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INTRODUGAO A DOGMATICA FUNCIONALISTA DO DELITO. Em comemoracao aos trinta anos de “Politica Criminal e Sistema Juridico-Penal”, de Roxin*. Luis Greco I. Introdugio “O caminho correto sé pode ser deixar as decisdes valorativas politico-criminais introduzirem-se no sistema do direito penal”!. Com esta frase, pronunciada nesse que talvez seja o livro mais importante das ultimas décadas na ciéncia juridico-penal, dava a doutrina seu adeus ao fina- * — Texto do trabalho apresentado (com algumas modificagées) no I Congresso de Direito Penal e Criminologia, ocorrido da UFBA, nos dias 13-15 de abril de 2000, no painel sobre o “Funcionalis- mo no Direito Penal”. No item IX, acrescentei um apéndice, que contém um resumo dos pontos abordados durante minha apresen- tagdo oral ¢ a discussao que se Ihe seguiu 1 ROXIN, Kriminalpolitik und Strafrechtssystem, 2° edigio, DeGruyter, Berlin, 1973, p. 10; e na tradugao brasileira, de mi- nha lavra, Politica Criminal e sistema juridico-penal, Renovar, Rio de Janeiro, 2000, p. 20. 214 212 Revista Brasiteina 0€ Dineito ComParado lismo, inaugurando uma nova era em seus esforgos dog- maticos: a era do sistema funcionalista ou teleolégico-ra- cional do delito. Ainda assim, nés, brasileiros, estamos quase que completamente alheados a toda essa evolugao. O maximo que sucede é encontrarmos ca e la observagées, ou de critica total, ou de adesfo incondicional, ao novo sistema, sendo poucas as manifestagdes verdadeiramente fundadas e esclarecidas. Ao que parece, porém, esta situagdo vai aos poucos se alterando. Pode ser tido como um sintoma do interesse por este novo “ismo” o fato de que o I Congresso de Direi- to Penal e Criminologia, promovido em Salvador, lhe te- nha consagrado um de seus painéis. Mas 0 estudante, que provavelmente ja teve dificuldades em compreender o finalismo — e que deve estar ainda mais confuso em face de certas inovagées brasileiras’ — ficara certamente per- plexo diante desta nova tendéncia, ainda mais porque, ao contrario do finalismo, nao provoca ela alteragées tao vi- siveis no sistema, tais como deslocar o dolo para o tipo, mas parece manter, ao menos em seu aspecto exterior ba- 2. Certo setor da doutrina brasileira, esquecendo o ponto de partida jusfiloséfico do finalismo, resumiu-o em duas idéias centrais, das quais s6 a primeira é correta: dolo no tipo, culpabilidade fora do conceito de crime. O estudante deve acautelar-se contra esta ilti- ma invengao, ficando ciente de que nem WELZEL, nem MAURACH, nem HIRSCH, nem finalista algum a defendeu. Por sorte, 0 engano vem sendo esclarecido por um setor mais caute- loso da doutrina brasileira: LUIS REGIS PRADO, Curso de Di- reito Penal Brasileiro, RT, Sao Paulo, 1999, p. 223 e ss.; CEZAR BITTENCOURT, Manual de Direito Penal, 5* edicdo, RT, Sao Paulo, 1999, p. 317 € ss.; ZAFFARONI/PIERANGELI, Manual de Direito Penal Brasileiro, 1° edigio, RT, S40 Paulo, 1997, ns. 345 e ss. Continua referéncia obrigatéria a respeito do finalismo a classica obra de FRAGOSO, Ligdes de Direito Penal — Parte Geral, 5* edigdo, Forense, Rio de Janeiro, 1983. IntropugAo A Docmaica Funcionatista 00 DeLito 213 sico, 0 modelo finalista}. E no intuito, portanto, de escla- recer 0 que seja o funcionalismo que escrevo este traba- lho, o qual tera por isso mesmo cunho essencialmente des- critivo, valendo-se de varias referéncias bibliograficas, sem excluir uma tomada de posi¢gdo consequente no sentido do novo sistema. II. Plano da investigacao Se ha na dogmatica penal algum conhecimento que se manteve quase inalterado desde os alvores do século, é 0 conceito de crime como agio tipica, antijuridica e culpa- vel‘. Enquanto isso, 0 contetido que se adscreveu a cada uma dessas categorias se alterou profundamente, de modo que se faz mister examina-las mais a fundo. Creio didatico comegarmos por um rapido e esque- matico esbogo da evolugio da teoria do delito’, partindo do inicio do século, do sistema naturalista, passando pelo neokantiano, para depois irmos ao finalista. E isso nao sé we Apesar das multiplas variagdes; veja-se abaixo, item VII. 4 Mas ainda aqui hd pequenas variantes, como as que suprimem o conceito de agao, ou as que fundem a tipicidade e a antijuri- dicidade, ou acrescentam um quinto elemento, a punibilidade. Sobre as inovagdes de certo setor da doutrina brasileira, qual seja, a de retirar a culpabilidade do conceito de crime em nome da teoria finalista da acdo, veja-se a nota 2. 5 Além da bibliografia referida nas notas, consultei, para a elabo- ragao deste panorama evolutivo, principalmente as seguintes obras: JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts Allgemeiner Teil, 5* edigio, Duncker & Humblot, Berlin, 1996, p. 194 e ss.; ROXIN, Strafrecht — Allgemeiner Teil, Vol. 1, 3* edigao, C. H. Beck’sche Verlagsbuchhandlung Miinchen, 1997, § 7; SCHUNEMANN, Einfiihrung in das strafrechtliche System- denken, em: Schiinemann (ed.), Grundfragen des modernen Strafrechissystems, DeGruyter, Berlin/New York, 1984, p. | e ss: © o nosso JUAREZ TAVARES, Teorias do Delito, RT, Sao Paulo, 1980. 214 Revista BRASILEIRA DE Dinetto CoMPARADO por ser impossivel que o estudante compreenda o funcio- nalismo, se nao esta familiarizado com os movimentos metodolégicos anteriores, como também porque, enquanto sintese entre tendéncias dos movimentos anteriores, ele os pressup6e. ILL. O sistema naturalista O sistema naturalista, também chamado sistema cla sico do delito, foi construido sob a influéncia do positi- vismo, para o qual ciéncia é somente aquilo que se pode apreender através dos sentidos, o mensuravel. Valores sao emogées, meramente subjetivos, inexistindo conhecimen- to cientifico de valores. Dai a preferéncia por conceitos avalorados, emprestados as ciéncias naturais, a psicolo- gia, 4 fisica, 4 sociologia. O sistema tem carater eminentemente classificatério. Tem-se uma quantidade de elementares, que sao distribui- das pelas diferentes categorias do delito do modo mais se- guro e objetivo que se pode imaginar: através de critérios formais, sem atender minimamente ao conteudo. Assim é que 0 conceito de agao surge como o genus proximum, sob o qual se subsumem todos os outros pres- supostos do crime®. E um conceito naturalista, pré-juridi- co, que se esgota num movimento voluntario causador de modificagao no mundo externo’. 6 RADBRUCH, Der Handlungshegriff in seiner Bedeutung fiir das Strafrechtssystem, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, Darm- stadt, reedigio de 1967 da obra 1904, pp. 71-72. 7 LISZT, Tratado de Direito Penal Allemao, trad. José Hygino Duarte Pereira, Tomo I, F. Briguet & C. editores, Rio de Janeiro, 1899, p. 193; adotam o conceito de LISZT também ANIBAL BRUNO, Direito Penal, Tomo 1, 3* edigao, Forense, Rio de Ja- neiro, 1967, p. 296, e JIMENEZ DE ASUA, Tratado de Derecho Penal, Tomo III, 3* edigao, Editorial Losada, Buenos Aires, 1965, p. 331 (n.0 1046), se bem que ja livres da sistematizagao do na- IntRoDUGAO A DoGMATica FuNCIONALISTA 00 DELITO 215 Logo depois, assim que adentramos nas categorias ju- ridicas do delito, comega a distribuicao classificatoria das elementares. Existem elementares objetivas e subjetivas, descritivas ou valorativas. O positivista age de modo univoco, classificando por critérios formais: tudo que for objetivo é posicionado no injusto; j4 o subjetivo vai para culpabilidade. E tudo que houver de valorativo, cai na antijuridicidade; 0 tipo e a culpabilidade sio puramente descritivos. O sistema acaba com a seguinte feicdo: 0 tipo com- preende os elementos objetivos e descritivos; a antijuri- dicidade, 0 que houver de objetivo e normativo; e a culpa- bilidade, 0 subjetivo e descritivo. O tipo € a descrigio ob- jetiva de uma modificagéo no mundo exterior. A antiju- ridicidade é definida formalmente, como contrariedade da agao tipica a uma norma do direito, que se fundamenta sim- plesmente na auséncia de causas de justificagdo. E a cul- pabilidade é psicologisticamente conceituada como a rela- ¢ao psiquica entre o agente o fato. Este método naturalista de construcdo de conceitos ja foi objeto de muitas criticas, com as quais até esta fami- liarizado 0 estudante brasileiro. Além de ser incapaz de resolver intmeros problemas sem cair em contradicdes*, apontaremos as duas que julgamos fundamentais: o direi- turalismo. O naturalismo de LISZT fica ainda mais patente na definigao que da esse autor da comissao (ob. cit., p. 198): “Co- missao € a causagao do resultado por um ato de vontade. Este apresenta-se como movimento corpéreo voluntario, isto é, como tensfo (contragéo) dos miusculos, determinada nao por coagio mecAnica ou psico-fisica, mas por idéias ou representagdes ¢ efe- tuada pela enervacao dos nervos motores.” 8 As contradigées em que o sistema naturalista se envolvia foram um dos pontos preferidos da critica finalista. Um dos argumentos preferidos do finalismo, que levaria 4 ruina a tipicidade pura- mente objetiva, era a inequivoca existéncia de um elemento sub- jetivo no crime tentado (WELZEL, Das deutsche Strafrecht, 11* 216 Revista Brasiteina pe Dineito ComParano to, como sistema de valores, nada tem a fazer com catego- rias avaloradas. O fato, por ex., de a causa ser a ago sem a qual o resultado nao teria ocorrido’ nao implica em que 0 direito penal se contente com a causalidade para imputar ao autor um delito consumado. O naturalismo consequente se vé obrigado a chamar de adultero aquele constréi a cama no qual se consuma 0 adultério, declarando a agao de cons- truir a cama tipica e ilicita, porque causadora da resultado, para tentar livrar o marceneiro de pena mediante conside- ragdes de culpabilidade (0 que, observe-se, nem sempre sera possivel). O conhecimento da realidade pré-juridica nao resolve problemas juridicos. Tudo depende da impor- tancia que confere o direito ao fato natural, de uma valora- go de que este se torna objeto, a qual instantaneamente faz com ele deixe de ser puramente natural, adentrando o mundo do juridico. Enfim, o primeiro defeito do naturalis- mo é incorrer naquilo que a filosofia moral chama de fald- cia naturalista'®: parte do pressuposto de que o ser é ca- edig&o, De Gruyter, Berlin, 1969, p. 40). E como esses atritos sistematicos também foram encontrados no sistema neokantiano — que mantinha um injusto essencialmente objetivo, apesar de permeado por elementos subjetivos — os finalistas acabaram por unir essas duas tendéncias, tao grandemente contrapostas, sob 0 r6tulo de “causalistas”, 0 que gerou imensa confusao entre nés Pois o estudante brasileiro acaba sendo levado a errénea nogao de que tudo que nao é finalista é causalista, quando, de certa for- ma, hd muito mais em comum entre o finalismo e 0 naturalismo que entre este e o neokantismo (mais detalhes abaixo, item V: a palavra chave é a faldcia naturalista). Definitivamente, deve ser abandonado o habito finalista de cha- mar tudo que anteceu a este sistema de causalista. 9 Assim, por ex., 0 artigo 13, do CP. A respeito da férmula da conditio sine qua non, veja-se V. BURI, Uber Kausalitét und deren Verantwortung, Ferdinand Keip Verlag, reedigao de 1970 do li- vro de 1873, p. Les: 10 A respeito, vejam-se as rapidas indicagdes de OTTFRIED HOFFE, Immanuel Kant, trad. Marshall Farrier, State University of New IntRoDuGAO A DoGMATICA FUNCIONALISTA D0 DELITO 217 paz de resolver os problemas do dever ser, ou noutras pa- lavras, de que aquilo que €, sé por ser, jd deve ser, 0 que é uma evidente falacia. O segundo defeito é 0 cardter classificatorio e for- malista do sistema, que imagina que todos os problemas estao de antemao resolvidos pela lei, bastando a subsungaio desvalorada e automatica para dar-lhes 0 tratamento mais justo e politico-criminalmente correto. Assim é que, por ex., 0 nosso marceneiro, se soubesse (dolo) que a cama que constroi seria usada em um adultério, teria de respon- der por adultério, o que é um evidente absurdo. IV. O sistema neokantiano O sistema neokantiano ou neoclassico do delito é fruto da superagdo do paradigma positivista-naturalista dentro do direito. Com a filosofia de valores do sudoeste alemio (Windelband, Rickert), ao lado das ciéncias naturais sdo revalorizadas as agora chamadas ciéncias da cultura, que voltam a merecer a denominagio de ciéncia, sobretudo por possuirem um método proprio: o método referido a valo- res''. Enquanto as ciéncias naturais se limitam a explicar fatos, submetendo-os a categoria da causalidade, as cién- cias da cultura querem compreendé-los — sao ciéncias York Press, 1994, p. 164. Este conhecimento costuma ser atribu- ido a HUME, 4 treatise of human nature, Penguin, London, 1985, livro III, parte I, segao I (p. 507 e ss.). SOUSA E BRITO, Etablierung des Strafrechtssystems zwischen formaler Begriffs- jurisprudenz und funktionalistischer Auflésung, em: Schiinemann / Figueiredo Dias (eds.), Bausteine des europdischen Strafrechts — Coimbra-Symposium fiir Claus Roxin, Heymanns, Kéln, 1995, p. 71 ess.., (p. 71), esclarece as diferengas entre a conclusio dedutiva das ciéncias do ser e o silogismo pratico, que funda- menta o juizo de dever ser, mostrando a impossibilidade logica de saltar de um plano a outro. 11 LARENZ, Methodenlehre der Rechtswissenchaft, 6° edigao, Springer, Berlin-Heidelberg-New York, 1991 p. 92 ess. 218 Revista Brasiveiaa oe Dineito ComPpaRado compreensivas, ¢ nao sé explicativas — o que implica em referi-los a finalidades e a valores. Substitui-se, portanto, a dogmatica formalista-classi- ficatoria do naturalismo por um sistema teleoldgico, refe- rido a valores. Ao invés de distribuir as elementares de acordo com critérios formais pelos diferentes pressupos- tos do delito, comegou-se por buscar a fundamentagdo material das diferentes categorias sistematicas, para que se pudesse, no passo seguinte, proceder a construgdo teleolégica dos conceitos, de modo a permitir que eles aten- dessem a sua finalidade do modo mais perfeito possivel. Em alguns autores'?, 0 conceito de agao perde sua importancia, preferindo-se comegar de pronto com o tipo, tendéncia essa, porém, que nao parece ter sido majoritaria. O tipo é compreendido materialmente, deixando de ser a descrigdo de uma modificagao no mundo exterior, para tornar-se descrigao de uma agao socialmente lesiva, por- tanto, antijuridica; isto é, 0 tipo objetivo e avalorado tor- nou-se tipo de injusto, antijuridicidade tipificada'’ , em que também existem elementos subjetivos e normativos. A dis- tincdo entre tipo e antijuridicidade perde sua importancia, florescendo em alguns autores'* a teoria dos elementos ne- 12. RADBRUCH, Zur Systematik der Verbrechenslehre, em: Festgabe fiir Reinhardt Frank, vol. 1., 1930, reedigao de 1969, p. 158 € ss., (pp. 161-162). 13. MEZGER, Tratado de Derecho Penal, tomo I, trad. Rodriguez Mujioz, Editorial Revista de Derecho Privado, Madrid, 1955, p. 364; SAUER, Derecho Penal, Parte General, trad. da 3* edigao alemA, de 1955, por Juan del Rosal ¢ José Cerezo, Bosch, Barce- lona, 1956, p. 111: “tipicidad es antijuridicidad tipificada”. 14 Por ex., RADBRUCH, Zur Systematik..., p. 164. Note-se, porém, que MEZGER e SAUER, apesar de bem préximos desta concep- gio, nao a defenderam expressamente. SAUER diz que sua dou- trina se distingue da teoria dos elementos negativos do tipo mais por uma questao de terminologia (Derecho Penal..., pp. 103-104). IntropuGao A DoGMAtica FuNcioNaLista DO DELITO 219 gativos do tipo, que vé na auséncia de causas de justifica- ¢do um pressuposto da propria tipicidade. A antijuridicidade deixa de ser formal, contrariedade a norma, para tornar-se material: lesividade social'>. Com isso abriu-se espago para a sistematizagao teleolégica das causas de justificagdo e para a busca de seu fundamento, que era buscado em teorias que consideravam licito o fato que fosse “um justo meio, para um justo fim”'®, ou aque- las agdes “mais uteis que danosas”!’. A culpabilidade torna-se culpabilidade normativa'’: juizo de reprovagao pela pratica do ilicito tipico. Flores- cem as discussdes em torno do conceito de exigibilidade'’. Em virtude da critica finalista, que reuniu ambos os sistemas neokantiano e naturalista sob o mesmo rotulo, de causalistas, chegou-se mesmo a desprezar a capacidade de rendimento do método referido a valores, acusando-o de nado passar de um aprofundamento nos dogmas do positivismo”’, incapaz de resolver sem atritos problemas como o da tentativa. Porém, como se vera logo adiante, a materializagao das categorias do delito e a construgdo 15 Veja-se, entre outros, SAUER, Derecho penal..., p. 95 16 Era a chamada teoria do fim (Zwecktheorie), defendida por DOHNA. Veja-se, a respeito, ROXIN, Strafrecht..., 14/38; LUZON PENA, Aspectos essenciales de la legitima defensa, Bosch, Barcelona, 1978, p. 90 e ss. 17 SAUER, Derecho penal..., p. 101. 18 FRANK, Uber den Aufbau des Schuldbegriffs, Alfred Tépelmann Verlag, Giessen, 1907, p. 11: “Culpabilidade é reprovabilidade”. 19 Fundamental é 0 pequeno estudo de FREUDENTHAL, Schuld und Vorwurf, Mohr-Siebeck, Tiibingen, 1922. 20 WELZEL, Diritto Naturale e Giustizia Materiale, tradugio da 4" edigdo alema de 1962, Giuffré, Milano, 1965 (pp. 287-288), cita ERICH JAENSCH, para quem o neokantismo seria uma “teoria complementar do positivismo”, e vai além, acusando-o de nao ssar de uma “conservago e reforgo do conceito positivista de 220 Revista Brasileira De Dineito Comparapo. teleologica de conceitos, que escapam tanto ao formalis- mo classificatério como 4 falacia naturalista do sistema anterior, compdem justamente o legado permanente do neo- kantismo, que hoje nao cessa de ser valorizado pelo funcio- nalismo. Porém, e neste ponto a critica do finalismo, que logo abaixo veremos, nao deixa de ter sua raz4o, o neokantismo pagou um prec¢o alto para livrar-se da falacia naturalista, que foi isolar-se da realidade num normativismo extremo. O neokantiano parte do pressuposto que o mundo da rea- lidade e o mundo dos valores formam compartimentos in- comunicaveis, ndo havendo a menor relagdo entre eles (dualismo metodoldgico”' ): logo, acaba-se esquecendo que o direito esta em constantes relagdes com a realidade, e que a realidade também influi sobre o direito, mais: que direito e realidade se interpenetram e confundem. Os obje- tos de regulamentagao possuem certas estruturas interio- res a que o direito, sem divida, deve procurar respeitar”’ ; e muitos dados fornecidos pela observagao empirica de- vem conseguir introduzir-se em algum lugar na sistemati- ca do delito. Se nao conseguiu 0 neokantismo chegar a resultados plenamente satisfatérios em varias questdes”*, isso se deve 21 A respeito, veja-se RADBRUCH, Rechisphilosophie, republicagio da 3° edigdo, de 1932, C. F. Miiller, Heidelberg, 1999, pp. 13 ¢ ss., que fez deste principio um dos fundamentos de seu sistema filosofico. 22 Confira-se abaixo, item V, para a posigao dos finalistas, e VI, para a do funcionalismo roxiniano, de que sou partidario. 23 Podemos citar, especialmente, a problematica do erro: os adep- tos do sistema neokantiano sustentavam majoritariamente que 0 dolo fosse dolus malus, compreendendo também a consciéncia da ilicitude, (teoria do dolo), 0 que levava a consequéncias insu- portaveis, benéficas especialmente para o agente insensivel as exigéncias do direito, que, por desconhecer a ilicitude de seu agir, jamais possuiria dolo. Mas, como veremos logo adiante, 0 méto- Introougio A DogmAtica Funcionaista 00 DeLiTo 221 nao a deficiéncia do método referido a valores, como pen- sam os finalistas, mas especialmente a desordem dos pon- tos de vista valorativos com os quais os neokantianos tra- balhavam, consequéncia direta de um postulado essencial neokantiano: o relativismo valorativo™. O neokantiano chega até a referir-se a valores (método referido a valo- res), mas nao opta entre eles, por julgar uma tal opgao cien- tificamente impossivel. E é aqui, na substituigdéo de valoragées difusas e nado hierarquizadas do neokantismo por valoragGes politico-criminais referidas a teoria dos fins que possuem a pena € 0 direito penal dentro de um Estado material de direito, que assenta o funcionalismo, como adi- ante veremos*>. V. O sistema finalista O sistema finalista tenta superar 0 dualismo metodo- logico do neokantismo, negando o axioma sobre 0 qual ele assenta: 0 de que entre ser e dever ser existe um abismo impossivel de ultrapassar. A realidade, para o finalista, ja traz em si uma ordem interna, possui uma légica intrinse- ca: a légica da coisa (Sachlogik). O direito nao pode flu- do finalista igualmente nao é¢ infalivel, e a prova mais cabal dis- so & a teoria estrita da culpabilidade, defendida de modo enérgi- co por WELZEL (Strafrecht..., p. 168) e seus discipulos (por ex., ARMIN KAUFMANN, Tathestandseinschrénkung und Recht- fertigung, em: Strafrechtsdogmatik zwischen Sein und Wert, Carl Heymanns Verlag, KéIn-Berlin-Bonn-Miinchen, 1982, p. 47 ess., (pp. 48-50)), que sem cair no extremo da teoria do dolo, cai no extremo oposto, punindo por crime doloso aquele que supée pre- sentes os pressupostos de justificagao. Para o finalista, quem age em legitima defesa putativa age dolosamente. 24 Veja-se novamente RADBRUCH, Rechtsphilosophie..., p.17 € ss., que faz do relativismo valorativo 0 segundo pilar basico de seu sistema filoséfico, ao lado do dualismo metodolégico. 25 ROXIN, Kriminalpolitik..., p. 13 & p. 48 € ss.; e, na tradugo bra- sileira, p. 25 e ss., p. 96 € ss. 222 Revista Brasiteina DE DineiTo ComPanADo, tuar nas nuvens do dever ser, vez que 0 que vai regular é a realidade. Deve, portanto, descer ao chao, estudar essa rea- lidade, submeté-la a uma andlise fenomenologica, e sé apds haver descoberto suas estruturas internas, passar para a etapa da valoragiio juridica. “Os conceitos cientificos nao sdo variadas ‘composigées’ de um material idéntico e avalorado, mas ‘reprodugées’ de pedacgos de um complexo ser 6ntico, ao qual sfo imanentes estruturas gerais e dife- rencas valorativas, que nao foram fruto da criagao do cien- tista”*°. Qualquer valoragdo que desrespeite a légica da coisa sera, forcosamente, errénea’’. 26 WELZEL, Naturalismus und Wertphilosophie im Strafrecht, em: Abhandlungen zum Strafrecht und zur Rechtsphilosophie, DeGruyter, Berlin-New York, 1975, p. 29 € ss., (p. 79). 27. E especialmente claro o seguinte trecho de WELZEL: a teoria finalista da agao “... parte do axioma de que a matéria ¢ a regula- mentagao juridicas nao estao, ou pelo menos nao completamen- te, subordinadas ao poder de disposigdo do legislador, mas de que ele se encontra, isso sim, vinculado a determinadas estrutu- ras légico-reais, que em certa medida lhe apontam qual é a regu- lagdo correta, de modo que quando ele as perca de vista, nao atingira seu objetivo: construira muito mais uma regulagao ina- dequada, contraditéria e lacunosa. Essas estruturas logico-reais so 0 objeto eterno da ciéncia juridica, que também preexistem ao legislador.” (Aktuelle Strafrechtsprobleme im Rahmen der finalen Handlungslehre, C. F. Miiller, Karlsruhe, 1953, p. 4.) Veja- se, também, 0 trabalho de seu discipulo, ARMIN KAUFMANN, sobre os delitos omissivos, que comega com extensa investiga- ¢ao a respeito da ontologia da omissao, antes de partir para a omissdo tipica: Die Dogmatik der Unterlassungsdelikte, 2° edi- do, Otto Schwarz Verlag, Gottingen, 1988, especialmente p. 16 e ss.; e entre nés, ZAFFARONI/PIERANGELI, Manual. 160 ¢ 191, Pode-se apontar, porém, uma outra corrente dentro do finalismo, encabegada pelo discipulo de WELZEL, STRATENWERTH, Das rechtstheoretische Problem der ‘Natur der Sache’”, Mohr- Siebeck, Tiibingen, 1957, que assume uma posigao mais proxima 1.08 IntropucAo A DogMaTica FuNcIONALISTA DO DeLITO 223 A primeira dessas estruturas que importam para o di- reito, cuja légica intrinseca ele deve respeitar (chamadas estruturas 16gico-reais — sachlogische Strukturen) é a na- tureza finalista do agir humano”*. O homem sé age finalis- ticamente; logo, se o direito quer proibir agdes, so pode proibir agGes finalistas”’. Dai decorre, entre outras coisas, que o dolo deva pertencer ao tipo: 0 dolo é o nome que recebe a finalidade, ¢ a valoragao juridica que se faz sobre esta estrutura logico-real, assim que ela se dirija 4 realiza- cao de um tipo*’. do neokantismo. As estruturas logico-reais nao teriam existéncia absoluta, como em WELZEL, mas dependeriam de uma prévia valoragao, a qual caberia dizer quais dentre elas sao relevantes: “As estruturas logico-reais sao — dito de modo definitivo — dados 6nticos, que parecem essenciais a partir de determinada perspec- tiva” (p. 17). Ea perspectiva valorativa da qual parte o direito atual é a condigao do homem enquanto “pessoa” (p. cit.); uma vez reconhecido que o homem € pessoa, capaz de autodeterminar- se, deve o direito reconhecer também a estrutura finalistica de seu agir. Mas como essa primeira valoragao poderia ser distinta, as estruturas légico-reais de STRATENWERTH nao sao absolu- tas, como em WELZEL, mas meramente relativas (p. 24). 28 WELZEL, Aktuelle Strafrechtsprobleme..., p. 4: “A mais impor- tante dessas estruturas logico-reais no direito € a agao”. 29 ARMIN KAUFMANN, Teoria da Norma Juridica, Editora Rio, Rio de Janeiro, 1976, p. 144. 30 NIESE, Finalitaét, Vorsatz und Fahrldssigkeit, Mohr-Siebeck, Tiibingen, 1951, p. 12; WELZEL, Strafrecht..., p. 61. Ja o por- qué de a finalidade nao dever fazer parte do tipo subjetivo do delito negligente é um problema que os finalistas nunca conse- guiram resolver corretamente, nem mesmo apos a recente tenta- tiva de STRUENSEE (Objektive Zurechnung und Fahrldssigkeit, em GA 1987, p. 97 e ss.), de afirmar um tipo subjetivo na culpa. Nao € a toa que ironizou ARTHUR KAUFMANN: “A histéria da teoria finalista da agao é a historia de suas tentativas multiplas e sempre outra vez modificadas de apreender 0 delito culposo”. (Die ontologische Struktur der Handlung, em: Schuld und Strafe, 2° edig’o, Carl Heymanns Verlag, KéIn, 1983, pp. 11 e ss., p. 26). 224 Revista Brasiveina De Direito CoMPARADO E sobre 0 conceito de acao que se edifica todo o sis- tema. “A teoria da a¢do agora desenvolvida é a propria teo- ria do ‘delito’”, diz WELZEL*'. Todas as categorias do delito sao referidas a conceitos pré-juridicos, obtidas por mera dedugao, confiando-se na logica intrinseca do objeto que se vai regular. O tipo torna-se a descrigéo de uma agao proibida — deixa de ser um tipo de injusto, tipificagdo de antijuridi- cidade, para tornar-se um tipo indiciario, no qual se enxer- ga a matéria de proibigado (Verbotsmaterie)” . Como sé se podem proibir agées finais, 0 dolo integra o tipo. Da mes- ma forma que os tipos so vistos formalmente, como me- ras normas proibitivas, também as causas de justificagio nao passam de tipos permissivos. E como tém por objeto agoes finalistas, surge a exigéncia do elemento subjetivo de justificagao. O ilicito, materialmente, deixa de centrar-se no dano social, ou ao bem juridico, para configurar um ilicito pes- soal (personales Unrecht)® , consubstanciado fundamental- mente no desvalor da agdo**, cujo nucleo, por sua vez, éa finalidade. 31 WELZEL, Studien zum System des Strafrechts, em: ZStW 59 (1939), pp. 491 ss., (p. 497). 32 WELZEL, Strafrecht..., p. 54; ARMIN KAUFMANN, Teoria da norma juridica..., p. 143 e ss; STRATENWERTH, Strafrecht — Allgemeiner Teil, 3* edigio, Carl Heymanns Verlag, KéIn-Berlin- Bonn-Miinchen, 1981, § 7/172; j4 CEREZO MIR, Curso de derecho penal espatiol — Parte General, vol. Il, 6° edigao, |* reimpresséo, Tecnos, Madrid, 1999, p. 96, critica a concepgao welzeliana, preferindo entender o tipo como tipo de injusto. 33 Dai a famosa frase de WELZEL, Strafrecht..., p. 62: “O ilicito é ilicito pessoal, referido a um autor” (“Unrecht is taéterbezogenes, personales Unrecht”); veja-se, também, ARMIN KAUFMANN, Teoria da norma..., p. 145. 34 WELZEL, Strafrecht..., p. 62; BUSCH, Modernas transforma- ciones en la teoria del delito, 3* edigio, Temis, Bogota, Colombia, Intropucdo A DoGMATica FUNCIONALISTA 00 DELITO 225 A culpabilidade, por sua vez, torna-se juizo de repro- vacao calcado sobre a estrutura ldgico-real do livre arbi- trio, do poder agir de outra maneira*>. O homem, porque capaz de comportar-se de acordo com 0 direito, é respon- savel quando nao age desta forma. Sem duvida, foi sadio o apelo do finalismo a que aten- tassemos para as estruturas légico-reais. Porém, se 0 neo- kantismo péde ser criticado por seu excessivo normati- vismo, 0 finalismo, que de inicio tentou supera-lo, negan- do a separagao entre ser e dever ser (o dualismo metodo- légico), depois voltou a ela, e pior: pondo a ténica no ser. No esforgo de polemizar com o neokantismo, acabou o finalismo voltando a faldcia naturalista, pensando que o conhecimento da estrutura pré-juridica ja resolvia por si so o problema juridico*’. E certos finalistas foram tao lon- 1992, (tradugao do estudo de 1949), p. 66: “El delito es en verdad violacién 0 exposicién de bienes juridicos, pero ante todo es la ejecucién de una volutad hostil a la sociedad”. Essa concepgao foi levada ao extremo pela vertente de ARMIN KAUFMANN e seus discipulos: vejam-se ARMIN KAUFMANN, Zum Stande der Lehre vom personalen Unrecht, em: Festchrift fiir Welzel, DeGruyter, Berlin, 1974, p. 393 e ss.; ZIELINSKI, Handlungs- und Erfolgsunwert im Unrechtsbegriff, Duncker & Humblot, Berlin, 1973, p. 143: “O injusto é 0 ato finalista contrario ao de- ver — e nada mais do que ele”. Para estes autores, o desvalor sub- jetivo da ago esgota o ilicito, ficando o resultado como mera condigao objetiva de punibilidade. A tentativa inidénea (crime impossivel) é, portanto, 0 crime perfeito. 35 Escreve WELZEL: “A culpabilidade... fundamenta a reprovagao pessoal contra o autor, por nao ter deixado de praticar a acgao antijuridica, apesar de tal Ihe ser possivel.” (Strafrecht..., p. 138) Entre nés, vejam-se CEZAR BITTENCOURT, Manual..., p. 345; ZAFFARONI/PIERANGELI, Manuai..., ns. 349 e ss. 36 GIMBERNAT, Concepto y método de la ciencia del derecho pe- nal, Tecnos, Madrid, 1999, p. 101, é irénico: “El método que sigue Welzel es — expresandolo de una manera algo exagerada y polémica — el siguinte. Previamente y antes de tomar contacto 226 Revista BRASILEIRA DE DireITO COMPARADO ge em seu culto as estruturas légico-reais que, sob 0 argu- mento de que “o direito so pode proibir ages finalistas” baniram o resultado do ilicito, declarando a tentativa inid6énea ou crime impossivel 0 protétipo do delito, que merecia a mesma pena da consumagao*’. Mas nao é sé na faldcia naturalista que se aproxima o finalismo do siste- ma classico, como também no dedutivismo formalista e classificatorio. A materializagao das categorias do delito, mérito imorredouro do neokantismo, foi por vezes esque- cida. O tipo tornou-se formal, mera matéria de proibigao; assim também a antijuridicidade parece voltar a ser ine- xisténcia de excludentes de ilicitude. Também a importan- cia excessiva dada ao posicionamento sistematico de cer- tos elementos — se o dolo esta no tipo ou na culpabilidade — demonstra a tendéncia classificatoria®*. com la realidad juridico-penal, examina la estructura ontolégica de la accién, afirma que el dolo pertenece al tipo... y, en una asombrosa supervaloricién del pensamiento sistematico, decide que ya esta todo solucionado”. 37 Vejam-se os estudos de ARMIN KAUFMANN e ZIELINSKI, ci- tados a nota 32, e, além deles: SCHAFFSTEIN, Handlungsunwert, Erfolgsunwert und Rechtfertigung bei den Fahrlassigkeits- delikten, em: Festschrift fiir Welzel, p. 557 € ss.; SUAREZ MON- TES, Weiterentwicklung der finalen Handlungslehre?, na mesma edigdo comemorativa, p. 379 e ss.. Também a teoria estrita da culpabilidade, que queria condenar por crime doloso aquele que atuasse na errénea suposigao dos pressupostos de justificagao, foi outra prova de que nem sempre as estruturas légico-reais sao sensiveis a realidade axiolégica, 4 dimensao do justo e do politi- co-criminalmente correto. 38 Essa critica é feita por SCHMIDHAUSER, Zur Systematik der Verbrechenslehre, em: Geddchtnisschrift fiir Gustav Radbruch, Vandenhoeck & Ruprecht, Gottingen, 1968, p. 268 e ss., p. 274. Ja ENGISCH, Sinn und Tragweite juristischer Systematik, em: Beitrdge zur Rechtstheorie, Vittorio Klostermann, Frankfurt a. M., 1984, p. 88 ess., (p. 122), reconhece bastante importancia as IntRobucAo A DoGMATica FuNcIONALISTA DO DELiTO 227 Por fim, e esta talvez seja a critica mais demolidora, o finalismo, apés dar inimeras contribui¢des imorredouras para a teoria do delito, parece ter-se esgotado em sua ca- pacidade de rendimento. O mais autorizado representante do finalismo, HIRSCH*, parece nada mais fazer que criti- car tudo que vem sido criado desde a morte de seu profes- sor WELZEL, chegando mesmo a declarar “duvidoso que, apos o esforgo espiritual empenhado durante décadas na constru¢ao do atual sistema juridico-penal, seja pensavel erigir um novo”; os recentes avangos parecem-lhe moti- vados por um infantil “afa de novidade”*'. O sistema dos finalistas, eterno e atemporal”, pretende fornecer solugdes acabadas, 0 que nao passa de uma confissdo de sua incapa- cidade de fornecer respostas a complexos problemas nor- mativos. Afinal, 0 que podem dizer as estruturas ldgico- reais a respeito, por exemplo, do inicio da execugao na ten- tativa, ou da escusabilidade do erro de proibigao, ou da concretizagao do dever de cuidado, no delito negligente? discussdes sobre a posigdo sistematica de um conceito: “o mate- rial recebe, através de sua localizagao sistematica, a definigdo de seu contetido”, incorrendo numa sobrevalorizagao inaceitavel do pensamento sistematico. A classificagdo é que deve orientar-se pela matéria juridica, e nao o material pela classificagao (veja-se abaixo, V1). 39 HIRSCH, Die Entwicklung der Strafrechtsdogmatik nach Welzel, em: Festschrift der Rechtswisschaftlichen Fakultdt Kéln, Carl Heymanns Verlag, K6In-Berlin-Bonn-Miinchen, 1988, p. 399 & 40 HIRSCH, Die Entwicklung. 41 HIRSCH, Die Entwicklung. i be 42 O finalista ARMIN KAUFMANN, Teoria da Norma Juridica, Editora Rio, Rio de Janeiro, 1976, p. 12, referindo-se a G. HUSSERL, considera a tarefa da dogmatica consiste “na elabo- ragdo de um sistema de conceitos fundamentais puros e atemporais, que formam uma 4rea de possibilidades apriori: do direito”. icas 228 Revista Brasiteina pe Direito ComParano, Nada mais do que algo bem genérico, que precisara ser precisado a luz de outras consideragdes* . VI. O sistema funcionalista ou teleolégico-racional Feitas essas consideragées historicas, voltemos os olhos para a atualidade“. O que 6 0 funcionalismo? Em primeiro lugar, deixemos claro que nao existe um funcio- nalismo, mas diversos. Podemos, mesmo assim, utilizar 43 A respeito de que consideragées estas sejam, veja-se abaixo, VI. Avangando as palavras-chave: valoragdes politico-criminais, fins da pena e do direito penal, resisténcia da coisa. 44 Este estudo nao desconhece que, ao lado da tendéncia funcio- nalista, existem outras que contam com valorosos representan- tes. Seria entretanto impossivel apresentd-las todas nos limites deste trabalho; contentar-nos-emos com curtas indicagées, indi- cando obras mais relevantes. Em primeiro lugar, ¢ claro, ha o circulo dos finalistas, (cada vez mais reduzido), no qual se des- tacam HIRSCH (Die Entwicklung der Strafrechtsdogmatik nach Welzel, em: Festschrift der Rechtswisschaftlichen Fakultdt Kéln, Carl Heymanns Verlag, KéIn-Berlin-Bonn-Miinchen, 1988, p. 399 ess.) e alguns outros, como STRUENSEE (Objektive Zurechnung und Fahrlissigkeit, em GA 1987, p. 97 ¢ ss.), KUPPER (Grenzen der normativierenden Strafrechtsdogmatik, Duncker & Humblot, Berlin, 1990), CEREZO MIR, (Curso alguns deles, como CEREZO, deixaram de reconhecer a forga argumentativa das es- truturas ldgico-reais, o que torna discutivel sua qualificagaéo como finalistas. Ha também 0 circulo dos hegelianos, em regra disci- pulos de ERNST A. WOLFF (por ex., Kausalitat von Tun und Unterlassen, Carl Winter Universitatsverlag, Heidelberg, 1965), que partem de uma concepgAo retributiva da pena, e tentam en- xergar o crime através das categorias da metafisica do idealismo alemao — em especial, a liberdade. O monumento maximo desta tendéncia é o recente manual de MICHAEL KOHLER, (Strafrecht — Allgemeiner Teil, Springer Verlag, Berlin-Heidelberg-New York, 1996). Podemos apontar uma terceira tendéncia, dos adep- tos da filosofia analitica, como HRUSCHKA, (Strafrecht nach logischer analytischer Methode, 2* edigao, DeGruyter, Berlin/ New York, 1988), que querem evitar ao mAximo possivel as IntRopuGAO A DoamATica FUNCIONALISTA DO DeLiTo 229 como uma primeira aproximagao a que formula um de seus mais destacados partiddérios, ROXIN*: “Os defensores deste movimento est&o de acordo — apesar das muitas di- ferengas quanto ao resto — em que a construgao do siste- ma juridico penal nao deve vincular-se a dados ontolégicos (agdo, causalidade, estruturas légico-reais, entre outros), mas sim orientar-se exclusivamente pelos fins do direito penal.” S4o retomados, portanto, todos os avancos imorre- douros do neokantismo: a construcio teleolégica de con- ceitos, a materializagdo das categorias do delito, acrescen- tando-se, porém, uma ordem a esses pontos de vista valorativos: eles sio dados pela missGo constitucional do direito penal, que é proteger bens juridicos através da pre- ven¢dao geral ou especial*®. Os conceitos sio submetidos a funcionalizagdo, isto é, exige-se deles que sejam capazes valoragdes, tentando resolver os problemas através de uma mi- nuciosa andlise da linguagem. E, por fim, os ecléticos — JESCHECK/WEIGEND (Lehrbuch...), WESSELS/BEULKE (Strafrecht — Allgemeiner Teil, 28* edigao, C. F. Miiller Verlag Heidelberg, 1998), ZIPF (em: MAURACHIZIPF, Strafrecht — Allgemeiner Teil, Vol. 1, 8° edigdo, C. F. Miiller Juristischer Verlag Heidelberg, 1992), BOCKELMANN/VOLK (Strafrecht — Allgemeiner Teil, 4 edigao, C. H. Beck’ sche Verlagsbuchhandlung Minchen, 1987), autores que nao se atém a pressupostos metodoldgicos precisos, mantendo o sistema aberto para qual- quer método que se demonstre capaz de chegar a bons resulta- dos. 45 ROXIN, Strafrecht..., § 7/24. Ao leitor que desejar informar-se mais aprofundadamente, fica indicado 0 estudo de SCHUNE- MANN, Einfiihrung in das strafrechtliche Systemdenken, em: Schiinemann (ed.), Grundfragen des modernen Strafrechts- systems, DeGruyter, Berlin/New York, 1984, p. 1 ¢ ss., um dos mais didaticos e claros que ja se escreveram a respeito do funci- onalismo. 46 Uma excecao € 0 posicionamento de JAKOBS, Strafrecht..., § 2/ le 'ss., que rechaga a idéia do bem juridico, considerando que a 230 Revista Brasiteira DE Direito ComParano de desempenhar um papel acertado no sistema, alcangando consequéncias justas e adequadas”’ . A teoria dos fins da pena adquire portanto valor basilar no sistema funcionalista. Se 0 delito é 0 conjunto de pressupostos da pena, devem ser estes construidos ten- do em vista sua consequéncia, e os fins desta. A pena retri- butiva é rechacgada, em nome de uma pena puramente pre- ventiva, que visa a proteger bens juridicos ou operando efeitos sobre a generalidade da populagio (prevengdao ge- ral), ou sobre o autor do delito (prevengdo especial). Mas enquanto as concepg¢ées tradicionais** da prevencao geral visavam, primeiramente, intimidar potenciais criminosos (prevengao geral de intimidagao, ou prevengao geral ne- gativa), hoje ressaltam-se, em primeiro lugar, os efeitos da pena sobre a populagao respeitadora do direito, que tem sua confianga na vigéncia fatica das normas e dos bens ju- missao do direito penal esta em proteger a validade das normas. Em Criminalizacién en el estadio previo a la lesién de un bien juridico, em: Estudios de derecho penal, Civitas, Madrid, 1997, trad. Pefiaranda Ramos, p. 293 e ss., tenta JAKOBS demonstrar que 0 conceito de bem juridico nada tem de liberal, 0 que porém nao convence, se nos lembrarmos da época em que se descartou tal conceito. Esta concepgao de JAKOBS permanece minoritaria entre os funcionalistas. 47 SCHUNEMANN, Die deutschsprachige Strafrechtswissenschaft nach der Strafrechtsreform im Spiegel des Leipziger Kommentars und des Wiener Kommentars, em GA 1985, p. 341 ess. (p. 346): “Para uma construgao de conceitos escolada nos conhecimentos inesqueciveis do neokantismo, esta claro que o contetido do con- ceito depende do valor relacional, isto é, da fungao do conceito.” 48 BECCARIA, Dos delitos e das penas, 11* edigao, 4" reimpressao, Ed. Hemus, trad. Torrieri Guimaraes, Si0 Paulo, 1996, § 3, p. 15; FEUERBACH, Lehrbuch des gemeinen in Deutschland giiltigen Peinlichen Rechts, editado por Mittermayer, 14* edigao, 1847, § 13, p. 38, apud ROXIN, em: ROXIN/ARZT/TIEDE- MANN, Einfithrung in das Strafrecht und Strafprozeprecht, 3* edicao, C. F. Miiller, Heidelberg, 1994, p. 43. IntRODUGAO A DOGMATICA FUNCIONALISTA DO DELITO 231 tidicos reafirmada (prevengao geral de integracao, ou pre- ven¢ao geral positiva)*’. Ao lado desta finalidade, princi- pal legitimadora da pena, surge também a prevengao espe- cial, que é aquela que atua sobre a pessoa do delinquente, 49 A teoria da prevengao geral positiva ¢ hoje francamente majori- taria, inclusive entre penalistas nao adeptos do funcionalismo. Entre os funcionalistas, citemos: SCHMIDHAUSER, Einfiihrung in das Strafrecht, 2* edigdo, Westdeutscher Verlag, Opladen, 1984, p. 58 e JAKOBS, Strafrecht..., § 1/15 a defendem em toda a sua pureza; MIR PUIG, Funcién fundamentadora e funcidn limita- dora de la prevencién general positiva, em: El derecho penal en el Estado social y democratico de derecho, Ariel, Barcelona, 1994, p. 129 € ss. é mais temperado. ROXIN, Sentido e limites da pena estatal, em: Problemas Fundamentais de Direito Penal, 2° edigdo, Vega Universidade, Lisboa, 1993, p. 15 € ss., (p. 43), defende uma “teoria unificadora dialética”, que integra a preven- gao geral e especial nos limites da culpabilidade: essas idéias foram reiteradas, sinteticamente, ha poucas semanas, em: ROXIN, Sobre a evolugao da politica criminal na Alemanha apés a 2" Guerra Mundial — Discurso proferido no semindrio internacio- nal de Direito Penal, ocorrido em margo de 2000, na Universi- dade Lusiada de Lisboa, inédito, item IV; em sentido similar, FIGUEIREDO DIAS, Fundamento, sentido e finalidades da pena criminal, em: Questées fundamentais de direito penal revisitadas, RT, Sao Paulo, 1999, p. 86 ¢ ss., (p. 129 € ss.). FERNANDO GAMA, Elementos éticos para a conceituagao da pretensdo pu- nitiva, inédito, que transporta a teoria dos fins da pena para o processo penal, chegando a notaveis resultados. Entre os nao funcionalistas, vejam-se WELZEL, Strafrech 238 (apesar de este autor se considerar um adepto de uma teoria retributiva, hoje € comum caracterizd-lo como defensor da pre- vengao geral; neste sentido, por ex., seu aluno ARMIN KAUFMANN, Hans Welzel zum Gedenken, em: Strafrechts- dogmatik zwischen Sein und Wert, Carl Heymanns Verlag, KéIn- Berlin-Bonn-Miinchen, 1982, p. 279 e ss., (p. 289)); HASSEMER, Variationen der positiven Generalprévention, em: Schinemann/ v. Hirsch/Jareborg (eds.), Positive Generalprévention, C. F. Miiller, Heidelberg, 1998, p. 29 e ss.; bem como os demais estu- dos deste volume.

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