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CAPITULO 2 GENESE E MALHAS DO TERRITORIO T Ao era dbvio que 0 Brasil se tomasse o gigante )\ cetiiemetecnten tates tugal pelo Tratado de Tordesilhas (que demar- cou, em 1494, possessbes espanholas e portuguesas) era limitada pelo meridiano que passa pela foz do rio Ama- zonas, Dois séculos ¢ meio depois, as fronteiras atuais, uase trés mil quilometros a oeste da anterior, jé eram atingidas na maior parte da sua extensio, e a forga do sentimento nacional, forjado nesta conquista, permitin, superar todas as segmentagdes socias e regionais, Paradoxalmente, o Brasit deve essa imensa exten silo, em grande parte, & pressio das rvalidades estrangei- as que forgaram Portugal a considerar mais seriamente ‘uma conguista comecada com muita mé vontade e, em seguida, a estendé-la e a consolidé-la. No entanto, essa vontade conquistadora ndo explica tudo: foi somente gra- 288 coincidéneia de uma agdo politica deliberada e con- tina, e de um impressionante dinamismo pioneiro, que puderam ser obtidas a extensio e a unificaglo do tertité- rio brasileiro. Esse tamanho continental foi conquistado, ‘onstruido ¢ gradualmente consolidado passo a pass. ‘Asmalhas administrativas e politieas hoje vigentes levam a matca dessa histéria. Foram capazes, mediante alguns ajustes, de acompanhar a evolugao de um pais cuja populagio foi multiplicada por dex durante oil ‘mo séeulo (de 17 milhdes em 1900 a quase 170 milhdes de habitantes em 2000). Munieipios e Estados tém sido criados até hoje nas regides conquistadas (e outros ain- dda podem vir), contudo as malhas ~ de tamanhos desi- guais ~criadas nos primeiros culos do Brasil colonizado Permanecem vélidas, Atlas do Brasil A construgao de um arquipélago continental ‘Quando Pedro Alvares Cabral aportou na costa da terra que se tornatia 0 Brasil,no dia 22 de abril de 1500, seu objetivo nao era conquistarnovas terras~a meta es- sencial da Coroa portuguesa era, entéo, 0 controle da rota das especiarias orientais Nessa estratégia, a terra descoberta podia apenas representar, no melhor do ca 808, uma escala para navios extraviados, pois era uma ‘pobre conquista em relagio aos tesouros que os espa- nis tiravam dos seus novos dominios Para haver uma certa consolidaeso da implantagio portuguesa foi ne- cesséria a ameaga de novos rivais os aventureirosfran- ceses, navegadores vindos principalmente da Norman- dia, que estabeleceram feitorias e concluiram aliangas ‘com 0s indigenas. Essa rivalidade levou a Coroa a em- Preender uma politica de colonizagio sistemticae foi uma das razdes da criagio das “capitanias hereditérias”, ‘em 1532, Atribuindo a nobres portugueses vastas por- ‘ges da nova colbnia, o rei esperava que pudessem con- firmar até 1559 a sua soberania,cuj alcance era imita- do, sobre alguns pontos de povoamento costeiro, entre tamaracé (a0 norte da atual cidade de Recife) e Sto Vi cente (So Paulo). Foi principalmente para proteger 0 seu flanco ameagado que os portugueses avancaram para © norte até ating Belém, o que permittia 0 controle da fox.do Amazonas em 1616. E nesse contexto que se situam as tentativas ar- riseadas de colonizagio pela Franga e pela Holanda. A Franga Antérctica, fundada por Nicolas Durand de 02-01. A ocupagao do territério brasi 1 Meridiano de Tordesithas II Tero ose no sue Terr eto no kev IB Tort ost no seu XM 1 Torte os 0 seus x 1 Tories no copa 60 X0 AL Fores porugueses Frontera poo Tatado de Utrecht (1708 Frontera fata poo Tatado de Mac 1750) =» Fontana palo Tata do adj i181} (Cantos tro oboe por riage no fil do seauo XK ra oo XE ons Mar o Abou, As Miao, ere Doves Prineiais banderas > Capt de ros sevens Prcuia do mingtios > Belorendo coated eB Villegaignon em 1555, na bafa do Rio de Janeiro, foi sendo derrotada pelos portugueses a partir de 1560. A Franga Equinocial, col6nia fundada no Maranhao em 1612 por Daniel de la Touche, senhor de Ravardiére,co- ‘nhece 0 mesmo destino. Apés a sua reconquista em 1613, os portugueses tiveram a elegancia de rebatizar como Sio Luis a cidade que tinha sido chamada Saint Louis em homenagem a Luis XILL As tentativas de im- plantagio de coldnias holandesas tiveram mais ampli de e mais sucesso. A primeira, na Bahia, em 1624, foi fa- cilmente rechagada, mas 0s holandeses voltaram em 1630, ‘a Pernambuco: conquistaram, entdo, um vasto territério Génese @ malhas do territério que se estendeu de Alagoas & Parafba e, mais tarde, até © Rio Grande do Norte, o Cearé e o Maranbéo, Foram expulsos somente em 1654 Essa foi altima tentativa séra feita por europeus do norte para fincar pé no Brasil voltaram-se em segui- da para as Antlhas, que transformaram em “thas do agtcat”, provocando, assim, em grande parte crise da ‘economia acucareira brasileira, O continente ficava, en ‘70, bem menos interessante, e as novas poténcias colo- nai, a Franga,a Holanda e a Inglaterra, satisfizeram-se com as trés cabesas de ponte das Guianas.&, portanto, sgragas mais 20 desinteresse de seus rivais do que a sua propria energia que Portugal pode ter consolidado um vasto império continental Nao se pode menosprezar um periodo famoso da histéria colonial, as bandeiras,essas expedigBes langa- «das através do continente, com a béngio distante da Co- oa, que contribuiram fortemente para estender 0 domt- nio portugues. Seu foc0 principal fi um povoado nasci do ao redor de um colégio fundado pelos jesutas, Sao Paulo. Destaaldeia, onde se flava mais tupi que portu- gus, partitam expedigdes compostas de um punhado de brancos agrupados em volta de uma bandeira, algumas, dezenas de mestigos e, principalmente, indios aliados, ‘que conheciam melhor que os portugueses as trilhas an- tigas e 0s recursos naturais que podiam ser usados no ‘camino, Favorecidas pela topogratia, que os afluen- tes do Paran as conduziam para o interior, esas expe- digBes duravam anos, durante 0s quais os bendeirantes percorriam centenas de quilémetros, parando, as vezes, para plantar milho ou mandioca...e esperar a colheita. AA partir dos afluentes da! margem esquerda do Paran, essas expedigdes de longo curso ditigiam-se para o Sul, descendo até o Rio da Prata, para o oeste subindo os afluentes da margem direita, ou para o norte, via rede ‘amazdnica. O motivo dessas aventuras era evidentemente aes- peranga de lucto, porque pretendiam capturar indios para as plantagdes de eana-de-agticar do ltoral, Os ban- deirantes logo entraram em conflito com jesuitas portu- gueses ¢, sobretudo, os espanhdis, porque as aldeias de misslio, onde tentavam agrupar e catequizar os indios, constitufam presas tentadoras. Mais tarde, voltaram-se Atlas do Brasil 34 para a prospecgdo de metais e pedras preciosas, desco- brindo, no fim do século XVIII, as javidas de ouro de Minas Gerais (as quais defenderam de armas na mio contra 0s colonos recentemente chegados de Portugal) e,em seguida, as de Goi, em 1718,e as de Mato Gros- so,em 1725, Outras razdes dever, no entanto, ser consi- | Le a fe) d a recursos e poder. Os desequilforios regionais, tio evi- dentes no Brasil, sio, em grande parte, produtos dessa historia contrast Mas, como jf foi dito, a hist6ria do Brasil no se reduz.a esses ciclos. Outros fatores devem ser levados em consideragao. A agdo deliberada dos governantes € 0 dinamismo pioneito dos pecuaristas, dos garim- peiros € dos aventureiros de todas as espécies Ihe as- seguraram uma dimenséo continental, onde as “has” produzidas pelos ciclos econdmicos eram ainda, Atlas do Brasil cingienta anos atrés, separadas por vastos espacos vazios ou quase vazios. Permanece ainda espago para novas corridas, quando um novo recurso aparecer aqui ou acolé, 0 que acontece freqentemente. Ea poténcia dos meios modernos de transporte e de comunicagio reduz todos os dias o isolamento das terras de ninguém. ‘A organizagio atual do espago brasileiro incorpo- 1a, por conseguinte, as herangas de sua histéria econd- rica, da genese de sua economia, de sua sociedade, de 02-09. Evolugao econémica IB (USS mithées) 9007— 00: 700: ai cas mings: oa deli nto so racers 1998 sua estrutura de poder, ou seja, da construgdo de um espago social. Como nos outros patses latino-america- nos, 0 perfodo colonial deixou como heranga a econo- mia de grandes propriedades exportadoras (planta tion) e a desigualdade social. O funcionamento em ar- quipélago foi progressivamente reduzido & medida que a integragio territorial foi sendo realizada sob 0 comando do centro. O peso da historia certamente no desapareceu: ocupadas ¢ estruturadas em fungao de atividades econdmicas diversas, durante “ciclos” distin- tos, as regides brasileiras ainda esto organizadas em bacias de exportagio quase autonomas. As disparida- des que existem entre clas refletem ainda, em boa par- te, 0 maior ou menor sucesso de sua hist6ria econdmica Génese & malhas do territério specifica, Enquanto 0 Nordeste nunca péde realmen- te livrar-se do declinio das plantagdes de cana-de- agtcar,o Sudeste beneficiou-se apés 0 ciclo do café, da esséneia do desenvolvimento industrial, que mudou 0 ritmo da hist6ria econdmica brasileira, Uma econo- ‘mia nacional nova, cuja consttuigfo alterou em pro- fundidade a sociedade e o territério do Brasil, substi- tuiu 05 ciclos sucessivos. As mutagées do século XX Comparando as situagdes do fim do séeulo XIX ¢ do fim do séeulo XX, passando pelo meio do século XX (Figura 02-08), nota-se que em 1890 existiam apenas al- guns p6los econdmicos isolados, centrados em cidades nascidas durante 0s ciclos do agtcar, do ouro ou do ca- f€. 0 espago econdmico nacional organizava-se, de fato, «em dois blocos separados, Nordeste e Sudeste, ligados entre si apenas pela navegagao de cabotagem. A princ- pal corrente migrat6ria era, entao,a do Nordeste, devas- tado pelas secas, para a Amaz6nia, que conhecia a forte expansio da borracha, A eimbrionéria frente pioncira do café percorria o vale do Paraiba do Sul Nos anos de 1940, o espago econdmico realmente integrado & nagio jé se tinha estendido sensivelmente. A principal frente pioneira ndo se situava mais na Ama76- nia, mas no oeste de Sao Paulo e no norte do Parané, ‘onde progredia rapidamente a cultura do café.O princ- pal fluxo migratorio levava nordestinos para o Sudeste, alimentando um enorme erescimento urbano, Nos anos de 1990 -¢ a situagao é hoje essencial- mente a mesma -, 0 espago econdmico confunde-se com o tertt6rio nacional, com excegao da alta Amazd- nia, Os fuxos migratérios sio mais regionais que nacio- ais, mas estes persstem e sio igualmente centripetos — mantém a corrente tradicional do Nordeste ¢ do Sul para o centro ~ ¢ centrifugos ~ migragSes do Sul para a AmazOnia ocidental e do Nordeste para a AmazOnia oriental. A zona de influéneia do principal centro eco- nomico, Séo Paulo, ¢ da capital nacional, Brastia, coin- cide com o territério nacional, mas em alguns lugares ‘até ultrapassa a fronteira, como no Paraguai oriental ou 1a Guiana, Atlas do Brasil Essa mutagdo territorial é resultado de uma ver- dadeira revolugao demogratica e econdmica, que alte- rou profundamente © Brasil, como mostram as eurvas do PIB (global e em variagio anual) e da inflagao (Fi ura 02-08). A tendéncia foi indiscutivelmente de cres- cimento continuo e acelerado nas tltimas décadas, Os paises industrializados tiveram os seus “trinta anos sloriosos” entre 1945 ¢ 1973. O caso brasileiro parece indicar que a “década perdida”e até a desastrosa pre- sidéncia de Fernando Collor de Mello no consegui- ram alterar a tendéncia secular de erescimento, Crises periddicas puderam alterar as curvas ¢ até inverté-las provisoriamente, mas a ascensio global foi forte, so- bretudo desde o inicio dos anos de 1970. A inflagio &, contudo, uma presenga familiar no panorama econd- ‘ico brasileiro hé muito tempo, e sua espetacular re- ddugdo pelo Plano Real, de 1994, foi uma verdadeira fa- canha, mesmo considerando que ela voltou depois, hum ritmo de quase 15% por ano, e que outros paises do continente conheceram sucessos compardveis. Essas mutagBes demogrificas © econsmicas tive- am a sua contrapartida territorial, mas um aspecto es- pecifico merece ser tratado & parte: a eriagdo de unida- des administrativas e politicas ~ 0s Estados, que com- poem a federagzo brasileira, e os municipios, que s40 as unidades elementares das malhas territoriais, Principio de formacao das unidades administrativas A formagio das malhas polticas ¢ administrativas brasileira fez-e obedecendo a tes prinefpios:liberda- de, desigualdade e divisio, Liberdade em primeiro lugar ~ a excagio do ato fundador, pelo qual a Coroa portu- aguesa parcelou a sua nova colénia em capitanias heredi- ‘arias perpendiculares ao litral, 0 principio sempre foi © de que novas unidades podiam formarse, a pedido 4s seus habitantes, quando atingissem uma populagio minima, respeitadas regras leguis especticas. assim que se formam hoje ainda os municipios, ¢ criaram-se sdezenas nos anos de 1990, E assim também que novos Estados formaramse, 20 longo dos séculs, em tm pro- cesso que continuou até fim do século XX: a criagio 1949 Foreime | 1008 lag Ge © Fe epoca ra! PH Orie de Estado desmembrarmento) C Foxes conta Fors: BGE, Anti nti 2000 we g de Mato Grosso do Sul, em 1979, e de Tocantins, em 1988, ocorreram em resposta & demanda insistemte de seus habitantes, que néo se sentiam com quase nada em comum com, respectivamente, Mato Grosso ¢ Goitis, Grupos regionais querem, ainda hoje, novos Estados, como Carajés,no sul do Pard (cuja capital seria Maraba), a7 justficando-se com argumentos a respeito do cresci- mento da populagao local, da distancia da capital pa- raense, da divergéncia entre os interesses da “velha”” regio central ¢ os dessas zonas pioneiras em pleno crescimento. Todos esses so argumentos que serviram para justficar a criagdo dos Estados atuais, Génese @ mahas do territ6rio Net Apargcipa DE MELLO Disparidades e Dinamicas do Territorio ‘radueto de Atas de Brés CNRS, GDR Libergéo-La Documentation frangaise, 204,302 pages, Collection “Dynamiques du teritire”né 2, diigée par Thérése Saint-Juien (Université Pats 1, GDR Liergéo), © CNRS-GDR Libergéo et La Documentation francaise UMR ESPACE. GDR Liberpéo, Maison de Is Géogrphie 17 rue Abbé de Ip, 34080 Montpelier, tel. 04 67 14 58 32, fax 04 67 72 64 0. Ta Documentation francaise, 2931 quai Voltaire, 75344 Paris cedex 07, tl. 1 40 15 70 00. 0 ates do Brasil 0 fato de uma colaboragtocientfca franco-brsilira, ndo somente por conta daextita associagio dos sane auates ms também porque as pesquss nas quai ele sefundamentabenticarams de anos de colaborgie sone cg abrsay {2 taduo em portagus fia pelos autre fo feta por Lucia Garcez, com apoio da Embaiada da Fanga no Brasil Ficha catalogrica elaborads polo Departamento “Técnico do Sistema Integrado de Bibiotecas da USP ‘They, Hers Atlas do Brasil Disparidadese Dinmicas do Tersitio / Hervé Ther Nei Aparecid de Mella. -Sio Paulo: Editor , «da Universidade de Sao Paulo, 3005, Com o apoio da S12 pl tabs; 21 £255 em Embaixada da Franga ‘Trad de: Alas du Bs Tt bibliograi, lista de figuras equadtox ISBN 8531408695 (EDUSP) ISBN 85-706352'5 (Imprensa Oficial do Estado de io Paulo) 1.Atla (Bras, 2. Geografia (Bras 1, Mello, Neli Aparecida eT. Tila cop sis oes Diritos em ingun portugues esrvados 2 Edosp ~ Elita da Universidade de Sio Paulo ImprensaOfial do Estado de Sio Paulo ‘Av: Prof Lucisno GunbetgTaessa 334 ua da Mooca, 1821 ~Mooea (andar ~ Edit da Antign Retora ~ Cidade Universita (5103502 ~ Sao Paula -$P~ Bras (5318500 ~ So Paulo ~ SP ~ Bras ‘Tel (al) 699.9800 — Fas (Oe) 609.9674 Divisio Comercial: Te. (Ox) 391-48 3081150 wwimprensofial um br SAC (xt) 3091-2911 ~ Fax (Ox) 3001-4181 sma ros@impresaotii com br wns bredsp ~ emi edusp@ed.uspte SSAC osm0128401 Printed in Brasil ~205, oi feito dest eg

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