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Para uma releitura teérica da Teoria Geral Maaio Luz Possas * 1 — Introdugio Como outras obras que marcam sua época, a Teoria Geral, de John Maynard Keynes, sobrevive a ela. Nio somente nas muitas versoes em que foi interpretada, usada ¢ desfigurada, mas nos seus préprios € autén tieos termos. A par dos esforgos eruditos de exegese que 0 transcurso de seu primeiro meio século deverd justificadamente ensejar, valha esta oper tunidade para rever, embora de forma compacta, certos aspectos cruciais que conterem a obra una unidade de concepc2o ¢ uma riqueza de insight tedrico sobre a naturera ¢ 0 funcionamento da economia capitalists que provavelmente nao foram superadas, se igualadas, neste séeulo, Admitese, fem suma, que a Teoria Geral no ceria chegalo a influéncia que exercen, apenas por oportunidade, talento persuassrio ou formulagdes atiladas (e de fina ironia), mio fosse também uma realizagio teérica de magnitude apreciivel. Neste ensaio pretendese retomar € diseutir brevemente — com alguna liberdade interpretativa, mas muito respeito 20 pensamento original — alguns pontos tedricos essenciais da Teoria Geral escassamente aflorados na Fiteravura do mainstream Macroeconomics, € menos ainda nos n fe textos de divulgacio, Dois aspectos, tratados nas segies seguintes, merecerdo destaque: a) a peculiar nogio Keynesiana de demanda efetiva, associada a uma tori (monetiria) da producio; © 6) a relevineia da nas expecta vas empresariais como elemento bisieo gerador, -s de investir, de uma instabilidade sistemica no capitalismo. Um dos fios condutores importantes entre ambos os aspectos & do tempo econdmico. Neste sentido, a titulo de conclusio o ensaio avan- ard uma tentativa de situar a posiglo tedriea do Keynes da Teoria Geral da analise da dinimiea econdmica capitalista, da qual ele é freqiiente e incorretamente afastade de pronto por sew supasto enfoque cestitico. * Wo taste de Economia da UNIGAME. Ee Pow Rio de janato, BS a 8 2 — 0 tempo da produgao: demanda efetiva ¢ renda E no Capitulo $ da Teoria Geral que o principio da demanda efetiva foi apresentado de’ modo explicto’ por Keynes, Apessr da ansnoctes Aificutdades de interpretagio e-alyuinas sevas, fale de exporigae. wo texto, iomnaramse senso comum entre 4 msiora dos economistas no mieten dois pontos conclusves:«) que x demand cetiva envolve wan cquilanio entre oferta e demanda agregadas; « 6). que este equilib, pote, dar se aquem do pleno emprego 0 que constitittis 6 grante merioree Keynes, ewe contexte, er demonstrado, Vejamolos mais de. perio, em especial ws nogoes cle oferta, demandn ¢ equilibrig. que, parecem bvias na esta € uma posto’ a ser sistentat — adguitem! no Keynes da Teoria Geral vim sentido tito. peculiar Em primeiro lugar, observese que oferta e demanda nio sio. aqui delinidas convencionaimeme cm tetinos de valores unitition, may sins de valor agregado no sentido de Keynes, onde taavo rests espera (para 2 curva de demands) quanto « “prog ile olerta™ sao aleador dedur Zndose o “custo de wo” (user east) els Keynes (1935, Cap. 3p. Sh} Este procedimento tem a consoyéncia (entre outs) de que # curva de ters, seja individual ou agregeda, pode. fe deve) er chescemte com 8 nivel ‘de produgio e-cmprego sn que Ist) implique qualquer hipotese de rendimentay dectesentes Alem disso, e mais importante, oferta © demanda sio ambas definidas ex ante, com o que sha inteseczo, que definiria o nivel-de demands eletiva, também & obviamente x ante, isto e, independe da resliagio dla produgio e, portanto, do valor das’ vendas a set verifieado ex post Dat'se conclu que: 2) 0 principio de maximizaglo dos lucros ¢ a nogio de equilibrio 4sso- ciada na tadigio neoclissica, € pelo proprio Keynes, & intersecio entre oferta e demanda devem ter aqui um sentido especial: © 4) © proprio conceito de demanda efetiva em Keynes & ex ante, Com respeito ao item a, vale notar primeiramente que, sendo as curvas de oferta ¢ demanda individuais do produtor expressas em valor agregado, € nao unitirio, a maximizagdo dos luctos mio se daria no seu ponto de intersecio, mas no de maxima distancia vertical. Logo, as condigées impostas por Keynes — Iuero maximo no ponto de intersegio — requerem lima restrigio adicional. Pode-se interpreti-la como consistindo na imposi: 1 im eral, seré uma seta com coeficiente angular igual taxa media de satieio “unidade We salitio". para Keynes) somada 4 agen “netmal” ide ero. por fe de emprego, ow wna cura asendente cso hajaexpectatva de prewse sobre Nominais com maior nivel de empregy e/ou de mudangas nas comicoes ean) ets de producto, O mesmo conecito aplicae sali Deuitivas do mercado. para diferentes Dara-as oferta individual © agregada, com sigumas resalvas apuniadas aliante 295, esq. Plan. Econ. 162) ago, 1986 io da condigio de Iucios “notmais", entendidos, por exemple, como a margem de lucto (por unidade de produto, ou indicador semethante) com ptivel cont a preservacio das condigées competitivas normalmente vigentes no mereado ¢ com uma taxa de retorno aceitivel (“custo de oportunidade” correspondente ao preco de oferta a longo prazo} [ef. Keynes (1935, Cap. 6, Apéndice, p, 68)]. Ademais, nfo custa frisar, tal margem “normal” cons titai uma expectativa das empresas em relacio xo mercado, expressa na sua curva de oferta, € nfo a um processo de ajustamento ex post entre oferta ¢ demanda, sto nos leva também a problematizar a nogdo de equilibrio af envalvi Seria adequadlo considerar como “de equilibrio” uma configuracza inte’ Famente ex ante? Uma firma estani cm equilibrio se meramente efewar seus cilculos e tomar suas decis6es com base no critério praxiolégico de maximizagio de seus lucros (em cujo mérito mio interessa entrar aqui), independentemente do resultado que obtiver? Mesmo admitindo ser um ponto passivel de alguma discussdo ulterior, parece mais razodvel, bem como mais adequado & terminologia académica (ncoclassica) corrente, st por que o “equilibrio” referese mesmo a uma configuragio de forgas Interatuantes que se cancelam reeiprocamente, © que s pode verificarse ex post. Logo, Keynes parece ter cometido aqui um excesso de linguagem: © panto de demanda eletiva ride configura, a rigor, uma posigio de equili worque ¢ determinado estritamente ex ante, Chegamos assim 20 item ia: a demanda efetiva em Keynes é, contrariamente 0 senso comum © ao uso normal do termo, um conceito ex ante — 0 que implica, parado- xalmente, que independe da realizagio da produgio € do nivel (valor) de vendas, Que sentido tem tal conceito? Mesmo se completamente estranho a Hinguagem usual dos economistas, thus a Kalecki, ele parece coerente com a proposta de Keynes de es que determina 0 emprego efetivo dos recursos disponiveis raramente tratado com detalhe, em lugar de preocuparse com “a distribuigio de um dado volume de recursos em- pregados entre diferentes usos ... assumindo o emprego desta quantidade de recursos", como na ortodoxia que o precedeu (ei. Keynes (1936, Gap. 2 p- 4, grifos originais) |. Demanda efetiva, portanto, € um conceito de de- manda {no caso, igualada a oferta) tal como prevista pelos agentes econd micos (empresitios) que, detendo o comand sobre a producio, e tendo resolvido 0 qué e como produzir, decidem # cada periode de producio 0 quanto produzir — ¢, desta forma, o quanto empregar — dos recursos exis- tentes, Em suma, ele € para Keynes um conceito pertinente ao confromo entre a ocupagio dos recursos (através da produgio) ¢ sia alocacio, ¢ ‘no 20 confronto entre produgio e realizacio. = 2 © ponto seed retomado sdiante: o confronta entie produgle ¢ realiagio é sem ‘duvida, felevante — tem implicagbes dindmicss dbviss — € nig csté auscnie na Teorte Geral; apenas no xe centra nele 4 problemdtica ita demanitaeletiva em Keynes welled a teoria a producdo come tal, ee ante Pars wma releitura teria da Teoria Geral 207 No entanto, a dimensio ex post da demanda cfetiva no sentido usual niio se perde de todo, nem poderia fazélo, no conceito keynesiano, A cada pasto as expectativas sio confrontadas com os resultados realizados, que 4 confirmam ou nfo, induzindo eventual alteragdo.corretiva nas decisbes die produgio subseaiientes c deste modo na propria demanula eletiva futura, © sentido geral desta visio aparece discutido, embora sem maior protun dlidade, em Keynes (1986, Cap. 5, pp. 478) a0 tratar das expectativas de eurto prazo”, isto <, associadas & devisio capitalista de produrit ia assim, restariam dividas com respeito a0 emprego da nogio de quilibrio e de elementos ex post por Keynes. Nas passagens pereimentes 446 Capitulo 8. (pp. 27-80), a demanda, embora definide ex ante, aparcee como determinada ex post. Por qué? ‘Tratese claramente de ura lalha expositiva, uma ver que os motivos nio sio ~ e deveriam ser — apresen- tados. Ha, contudo, pista seguras tanto no Capitulo 3 quanto em comen- tirios de esclarecimento manuscritos pelo proprio autor © publicados em anos recentes (cl. Keynes (1973, p. I81)}, O panto é que, para seus objet vos, no era necessério examinar em detalhe as conseqtncias de una {ras tragio de expectativas do produtor, materializada ma possivel realizacio de um valor de vendas distinto do previsto a0 inicio do periodo de produ Go, Prosseguir em tal diregio o encaminhasia para wma digresto em torno de uma dinamica de curte prazo baseada numa anilise de periodos,? desviando.o do eixo principal de su argumentagio, | saber: demonstrar que 0 desemprego involuntitio niéo é um desequilibrio. Em outras palavras: Keynes adotou a suposigio simplificadora dle que as expectativas empresariais de “eurto prazo’, relativas as venulas e prevos, sempre se confirmem, embora sabendo-a irrealists, porque isto o pouparia de ingressar inevitavelmente na anélise dindmicx, permitindethe retutar, de forma a mais simples possivel c sob a hipdtese mats favordvel & ortodoxta = a de um equilidrio geral, ainda que fortuito, entre oferta e demand: (exceto no mercado de trabalho, de onde descartara no Capitulo 2 a vali dade destes coneeitos) —, a inexorabilidade do pleno emprego.* Em cond bes de desequiltbrio valeria, a fortiori, a coneluste, 5 For excupla, Keynes (1880, Cap. 5. pi 49), onde & feita yeferéncia &_ mea moditicagan de expectatvas como’ capt de Produnie oncliesligadas as varagSen de (toques, discutidat aneeriormente ea seu ‘Treatse on money 4 ““Gneguei_ a concepgto du demand cfetisa compatutivanicnte tarde... Minha isting era entio. (1881/38) erate insmo e presuta[vema] ex-post 0 Mas descaret fam patte_ponque era espantosamente complicada © realmente fo. dha seatwle, mat principalmente porque nio havia uma unidade de sap delinida, Perce que pod Sober tuo de que precsava com as concepedes de remand eletiva © renda [Key (1098, p. 180) > Em comraboresio, , por exemple, Keynes 11996, Cap. 5, p. $1) como Keynes. (1873, p. 181): “.!."A teoria da’ demands eletiva @ subatancalmente mea ves fue as expeciativa de curto prato tio sempre sata Se Tose Tecscrever 0 lito deveria inicilo apresentando minha teora sob « hipbicse de que as cexpectativas de curto prazo slo sempre sathfitanec cepois mostrar nuh capitulo subse lente que diferenca far as expectaivye te custo paao forein, desapontadas’ 208 esq. Plan. Bean. 14(2) ago. 1986

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