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‘Otto Maria Carpeause Formas do romance xistem éximosromances que desctevemcom preciso forogrifica a realidade, ¢ outros que ‘os levam para mundo perfecamenteimagi- nirios. Uns e outros podem se considerat como eatos marginsis do romance normal ‘quenio apresenta mundosieresis nem sequer ‘mundos reais, mas mundos posives. Reside nisso 2 propria definigio do romance, que nio © uma aventsra da imaginagio nem uma reprodugio de fitos autenicados, e sim uma ficglo: invenglo de fatos © caracteres cuja possbilidade & consrolada pel nossa experi- {ncia real de via, ‘Mas por que inventat? Por que “ingle Por que esctever fiegio? Nio existem porventura outros empenhos, incomparavel- mente mais else urgentes? Passamos por uma época de transigio. Os caminhos se separam, O gue é necesirio io ecisies. Para apressi-s literariamente, es crevem.se artigos de fundo e enstios, relat Flot dacumentadose uatados de propaganda, Mas ficgio? Coisa inventada como uma fc~ fo, poderia jamais ser matéria e motivo de Aecisber? Infelizmente, no existe resposta certs 3 esas perguntas, como acontece quase sempre quando as pergunts so de importincia cmanscendental. Aquela pergunta, que diz res- peta 0 romance, rarsmente fo apreentada; ‘mas est na logica de todo pragmatismo con- temporineo. E, por assim dizer, 2 dtima consegiéncis da atitude cervantina de nfo aereditarna veracidade dos romances de cava lara. atitude de Cervantes sjudowa destrir (0s ilkimos vestigios imaginiros da ordem feudal; ¢ a divida quanto 3 veracidade do romance em gel toca nas proprias bases dx rosa civlzagzo, na 12230 de ser de todas at cosas fiticis”, da literatura, das artes pisti~ a, da misica, até da matemitca e das "cit cias por", Para que tudo isso? Evidentemente, <0 se fala de literatura sincera. Os motives secundirios~vaidade de ‘verse impress, gosto de ganhar dinbeiro ddevem-seeliminar de antemio, © romancieta sitio, embora inventando seus ito e peno- nagens, esti convencido de apresentar vend des, suas verdades artistic. Mas no conta com loucos da espécie de Don Quixote que ppoderiam tomar 30 pé da letra aquels veda- des. Nio pretende ize acreditar que aqueles fatos de seu ensedo novelistico aconteceram, fontem ou aconteceriamm amanhi; pretende apenas dizer que poderiam acontecer, ue 30 posiveis. Para convencer disso o leitors, usa umprocesso desimboliagio:o queacontece, nnoromance, pessoa ulano, édesigniicagio simbélica, quer dizer, que tem importincia também pars o leitor Beltrano. Essa simboliigio, meio indispensivel de coma- fio entre o romancists ¢ 0 seu pablico, & conteguida pela aplicagio de uma técnica de simbolizagio: a téenica do romance. O ni- mero dot aisuntos & bastante reduzido; a ‘quantidademesma dosbonsromanceséemuito grande; e 0 mesmos susuntor reecbem nae ios deromancste diferenessimbolizapioe signifiacio muito divers, Nio no sunt, mit na técnica que est ineritos o intaitos secretos do romancists: por que escreveu 0 romance assim e no de outra maneira, por gue escreveu um romance ‘A teenies do romance & sisunto muito Aiscutido. Em geral fizeram-se apenas polo as de cenos gineros de romance, © of imparcais, eomo Thibaudet, nfo fram am de sugestes, embora fertlisimas. O livre mais profundo sobre 0 assunto ~ The auf of Jision, de Bercy Lubbock ~ no peca por clarea,é leituea diclima, elven porque 0 Fans ramon ctico inglés quisese elaborar uma teoria para, abstaindo de todos os elementos hist ricos. Mass origens do romance ea evolugio do género tém importincia muito grande pan a compreensio do problema. ‘Tes literatura dispatam-ses honea de ter ctisdo 0 romance (0 romance mao veio ‘muito mais tarde): a literatura espanhola, 2 fiaocess € a ingles. A Espanha tem, sem discusio, a priordade cronolégiéa: dew 20 mundo 0 primeito grande romance, 0 Dan Quo, Da Franga, todo o resto do mundo aprendeu afizer romance; e Balzac €talvez ‘maior mestre de todor.O romance ings, a0 contririo, € inimitivel; nfo ¢ um género Iitesitio, € uma revelagio, Conforme a ex reso pitoresca de Edmund Gosse, 0 10- ‘mance ingles, quando surgiunoséculo XVII, produziu ente os europeus do Continente a ‘mesma imprestio que umexpelho entre selva- gens recém-descobertos. Trt efeitos muito Aiicenes, produridorportécnicasnovelisicas Aiicentes que, por s88 vez, provém de oti- em diferentes romance espanhol modemo provém do romance de cavaaia ito 6 di massa das Jendas fSbulas medievis, condensadas em espulhos do feudalsmo decadente, como no Amatis © n0 Palmer da Iglter mundo fantistico, de imealdade pereits, oposto 20 ‘mundo real dis coiss espanholat,perturbsn- do-o da mesma manira como perturbou 0 cesprito de Don Quixote. A Espanha de 1600 € um pais em que uma ideologis fintisties cescende a reaidade social, Tratava-se de por fem ordem as coisas: desmascarando a fnrelidade dagueles fantasmas, como fez Cervantes, ow opondo-Ihes, com natualsmo dsr, areslidade social dor mendigos,adeSes « prosttueas, como fez 0 romance picaresco os Alemén, Expinele Quevedo, A Ieitrs do Guemin de Alfarace, de Mateo Alemin, obra hoje devidamente apreciada, demons que romance picaesco espanhol no & uma série de avennuse mais 08 mence sje, como nas imitagSes flancesas ingless, mas uma Figio de pessimismo socal, uma discuso Ideologies, O romance espanhol~ caro que ‘Slamos em generalizagSes ~ contervou sem- pre essa feigioideol6gica:aténos romances de Prez Galdoz, até mas picarescas Memories de un homie de aii, de Baroja, até no Blarino 17 Apolonio, de Pérez de Ayala, 0 romance mais autenticamente ideolbgico que se escrevew depois do Don Quixote (Quanto ao romance francés, ja 9 velho Brunette sabia dis origens: provém do teatro cisco. Le prinese de Clies sai centre Andiomague e Phd. O romance fan~ obs — & quase supérfluo tepetir que Glamos fem generalizagdes — € rormance de anslses psicol6gicas,racinianat 0 seu maior metre, Stendhal, inimigo romintico de Racine, & ‘no fundo um clssico da paicologiaaciniana, Mesmo quando 0 romance francés coma ‘Rigdo sociolégica, como em Balzac, chega a ‘ipos de comédia moigriana:o velho Grandet, Pére Goriot, Cousin Pons, Cousine Bet, ‘Ao mecanismo teatal do romance fancés comesponde 2 ineapacidade de representar toda abundincia da vida: entio degeners, ‘camo nos romances de Victor Hugo, , um nivel mais baixo, em Dumas pire e Sue. Em francs, os romances mais “ideologicos”, de ‘um Malraux por exemplo, conservam ten so dramitica, A ideologia no ¢incorporada sna ago mas discutida; final, o Joos Baris de Roger Martin du Gard serS um romance dislogado, teat lio. (© romance inglés nfo tem uma fonte 6 Foi crado por ués génios diferentes: Defoe, Richardson Fielding, Moll Flanders pasa por ‘uma imitago genial dos romances picarecos ceapanhdie com os qusis tem em comum o relato das aventuras duvidosas na primsica petioa do singular. Asinvestigngdes de A.W. Second, em tomo da técnica narrativa de Defoe, demonsteatam, porém, queDefoenio se insprou em romances picarscose sim — ‘uitomaisconvenienteparao primero grande ports-vor da burguesa ingles ~ em tratados morals, de modo que a fonte imediata da avidosa Moll Fanders & um pio The family inser, compéndio de auto-educago mo- sal para pessoas desviadas. Quanto a Samuel Richardson, que #6 hoje encontra a devida aprecingio ~ Clava e Sir Chales Grandson ‘io tém importincia meramente historica, ‘mas slo obras-primas vivas ~ acreditava-se tambémnuma sicendénci erat: Richardson smal conhecets a Prince de Cle, endo bis ba Marian de Marivasx. A fonte de sua are pscoldgicanio éindirtamenteo teatro fran- #, mas dcetamente o testo ingles da época

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