sere sim ser E ndo ser” (Ribs, 2000: 33). resultado de uma partida, qualquer que seja, vitéria ou demta, rio é nem uma condigéo permanente nem é propriedade privada de alguém, mas um dado efémero e de todos e isto € um aprendizado democratico, de qualidade, significagio € sentido éticos. Assim, 0 futebol pode ser compreendido como uma analogia da vida “Bu sei que futebol é assim mesmo, um dia a gente ganha, cutro dia a gente perde, mas por que & que, quando a gente gunk ninguém se lembra de que futebol ¢ assim mesmo?” (Carlos Drum: mond de Andrade ~ 1902/1987, no jomal “Correio da Manha”, Rio de Janeiro, 17/7/1966 -, 2002: 83). Eutebol para ate do ta economic e © pano de fund desses. prey °s pode ser encontrado naquilo que fo 9 prO}eto avioldgica do “entre” soeriticn, mt jeural de st Pedagogi due for pioneira e foi referéncia (ainda é rns dias de hoje) na histéria da educagao no Ocidente i ética, digamos assim, do “entre” se baseia e est de acordo com a formulagio do conceito politica de Sécrates, sobre a wide al. @ qual Preconiza que, em verdade, o poder, qualquer poder niio est com os homens, mas entre os homens Podemos entio dizer. que embora o futebol apresemte diversas contradigdes. como desporto e mesmo como insttuigéo social seus aspectos “negatives” so mais periféricos do que centrais ¢ infere res A sua dimensdo ritualistica, simbélica, coletivizadora, erative, popular, s6cio-pedagégica, em sintese. Apesar dos diversos problemas que do futebol, este € um desporto que qualifica as melhores possibi. lidades da vida humana gregéria. Outros desportos colectivos também. Entretanto, parece que € mesmo no futebol que essas possi bilidades se fazem mais presentes, como o facto de ser uma modglida, de desportiva que pode ser praticada © bem por qualquer biotipo, libertando o homem da ditadura de uma anatomia determinada, Significados civilizat6rios, como a assimilagdo de regras © minima igualdade de oportinidade, para além de’ sua imponderabi. lidade ¢ imprevisibilidade, so elementos constitutivos, estruturais ¢ estruturantes no futebol. Por isso, como j4 foi referido, o futebol & uma prética desportiva vivenciada com fervor, por diferentes socie- dades, diferentes épocas histéricas, regimes politicos, classes sociais, ideologias, grupos culturais, faixas etérias, tipos fisicos e relagdes de género. Fonte incomensurdvel de geragdio de empregos directos e indi Fectos, 0 futebol mobiliza recursos gigantescos em patrocinios, publicidade, transmissio televisiva, salérios, dentre outros aspectos, inclusivamente um deles, bem contemporaneo, que & 0 “ desportivo”, Este, hoje, é uma atividade profissional, sector de investimentos em recursos humanos e financeitos ¢ étea de investi ago académica, “O futebol movimenta no mundo 255 bilhdes de délares. A General Motors, maior empresa industrial do planeta, movimenta fundamento inau: Podemos detetar no universo turismo

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