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Arte sem paradigma Arthur C. Danto Utilizondo © conceito hegetiano de."fim da art © autor analisa neste texto a situacdo da arte contemporénea o partir de seu percurso pessoal ~ marcado no inicio, em meados dos anos 60, pelo contato com a expasicao das Brillo Box de Andy Warhol ~ e aponto as carocteristicas que distinguem fundamentalmente esse periodo do anterior, dominado pelo paradigma mod to estabelecide pela andlise formelista de Clement Greenberg. Nio pretendo apresentar novas teorias, mas. ne maxima, 0 que tem sido 0 meu percurso. (Um dos aspectos mars importantes no falar sobre arte para mim foi a proximidade com ~ period foi muito importante para a arte, {foi também favoravel 3 teoria da arte. porque em nenhuma autre época houve uma arie que se prestasse tio bem a ser traduzida ‘em uma flosofia © que abrisse Manco 4 possibikdade de se compor um estudo tedrica. ‘Sporto de partida é um texto meu de 19 Philosophical Diseniranchisement ‘Art’."A Destituicdo Filosdfica da Arte” G conceito de fim da arte pode soar como mi noticia, mas contemporaneamente traz consigo uma noticia boa. Ainda em 1984 _Hans Betting publicou um texto, O Fim da_ ‘THisténa da Arte? e. 15 anos depois, m texto com 0 mesmo titulo, mas sem 0 ponto de interrogacio. Recentemente aconteceu de encontrarme com Betting em Nova York. e comentei com cle 2 singularidade de ambos termos escrito textos sobre © fim da arte e de terem rnossas respectnas fihas casado com pintores. Ate mesmo esse aspecto se encama bem, no funde, com 0 conceito de fim da arte. Belting escreveu outro texto, que se chama Bids und Kunst, A imagem e a arte. que tem tum subtitulo maravihoso: A imagem antes da era da arte: E um livra que fala sobre “Ggumas Magers sacras do inicio da Idade Média, da arte dos séculos das trevas. Troi de modernism; imagem: pés-hstéro imagens que esto conservadas em sua maior parte aqui na Itlia, em Roma, e que pertencem ao século 10. Uma caracteristica ddessas imagens € que. mesmo sendo consideraveimente arte, no seu tempo eram percebidas e fruidas por seus contemporineos ‘de maneira muito diversa. Essa definicSo de imagem anterior & era da arte pode ‘encontrar um correspondente adequado na imagem posterior a era da arte, que ‘equnale 20 periodo em que estamos vivendo. isto é,ng arte pés-histérica, Portanto, uma vez que 0 periodo da ¢ arte comega no 400, podemos agora dizer “que nos encontrarios plenamente num periodo pés-histérico. no qual. o modo de ver de perceber e de fruir a imagem . fim da presenca, no interior da arte, de uma estrutura narrativa precisa, por meio oa qual se pode falar sobre uma ascensio da arte na direc3o de uma forma sempre crescente de autoconsciéncia. Pode soar Thegeliano: e, de fato. Hegel, jd ern sua Lico de Estévica, de 1821, hava falado a respeto do fim da arte como de um momento que se atingia a partir de uma tomada de conscigncia por parte da arte e de um reconhecimento de sua prépria natureza interna, Esse fenémeno do fim da narrativa do fin da narraco no interior da arte, pode Ser stuado por volta do final dos anos ‘sto €, naquele momento em que a THApucOES © ARTHUR © DARIO 199 AJE acvista 20 PROGRAWA DE Fos GeADUACAD EW ARTES ¥ moderna. depois de ter atravessado uma hist6ria muito atribulada, voltada sobretudo para a direcio da autoconsciéncia, define uma forma diferente de narrativa na qual a ‘Tomada de conscitneia da esirutura interna € muito mais importante. Num certo sentido esse desiocamento 6 semelhante 20 que sucede no Bildsdung Roman aierio, aquela forma de romance que representa uma tendéncia do personagem a uma tomada de consciéncia da propria identidade e da prépria natureza. depois da qual pode comesar algo diferente, algo novo. No meu ponto de vista. 0 que identifica ‘como mudanca_ radical da forma de arte. da entre outros trabalhos. as Brilfo_ Boxes. Tenho continuado a escrever sobre essa exposic3o ‘hd muito tempo; era uma mostra das caixas de detergente para lavar pratos (que também era encontrado aqui na fila), Tocou-me porque, na realidade. a filosofia ‘Sempre se ocupara com o problema da natureza da arte, isto €, do que € a arte, “mas essa questo nunca tinha sido cofocada ‘de maneira tio direta e explicita como ‘Normaimente a questio filoséfica da identidade se coloca sempre com essa ‘estrutura’ aqui esto dois objetos que podem se assemelhar exteriormente, mas cuja natureza € diversa: a mesma questo se apresenta no confronto com as Brilo Boxes ‘de Warhol, isto €, como esta Bello Box. uma Portanto. essa for a primeira vez Que 0 problema foi colocade de modo tao claro. ‘Warhol nio {oi 0 unico a propor essa ‘questo, ainda que o tenha feito tio singularmente ~ na Europa, por exemplo, 0s Nouveau Realistes propunham um problema semelhante, basta pensar em Klein ou Arman. Quero acresen afirmacao. O pri (ois corotériod ssa grande clareza por Warhol - € 0 de que a _obra de arte no deve ter uma forma particular — a ser assumido como certo: ert todo © ‘estudo da filosofia da arte, de Hege! a PiatSo a Heidegger, continuava a haver um paradigma muito preciso SObr a forma QE _-2 obra de arte devena ter e sobre agua, Propriedade caracterisuca que the competiria. “Logo. © que muda profundamente com a mostra de Warhol, naquele,rmomento histénico, € que a obra de arte no se submete mais ar forma partcular. “E que a andlise da obra de arte no se faz “através da visio. mas da andise Th ‘\Veyamos um par de exemplos relativos ao segundo corolino. Ele afrma que & informacéo paramere vas 2 9 04 aaa Siam Gio ambain Bio be pode Gaer que tipo de interpretacio € preciso dar a uma. Obra de arte. Recentemente eu estava “Folheando revistas vethas de arte americana Em um nimero de Art in America havia uma foto de Walker Evans. a foto de uma ‘camponesa, que € uma imagem classica do século 20. Vendo aquela imagem, no pense! imediatamente em Watker Evans, mas em ‘Sherrie Levine Levine € uma artista que se apropniou totalmente da propriedade autoral da fotografia de Evans. Sherrie Levine, de fato, refotografou essa fotografia como seu balho. inttatando-o io Ae Wier Ev Walker Evans — Depas de WaKker Evens ‘ou Segundo Walker Evans. A diferenca de sentido entre aquelas duas imagens. a de Evans © a de Levine. ¢ astronémica. As imagens de Evans falam a respeito de humanidace. fotos nas quais 0 “Trabalho e a fadiga so exculpidos no rosto “da cams da carmponesa. O trabatho de Sherrie “Levine, por sua vez, observa as imagens € _fala a respeito da propnedade delas, do “problema de a quem elas pertencem. mas wae pars SS tio po beta cer, Que ‘depende de outro tipo de informacso. (Um segundo exempio € 0 seguinte. Antes de vir para Milio participei de uma conferdncia na Kunsthaus de Zurique onde hd uma galeria, Bruno Bischofberger. Lé havia uma mostra de Mike Bidlo, intitulada Not Andy Warhol, © que fez Bidio? eB ate © apresentouras dO Sprezriadas es Pas G8 Arte de “Pasadena, na California. Na realidade, “ambém nesse segundo exemplo a informacio visivel € totalmente insuficiente, ainda que seja difcl perceber que informacio Bidio quer comunicar com esse trabalho. Digamos que, se as Brilo Box de Andy Warhol s80 uma obra de filosofia pura, as Brio Box de Bidlo so uma obra de flosofia “"apicada — nilo sei até que porto aprofundads. Bidio € um exemplo extremamente interessante para se aproximar para efeito de contraste com Warhol. Warhol tinha um estilo preciso e bem definido: havia nisso- algo do artista cléssico.é Bio € totalmente desprovido disso: Bid um apropriacionsta. Desde 0 micio de sua carreira Bidlo sempre pintou obras de outros: pintou inicalmente Morandis, Picassos. Légers, até que acabou tendo problemas com a Fundacdo Léger, Gevido a essas reproduces. Certo, Bidlo poderia refazer até mesmo um Fiero della Francesca, uma Madonno de! Parte, ou Lo Storia delic Vera Croce, mas com a diferenca de que os Piero della Francesca de Bidlo no teriam nenhuma ressonéncia e semeihanga estilistica com as obras de artistas contempordnecs a Piero della Francesca a0 passo que as obras atuais de Bidio tém ressondncia e assonancia estilistica muito forte no confronto com as obras de artistas contemporéneos, como Cindy que formaimente possam ser t3o belas Quanto um Piero della Francesca. rua iw naa eho Ss Nem tude € de fato possivel a cada tempo. Waifin em sua tese sobre a historia da arte, definiu as leis dessa possibilidade: ele fala sobre uma sucessio de estilos no tempo. Artistas que trabalhavam no mesmo periodo, como, por exempio, o flamenge Terbourg e Gian Lorenzo Bernini na realidade, se comparados ¢ examinados. apresentam caracteristicas comuns © 330, como dizia Wolifin, maferish, isto & “pictéricos". Do mesmo modo pode-se venficar que Boticelli e Lorenzo de Credi, apesar de a primeira vista parecerem totalmente distantes, pertencem ao mesmo periodo estilstico, enquanto Boticelli Bernini, por outro lado, pertencem a dois, periodos totalmente diferentes; do que decorre que um artista do tempo de Boticeltindo tinha a possibilidade de produzir obras como as de Bernini e vice-versa Isto € 0 que se define como sendo a lei da possibildade. Neste momento particular, isto ¢, hoje. 0 _que eu entendo por fim da arte € que tudo fap “apenas um exemplo paradigmatico disso; no quero fazer um juizo de valor: ainda que falemos de fim da arte, na realidade & ‘um periodo que me parece muito interessante; mas é © primeiro perfodo da histéria no qual ndo hd uma directo precisa “eno qual qualquer escotha € possi Temos falado a respeito de um momento ‘em que_todas as possibilidades esto _abertasi na realidade, trata-se de uma fase “muito semelhante Aquela que Hegel menciona em sua filosofia da politica, um fim da histéria.no qual todos sio livres. De fato, a histéria € vista por ele como um proceso ‘gradual de liberacto dos homens, partindo ‘de um momento no qual so poucos os livres, para finakmente chegar a outro, no qual todos so livres, que ele identificava com a época em que vivia, Assim sucede ra histéria da arte. 0 jova York quando comecei a me interessar por arte. Aquele foi um periods qué durou por todos 0s anos 40/50 e se prolongou em parte até o fim dos anos 6 caracterizou pela presenca de um critico famoso, que escrevia para The Nation — jornat para o qual contribuo hd muitos anos ~ Clement Greenberg. TARDUCOES © ARTHUR C CANTO 20F AJE revista po eHocRAWA OF Fos GRAD A concepcio ada arte era profundamente diferente daquela “que Ihe: proponho agora Ele tha uma teona do modernismo segundo a qual a intura desenvolve um processo em diregio 4 tomada de consciéncia de sua prépri: “nafureza — que Greenberg identificava com algumas caracteristicas: a pintura deve Tapresentarse como plana ilustrativa, deve deixar um espaco suficiente: paraaarquiteturae "Possti, portanto, aspectos relatives a0” _espaco e a superficie que so absolutamente _centrais, O processo que levava a0 ‘modernismo e a uma forma de arte cortodoxa era o de uma tomada de consciéneia da prépria esséncia que. ogo. devia dar forma a exemplos puros de si mesma, Naturalmente essa era uma vis50, <_Muito dogmatica, com base na qual $6 havia “uma possibihdade de se fazer arte: todo 5 _resto da arte era retr fazer, € 1550 implicava uma separacdo total centre os géneros e entre as formas ‘singulares de arte, sem nenhuma comunicacao: uma situacdo muito diferente daquela com que nos deparamos hoje. A inspiracio greenberguiana ¢ seu enfoaue artistico, pensaram que thes era concedide desligarse do paradigms © poder fazer aquilo que reaimente queriam. Entre eles um artista negro, de que gosto muito Robert Colescott, que declarou querer ‘botar os negros na histéria da arte, Para “Tanto repintou Mmuitas OBras-priMas: por “exemplo os Comedores de Baroras de Van “Gogh, com dois camponeses negros, infitulando a nova obra Eaten Potatoes. que ra giria significa “negro” com conotagao depreciativa; ou 0 faroso quadro de Larner, George Washington Crossing the Delaware, modificado pela introduco de negros em lugar dos herds da Guerra da Independéncia. Em seguida aparecem outros artistas, como Jenny Holzer; no inico ela era sobretude ‘corajosa a0 pintar obras abstratas em tras, mas num certo momento parou © disse: ““Quero tentar fazer alguma coisa diferente, ‘tomara que ndo seja arte. mas quero fazer testes”. Portanto na reaidade es dogmatismo, NO qual o paradigma era fundamental, foi necessinio para que se chegasse em seguida Deve-se entender que, ‘que chegs 20 proprio fm difere mato do “tiveram uma grande infiuéncia no rrundo” Sa arte, Um so foi Ad Remhardt. Com sua obra tinha-se a nitida “sensacio dé se ter chegado ao fim de um Projeto: Reinhardt pintou aquele que devia ser © Uitimo Quadro, uma tela quadrada de 50 por 50 polegadas, indubsavelmente muito bela. Ele mofreu muito jovem e taivez tivesse continuado a produzir aqueles bhessimos “ultimos quadros” negros se os museus continuassem a compri-los. Muitos outros artistas fizeram sua essa sensagio de ter chegado ao fim de um projeto: entre esses Robert Ryman, por exemplo. cuja caracteristica, desde que comegou 2 pintar. fol. por sua vez, produzir ros brancos. Naturalmente. $36 ‘arabes desses quadros o que ele procuz durante 30 anos. mas que podem bem ser desertos de modo sintética como “quacros brancos”. Outros artistas. por outra lado, tendo visto Ryman e percebendo que ele tinha chegado ao fim de um projeto 202 “paradigma de Greenberg Se Greenberg via ~aarte que chega a0 préprio fim como um ponto em que 0 artista produz formas uras, conformando-se a cinones muito preasos, um quadrado branco ov um quadrado negro, para mim € muto diferente. Segundo minha idéia,a arte que _chega 20 fim de si mesma ¢ a arte que auinge a compreensio flosofica de sua” - a Gonsie € 3 Bib Borde Wa 3 Brilp Bax de Warhol, isto €,a total semelhanca entre dow ObjeTOs ‘dos quais, no entanto, um € arte, enquanto sutra, o realnio Por isso © fim da histéria da arte traz como consequéncia uma separacdo entre arte & filosofa: 0+ filbiofos se ocuparao de fazer seu prépro trabaho, enquanto os artistas se dedicardo a fazer 0 que. querem sem. ter Que. Se conformar a neni a nenhum (projeto. a nenhum esquema pré-estabelecida,, Corieica apenas ts Spine Gemwion aoe ‘Stogpee,rsssage pr pnfcrs Se Mina em 1994 Trance Rows Marie Rewabs Gina Ferra

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