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A al il inl lac atl malin Se ee eee eee ae Peet ec cen Petes ieee aoa cn Um livro muito detalhado e instrutivo.” Bc ara Aprenda Xadrez oy Garry eur Cera eel ea) eC tenec Caaeaee ecceil todos os aspectos do jogo. O campedo BEE iKesa cocaine conhecimentos adquiridos em anos de Perea Ree ee ae lataiey at TR eae tae Leroi RoM allie Moe Lleol Recerca irs Ee CN) eee a eget oa ec Repleto de idéias Cae ete: at ES q i ct Cy tS & Sumario Notagio Algébrica 4 LI¢AO 1 Por Que Estudar Xadrez? . 5} LI¢AO 2 Idéias e Técnicas .. 8 LI¢AO 3 Equilibrio Material 13 LIGAO 4 AlImportancia do Centro . 18 LI¢AO 5 Como Ganhar Espago 24 LICAO 6 Estruturas de PeGes ... 29 LIGAO 7 Dinamismo e Iniciativa . 34 LICAO 8 Evitando Desastres na Abertura 39 LICAO 9 Negligenciando os Principios da Abertura . 44 LICAO 10 O Objetivo da Abertura 50 LIGAO 11 AEscolha da Abertura . 56 LICAO 12 A Arte do Planejamento ... 63 LICAO 13 Forgando as Continuagées . . 69 LICAO 14 Sacrificios de Dama .. 74 LIGAO 15 Estratagemas Taticos . 79 LIGAO 16 O Final 84 LIGAO 17 Métodos de Ataque 89 LIGAO 18 Ataque ou Defesa? ...... 94 LICAO 19 Contra-ataque =99) LIGAO 20 A Oposigao . 104 LIGAO 21 O Ataque no Final .... . 109 LICAO 22 Fortalezas no Tabuleiro .114 LIGAO 23 A Beleza do Xadrez ... - 120 LIGAO 24 Dedique-se Bastante . . . «125 Indice de Jogos e Posigdes .......-- - 128 Notacao Algébrica Os lances que aparecem neste livro sao escritos segundo a “notagao algébrica”, uma denominagao pomposa para descrever um método muito simples de se anotar os movimentos. Os leitores que ja estiverem familiarizados com © sistema podem passar direto para as liges propriamente ditas; mas aqueles que s6 conhecem a notagao descritiva ou que tenham pouca experiéncia em xadrez irao considerar util o material que se segue. Partimos do principio de que os nossos leitores ja sabem jogar xadrez. Cada pega é representada por um simbolo, conforme se segue: Peao Cavalo Bispo Torre Dama Rei GEE OF As casas do tabuleiro sio descritas por meio de um sistema de coordenadas, a cada uma correspondendo um par formado por uma letra e um nimero —a letra para a coluna e o ntimero para a fileira — (veja o diagrama). A casa marcada com um X é denominada “e4”. O principio é exatamente o mesmo aplicado no jogo “batalha naval”. Nao ha mistério algum nisto! LIGAO 1 Por Que Estudar Xadrez? A proposta da revista Sport in the URSS, de publicar uma série de ligdes minhas para os seus leito- res, me pegou um pouco de sur- presa; porque eu mesmo ainda estou estudando as sutilezas do xadrez. Depois de pensar um pouco, eu resolvi que, escrever a respeito da minha compreensao e da mi- nha interpretagao dos fundamen- tos do xadrez, também seria Util para mim. Eu sou um apaixonado pelo xadrez; esta paixio jé dura muitos anos e¢ é para sempre. Eu estou sempre estudando xadrez, e estu- dando minuciosamente. Mesmo quando eu analiso aquilo que ja fiz e trago planos para o futuro, nao consigo deixar de me impres- sionar diante da inesgotabilidade do xadrez e de me tornar cada vez mais convencido da sua imprevi- sibilidade. Veja por vocé mesmo: jA foram disputados milhdes de partidas e milhares de livros fo- ram escritos, sobre varios aspec- tos do jogo. E assim mesmo nio existe um método ou uma férmu- la capaz de garantir a vit6ria. Nao ha critérios, matematicamente comprovados, para avaliar-se se- quer um lance, quanto mais uma posigao. Os experts em xadrez nao tém diividas de que, na maio- tia das posigGes, ha mais de uma continuagaéo recomendavel e ca- da um escolhe o “melhor” lance com base na sua prépria expe- riéncia, capacidade analitica e até mesmo cardter. Nem mesmo a pos- sibilidade do emprego de compu- tadores, para andlise, parece séria no presente, uma vez que ainda nao foi encontrado um algoritmo [definitivo] da partida de xadrez, e nao ha programa algum capaz de lidar confiavelmente com suas complicagées miltiplas. E por que falar a respeito jde detalhes, posigdes € estigiog da partida quando nem mesmo ha uma res- posta para a pergunta “O que éo xadrez? Um esporte, uma arte ou uma ciéncia?” Alguns diréo: “Os jogadores de xadrez participam de torneios e disputam partidas, lutam para vencer € o resultado é importante para eles — o que significa que 0 xadrez é um esporte. Ele desen- volve a forga de vontade e ajuda as pessoas a se tornarem mais fortes.” E como pode alguém conven- cer outro da corregao da opiniao daqueles que sempre se impres- sionam com a beleza das combi- nagoes e da légica das taticas do xadrez? Para estes um engenhoso sacrificio da Dama em uma parti- da perdida é uma fonte de prazer, ao passo que uma partida moné- tona, forgada, os deixa indiferen- tes. Para estes o xadrez € uma ar- te, capaz de trazer felicidade e de dar sentido aos momentos de lazer. Ao mesmo tempo, ha também muitos entusiastas capazes de pas- sar noites em claro resolvendo um problema do tipo: “Por que as Pretas moveram a Torre para a casa d8 em vez de mover 0 Cava- lo para a casa c6? Por que a posi- go das Pretas é melhor?” Para estes o xadrez é principalmente uma ciéncia baseada no racioci- nio légico. Eu gosto do xadrez pela sua versatilidade e pela sua multipli- cidade. Foi a beleza e o brilhan- tismo dos golpes taticos que me cativaram ainda na infancia. Pri- meiro admirando este brilhanti: mo, e depois buscando-o nas mi- nhas proprias partidas, e a seguir tentando jogar bonito — tais fo- tam os estagios do meu cresci- mento — como um prisioneiro da arte do xadrez. Mas depois veio a época em que comecei a compe- tir com os outros, a tomar parte em torneio apdés torneio, e isto quer dizer que tive que comegar a trilhar o caminho do xadrez como esporte. Eu ainda gosto de jogar bonito, mas nao mais posso ser indiferente aos meus resultados; a se vou ganhar ou terminar nas Ultimas posigGes. Eu quero vencer, eu quero der- rotar todos, mas quero fazé-lo com estilo, em um combate es- portivo honesto. O ex-campeio mundial, Mikhail Botvinnik, que eu considero meu professor, é um. académico do xadrez, cujo traba- Iho me ajudou a abordar o xadrez cientificamente. Ele despertouem mim o prazer de pesquisar e de resolver os inumeraveis proble- mas do jogo. Ao longo de meus preparativos para as competi- gGes, e durante minhas andlises de partidas e aberturas, de repen- te, percebi que estava tentando estudar meticulosa ¢ metodica- mente, com uma persisténcia tipi- ca de um pesquisador. Estou con- vencido de que a minha afeigio por todos estes aspectos do xa- drez ira contribuir para preservar a minha paixao, pelo resto da mi- pha vida. Meus pais me ensinaram a mo- ver as pegas quando eu tinha cin- co anos, e eu fiquei fascinado. Um ano mais tarde, fui levado para um grupo de xadrez no Clube de Jovens Pioneiros em Baku, onde eu me imaginava em um reino de jogadores de xadrez. Desejando convencer-nos do carater parado- xal do xadrez, 0 nosso instrutor arrumou as pegas sobre o tabulei- ro, logo em uma das primeiras sessGes; veja o diagrama a seguir. Esta posigéo, onde os peque- nos PeGes derrotam 0 inimigo, era tao surpreendente que parecia um conto de fadas, e tornei-me incapaz de viver sem o xadrez desde entio. Sempre admirei esta posi¢ao. Eu sempre gostei de atacar desde a infancia; ainda gosto de jogar na ofensiva. Dediquei mui- to tempo para estudar os funda- mentos, que parecem nao ter ne- nhuma influéncia direta no jo- go mas que — estou convencido — sido necessarios tanto para um Grande Mestre quanto pa- ra um amador que queira melho- Tar 0 seu jogo e obter agradaveis resultados em torneios. Para atin- gir o seu alto padrao de jogo, um Grande Mestre tem que gas- tar milhares de horas estudando centenas de partidas. Seu talento jamais se desenvolveria sem ta- manho trabalho. Se vocé gosta de jogar xadrez mas nao tem tempo para dedicar-se a um estudo inde- pendente, mas assim mesmo quer derrotar seus amigos, vocé tera que gastar algumas dezenas de ho- ras debrugado sobre o tabuleiro. Nesta série de artigos, tento expor a minha compreensao dos fundamentos, em uma linguagem que seja clara para todos, e falar sobre as sutilezas que sao impres- cindiveis aos verdadeiros aman- tes do xadrez. LICGAO 2 Idéias e Técnicas Antes de discutir os fundamentos da partida de xadrez, eu gostaria de mostrar um trecho de uma par- tida, e apresentar alguns comen- tarios meus preparados especifi- camente para o jogador de nivel médio. Espero que, apés ler a mi- nha anilise, vocé seja capaz de ver, por si mesmo, que qualquer um que queira prover seus movi- mentos de significado e beleza precisa de muito conhecimento. G. Kasparov — F. Gheorghiu Moscou 1982 1 4 Os jogadores experientes sa- bem que este lance, assim como olance do Peao do Rei paraa casa e4, € o mais légico e direto, ou para falar de modo mais simples, o melhor para se iniciar uma par- tida. Cada um de vocés pode che- gar 4 mesma conclusao, apds es- tudar por duas ou trés horas os principios basicos que guiam os primeiros estagios da partida: co- locar as préprias pecas em agaio téo rapido quanto possivel e as- sumir 0 controle do centro do ta- buleiro. Liu D6 Este é um dos melhores movi- mentos para as Pretas. As Pretas poem uma pega em jogo e impe- dem que o adversario conduza seu Pedo para a casa e4, de modo a consolidar seu dominio sobre o centro. 2 4 Agora as Brancas impedem o avango do Peao da Dama para a casa d5, pois, neste caso, apés 3 cd as Pretas terao de escolher en- tre 3... Wxd5 4 Ac3, quando as Brancas desenvolvem o Cavalo ao passo que as Pretas tém que mover novamente a Dama, desa- celerando o desenvolvimento de suas pegas, ou ficando para tras no desenvolvimento, conforme costuma dizet-se, Se as Pretas to- marem o Peao com o Cavalo via 3 ... Dxd5, permitiriio que as Brancas joguem 4 ¢4 € marite- nham um forte par de Pedes no centro, todos eles controlando posigGes importantes no lado das Pretas, ou seja, as casas. c5,d5, eS ef5. Vamos voltar as primeiras li- nhas da nossa andlise do movi- mento 2 ¢4, onde dissemos que “as Brancas impedem...”, Este € 0 infcio de um conflito conscien- te no jogo de xadrez. Idéias se chocaram, o combate comegou. Quanto maior for a habilidade e o conhecimento de um jogador, tanto meJhor estaré ele capacita~ do a detectar a ocorréncia de tais microconflitos, dos quais ha de- zenas em uma partida, ¢ tanto me- lhorsera também oseu julgamen- to sobre as conseqiiéncias € as agGes futuras. 2 om e6 As Pretas abrem uma passa- gem para o Bispo, e, como se querendo compensar o tempo perdido, preparam-se para levar 0 seu Peao da Dama paraacasa dS. 3 DB As Brancas tém uma boa gama de continuagGes fortes, inclusive os lances 3 c3 € até mesmo 3 & 25 ou 3 £4. Sao primordiais 4 compreensao dos principios de desenvolvimento rapido das pe- gas ea'sua implementagao pratica durante a abertura. BS we b6 As Pretas preocupam-se como seu Bispo na casa. c8 e preparam- se para coloca-lo em ago na po- sigdo principal de combate na ca- sab7 ouna posigao alternativa a6. 4 a3 Para entender este movimento, aparentemente passivo, € neces- satia uma compreensao profunda de medidas preventivas em uma partida. Este movimento discreto das Brancas evita que o Bispo Preto possa exercer uma pressao ativa a partir da. casa b4, e ao mesmo tempo prepara a condu- gio do Cavalo Branco 4 casa c3 onde ele pode desempenhar um papel vital na luta pelo centro. 4 iw 2b7 5 4&3 Ambos os lades tentam colo- cat logo as pegas em jogo, de modo a consolidar seu poder de fiscalizagao das casas centrais do tabuleiro. 5 wt d5 As Pretas fortalecem, radical- mente, a Sua posi¢ado no centro. Mesmo assim, 0 lance d5 tem as suas desvantagens, uma vez que bloqueia a diagonal do Bispo na casa b7. 6 cd @xd5 Apés 6 ... ed, o Bispo na casa b7 teria sido bloqueado pelo seu proprio Peao e correria 0 risco de continuar imobilizado por algum tempo. Embora uma tal caracte- ristica na posi¢cao das Pretas nao seja capaz de, por si s6, determi- nar 0 sucesso das Brancas, é o acimulo consistente de pequenas vantagens como esta que permite aum Grande Mestre virar 0 jogo a seu favor. 7 Um outro microconflito se de- senvolve na partida em torno do lance e4, que permitiria 4s Bran- cas ocuparem 0 centro. Ao esco- lher este lance as Brancas levam em consideragao que apés 7 e4? @xc3 8 be Bxe4 as Pretas ga- nham um Peao. We2 10 7 cS As Pretas poderiam acabar com o plano das Brancas jogando 7 ... £5, mas © custo seria muito alto. Elas ficariam com um Peaio fraco e atrasado na casa e6. 8 e4 Dxc3 9, he Aqui ha um novo ganho por parte das Brancas. Elas consegui- ram colocar um forte par de Pedes no centro e estao lutando pelo controle da quinta fileira, isto é, de “territ6rio inimigo”. Os joga- dores de xadrez chamam isto de “vantagem em espago”. D9 caxy Se7 10 &bS+ Re6 il &d3 Em xadrez nem sempre uma linha reta corresponde 4 menor distancia entre dois pontos. Ao mover 0 Bispo para d3, em dois lances, as Brancas colheram mais beneficios do que teriam feito ca- so 0 tivessem movido para 14 di- retamente. As Pretas tiveram que abdicar do lance mais natural contra 0 xeque, porque apdés 10 2b5+ Ac6 11 DeS Hc8 12 Wad We7 13 Wxa7 Ha8? 14 2xc6+ as Brancas venceriam. O Bispo das Pretas fica em uma posicao infe- liz na casa c6, atrapalhando as suas proprias pegas. Os jogadores de xadrez costumam se referir a tais casos como “mau posiciona- mento de pega” e “pobre coorde- nac4o de forgas”. 11 ®Dbd7 O Bispo ocupando a casa c6 forgou o Cavalo a um papel pas- sivo, impedindo que pudesse exercer um papel ativo naquela casa, de onde ele atuaria sobre 0 centro controlado pelas Brancas. Pode ser que as Pretas nao quises- sem dar as Brancas a vantagem do par de Bispos apds 11 ... 0-0 12 Be5, mas este teria sido o me- nor de dois males, uma vez que na situagao presente o Rei Preto permanece no centro. Teria sido mais razoavel se as Pretas buscas- sem a seguranga do seu monarca retirando-o do centro, tao logo quanto possivel. 12 0-0 Ja que as Pretas demoram a colocar seu Rei em seguranga, as Brancas decidem abrir 0 centro a qualquer custo (removendo os PeGes das colunas centrais). Para isto elas afastam o seu Rei da zo- na de combate deixando a drea livre para a agao das Torres. 12 h6 Uma medida preventiva, simi- lar ao lance 4 a3, que impediu o lance das Pretas ... &b4. Mas 12 ... 0-0 seria mais adequado. O seqiienciamento preciso das operagées é um componente im- portante da partida, e o Grande Mestre Florian Gheorghiu esco- Theu um momento infeliz para medidas preventivas. 13 Hal As Brancas centralizam a Tor- re, antevendo a abertura da colu- na da Dama. 13 We7 Jaé tarde demais para as Pretas rocarem. Depois de 13 ... 0-0 14 d5 (um sacrificio de Peao) 14 ... ed (14... 2b7? € uma jogada fra- ca, pois com 15 de fe 16 &bS5! as Pretas teriam problemas por cau- sa do seu Cavalo preso na casa d7) 15 ed &b7 16 v4 &£6 17 &b2 as Brancas obtém um forte Peao passado no centro. 14 d5! “Aquele que esta em vanta- gem deve agir rapido.” Esta era uma das maximas do grande pen- sador do xadrez e primeiro cam- pedo mundial Wilhelm Steinitz (1836-1900), que formulou as leis basicas da estratégia enxa- dristica. Uma andlise da heranga classica deixada pelos corifeus do passado é util para todos os entu- siastas do xadrez e uma necessi- dade para aqueles que desejam estudar seriamente e melhorar seu jogo. Na partida anterior as Brancas sacrificaram apenas um Peaio para obter tudo o que queriam: abrir as colunas centrais, amarrar as pegas Pretas na coluna da Da- ma e manter o Rei adversario no centro. As Brancas visivel- mente venceram o primeiro es- tagio da partida — a abertura — e fizeram por meio de um plano de agio consistente. No entanto, para capitalizar tais vantagens, € preciso agir de modo rapido e preciso. LI¢Ao 3 Equilibrio Material De modo a avaliar corretamente 0 equilibrio de forgas em um ta- buleiro, é preciso, antes de tudo, estar ciente do valor comparativo das pegas. O Rei ocupa uma po- sigéo excepcional aqui, ele nao tem prego. Ele nao pode ser tro- cado, ¢ qualquer ameaga ao mes- mo deve ser eliminada, ou a parti- da termina imediatamente. A pe- ca mais poderosa é a dama, que em média costuma ter o valor de uma Torre, um Bispo e um Peado e meio. Uma Torre tem aproxima- damente o valor de um Cavalo ou Bispo e um Peao e meio. E por Ultimo, um Bispo ou um Cavalo sao mais ou menos equivalentes a trés PeGes. Mas além do valor nominal de cada pega, ha um valor real que se modifica ao longo da partida. Es- ta nogao mais sutil e importante reflete a importancia de cada pega no que se refere 4 sua carga de 13 trabalho, em um dado momento (na hora de um lance), e as suas perspectivas, que decorrem da posigéo especifica no tabuleiro e do plano de jogo. Aavaliagao cor- reta da forga real de cada pega, a cada lance, determina em grande parte a extensao do potencial de um jogador. Anogao de vantagem material no xadrez reside no desequilibrio de forgas. Quando um lado obtém uma vantagem material, ele tenta aumenté-la, de modo a quebrar a resisténcia de seu adversario; ou mantém a vantagem, trocando tantas pegas quanto possivel para entrar na fase final. Mas as vezes acontece de um jogador entregar material deliberadamente. Eu, por exemplo, gosto de atacar a posicao do Rei, e nao hesito em sacrificar pegas em troca dos PeGes, de modo a derrubar sua defesa. Foi deste modo que jo- guei, algum tempo atras, com La- jos Portisch, um Grande Mestre hingaro. Depois dos primeiros 16 lances chegamos 4 seguinte posigao: Se nés imaginassemos que o Pedo na casa d4 nao estivesse no tabuleiro, veriamos que os Bispos Brancos atacam exatamente os dois Pedes Pretos que protegem o Rei, que nao tem nenhuma outra protecao. Tudo isto exige um ata- que-relampago cujos fins — rou- bar do Rei suas tltimas defesas —justificam os meios, que neste caso representam a perda de um Peao Branco e do formidavel par de Bispos. Em primeiro lugar € necess4- rio abrir caminho para o Bispo na casa b2. 17 d5! ed 18 cd &xdS O pr6ximo passo é eliminar as defesas do Rei. 19 &xh7+ 20 Bxd5 Agora, quando o Rei busca proteger-se atras do seu Peao, 0 Bispo restante vem e, ao custo de sua vida, aniquila de vez o tltimo reftigio do Rei Preto. “ &xh7 Uma série de sacrificios dei- xou 0 Rei Preto encarando o nada, em uma posigao na qual a Dama Branca representa a maior amea- ga. 22 Des! Bas 23 We4+ SF 24 wis £6 25 Dd7+ —-Exd7 Se 25 ... @f7 as Brancas ven- cem imediatamente com 26 Wh7+ Se6 27 Hel+ &xd5 28 We4+ Sd6 29 Web mate. 26 Sxd7 WeS 27 Wh7 Ee7 Ha um certo equilibrio mate- rial na posicao acima. Uma Torre e um Peao Brancos confrontam um Bispo e um Cavalo. Ainda assim as pegas Pretas estféo mal posicionadas, especialmente o Rei, e as Brancas penetraram na sétima horizontal com duas de suas pegas mais fortes. O final da batalha esté préximo. Tudo de- penderé de quao rapido as Bran- cas possam trazer uma de suas ‘Torres para a casa g3. No entanto, © ltimo lance das Pretas arma discretamente uma cilada, para os jogadores afoitos, 28 Wh8+ Se as Brancas tivessem jogado 28 Hd3 de imediato as conse- qiiéncias seriam desastrosas, ja que as Pretas fariam um sacrificio de Dama — 28 ... Wxf2! 29 &xf2 &c5+ e Bxh7 a seguir. A réplica 29 Bxf2? € ainda pior, seguindo- se mate com 29 ... Hcl+ 30 3f1 $c5+ 31 Shi Axfl mate. 28 ... Sf7 29 a3 Ded 30 Hai Nunca é demais pér em jogo as suas reservas... 30 De5 31 Wh7+ e6 E impossivel recuar com 31... &f8 porque se seguiria um novo sacrificio com 32 Hd8+! &xd8 33 Exd8 mate. O Rei € obrigado a dirigir-se para 0 centro do tabulei- ro, € em noventa € nove por cento dos casos, isto é sin6nimo de der- rota. 32 Weg8+ ots 33 g4+ fa 34 Bd4+ of3 35 Wb3+ E as Pretas abandonam. Nao € preciso dizer que todos os jogadores devem conhecer e respeitar os principios basicos do xadrez, inclusive os valores rela- tivos das pecas, mas é exatamente a diversidade de excecdes a esta regra, que torna o xadrez um jogo tio fascinante. Tais excegdes le- vam a situagdes de equilibrio in- comuns, onde 0 caminho correto costuma ser encontrado pela in- e pela experiéneia. Como parte das minhas experiéncias eu lembro de um trecho de uma par- tida que eu estudei, disputada en- tre Mikhail Tal e Oscar Panno, em 1958. Sem que houvessem conclui- do o desenvolvimento de suas pe- gas, os adversarios iniciaram um embate feroz em que 0 equilibrio material de forgas perdeu a sua importancia imediata. A coisa vi- tal ali era avaliar corretamente o alcance e a eficdcia das pegas. TS we Dxb3 19 D6 As Brancas pretendem tomar a Dama com este lance, mas entre- gam material demais em troca. DP ses @xal 20 Axd8 £5! 21 we Haxd8 22 Exe7 &xbl 23 Sxf4 Exd4 A posicao se alterou, além de qualquer possibilidade de reco- nhecimento, em cinco lances. 16 Dois Cavalos e uma Torre nao va- Jem, de algum modo, menos que uma Dama e, além disto, o Bispo Branco nao se encaixa adequada- mente no jogo. Obviamente o re- sultado desta luta dependera da agilidade da Dama Branca. 24 Wed! 226 25 We6+ 2f7 26 wes De2 27 b3 296 Tal temia mais um contra-ata- que Preto iniciando-se com 27 ... Ed1+ 28 @h2 Dd2. As Pretas acabam por jogar um lance sélido que forga as Brancas a complica- rem 0 jogo ainda mais. 28 Ixg7+ w&xg7 29 2h6+ = Sxh6 30 Wxf8+ gS 31 be be Mais uma vez a posigao trans- formou-se radicalmente. As Bran- cas tém apenas a Dama e alguns Pees no ataque. 32 23 Bea 33 h4+ ée4 34 eh2 25! Panno visa entregar uma peca (35 13+ Gxf3 36 Wxf5+ $e3) de modo a trazer o seu Rei para 0 flanco da Dama. Por isto € que as Brancas a recusam, preferindo a oportunidade de manter o Rei ini- migo no flanco direito, ao alcance dos seus Pedes. 35 Whe h6 36 Wes Bed 37 We7+ ee 38 We3+ = De3 Um empate mais simples dar- se-ia com 38 ... &xf2 39 Wxc2+ SB. 17 39 el 2g4 40 fe hS 41 Wel Bixe3 41 ... Be6 42 e4 c3 poderia ser outro caminho alternativo para um empate, ja que as pegas Pretas acabariam defendendo umas as outras, com o Rei Branco imobi- lizado em uma jaula. 42 Wfi+ ged 43 Wxced+ eB 44 Wfi+ Se4 45 Wxa6 Agora a Dama Branca conta com um auxilio — do Peo pas- sado na casa a2. Foi este Pedo que definiu o resultado do combate, mas trata-se de assunto para uma outra ligdo. LIGAO 4 A Importancia do Centro As casas e4, d4, e5 e d5 no centro do tabuleiro séo muito importan- tes. Elas comparam-se a uma co- lina do alto da qual pode se ver todo o campo de batalha ou langar um ataque nocauteador a qual- quer alvo no tabuleiro. Express6es tais como “luta pe- lo centro”, “controle do centro” e “minar o centro” também refle- tem instantes cruciais da batalha e sao velhas conhecidas de qual- quer jogador experiente. Aluta pelo centro comega mes- mo nos primeiros lances. O lado 18 que conquista uma vantagem no centro (ou 0 ocupa) geralmente garante uma facilidade de mover suas pecas, de um lado para outro do tabuleiro, o que constitui uma vantagem para suas forgas. Cem anos atras 0 combate pelo centro era bem mais descompro- metido e cavalheiresco. As Bran- cas em geral corriam e ocupavam o centro com os seus Pedes e dis- punham-se razoavelmente a sa- crificar material. Os gambitos, ou as aberturas em que se entregava material, estavam muito em voga. 1 e4 eS 2 fa! ef Atualmente a resposta mais comum é 0 contra-gambito 2 ... d5 3 ed d4!, tornando o combate central mais sutil. 3 OB Wilhelm Steinitz (1836-1900), oficialmente considerado o pri- meiro campeao mundial, gostava dé jogar 3 d4, de modo a permitir 3... Wh4+ 4 Se2. Ele acreditava gue ter uma vantagem no centro era mais importante, do que uma boa protegiio para o Rei. Ri 25 4 Bed 24 5 0-0! ef 6 Wxf3 wre 7 @B 2h6 8 Dc3 De7 9 2xf4 6 10 &xh6 — Wxh6 11 Wsf7+ éd8 12 286 Wes 13 Bafl ilustrou de modo mais pratico a estratégia das Brancas no centro. P. Morphy — J. Arnous de Riviére Paris 1863 1 ed e5 2 AB Dc6 3 Rc4 Bcd 4 b4 &xb4 Ss ch SS 6 0-0 d6 7 d4 ed 8 cd 2b6 9 DB Esta foi a continuagéo de uma das partidas disputadas pelo gran- de enxadrista russo Mikhail Chi- gorin, em 1878. As Brancas sacri- ficaram uma pe¢a e desencadea- ram.um forte ataque, onde a sua superioridade no centro desem- penhou um papel decisivo. O eminente enxadrista ameri- cano Paul Morphy (1837-1884) Naquela €poca esta posi¢ao in- teressantissima nao ficava nada a dever 4 atual popularidade da abertura espanhola. Ao sacrificar um Peao, as Brancas obtém uma clara vantagem no centro, onde elas mantém um poderoso par de Pedes que, se usado como um escudo s6lido, permite que as 19 Brancas reagrupem suas forgas conforme necessario. As Brancas também estabeleceram um forte controle sobre o centro do adver- sdrio, i.e., dois ataques contra duas defesas a casa e5 e trés ata- ques 4 casa dS, que nao contacom defesa alguma. As Pretas nao podem jogar 9... @f6 porque ai se expOem ao ata- que 10 e5! de 11 a3! S&xd4 12 Wb3! Se6 13 Bxe6 fe 14 Wxe6+ De7 15 Dxd4 ed 16 Hfel! Considera-se que a melhor resposta para as Pretas 69... 224, continuando apés 10 &b5 com 10 ... 2d7 ou 10... &f8. J. Arnous de Riviére fez um lance natural, mas infeliz, que permitiu, 4s Brancas, tirar partido de ‘uma outra vanta- gem, do seu par de PeGes no cen- tro — a sua mobilidade, De fato, enquanto os PeGes esto fixos na casa e4 e d4 eles provocam uma 20 situagéo 4 qual as Pretas podem se adaptar. Mas cada um destes PeGes pode avangar, criando no- vas situagGes para tas terao que achar uma defesa, o que € consideravelmente mais di- ficil. Por isto é que um. “centro movel” de Pedes é um fator im- portante na hora de se avaliar/as chances de ambos os lados na batalha que se anuncia. Dw wre 10 Das Wg6 i ADfat wie 12 ¢5! O Peao central avangou e criou uma situagio na qual as Pretas, em vez de desenvolver suas pe- gas, tém de se preocupar com a defesa do seu Rei. Sera preciso um esforgo formidavel, j4 que a maior parte das pegas Pretas esta ainda presa nas suas posig6es ini- ciais. E neste ponto que as Bran- cas — valendo-se da sua vanta- gem com relagdo ao numero de pecas efetivamente envolvidas no combate — executam uma ope- ragéo tipica: abrir o centro (eli- minando os seus préprios Pedes e também os do inimigo) para dar passagem As pegas maiores. Quando o centro esté aberto, o papel das pegas aumenta conside- ravelmente, e 0 seu posiciona- mento é revestido de uma impor-

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