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AS FAMILIAS BRASILEIRAS: MUDANCAS E PERSPECTIVAS Ana Maria Goldani Professora da UNICAMP Pesquisadora dos Ndcleos de Populacdo (NEPO) e de Relacées de Género (PAGU) da UNICAMP RESUMO- (© trabalho traga um perfil demogréfico das mudancas ocorridas ras familias nas utimas duas décadas. Enfatiza a complexidade dos processes que responderiam por estas mudancas, tendo como pano de fundo as diferencas regionals e racials. Concli ‘com uma andlise das perspectivas futuras das familias tendo presente tr8s aspectos: os prognéstices demogréficos, as polit. ‘cas sociais @ econémicas, as altudes, opinibes @ expectativas ‘sobre casamento, fos, relagdes de género etc FAMILIA — DEMOGRAFIA — POPULAGAO ABSTRACT BRAZILIAN FAMILIES: CHANGES AND PROSPECTIVES. This paper traces a demographic profile of the changes that have ‘occurred amongst Brazilian families in the last two decades. It focuses on the complexity of the processes that caused these ‘changes, using as background regional and racial diferences. Using three contemporary aspects, it concludes with an analysis of the prospects forthe future of the families. The three aspects are: demographic prognoses; social and economic polices: attitudes and opinions on mariage, children, and gender typo rela- tionships, and the lke, Cad. Pesq,, So Paulo, n.91, p.,7-22, nov. 1994 As familias brasileiras passam por mudangas nos ini- clos dos anos 90 que fazem parte de um proceso de modemidade “contraditério’, caracteristico do Brasil nesta segunda metade do século XX. A tendéncia 6 de uma diminuigao no tamanho e uma maior diversi- ficagao nos arranjos domésticos e familiares, Os ar- anjos de maior crescimento nos tltimos anos foram de adultos vivendo so e de famflias monoparentais. ‘A complexidade da vida familiar aumentou devido ao imcremento no nimero de familias reconstituidas, re- Sultado do incremento nas taxas de separagao, divér- cio e recasamentos. A vida familiar se modificou para todos os seg- ‘mentos_da populagao brasileira nestes ultimos 20 anos. Entretanto, as diferengas raciais e regionais aparecem ainda mais acentuadas. As transformagies Ro tradicional arranjo familiar, casal com filhos, assi- alam aspectos significativos de mudangas e também de continuidade no relacionamento entre seus mem- bros. Esposas ¢ filhos participam mais intensamente nas atividades de mercado de trabalho e na renda ‘monetéria familiar, compartihando com 0 chefe as Tesponsabilidades de manutengao da familia, e pro- movendo uma redefini¢ao nos padrées de hierarquia e sociabilidade, Entre as explicagdes mais comuns para as mu- dangas nas estruturas familiares nos anos 80 sobres- sai a crescente @ marcante presenga das mulheres brasileiras nos espagos publicos nas uitimas décadas, acompanhada pelas discussdes sobre feminismo, tra- balho, desigualdades e direitos da mulher. Entretanto, isto € apenas parte de um movimento mais amplo de transformagdes da sociedade brasileira, marcado pela busca da democracia e afirmacao dos direitos de ci- dadania, que desemboca na Constituigéo brasileira de 1988. De fato, a década de 80 abre perspectivas de maior organizagao e participacao politica dos diferen- tes segmentos sociais, 0 que Se materializa nas con- quistas constitucionais. Conquistas estas que, desa- fortunadamente, nao tiveram efeitos praticos em ter- mos de qualidade de vida para a maioria dos brasi- leiros. Em um quadro de conjuntura internacional adver- sa, © modelo econémico brasileiro dependente se es- gota @ tem inicio um dos periodos mais recessivos da historia do pais nos anos 80. Os inimeros planos eco- némicos e programas sociais e a perda gradativa de eficiéncia do setor pablico se reflete na deterioragao das condigées de vida de grandes parcelas da popu- lagdo. A tudo isto se soma um processo de concen- tragao de renda que gera uma desigualdade brutal, © 4 ao Brasil 0 titulo de "campeao mundial da desi- ualdade”. Em 1989 0 pais era o retrato da modemi- dade paradoxal. Com 87% das residéncias equipadas com luz elétrica, 73% com Agua encanada e 73% das residéncias com aparelho de televiséo, 0 pais aproxi- ma-se do status de desenvolvido. Entretanto, os ni meros da “perversidade” mostram que os 50% mais Pobres ficaram ainda mais pobres, e os 5% mais ficos sairam da década ainda mais ricos, com 39% em vez dos 34% que tinham no inicio (Miller, 1991). 8 No plano social, uma andlise na area da satide nao resiste & ouforia de alguns progresses indiscuti- veis. Mesmo com ganhos de cerca de 5 anos de es- eranga de vida, a populagao volta a enfrentar epi- demias como meningite, dengue, cdlera etc. Os efei- tos da crise sobre o custo da alimentagao fazem com que o brasileiro tenha uma dieta adequada em termos caléricos mas insuficiente em termos protéicos. Os gastos sociais do governo federal, que tentam minorar 08 efeitos da crise, revelam uma elevacao de menos de 1% per capita durante o periodo (Médici, 1991). Portanto, na chamada “década perdida’ a socie- dade brasileira & marcada por um aprofundamento das desigualdades sociais — concentragdo de renda e drastica diminuigo do salério para a maioria da po- Pulagao, e uma sofisticagdo do consumo para uma minoria — conformando um processo de “modemida- de excludente’, no qual se acirram as diferencas, ‘Com origens na “modernidade autoritéria” iniciada nas décadas anteriores, esses processos agudizam as d- ferengas regionais, diferengas estas que, no final dos ‘anos 80, s4o apontadas para destacar tanto a miséria como os sintomas de modernidade em espagos urba- Nos regionais. © perfil estatistico das mudangas mostra que a populagdo esta mais educada e tem residéncias com ‘mais infra-estrutura, mas esta cada vez mais pobre. AA incapacidade do sistema para satisfazer as deman- das da populagdo, a faléncia do Estado de Bem-Estar Social (Welfare State) ¢ a énfase no modelo neolibe- ral, favorecendo as iniciativas pessoais e privadas, aparecem como 0 pano de fundo de uma tendéncia crescente de transferéncia de responsabilidades do Estado (tradicionalmente paternalista) para a comuni- dade e a familia. Assim, frente & “deterioracao" das condigées de vida e dos servicos prestados pelo Es- tado, “teoricamente” protetor das classes populares, haveria um ressurgimento da familia, cujas dimensoes parecem ampliar-se através de redes de solidariedade Para além dos limites dos lagos de parentesco por sangue ou adocao. Dentre as estratégias da populagdo brasileira para enfrentar a crise, talvez a mais dramatica tenha sido justamente a de adiar ou cancelar os projetos de for- magao de novas familias, bem como a expansao das jd existentes. As taxas anuais de crescimento do nd- mero de unidades familiares diminuiram, e as quedas na probabilidade de casar-se e nas taxas de fecun- didade aceleraram-se (Goldani, McCracken e Pullum, 1989). Essas tendéncias foram particularmente fortes na regio mais pobre do pais, o Nordeste, onde a probabilidade de casar caiu em cerca de 33 pontos Percentuais no periodo 1981-84, ou seja, 5% a menos ue a média do pais. Entretanto, diminuir 0 numero € 0 tamanho da familia ndo bastou. Foi necessario o ingresso de um maior nimero de pessoas no merca- do de trabalho para manter o orgamento familiar. A rapidez e niveis das mudangas, gerando um ‘contexto novo de oportunidades e necessidades so- ciais, responderiam pela aceitagao de valores e con- frontos intergeracionais, que ultrapassaram as expec- As familias brasileiras. tativas. A adequagdo entre valores e praticas sociais ‘corre de forma extremamente desigual, e parecem ‘ser 08 individuos das camadas médias urbanas e pro- fissionais liberais os que primeiro buscam altemativas fora dos padrées institucionalizados, e em uma linha mais individualizante (Salém, 1985). Ha uma dissolu- ‘e40 das fronteiras rigidas do “duplo padréo de mora- lidade" e surgem os modelos alternativos de relagdes entre os sexos e intrafamiliares, que alimentam a dis- cusséo da chamada ‘nova’ familia (Figueira, 1987), Identificado com os setores médios da populacao, 0 modelo da “nova’ familia é largamente veiculado pelos meios de comunicagao, aparece como objeto de preo- Cupagao da Igreja conservadora e orienta a nova le- gislagdo, mas é, sobretudo, vivenciado com ambig dade de sentimentos pela populagao. Ha um enfren- tamento entre o “consumo” de aspectos inovadores no nivel das relagdes individuais e um padrao “ideal” de ‘elagGes intrafamiliares, que permanece orientando os membros da familia (Dauster, 1987 e Almeida, 1987). ‘As especulagdes sobre a precariedade e instabi- lidade da institigao familiar ganham forga e sao re- forgadas pela incapacidade do Estado em prestar os servigos sociais basicos as familias carentes e seus dependentes. Legalmente, 0 Estado brasileiro deve oferecer suporte ao menor e aos idosos por meio de programas sociais, 0 que ajudaria a aliviar as pres- ‘ses econdmicas e pessoais dessas familias. Entre- tanto, 0 que se observa, atualmente, é uma crescente detetioragao dos servigos piiblicos. O Estado trata de minimizer ao maximo sua contribuicdo e clama por mais ajuda da comunidade e da familia para com seus dependentes. A dinamica demografica, resultante do mesmo proceso de transformagdes em curso no pais, surge como outro elemento complicador, que reforga 0 sen- timento de faléncia da familia. Ha uma tendéncia de homogeneizaco de aspectos vitais no quadro das profundas desigualdades econémico-sociais @ cultu- rais, Trata-se da generalizada e répida queda das ta- xas de fecundidade e dos aumentos na expectativa de vida, que causam impacto na estrutura etéria e na longevidade da populagao, gerando novos “tempos” individuais e familiares. O Brasil praticamente dobrou sua populagdo nas ultimas trés décadas, passando de 72,6 para 151 milhées de habitantes. No mesmo pe- riodo, 1960-91, 0 pais passou de predominantemente rural para urbano, ou de 45% para 78% de sua po- pulacao residindo em areas urbanas. A dinamica de- mogrtatfica que gerou essas mudangas foi marcada por uma diminuicéo da taxa de fecundidade total de 6,2 para 2,5 e um aumento na esperanga de vida de cer- ca de 13 anos, de 54 para 67 anos. Isto somado ao alargamento das diferengas de mortalidade por sexo, que favorecem as mulheres em cerca de 7 anos, & diversificagdo nos tipos de unido e ao aumento das separagdes e divércios, estaria criando novas condi- (ges de reprodugdo para as familias brasileiras. Entre as implicagdes dessa dindmica, temos que, para nds brasileiros, hoje, aumentaram as chances de passar- Cad, Pesq. n.91, nov. 1994 mos mais tempo como membros de uma familia, quer seja a primeira ou segunda, quer no papel de pai, mae, padrasto ou madrasta, filhos, esposos, avés etc. Esta chamada "revolugao da longevidade" estaria pro- piciando, ainda, uma superposigao de papéis, bem como a convivéncia de diferentes geragées com efei- tos sobre a redefinicdo das relagées e responsabili- dades no interior da familia (Goldani, 1992). A anélise das trajet6rias de vida familiar das mu- Iheres brasileiras tem mostrado que os efeitos de uma continuada melhoria da mortalidade tem compensado 8 efeitos das disrupedes matrimoniais e da queda da fecundidade, possibiitando que uma proporeéo cada vez maior de mulheres alcance sua trajetéria de vida familiar “preferida’: estarem unidas e com filhos aos '50 anos. Nesta segunda metade do século, o ganho ‘no tempo que uma mulher brasileira alguma vez unida passaria em uma familia do tipo conjugal foi de 3 ‘anos, Entretanto, estes ganhos foram ainda maiores — de 4 anos — no tempo que uma mulher passaria na condigao de chefe de familia s6 com filhos. Estes aumentos so diferenciados por raga e mostram que ‘so as mulheres negras as que mais tempo passa- riam na condigdo de chefes de familia, Ha desigualdades por cor na estrutura das fami- lias © trajetérias de vida familiar das mulheres. A maior proporeao de familias monoparentais em 1989 era entre as mulheres pretas (21%) comparadas com as pardas (18%) e com as brancas (14%). Isto vem 0 encontro de outros resultados que mostram que as mulheres pretas esperariam viver hoje mais da meta- de de suas vidas adultas na condigao de nao-casadas ‘ou sem companheiro (56%), comparando-se as par- das (48%) © as brancas (42%). Entre os elementos explicativos para estes diferenciais, destacam-se os 8 anos a mais de expectativa de vida das mulheres brancas, bem como os padrdes diferenciados de nup- cialidade por raga. Isto revela as diferentes estratégias de comportamento das mulheres ante uma estrutura de oportunidades desigual, em que a discriminagao racial aparece como elemento fundamental (Goldani, 1991), Ha evidéncias de que a mulher brasileira, qual- quer que seja 0 estagio de ciclo vital, esta aumen- tando sua participagao na forga de trabalho. O au- mento da participagao feminina na fora de trabalho remunerada foi de cerca de 16% para 39% entre 1960, @ 1990. Verifica-se também uma mudanga no perfil da mulher trabalhadora em termos de estrutura etaria € status marital. Da tradicional predominancia de soltei- ras nas faixas etérias menores de 25 anos até os anos 70, as taxas de participaco nos anos 80 mos- tram que s4o as mulheres nas idades 30-39 anos ca- sadas, separadas/divorciadas e unidas consensual- mente as que, respectivamente, mais incrementaram suas taxas de atividade. Também é um fato que as, mulheres trabalham cada vez mais nas indistrias & deixam seu lugar tradicional na agricultura para entrar ‘em novos setores de servigos, mas que as diferencas de salario por sexo permanecem (Bruschini, 1989a, Teles, 1988). A interpretagao para o aumento das familias che- fiadas por mulheres vai na linha da modernizagao, in- dustrializagao e abertura no leque de opgées para a mulher nos paises ricos, e das mas condig6es de vida gerando instabilidade nas relagdes pessoais e fami- liares nos paises pobres. Entre os processos de mu- danga, destacam-se as transformagdes demograficas, a elevacdo das taxas de separagdes @ divércios, a expectativa de vida maior para as mulheres gerando mais viuvez feminina, e a crescente proporcao de mu- Iheres solteiras com filhos, além de processos de maior integragéo da mulher no mercado de trabalho, aumento da educagao e diminuigao da fecundidade, desigualdades de renda, raciais e regionais, Portanto, haveria que considerar tanto os fatores de crescentes ‘opgées para mulheres de determinados grupos, como as restrigdes que enfrentam outras para se estabele- cerem como chefes de familia. Ambos os fatores, li- gados ao processo rapido de mudangas nos padrées socials, politicos e econémicos em curso no pais, oferecem subsidios para as interpretagdes do fendme- to de crescimento das familias com chefes mulhe- es, que passaram do 10% a 20% no periodo de 1980-90. Portanto, mudaram as condigdes de reprodugao da populagdo, mudaram os padrées de relacionamen- to entre os membros da familia, os modelos de au- toridade esto em questionamento, a posig&o relativa da mulher alterou-se profundamente, e até mesmo a legislagao redefiniu 0 conceito de familia — de uma concepeao legal estreita sobre a familia, em que s6 cabia um modelo de familia legitimada pelo casamen- to com predomindncia do poder paterno e marital ‘masculino, passa-se a algo mais proximo das praticas sociais vigentes. A mais recente Constituigao, a de 1988, considera que, para efeitos de protecao do Es- tado, familia é a unido estdvel entre homem e mulher ou qualquer dos pais e seus descendentes. Neste Conceito “novo" de familia, ao enfatizar a necessidade de protegao aos dependentes — criangas jovens e ve- thos —, ‘a Constituigdo brasileira reconhece 0 poder assimétrico entre os membros da familia. Fica claro, ainda, que 0s direitos e deveres conjugais s4o exer- cidos igualmente pelo homem e pela mulher (Consti- tuigao brasileira 1988, Cap.Vil, ant 226, 3, 4° © 5? ar.). Esses principios constituticionais, muitos ja re- gulamentados em lei, alteram o direito de propriedade das mulheres casadas, facilitam o divércio, reconhe- cem os mesmos direitos legais dos filhos, inde- Pendentemente da natureza da filiagdo, e estabele- cem os direitos @ obrigagdes individuais dos membros da familia, segundo a posi¢ao que ocupam. © PERFIL DEMOGRAFICO DOS ARRANJOS DOMESTICOS NO BRASIL © objetivo maior deste trabalho 6 tragar um panorama das mudangas na estrutura dos arranjos domiciliares, com o detalhamento que permitem os dados dos cen- sos de populacao e as pesquisas nacionais por amos- 10 tras de domicilio (PNADs), tendo como referéncia o periodo 1970-89. Ao tracar 0 perfil dos arranjos do- mésticos, tendo como referéncia estas fontes oficiais', testrinjo-me aos critérios de co-residéncia, relagao de Parentesco e dependéncia doméstica entre as pes- s0as residentes nos domicilios particulares. Isto signi- fica ao mesmo tempo que, em geral, 56 posso discutir as estruturas e organizagao intema dos domicilios, pois poucas so as informagdes sobre 0s processos ‘que respondem pelas mudangas e diversificagao dos mesmos. Para efeito de analise, distingo esses domi- cllios entre aqueles organizados como “familias” (0 grupo de parentesco resultante do casamento e/ou adogao) @ aqueles que chamo “néo-familias’ (as pes- soas vivendo 6, € os grupos de pessoas sem lagos de parentesco) Nas uitimas duas décadas, 0 niémero total de do- micilios particulares praticamente dobrou (18,4 a 36.6 milhées no periodo 1970-89 — ver Tabela 1). Durante (© mesmo periodo, 0 numero de pessoas morando nessas unidades aumentou em 59% (89,9 a 1432 mi Indes de pessoas). Isso resultou em uma diminuicdo de cerca de 23% no tamanho médio das mesmas, ou seja, de 4,8 para 3,9 pessoas. No processo de cres- cimento do total dos domicilios particulares, a contri- buigao diferencial dos tipos de arranjos intemos das mesmas aponta para a dramdtica diminuigao no peso relativo do arranjo conjugal mais tradicional, casal ‘com filhos. Representando cerca de 60% do cresci- mento total na década de 70, esse arranjo doméstico passa a representar apenas 48% nos anos 80. Por ‘outro lado, destaca-se o incremento na participacao das familias monoparentais (mae ou pai com filhos), 1. As principals fontes de dados secundarios sobre ostrutura \domicilar so os censos de populagdo e as Pesquisas por ‘Amostras de Dorrictios (PNAD) cujos dados so coletados, processados e divuigados ofcialmente pelo Instituto Brasieito de Geogratia e Estatistica (IBGE). Até o final dos anos 80 © IBGE define familia como “um conjunto de pessoas ligadas or lagos de pareniesco ou dependéncia doméstica, que vi- \vessem no mesmo domictio, ou "pessoa que vivesse $6, em doméilo particular’. Fo ainda considerado como famila ‘todo Conjunto de no méximo 5 pessoas, que vivessem em domi- Cilio panicular, sem estarem ligadas por lacos de parentesco (u dependéncia doméstica” (IX Recenseamento Geral do Brasi-1980, v.1, fomo 6, n.1, p.XXV). Os dados referem-s portanto, as familias residentes em domicilos particulares © 8 informapses das pessoas residentes nos domictios da lamosira, A mostra nos censos de 1970 e 1980 foi de apro- ximadamante 25% dos domictios particulares @ pessoas no- les recenseadas. No caso da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiciios (PNAD) de 1981 e 1989, a detinicdo de familia ermanace como a dos censos de populagso, com uma pe- quena diferenga: o limite maximo de § pessoas, para 0 con- junto. som parentesco residindo em domictios particulares, ‘no foi estabelecido. Portanto, a definigdo de fama para 0 IBGE, tanto nos censos como PNADs, oquivalo ao de uni- dade domestica residencial © nao a concepgao mais comum, que ¢ 0 de familia como um grupo de pessoas conviventes que mantém vinculos de garentesco resultantes de consan- Ghinidade ou de adogao. Entre as vaniagens da coleta das informagdes do IBGE no nivel da unidade doméstica @ no 86 da familia de parentesco, destacam-se as possibildades 0 roconstrurdo de diforontes. univorsos. As familias brasileiras... Tabela 1 CRESCIMENTO (%) DOS DOMICILIOS PARTICULARES SEGUNDO (© TIPO DE ARRANJO INTERNO, FAMILIA E NAO-FAMILIA BRASIL, 1970-1989 TOS OF oes osrmauese | ROREYTS MBC] TS Fae 7970 | 1980 | 1981 | 1989 | 1970-80 | 1981-89 1970-80 1981-89 A NAO-FAMILIAS 58 65 62 74 4.94 5.90 81 10.9 ase Particulares | Fonte: Consos Demograficos 1970 e 1960, PNAD 1981 © 1989. (1) 0s dades do periodo 1981-89 néo incluem a popuiagao da area rural da Regido Norte, (2) Na classificaggo dos demitios no se incluem agragados, ponsionistas, emmpregados domésticos @ seus parentes. (@) As famiias residem ou no com parentes, aids, em 1969 t8o-s6 11,896 total das familias residiam com parontes, (¢) Valores absolutos em mihares. cujo peso relativo passou de 16% para 22%, e 0 das unidades unipessoais (pessoas vivendo sozinhas), cuja contribuicao passou de 8% para cerca de 11% do crescimento total dos domicilios particulares Portanto, nos inicios dos anos 90, os brasileiros continuavam morando, preferencialmente, em domici- lios organizados por lagos de parentesco, mesmo sen- do os arranjos domésticos do tipo “nao-familias” os que mais cresceram. As ultimas estatisticas mostram que, dos 36,6 milhdes de domicilios particulares em 1989, uma proporeao de 92,6% estava organizada ao redor de uma familia, com ou sem filhos, @ parentes residentes, e 7,4% dos domicilios particulares eram formados por uma pessoa vivendo 56 ou por um gru- po de duas ou mais pessoas sem relacao de paren- tesco. Os domicilios particulares brasileiros em 1989 se diferenciam por cor de seus chefes. Do total, 57,7% eram chefiadas por brancos(as), 36% por pardos (as), 5,7% por pretos(as) @ 0,6% amarelos(as). As diferen- gas desses arranjos domésticos vem marcadas por uma maior proporgao de familias monoparentais entre pretos (21%) e pardos (18%), comparativamente com brancos (14%). Na raiz dessas diferencas estdo as di versas dinamicas demograficas de brancos e nao brancos, marcadas pelas desigualdades socioeconé- micas @ pela discriminagao. Por exemplo, as persis tentes diferengas de esperanca de vida no tempo, cer- ca de 7 anos a mais para os brancos, as menores Cad. Pesg. 1.91, nov. 1994 probabilidades de casar e menores taxas de fecundi- dade entre os pretos até 1960, a mesticagem @ as elevadas taxas de fecundidade entre os pardos so alguns dos elementos que explicariam o crescimento dessas populagdes © as suas chances desiguais de formarem familias (Berqué, 1988 @ Goldani,1989). ‘A maior parte dos domictlios brasileiros em 1989 (77%) residiam em dreas urbanas e um tergo deles, se encontrava abaixo da linha de pobreza. Entre es- ses domicilios destacavam-se aqueles formados por mulheres com filnos e sem cOnjuge. A pobreza nas reas urbanas esta estratificada, tem um perfil bem definido e separa 0 pais em dois. Com cerca de 40% da populagao urbana residindo em domicilios classifi- ‘cados como pobres, em 1989, encontra-se que 12% destes apresentavam uma pobreza estrutural, 21% seriam os pobres mais recentes, e 6% pobres com necessidades basicas insatisfeitas (Lopes, 1992). ‘As maiores probabilidades de serem pobres ou in- digentes so encontradas para os domicilios com as populagées pardas e pretas, casais jovens com filhos, idosos @ os residentes em domicilios plurifamiliares, sobretudo mulheres jovens, sem cénjuge e com filhos. As diferengas de pobreza entre regides caracterizam dois paises: 0 do Norte, Nordeste e Centro-Oeste 0 do Sul e Sudeste (Lopes, 1992). Os fatores demograticos, explicativos do aumento no numero total dos domicilios particulares em déca: das anteriores, oferecem elementos para entender as " tendéncias mais recentes. Demonstramos que na dé- cada 1970-80 0 aumento no niimero de domicilios Pariculares (88%) se deveu, sobretudo, a um efeito Composicional, ou seja, a mudangas no tamanho e nas estruturas por sexo, idade e situagao matrimonial da populagao. Os outros 12% se deveram a maior propensao das pessoas, em certas idades e estados Civis, a estabelecerem sua propria familia, ou seja, as alteragdes nas taxas de chefia. Simplesmente dizen- do, a populacao cresceu, © mais pessoas casaram, gerando novas familias, 0 que, combinado com as maiores taxas de chefia de solteiros, vivos e divor- Giados, acabou respondendo pelo crescimento total no numero de domiciios particulares (Goldani et al., 1989). Mesmo nao dispondo, nas PNADs, da informa- 40 necesséria para fazer essas mesmas estimativas ara 0 periodo 1981-89, nossos resultados sugerem Que 0 efeito composicional continuaria a responder Pela maior parcela do aumento no numero de domi- Gilios particulares, mas, ao mesmo tempo, pela desa- celeragdo de suas taxas de crescimento. Isto porque

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