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woRaes, Rabe Cavs Telit da - Gucci « Higkrin we Brasil - 50 Parle: Awnablum, Loos np. GE ~ WEWOGies GEvenatins Ee PRAETES Wciowens MO BResiL. (r-94-103) ore Srna Nos paises de formitgdo colonial a dimensio espacial adquire considerivel poténcia na explicago de suas dindmicas histérieas, pois a colonizasio é em si mesma um processo de relagdo entre & iedade © 0 expago, A cofonizagio envolve uma sociodade que se expande ¢ os espagos onde se realiza tal expanso, implicando apropriagio da terra e submissfo das populagdes autéctones defrontadas A colonia representa a consolidagio desse dominio, sendo assim o resultado da conquista teritorial. Portanto, em tas paises « andlise geogrifica ilumina importantes mediagdes no deslin- ‘damento de suas particulardades histricas. Ba histria brasileira € exemplar nesse sentido. Vale salientar que muitas das determinagdes colonials perma- ‘necem vigentes mesmo aps os processos de emancipaglo politica e tais paises, uma vez que a nova ordem politica é construida sobre 0 arcabougo econémico e social gerad no periodo colonial. [No aso brasileiro, # manutengio do escravismo como relaglo de produgio bisica bem atesta 0 aficmado, consttuindo-se no princi pal elemento de continuidade na vida social e éconémica do novo pals. Assim, o passado colonial permanece, no que importa a sua ‘vida politica, como uma espécie do pocado originsl da sociedade ‘agora independente. Porém a escravidio nfo é a unica herenga da colénia na conformagio desse fee de determinagées que qualifiea 1 condigdo periféica. [Na verdade, na formagao brasileira todos os condicionantes dda conquista espacial mantém-se ativos num pas marcado pelo dominio de vasios fundos territoriais, Tal particularidade revela interessante angulo para se discutir as interpretagSes do pais ¢ 08 projetos nacionais que veiculam. Cabe iniciar apontando a influ ia dessa caracteristica jé no préprio processo de independéncia, 2 poeroNo CARLOS ROBERT MORAES {sto &, discuti al processo na dtiea da gersrafia,entendida como ‘uma histéria territorial. ‘Se a manutengdo do escravismo apsrece como elemento de cvesto entre elites bastante regionalizada sem divida também a fhanatenglo do dominio sobre os fundos eitorais emerge como ‘tro elemento agregador dos diversos iteresses regions, pelo fato de que todas as economias regions: viveneiavam procestos tu perspectvas de expansio sobre tais Scot. Por iso, manter 8 integridade do teritério herdado da coOnit, com as fronteras tstabelecidas nos tratados de Madri, Sao Idefonso © Badsjés, merge como importante fator interniente nio apenas na fagreggdo das clits, mas também na dsinigio da forma mont Ghiea~ bastante atpica em solo american ~ assumida para o novo Eatndo. Do ponto de vista da legitimago da soberania sobre 0 temntéio legal da ex-col6na, a adogo @ monarquia atuou come tlemento failitador do processo na aret internacional, uma vez {que na Europa pés-napolesnice conjuntfamente restauravam-se ‘Zitos elementos do Antigo Regime, en® eles a forma dindstica de legitimar o dominio territorial estat "A adogdo da monarquia como fom de governo implicou ‘uma continuidade dindstien que ameniz8 © fato emancipatéro, visto como perigoso pelos Estados euros possuidores de vastos Jimpéros coloiais. A manutengSo do Bil 300 dominio da Casa de Braganga permitia que o processoie independéncia fosse fquacionado pelas mionarquias curopéis como uma questio de familia, prneipalmente na confituosa‘onjuntura sucesséria de Portugal na época.E de fato a soberansbrasilera sobre os vasos fandostertoriais existentes no imbito sPacial conformado pelas ‘ronteiras do periodo colonial nto fi questionada na arene jnrernacional, ej em 1825 até a antig metrépole reconhese & independéncia brasileira? Enfim, 2m a consolidagio da ‘emancipagio politica as elites braileirsiniiam a instalagdo do Triavin Tanoxb & foto Paulo G. Piment esas de um mossce (ou “ponents pra endo da emerovia dee aco! basa) oCaos Gutherme Mota (rg) 4 vag completa. 4 esperdacl rane (1500200), Sto Paso: Sec, een Rodipis,fndependanca: Molde contra reotudo, ‘sao Ria de Tani Frac Alves, 97S ‘THRRITORIO E HISTORIA NO BRASIL. a novo Estado, num contexto em que dispdem de vasto teritério dtado de amplas reservas de espagos ainda nfo ocupados pela ‘economia agora nacional e de populagio relaivamente pequens « profundamenteclivada pela vigtncia da eseravidio (que, como visto, nfo apenss dicotomiza a sociedade como infli na props sociabilidade praticada entre os homens-livres). Neste quadro de formagio nacional em-se um teritério a ocupare unt Estado em construgio, mas a populagio disponivel nfo se ajusta & identifieagdo de uma nagdo conforme os modelos identitirios vgentes nos centos hegemGnicos. No contexto, so abandonar-se ‘© caminho de construgo da nacionalidade proposto por José Bonificio (cujoeixo repousava na gradativa abotiqdo das relies ceseravistas) comega a tomar corpo uma concepsd0 que vai identifier 0 pais nfo com sua Sociedade mas com seu terttiio Isto €, 0 Brasil nfo sera coneebido como um povo e sim como ‘uma porgdo do espego terrestre, no uma comunidde de indi vviduos mas como um &mbito espacial. ‘Tal concepeSe enralza-se no pactooligirquico firmado entre 1s elites regionais que sustenta as bases politicas do novo Estado. Controle terra ¢ 0 tabalho, ¢ expand fsieamente a economia ‘nacional constituem os aliceres do pact, que expressa bem a 6tica geopolitics que 0 fundamenta, Construiro pais & 0 mote ideol6- ico que orienta um projeto nacional que, atravessando diferentes conjunturas e distintos atores politica, firma-se como uma das ‘metas hegemenicas na histéra do‘império brasileiro, A eficicia de tal idoologia advém do fat de agregar num mesmo enuneado um conjunto de valores caros s elites, entrecles sacralizagio do principio da manutengio da integridade do terrtério nacional, valor supremo jusifieador dle qualquer ago stata. ‘A idéia de construir o pais atua em primeiro lugar como elemento de coesio entre as proprias oites, a0 doti-las de um projeto nacional comum. A construgio do pats posts como obra coletiva de interesse geral sobre} 108 projetos locais © regionais e incorpora-os, alribuindo-thes até mesmo um sentido ‘maior (epopéico). Assim, tal mote serve como elemento de Y Miriam Dothaikof, Contruindo 0 Brast:unidade nacional epacto foieratvo nou projet dele (1820-1842). Tess de dutorada. $10 Paul: Daareio de aia’ FFLCHUSP, 200 oo ANTONIO CARLOS ROBERT MORAES identidade ¢ de articulagdo nacionais. Em segundo hugar, a igsia dd construr o pats legitima plenamente a agio do Estado, pois Ihe (atribuida a condusio desse projeto,e pela magnitude da mi ssumida justificam-se também seus tragos autoritrios, como o tentralismo ¢ 0 uso da violéncia, O Estado seré o guardito da Seberania ¢ 0 construtor da nacionalidade, entendida como 0 povoamento do pals. A idéia em foco,além de bem costurar 0 poder das elites e do Estado foe, ainda qualifica a populagto em feu lugar subalterno no projeto, 0 povo sendo visto como instrumento na construgio do pais! “Tal visto instrumental dos segmentos populares express claramente tum debate que atravessa 0 pensemento brasileiro por todo o século XIX, adentrando nas primeiras décadas do séeulo XX: com que povo contamos para construir o pals. Toda a “iscussio sobre a politics imigratéria, por exemplo, tem esta ‘questo como pano de fundo, também a politia indigenist tem Jomo referencial, Seu equacionamento vai diferenciar duas posturas em face do futuro do pals: de um lado, a rtérica oximista pontendo a postividade dade pela natureza e magnitude do teritrio; de outo, 0 discurso pessimistadifundindo juizos racistas fobre a baixa qualidade da populagio nacional, De novo a ide dde que o Brasil positvo é um luge, cuja negatividade advém dos habitantes (0 projeto nacional, em certo momento, sendo & substituigdo da populasio, leia-se: seu branqueamento) fim, a idéia de que o pais nfo ests pronto © de que urge construio permite uma série de desdobramentos {dgicos bastante Stes para o exericio do poder estatal ou privado. De imediat, ‘qualquer contestagio popular poderia ser qualificada como Separatist ¢antnacional, peo fto de que pb em perigo uma obra politica tinda frigil, pois em formagio ¢ recente, Também & fologizagio do destino do pels encontra frtil fendamento em tal idgie, uma vez que qualquer sacrificio do presente pode ser ‘reditado as necessidades da edificagio de um futuro grandioso, {7 Wrgse Meyer. As descoberas do Brasil um tro rtm, Cader V1 Rip Fal, 198. filha Mayo & Ricardo Vestara Santos (rg). Raga, ete # Ui tests tani: Bd Plsr, 1956 ‘TERRITORUO B HISTORIA NO BRASIL 9s de abundincia, Em sintese, ali onde a histéria poueo fornece para 1 elaboraglo de uma identidade nacional, os argumntos de indole ‘geogrifiea vio possibiltar a elaborasfo de discuros lgitimadores ‘onde o pais & visto como um espago, e mais, um espago a Ser cconquistado e ocupado. (0 padrio discursive bisico do séeulo XIX que conforms essa concepgdo estrutura-se em toro do conceito de civilizagao, atribuindo portanto& monarquia brasileira uma isso eivilizadora, Constriro pais & levar a civilizagio aos sertdes, ocuparo solo & ssubtrair os lugares da barbirie, o que eabe a uma elite que se sdutodefine como “representante das idéias da Ilustragio™. Nesse ‘entendimento, a submissio das populagdes locais aparece como ‘devorréneia natural do processo, um resultado tido como de alta posiividede, “Integra 0 indio" - a0 se apropriar de sua tera ~era parte do projto civilizatério imperil.” Povoar as teas pioneiras com colonas brancos também contribuia para os objetivos almejados, num quadro que se acelera conforme avanga a conseiénea acerca da extingo do tifico negreio. ‘A ideia de levar as Luzes para interior longinquo acaba por conformar um mentalidade em que a natureza e o8 mos naturais origins so associados&situnglo de barbarismo €atas0, to passo ‘que a devastago do quadro natural é entendida como progresso. ‘Tal visio & bastante funcional para justiicar um padréo de aproptiagdo do solo altamnente dilapidador como o praticado no Brasil desde a descoberta, Um padirio, ao mesmo tempo extensivo «© intensivo, que reeonhecendo a existéncia de vastos fundos ter- ritoriais no pais exercita-se com elevado nivel dé destruigfo de fon- tes recursos natura’ Enfim, civilizar uma outra forma de qua- lificar@expansfo teritoral, que reafima as dterminagSes da con- ‘quista colonial: apropriagZo da terrae submissio dos “naturas” ‘Manoel L 8. Guimardes. Nag ecivilizagh nos tpios: © Insitto Histvico e Geogrifiea Braslelo o projet de ums histria nacional iter titres, I, Rio de Jae, 19 ». Antonia Carlos Souza Lima. Um grande cerco da pas poder tutlar, ‘ndaniadee formapdo do Bvada no Bras Ppl: Vors, 1395. Jos Augusto Padua: A degrada do Brg expend. Un exudo sobre te rraigie original da ecologapolicabrasllira 1786-1888. Tese de ‘oweato, Ro de ani: lupe 997 96 |ANTOMO CARLOS ROBERT MORAES ‘As idéias aqui expostas vio aparecer em variados discursos ‘e-em diferentes propostas de dstniosatores politicos e de diversos sefres das elites ao longo do séeulo XIX e das primeiras écadus do séeulo XX. Neste sentido, podem ser equacionadas como ‘componentes da mentalidade vigente nas elites do pas, os quais sec expressam em ideologias¢ discursos singulaes que Ihes server de veiculo, mum processo onde a reiterago de certs juizos “de undo” (muitas vezes pressupostos das argumentagBes) acaba por reificdlos, ao algé-los & condigio de verdades inquestionéveis © ‘nquestionadas. Dat a localizago no campo mais amplo das men talidades eno no das ideologias (nis especitico). As concepsbes do Brasil como sendo o seu teritério, ¢ ds ocupagio do espaco teomo a construgio do pais, esto entre estes julzos reificados no ppensamento das elites brasileiras no periodo enfocado. Por serem dominantes numa poe taisjuizos projetam-se ras formulagdes posteriores que os superam, constituindo 0 conteido do velho pensar que se reproduz (a0 menos como roferéncia negativa) nos novos discursos, Pode-se dizer que as primeiras décadas do séoulo XX assstem a essa transformagio de ‘epistemé no pensamento brasileio> E os anos 30 comegam com "um novo padtio de interpretaglo do pats, transigdo jf bastinte cestudada pela lierstura especializada.!° Uma postura cientificista ‘vai aos poucos hegemonizando-se e acaba por fazer a ponte entre as-velhasinstitigSes do saber ¢ as novas agéncias de difusio de tum novo ideal de citnca, a0 qual se associa a idéia de moderni= dade!" © papel eatalisador que a nogio de “eivilizagio” cumpriv pera a antiga mentlidade seré agora ocupado pelo conceito de ‘modernizagao. “Tal conceit, central no pensamento brasileiro do séeulo XX, reveste-se também de densa espacialidade. Pode-se dizer que ‘nodemizar&, entre outas cosas, rerganizar © ocupar territio, 3, Bolivar Lamouner. Formas de um pssamento politica autre Dinca Repibiea,unaintrprtago. Ie Mitra gerl da chilzgto ‘ral, tro Ul, ol. 2. $0 Pal: Dill, 197, 10. Helena ©. De Loren & Wits P a Cot (cp) dca de 1920 ¢ 05, trigens do Brat! madera, Sb Pal; Eesp 1997 Simon Schwartzaan A frga do novo: por ina scioogi ds cone hte nosrce so Bel Reas Brera de Cdn Soca 8,0 ‘TERRITORIO HISTORIA NO BRASIL on Aoti-o de novos equipaments e sistemas de engenbiria, conectat suas partes com estradas e sistemas de comunicagio. Enfim, rmadernizagdo implicava no caso brasileiro necesatiatente valori- _zagio do espago, Nesse sentido, o pas podia ser novamente equa cionado como ambito especial no qual o Estado devia agi para instalar 0 novo projeto nacional: & construglo do Brasil moder- no. E 0 primeiro governo Vargas, notadamente no petfodo do Estado Novo, opera a adequasio do aparato staal para realizar {al taefa, com a eriagdo de érgios, programas e normas dedicados ' exccuso de politica terttoriais."? Diga-se de passagem que a

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