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Formagdo do Espaco Agrario Brasileiro 35 O ESPAGO AGRARIO CAPITALISTA cidade est4 espelhando as mudangas em curso no mundo do campo. E 0 mapa desse novo espago surgido das transformagoes do correr do século XIX no campo e na cidade j4 nos fala da aurora da sociedade burguesa. Mais do que pelas remodelagoes urbantsticas dos grandes centros urbanos, esse mapa fala do umbral de um novo mundo pela multiplicagao de usinas nos canaviais da zona da mata nordestina; de méquinas de beneficiamento e de ferrovias nos cafezais do vale do Parafba e do planalto paulista; ¢ de fluxos de imigrantes alemaes ¢ italianos para instalagao de coldnias de Povoamento no Sul, além da introdugao do trabalho assalariado nos cafezais de Sao Paulo, Isto ¢, fala por meio do cloqiente cardter € grau das transformagdes nas relagoes agrarias ocorridas ao longo do século XIX ¢ que se precipitam visivelmente nesta passagem para 0 século XX. Espaco agrario molecular, a acumulacao primitiva do capital Nessa passagem do século XIX para o XX a cartografia jé difere do que era 0 espago brasileiro de apenas um século atrés. O mapa desse momento de crise do antigo regime e emergéncia do novo mostra um arranjo espacial de manchas agrérias mais densas e com poucos claros. Mais que isso, um arranjo de manchas agrérias organizadas num novo eixo cidade-campo. ‘Anova configuragao que as relagbes agrérias vao adquirindo radica-se em pelo menos quatro aspectos essenciais: 1.0 trabalho escravo se metamorfoseia numa diversidade horizontal de cam- poneses; 2. a divisdo de trabalho interna surge na forma tripartite da monocultura, poliultura indistria; 3. a classe senborial se moleculariza territorialmente para se transformar nas oligarquias rurais regionais; e 4, a relacdo cidade-campo radicaliza a reorientacdo que submete o campo a cidade. Relagées de trocas e controle do campesinato: a fase inicial da acumulagao primitiva E sobre essa base molecularizada do arranjo espacial, deter minada pelo nascimento do campesinato € pela regionalizagao do poder da aristocracia rural, que se instaura a acumulagao primitiva do capital com a qual a nova ordem capitalista vai-se desenvolvendo. 1850: a regulagio formal do mercado de. trabalho e de terras O capitalismo aparece nessa nova organizagdo espacial timidamente, sob formas ainda entranhadamente senhoriais € rurais de relagao de trabalho. Scus tragos mais claros aparecem em 1850, com os decretos que estabelecem por antecipagao as regras do mercado de trabalho e de terras. 36 Ruy Moreira A desagregagio do escravismo conduz a valorizacdo da terra, uma vez que com a crise escravocrata a fonte do poder senhorial desloca-se do controle dos escravos para 0 controle da terra. Por isso, a classe senhorial, por intermédio do Estado, procura regular Juridicamente esta dupla metamorfose em curso: a do mercado do trabalho e a do mercado da terra. Em 1850, 0 Estado imperial proclama juridicamente o estabelecimento de duas das trés instituigSes (a terceira € 0 mercado do dinheiro) que marcam 0 nascimento do mercado capitalista: 0 mercado de forga de traba- Iho, através do decreto da aboligéo do trafico de escraves, € 0 mercado de terras, através da Lei de Terras, que substitui a Lei das Sesmarias. E seu surgimento num mesmo ano nao é mera coincidéncia. Uma lei vem para regular a outra. Num antincio publico do fim do acesso a terra por meio de concessdes pelo Estado, a Lei de Terras estabelece 0 mercado como regra do caminho, Doravante, s6 se adquire terra mediante compra. Por conseguinte, 86 a quem a pode comprar fica ela assim fran- queada, excluindo-se desse acesso quem nao tem recursos, o que quer dizer a quase totalidade da populacao. Dessa forma, embora seja um instrumento de regulagdo mercantil da circulagao da terra, a Lei de Terras se combina com a lei da regulagao do mercado de trabalho, uma vez que exclui automaticamente do acesso a terra a quase totalidade da populagao colonial, & qual s6 Testa oferecer-se em trabalho aos proprietérios fundirios. A um 86 tempo, a Lei de Tertas preserva o latifindio ¢ organiza a nova relagio de trabalho. Nascimento do campesinato e reiteracao agroexportadora A Lei de Terras € sua irma siamesa — a lei da aboligéo do trafico de escravos — sao 0 antincio do nascimento do cam- pesinalo, E esse fato € 0 aspecto essencial da relagio de trabalho do novo regime social. Todavia, em face da Lei de ‘Terras, este campesinato j4 nasce sob absoluto controle da classe senhorial, que, por intermédio dele, preserva a agroexportagéio como base —_—c Formagao do Espago Agrario Brasileiro 37 econdmica da sociedade burguesa € garante para si o poder de organiz4-la com fins de sua propria transformacao em burguesia agraria. 1 0 desdobramento dessa dupla metamorfose da classe, a senhorial € a dos escravos, embora 0 capital mercantil © 0 trabalho camponés nfo sejam respectivamente os substitutos diretos da classe dos senhores ¢ dos escravos, um traco caracteristico do processo que leva a ordem capitalista 20 seu desabrochamento: a acumulagao primitiva. E € a ago de optar pela metamocfose das relagoes agrérias, no lugar da ruptura estrutural, 0 trago que faz do proceso da acumulagao primitiva no Brasil uma forma de desenvolvimento capitalista semelhante a via prussiana. A forma social do campesinato em surgimento tem relagao com a espacialidade diferencial herdada do colonial-escravismo. Isto & com 0 modo com que no interior de cada espago da formagao colonial a metamorfose do escravismo desemboca no processo da acumulacdo primitiva. Por isso, trés modalidades podem ser encontradas: a do campesinato que combina em sia condigio de reprodugio do trabalhador assalariado e camponés, como 0 morador, o colono ¢ o seringueiro; a do campesinato familiar autonomo, como o das colénias de imigrantes instaladas no planalto meridional; e a do campesinato de “fronteira”, como © posseiro que desde os tempos iniciais da economia colonial se localiza nas Areas da linha de frente do espago ocupado para dedicar-se a uma policultura livre. A primeira modalidade € espacialmente a mais generalizada. ‘Surge da transformagao do trabalho escravo (no necessaria- mente do proprio escravo) nas antigos espagos organizados do colonial-escravismo. Caracteriza esse campesinato a combinagio de aspectos que faz de seu elemento ao mesmo tempo um trabalhador assalariado ¢ um camponés familiar, condigao essa que difere em cada um dos espagos em que surge. sar 38 Ruy Moreira Formagao do Espaco Agrério Brasileiro 39 Nos regimes do colonato e do morador predominam os aspectos mais proprios do camponés familiar, enquanto no do seringueiro oaspecto € mais o do trabalhador assalariado. Esta disting3o vem da forma como em cada contexto se definem os termos da reproducio do trabalho. Nos regimes do colonato e do morador, a reproducao vem de uma relacdo que combina pagamento em salério e recebimento de parcela de terra dentro do latiftindio para que a familia camponesa produza cereais para sua subsisténcia. J4 no regime do seringal a reprodugio vincula-se a suprimentos feitos pela via do sistema de aviamento, Assim, 0 recebimento de parcela de terras tora comuns os regimes do colonato do © morador, e ambos diferentes do regime do seringal. Todavia, se entre 0 colono € 6 morador a parcela de terra é um dado comum, no regime do colonato a énfase maior est4 no pagamento do salério, entrando a parcela de terra para policultura de subsisténcia em carter complementar, sucedendo o contrério no regime do morador. Por outro lado, se a cesso da parcela distingue colonos € moradores dos seringueiros, 4 uma outra relagdo que a todos nivela: o sistema do barraco, uma instituiggo criada pelos fazendeiros para, pela venda ao trabalhador de produtos ndo-agricolas da cesta bésica a pregos manipulados, conirolarem a teprodugio daquele e, com isto, 0 nfvel dos seus saldrios ¢ 0 proprio movimento da reprodugao do capital. E justamente tal vinculagdo 3 cesso de parcela de terra e 20 sistema do barracdo que faz essa modalidade de campesinato diferir radicalmente daquela outra que aparece nos néicleos de coldnias instaladas em diferentes pontos do planalto meridional pelo poder imperial. Nessa segunda modalidade de campesinato, © trago caracteristico € a propriedade privada familiar jurfdica — e, portanto, de fato — da terra. Entre o “quase-campesinato” a parcela de terra é cedida e ndo transferida em propriedade familiar aos camponeses, mais com o intuito da complementagao das suas condigoes de reproducio que torné-los camponeses proprictérios familiares. Essa é a diferenga que faz as familias camponesas do planalto meridional constitufrem-se um cam- pesinato efetivamente aut6nomo ¢ as familias camponesas das antigas dreas escravocratas um campesinato diretamente subor- dinado ao controle das elites agrérias. Por fim, hé a terceira modalidade de campesinato, que ndo raro tende 2 manter com o latifiindio uma relagao semelhante a do “quase-campesinato”. Trata-se da antiga categoria social de posseiros, historicamente vinculada 2 policultura livre — praticada em terras sempre localizadas nas éreas periféricas a0 espago j4 apropriado pelo grandes proprietérios — ¢ que nesta passagem do antigo para o novo regime perde temporariamente importancia. Esta énfase na primeira modalidade de campesinato deve-se 2 propria natureza da transformacéo estrutural em curso. O capitalismo ndo nasce rompendo mas “reinventando” o poder senhorial. Mantendo-o em suas maos, a classe dominante agro- exportadora permanece hegemOnica sobre a sociedade € 0 Es tado, controlando os rumos das traasformagoes para defini-lo ‘como proceso de sua prépria modernizagao burguesa. Sistema interno de trocas € controle da reprodugio camponesa £ controlando a reprodugao do trabalho desse campesinato que o capital mercantil extrai o excedente ¢ realiza aacumulagio primitiva, mediando a metamorfose burguesa da classe senhorial. ‘A forma desse controle é a mercantil, diferenciando-se especial mente no sistema do barracao, predominante na maior parte do territ6rio nacional, ¢ no sistema mercantil simples, nas colénias de imigrantes do planalto meridional. ‘A natureza mercanti] desse controle decorre do fato de ele realizat-sc via interferéncia do capital nos termos da reprodugio da forga de trabalho do campesinato. Essa determinacao dos termos da reprodugao camponesa sobre 0 modo de operar 0 40 Ruy Moreira controle se explica pelo fato de ter sido a crise dos termos da reprodugio do trabalho do escravo que Jevou a sua substituiggo pelo trabalho camponés. A elevaco do prego do escravo, provocada pela disputa de sua aquisigao entre os senhores com a aboligio do tréfico em 1850, toma seu emprego oneroso 20s custos gerais da produgio. A introdugo de maquinas nos proces- samentos técnico-produtivos, seja no beneficiamento industrial do produto de exportagao, seja na infra-estrutura ligada ao seu escoamento, como meio de contornar essa onerosidade por um Preco de forga de trabalho que nao para de crescer, resolve 0 problema por um lado, mas 0 agtava por acréscimo de outcos, “como 0 monetario-cambial. A solugao, segundo Francisco de Oliveira, de quem tiramos esse raciocinio original na pesquisa social brasileira, é “expulsar” 0 custo do trabalho escravo dos custos gerais da produgio, “convertendo 0 trabalho em forca de trabalho”, via substituigao do escravo por um “quase-cam- pesinato”. Isto é, transferindo para o préprio trabalhador 0 Onus da sua reprodugdo. Dai a pratica da cessao de parcelas de terra nos regimes do colonato e do morador, Mas esta “expulsio” dos custos gerais implica fazer 0 trabalhador organizar sua reprodugao no Ambito de uma economia de troca controlada pela classe dominante. Daf 0 sistema do barracio. O sistema do barracdo nao 6, assim, uma instituigao ocasional has novas relacées de trabalho ¢ classes. Antes, € 0 aspecto tipico da acumulagao primitiva em uma sociedade que jé deixou de ser escravocrata, mas em que o padrio de acumulacéo mantém-se ainda sob 0 controle automodernizador das elites de origem senhorial e, portanto, agroexportador. Ou seja em que a relacao do trabalho assalariado surge no interior de uma economia de trocas de fraco circuito monetdrio, Mais presente nos seringais, algodoais ¢ canaviais que nos cafezzis, isto é, nos regimes do seringal ¢ do morador que no do colonato, o sistema do barracso € um mero registro contabil, uma anotagdo em caderno con- ESE PEE eee CeCPa-Eed ECC PEPE Formagéo do Espago Agrério Brasileiro 4L trolado pelo administrador, chamada “vale do barracéo”, das vendas dle bens que 0 trabalhador retira do barracdo para serem descontados do seu saldtio no final do més. Como o vale do barracio atua como moeda local e de curso forgado, isto €, tendo valor somente no ambito da fazenda, os pregos sao intencional- mente jogados a patamares acima dos niveis do salério, com 0 intuito exclusivo de forgar o trabalbador a terminar 0 més preso com dividas com o grande proprietério. E uma forma dissimulada de pagamento de saldrio; no fundo, uma revenda ao trabalhador de produtos da sua cesta basica, comprados na cidade pelo grande proprictério por um prego de mercado para tepassé-los no battacdo a pregos de monopélio, muito superiores aos do mer- cado. Uma forma ao mesmo tempo de superexploracao do traba- tho e de manutenco da reprodugao do trabalhador dentro: deuma relagao de controle da elite rural. Diferentemente, no planalto meridional a forma do controle tem outro aspecto. O carter autOnomo do campesinaio familiar do Sul, conferido pela caracteristica de ser ele uma unilade a um 86 tempo de produgao ¢ de consumo, mergulha-o numa relagao de troca do tipo mercantil simples (M-D-M), relacionando-se 0 capital ¢ 0 campesinato de forma completamente diferente da que © sistema do barracdo institui na generalidade do espaco nacional. Se na relagio de mercado mediada pelo sistema do barracdo 0 controle do excedente camponés pelo capital mercan- til € imediato e absoluto, na mercantil simples do planalto meridional este controle deve buscar formas mais enviesadas, Seja como for, trata-se de organizar as novas relagdes do pafs em termos de mercado. Divisio territorial do trabatho ¢ reinvengdo do padrio agroexportador Livre da mediacio das obrigagées escravistas — donde se deduz quem realmente ficou liberto com a aboligao da escravatura — 0 capital mercantil, aqui pela mediagao do sistema mercantil do barrac4o € acol4 do mercantil simples, ndo encontra 42 Ruy Moreira Formagao do Espaco Agrario Brasileiro 43 limites para acumular. Liberto das regras escravocratas de reproduc das relagées agrdrias, 0 trabalho rural se abre para 0 nascimento do campesinato ¢, pois, para o florescimento da forma pré-capitalista ¢ ndo-capitalista de renda fundidria. Essa nova forma de extrag30 do excedente, todavia, supée outra divisdo interna de trabalho. E essa vem na forma da tripartigo monocultura-policultura-indistria, a um s6 tempo nova ¢ reiterativa do padrao agroexportador de acumulacao. No quadro dessa nova divisdo de trabalho 0 padrdo agroex- portador entrecruza processualmente dois planos de relagao. O + primeito é0 plano interno das relagdes agrdrias, em que a divisao consiste na separagdo ¢ redefinigao funcional das relagoes que a monocultura ¢ a policultura mantinham no Ambito do colonial- escravismo, num rearranjo do espago configurativo da “expulsio para fora” da contabilidade do capital do custo com a reprodugio da forga de trabalho. As razdes disso so 0 objetivo de transferir ao campesinato a tarefa de gerar com seu proprio trabalho os meios de sua reprodugio familiar e, diante disso, a necessidade de criar as novas formas de renda fundidria requeridas pela acumulacdo primitiva. A expresso espacial desse novo arranjo € a coexisténcia da parcela que o proprietdrio entrega ao cam- pesinato com a monocultura. O segundo € 0 plano da ordem mais geral da acumulacdo do capital, em que a divisdo do trabalho consiste no surgimento da indistria fabril em localizacao ter- ritorial urbana, separada da territorialidade da agricultura, com a tarefa de gerar 0s bens néo-agricolas que a massa rural ird adquirir por intermediério do vale do barracao. E desenvolvendo esse duplo plano da divisao interna tripartite do trabalho que o capital agromercantil processard sua conversao no capital industrial, assim desenvolvendo 0 processo da acumulgdo primitiva do capital. Nesse processo evolutivo, mover-se-do, em paralelo, a relagao agricultura-indistria ¢ a relagao monocultura-policultura, mas num entrecruzamento em que a agricultura tem a primazia sobre a indistria, a industria subordinando-se ao capital agroexportador € se comportando com seus produtos como uma complementagae da policultura em ‘sua tarefa de sustentar a reproducgio da forca de trabalho da massa rural ocupada na monocultura ‘Atomicidade regional e poder dos coronéis, Para poder atuar como gestora desse processo, a classe agromercantil se atomiza territorialmente, uma vez que a gestao da acumulacgo primitiva implica a atomizagio das relagdes rurais. Relacionando-se a acumulagio primitiva a segmentagao territorial dos lagos até entdo existentes entre monocultura ¢ policultura, a classe dominante rural também se atomiza ter- ritorialmente, atraindo pera essa organizagio espacial molecular todo o sistema nacional: 0 nascimento da Repiblica relaciona-se 2 descenttalizacéo da Unido nos poderes provinciais; o nas- cimento da inddstria fabril relaciona-se & divisao territorial do trabalho entre o campo e cidade; ¢ 0 nascimento da acumulagao primitiva relaciona-se & regionalizagao da hegemonia do capital mercantil. A acumulacao primitiva tem um cardter necessarjamente regionalizado porque se assenta na relagao do capital mercantil com 0 campesinato, ¢ a produc camponesa € um fendmeno localizado. Isto proveca a atomizagao da classe senhorial trans- formada na oligarquia rural regional. Todavia, essa atomicidade dos “coronéis” tem a ver também com a prdpria necessidade das oligarquias rurais de fazerem do processo 4 proprio processo de modernizacao rumo a uma face burguesa Par isto, o Estado republicano nasce descentralizando 0 poder da Unido, residindo nessa descentralizagéo, que transfere poderes para as oligarquias rurais regionais, o seu real cardter de Estado Liberal. Peca importante dessa descentralizacao ¢ a transferéncia, téo logo se proclama a Repdblica, do poder da Unido de distribuir e \s Ruy Moreira decidir sobre questGes de propriedade da terra para o pfvel da gestio provincial, vale dizer, oligarquica. Através dela, os “coronéis” consolidam e ampliam 0 monopélio fundiério — medida essencial num momento de crise do regime escravista e da conseqiiente mercantilizag3o da terra —, revelando-se a molecularidade uma forma de os “coronéis” organizarem sua luta por dominio de terras. Tal luta € particularmente importante entre. 0 “coronéis de gado” dos series pecudrios, onde a disputa é mais renhida: por séculos expandiram eles seus dominios sem demar- car suas fronteiras por qualquer cercado, ¢ agora precisam definit _ esses limites Sao essas peculiaridades moteculares do arranjo espacial da acumulacéo primitiva que a fardo evoluir sob marcado caréter regional, cada contexto de lugar seguindo uma forma regional propria. Acumutagio primitiva e sistema do morador no Nordeste Paulatinamente, desde os anos 50 do século XIX 0 regime do morador substitui 0 trabalho escravo nos espagos nordestinos, antecipando de algumas décadas a aboli¢do formal da escravatura. Primeiramente, cresce o nimero de agregados, uma relagao proxima da parceria que coexiste com a policultura do escravo os pores da grande propriedade. Com o tempo, ela se converte no regime do morador. Para contornar a crise, 0 grande proprietério entrega parcelas de terras 4 massa de sua populagao dominada, em troca de transformé-la em exército cativo de trabalho. Mais que a renda advinda dessas parcelas, interessa-lhe a reserva de trabalho, necesséria nos momentos de safta, exceto no espago algodoeiro, onde o interesse do grande proprietario radica-se exatamente na renda da terra. Transformagao contemporanea da transferéncia da gestao da distribuigao da propriedade fundiaria aos governos provinciais, Formagdo do Espaco Agrério Brasileiro 45 isto €, 8 prOpria oligarquia, o regime do morador nasce, por isso mesmo; sob 0 signo do conflito de terras. No espaco canavieiro 0 regime do morador combing-se 2s primeiras levas de proletarizacio, relacionadas ao advento da usina, Aparecendo nos fins do século XIX ¢ multiplicando-se rapidamente no correr das primeiras décadas do século XX pela Zona da Mata, a usina comanda as transformagbes no espago canavieiro, trazendo consigo a ferrovia. Com sua capacidade de concentrar a moagem da cana, a usina consome extensdes de Areas de canaviais até onde pode chegar @ alcance da ferrovia, incorporando, com o tempo, a propriedade dessas imensas éreas esubmetendoa seu dominio outras tantas. Nessa hegemonizagao extraordindria do espago canavieiro, a usina concentra ainda mais a propriedade rural e convere antigos senhores de engenho ‘em meros fornecedores de cana, criando a figura do “engenho de fogo morto”, € reduz largos estratos de esctavos libertos & condigao de proletérios da indéstria. A rearramagio do espago que usina entao vai promovendo cria, em toda a Zona da Mata, a paisagem na qual aparece sobranceira, tal como no passado fizera 0 engenho-fabrica. No centro do arranjo espacial, en- contra-se a usina com sua vila operdria; ladeando-a, o canavial; em primeiro plano, o plantio canavieiro do usineiro, num plano mais afastado, o dos fornecedores; e aqui ¢ ali o pontilhado da policultura dos moradores, todo este império unificando-se ter- ritorialmente no tragado das ferrovias. Trata-se da relagio agricultura-inddstria que, na Zona da Mata nordestina, procede a acumulagao primitiva. Peca-chave da reprodugao, encontra-se nela embutida a relagio monocultura-policultura, sustentando com 0 baixo prego da reprodugdo da massa dos moradores a taxa elevada da acumulacdo agromercantil, num sistema imbricado que Francisco de Oliveira designa por “fundo de acumulagio”, nao sendo exagero dizer-se que subre a sua base ergue-se a |

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