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Margens, caminhos, desvios, um per- curso. E assim que Fabio nos apresenta a experiéncia_do Acompanhamento Terapéutico (AT): um passeio esquizo, fragmentario, um’ modo de fazer da clinica eum modo como a clinica se faz. Assim como os conceitos, a subjeti- vidade 6 trabalhada em seu regime conectivo, experimentando derivas que enfrentam as~ concepgdes classifi- cat6rias sobre a loucura. Lidar com a experiéricia da loucura como forma de expressar-se no mundo, mas também 0 de acolher e culdar do que se sofre neste caminhar mais a margem 6 a proposta/aposta a que Fabio nos convida, Eduardo Passos Regina Benevides CHUL PELO ENTO TERAPEUTICO 0S 4 politica da amizade Fabio Araujo ILNFdVYIL OLNINVHNYAWOIY O wscio do esquizofrénico: ¢ um modelo melhor que 0 neurstico deitado no diva. Um pouco de ar ivre, uma relagao com o exterior. Por exemplo, 0 io de Lenz reconstituido por Buchner. E dife- rente dos momentos em que Lenz se encontra na casa de seu bom pastor, que o forca a situar-se social- mente, em relaedo ao Deus da religiao, em relacdo a0 pai, & mae. Lé, ao contrério, ele esté nas monta- sob a neve, com outros deuses ou sem deus algum, sem familia, sem pai nem mae, com a nature~ za. “Que quer meu pai? Ele pode dar-me mais? Impossivel. Deixem-me em paz.” Tado feito maqui- nas celestes, as estrelas ou o arco-iris, maquinas alpinas, que acoplam com as de seu corpo. Ruido ininterrupto de maquinas. “Ele pensava que deveria set um sentimento de uma infinita beatitude ser to- cado pela vida profunda de toda forma, ter uma alma para as pedras, os metais, a gua e as plantas, aco- Iher dentro de si todos os objetos da natureza, sonhadoramente, como as flores absorvem 0 ar com © crescer € 0 decrescer da lua,” Ser uma mi clorofilica, ou de fotossintese, pelo menos insinuar seu corpo como pecas em méquinas assim. Lenz se colocow antes da distingio homem-natureza, antes de todas as marcagdes que essa di nao vive a natureza como natureza, mas apenas © processo que produ um no outro € acopla as mé- genérica: cu e nio-eu, exterior dizer mais nada, Deleuze e Guattari ~ O Anti-Edipo INDICE ESENTACAO soso PREFACIO INTRODUCAO PARTE I - ESPAGO, TEMPO E ACONTECIMENTO NO ACOMPANHAMENTO TERAPEUTICO .. ciéncia, filosofia ¢ arte ~ situando o plano de posi¢ao do trabalho ‘a enquanto acontecimento Onde © Quando algo acontece ~ a abertura i espago-tempo .. percepgdes na cl PARTE II ~ ACOMPANHAMENTO TERAPEUTICO fb TERRITORIO... Atratores estranhos — um passeio pela ciéncia lemporanea ilornelo, expressio ¢ desterritorializacio .. RTE Ill - ETICA E POLITICA NO ACOMPANHAMENTO TERAPBUTICO ...2nnosnee 135 Acother-acompanhar Etica da hospitalidade © amigo qualificado Uma politica da amizade CONCLUSAO BIBLIOGRAFIA .... a amizad APRESENTACAO Hisse livro foi realizado a partir da dissertagio de mestrado Ele se coloca como um movimento de parada pritica que venho exercendo hé alguns anos. Po- uma parada, é como em uma hospedagem: parada as forgas para que a viagem possa ser continuada. avaliagao, ela se dé atravessando © em funcao do imento, desestabilizando assim, qualquer ponto que Wi servir de apoio para uma avaliagdo que carregue em si as Honsbes da Verdade ou da Correcio. Fabio Araijo ul PREFACIO “Margens, caminhos, desvios, um percurso. E assim que Fé- la a experiéncia do Acompanhamento Terapéutico seio esquizo, fragmentério, um modo de fazer n modo como a clinica se faz, Assim como os concei- am as_concepcoes is sobre a loucura. Lidar com a experiéneia da lou- como forma de expressar-se no mundo, mas também o de © cuidar do que se sofre neste caminhar mais & margem é osta/aposta a que Fabio nos convida. is do andar, clinica peri poe um tracar permanente das conexdes intensivas que sé podem ser apreendidas quando também o que acompanha experimenta modulagdes nas coordenadas espago-temporais, inventando no caminhar outros tertitétios. Fabs idade entre 0 espago e a subjetividade, eles emergem concomitantes. Qual entio o setting da clinica? A cidade? De fato, a experiéneia do AT nos obriga a colocar em questio os limites da clinica, ou melhor, fazer da clinica uma experiéncia do limite. Neste sen pensar a clinica como um movimento de acompanhamento 6 locé-la de qualquer lugar especialista, & deslocaliza-la de qual- quer setting privilegiado para, entio, experimenté-la enquanto passagem. A pergunta “Onde se passa a clinica” deve, portanto, ser substituida por esta outra: “O que se passa na Pe HA passagens construidas por Fabio em seu trabalho que inovam, ligag6es conceituais que surpreendem, relatos de expe- rigncias que emocionam, instigam. Como ele diz, relatos que nio exemplificam, mas fazem proliferar. Com que verbos se faz 0 acompanhar? Conjugar, como li- gar, € um dos verbos que dizem do texto-experiéncia de Fabio. Mas conjugar também como acother, estar com, viver em, sentir através, ser pego, acontecer, ser arrastado, (des & co)n perder-se... 13 Nestas experimentacdes verbais hé também que exercitar um desfazer-se (outro verbo!) do jé dado sobre a clinica, colo- cando-a em anilise. Mas, qual a importincia dos temas do AT, da clinica e, so- bretudo, do modo como eles sao tratados neste texto? Faz-se a de uma clinica separada da politica, a provocacao de ica cujo setting € volante, um AT que se dé como polt- tica da amizade, uma clinica da res publica. Nas tramas dos fica clara esta de ethos): a clinica deve ser tratada em sua ampla relacio com 0 modo 10 se vive No contemporaneo. AS situagdes clinicas nao se fio, de seu engendramentos politicos. Mi macropolitica se atravessando em velocidades in tudo muito répido, tudo muito Iento, tudo fora de foco, tudo sem \s também sem ar, sem cheiro, tudo com muito som, mas sem escuta, sem um outro, sem possibilidade de outrar-se, HA contribuigées originais, sobre a clinica indicando suas fa clinica pelo viés do AT pen ss sobre 0 AT, bem como uma fungdo presente em m qualquer lugar onde a cli se da, onde algo acomtece. texto esti, sem diivida, a de propor o AT de, uma amizade que nao seja qualificada ¢ sim qualific geradora de qualidades. Este texto tem seu valor pelo que nele se expressa do que é poténcia, invencao, desvio, acolhimento tal como se espera de qualquer experiéncia clinico-politica, Se nao pelas dtimas idéias que ele nos traz, e que sio muitas, vale ler o livro para que co- nhegamos os Silvios, os que se inquietam, se agilam ¢ nao encontram passagens inventoras de mais vida, os Daniels, 0s que m frente ao impalpavel ¢ indizivel da experiéneia hu- mana, Vale a pena acompanhé-lo, vale acompanl Eduardo Passos Regina Benevides 14 INTRODUGAO Uma teoria é uma caixa de ferramentas. (...) E preciso que sirva, 6 preciso que funcione. Endo para si mesma. Se niio hd pessoa para uiilizi-la, a comecar pelo préprio tedrico que deixa entio de ser tebrico, é que ela nio vale nada ou que 0 momento ainda néo chegou. (...)A teoria nao totaliza; 4a teoria se multiplica e multiplica Gilles Deleuze ~ Os Intelectuais e 0 Poder A rua como espaco clinico (EQUIPE DE A.T. DO HOSPI- (AL-DIA A CASA, 1991). Esse € 0 titulo de um dos primeiros um novo local de atuacao ¢ ”? Por que a uagdes a rua pode ser en clinica? Pode-se chamar a perspectiva de um atendimento na rua de clinica? Tais questionamentos nos levam a duas outras séries de perguntas. A primeira poe em anilise o estatuto da clinica e Jo enquanto acompanhamento nhamento terapéutico? O que acontece na rua € 0 que acontece com as pessoas que acompanhamos na rua? Que concepeio de Q que acontece com a rua quan- do a tomamos como clinica? Qu é Pretendemos fazer uma reflexio sobre Wes partindo, tanto tes a8 € oulras ques- vivencias e experiéncias de into de alguns conceitos que, a namentos que essa pratica nos pos entio um texto que tenta produzir um di pie. Criamos curso sobre que acon- 15 tece no di © que acontece com pra de acompanhante terapéutico © sobre as quando sie acompanhadas, en- sitar entre nodes ext tanto da arte quani itmaremos logo de inici . a clinica, em algum nivel, toca to- iS esas instancias, Faremos enti que cada instincia dessas — losofia, ciéncia, arte, experiéneia — corra uma atrés da outra num regime de variagdo constante. Isso com 0 objetivo de que ‘© pensamento de uma instanci outra, Cabe ainda estarmos atentos ao fato de que a literatura so- bre acompanhamento terapéutico ¢ ainda muito escassa e dispersa. Boa parte do que existe escrito se resume a uma transp para o campo do acompanhamento terapéutico, de teorias de- senvolvidas em praticas de setting fechado, “Sem divida, ocorre igualmente a aplicacao de teorias j4 existentes, de tal maneira que muito se perde da riqueza das experiéncias do acompanha- mento, © que torna o texto frido, quando nfo inéeuo™ (BARRETO, 1997, p. 251). Em tal trans orias pro- duzidas em um setting fechado para um setting aberto - é de costume se manter a concepcao de subjetividade que fora pesquisado ¢ elaborado dentro do proprio setting fechado. Nota- ‘mos entéo a manutengéo das concepgdes de subjetividade como se elas fossem as verdades do humano e nao estivessem relacio- nadas com os was. AS novidades produzidas na passage para um setting aberto quase sempre giram em tomo de um afrouxamento das técnicas do con- sult6rio — 0 que, diga-se de passagem, muitas vez s faz com que a respeito da posigio do acomp: diante do campo: ipacidade a faz entrar numa relagio muito precedntes especificos e profissionais 16 listas); por um lado, & (er muilo para receber em conexiio com quais sao as sinteses prod téticas que thes convém, liberdade de preveni-los contra os riscos de reduzir seu esta- estabelecido, prevalentes no préprio domi do qual, anedo Maitomssreeomendivel me pare, epitope as condigdo de pensadores, artistas ou militant nio-convencionais. (BAREMBLITT, 1997 b, p. Porém, em nossa visio, a clinica sempre se produziu produ- \do ao mesmo tempo o objeto no qual intervem, isto 6 uma concepeao de subjetividade. Cremos com de subjetividade sao criadas para dar conta dos dramas afetivos concernentes aos proprios dispositives que dao expressio a es- onde objeto sob o qual ele incidira. Nos perguntaremos dessa forma quais concepedes de subjetividade vemos emergir quando mon- tamos 0 dispositivo do acompanhamento terapéutico ¢ nao mi -omo fazer para adaptar tal ou tal concepeao de subjetividade criada em um setting fechado ao acompanhamento terapeutis afirmo que absolutamente ninguém, a nao ser os prop nteressados, pode escolher € produzir os meios tcéricos, ¢ clinicos com os que se dispuser a dar (BAREMBLITT, 1997, p. 179) iante disso a pergunta que nos colocamos nio € sobre quais ivo acompanhamento terapé os efeitos que 0 disp: pergunta ~ © sim quais os efeitos que 0 acompanhamento terapéutico pode produzir na propria clinica. Tomamos dessa forma 0 acompanhamento terapéutico como um analisador da clinica, 17 Sabemos que uma separacio ha muito ja que 0 acompanhamento terapéutico é uma pritica par as que nao conseguem se beneficiar do consultorio. E grosseiramente essa divisio praticamente coincide com neutéti- cos para um lado e psi jexo das concepgdes de as através dos dispo- tivos de setting fechado? Nao seré 0 acompanhamento apéutico uma clinica que leva a propria clinica ao seu limite? 0 que Sereno (1996) nos forca a pensar em um pardgrafo de sua dissertacio. Pessoalmente, prefiro dizer que faco acompanhamento '0; Mas ndo que sou acompanhante terapeutica. O samento terapéutico € uma funcio. O que parece niio exist é essa figura do acompanhante terapé quando -ia objelar: bem, mas no caso do psicanalista, também o lugar € transferencial io a cada cI € que acompanhamento terapéutico 10 € psicandlise aplicada, quanto ao acompanhamento terapéutico, €a singularidade do suje' ico que indica a direcio do tratamento, no qué de vivo na transferéncia. Ha uma implicaco forgosa do terapeuta no tratamento de psicdticos. (SERENO, 1996, p. 28-29) Apesar de Sereno sustentar a divisio entre neursticos e ibuir a essa divisio modos diferenciados de te~ ra neurdticos © acompanhamento terapéutico para psicdticos), nés nos perguntamos pela pertinéncia dessa divisio. O que nos indica esse “qué de vivo feréncia” que a autora atribui ao acompanhamento Neto (1997) também parece ser sensivel a esse qué de vivo” no acompanhamento terapéutico e, da mesma forma contrapondo-o ao lugar de morto, diré: “Na clinica do acompanhamento terapéutico (...) a posicao possivel para ope- rar alguma ruptura na pura repeticio & implicar-se com 0 18 proprio desejo fabricando agdes.” (NETO, 1997, p. 104) Seré que esse “qué de vivo”, esse “implicar-se com o préprio dese- épria clinica da ica da neurose também um acompa- nhamento terapéutico a scr feito? Acompanhamento que diz de .0 vivo ¢ de uma implicacio dos desejos que envolvem uma ‘cena, Sendo esses desejos tanto de quem & acompanhado como de quem acompanha? ‘Talvez seja essa uma das funcdes do acompanhamento terapéutico diante da clinica. Mais do que reivindicar um estatu- to clinico ja estabelecido para si mesmo, nao teria 0 acompanhamento terapéutico a fungio de colocar, através de sua pritica e de sua produgio, a prépria clinica em questio? Neto (1997) faz uma étima imagem dos efeitos que 0 acompanha- mento terapéutico produz ao se colocar no campo da Procure (..) evitar olhar os aconteci famente 0 expostos, produzindo edo cinema~ as vezes dk ‘continua imagem, mas & preciso “acostumar” o olho para e, por exemplo com o conceito (0; entretanto, 0 nivel de exposigdo a que esti colocado faz com que se per- réncias exatas de contomno. O acontecimento passa a no e com 0 conecito ~ imagem “estourada” que vira outra coisa (...) (NETO, 1997, p. 107) Nosso trabalho assim sai em busca de conceitos que pos- sam nos auxiliar nessa experimentacio de acompanhantes erapéuticos € 6, justamente como acompanhantes terapéuticos que fazemos passeios por conceitos que muitus vezes parecem estar a léguas de distincia da clinica, Entretanto jé estamos acos- tumados, essa clinica do acompanhamento terapéutico realmente vai longe. 19 ‘género de conheci yecimento ¢ de saber. O fundament ‘0 produzir pensado grega nao significa tanto fabricar, ‘0 que 0 termo alemiio 1, fazer levantar, her, fazendo vir para aqui, para o manilesto, aquilo qui te no era dado do saber. Techné ¢ também que qualquer coisa esté posta no mani- © € dada enquanto presente & sua Se apresenta e se desenvolve uma ciént que the corresponde, wanidade (...) (HEIDEGGER, 1995, p. 21-22) leager, roferindo-se a experiéncia gre prin condigdo de surgimento dos enies que se er em seu ser. Técnica ¢ acontecimento so, desta fel as condigdes de ab cnes¢ que’ so amaaifne: ta, o jira. Isto quer dizer que o se romar de algo ¢ uma produgao . Téonica e acontecimento se retinem enlao como episteme Foucau! justamente essa abertura que da condicdes de enunciabilidade e ides que Sio o a priori de © Fo ap” Eoeh ret 8 er oe alae histérico. A episteme & entio 0 a priori histérico que dé condi ses de aparccimento ao que é, sendo esse aparecimento a propria produgéo do que aparece. Porém Foucault fala de priticas, sendo clas discursivas e ndo-discursivas, que efetivam uma episieme como determinacao histérica, ¢ mais ainda, em determinados casos chama essas praticas de tecnologias, que poderfamos reu- nit sob o nome de tecnologias de saber. A questio da técnica 22 ce ganhar um pequeno de ‘omo produtora de saber, mais especificamente do fazer .sse deslocamento, do saber para o fazer, que Heidegger estio da técnica moderna, ica como questio do lernidade por duas visbes conjug: A técnica cunhada nessa conjugacio de ‘0 nome de técnica moderna, estabelecendo tal forma de encarar a técnica. ‘eget, entendendo a técnica moderna como instrumento € coisa do homem, vai relacioné-la 4 questao principal de ‘ofia, isto & 0 esquecimento do set. A técnica moderna, lo 0 autor, nao mais revelaria o ser € sim traria 0 seu de colocar todo o ser em estado de fundo, liberando ape: has “uma energia que possa como tal ser extrafda e acumulade’ (HEIDEGGER, 1958, 15), mas que nunca efetivamente revela 0 ser. Ne ido, técnica e acontecimento se encontram sepa Jos, pois a técnica moderna somente servi ma reserva de utilidades, separando-sc assim do produzir 0 desvelamento, heideggerianas & técnica Nao acompanharemos as critic jerna jé que nossa questio no é igica. Interessa-nos 1 a questio da producao, logo do devir, apostando na iseparabilidade entre técnica € acontecimento. Diante disso fa- mos intervir, frente & questo da técnica, um conceito que se oxima muito mais da epistemé de Foucault: 0 conceito de nciamento. © agenciamento agora situa a técnica em outra posicao. se sentido, Del i afirmaram um primado do ou seja, 0 agenciamento é que daré ow ni ica a um determinado objeto. Dado um objeto, cle néo tem utilidade alguma enquanto nao encontrar 0 agenciamento que Ihe oferega uma funcio, Dizem s autores: técnica: néo a maquina técnica que ¢ ela mesma um conjunto 23 ymento maquinico que vai determinar o que € elemen- ico num determinado momento, quais S40 seus sos, extensio, compreensio... ete. E por intermédio dos agenciamentos que 0 phylum selecio- na, qualifica e mesmo inventa os elementos téenicos, de modo 0 se pode falar de armas ou fe 8 definido os agenciamentos con: nos quais de ter jes supe © 997, p. 76) fines que tram, (DELEUZE ¢ GUATTARI, E em outro texto dao os autores o seguinte exemplo: ym suas pecas, ‘sua topogralia, ‘com uma dis mas ers a”. (DELEUZE e GUATTARI, 1977, p. 18-119) Resta saber a quais agenciamentos 0 acompanhamento terapéutico enquanto técnica responde, pois & nesses agenciamentos que veremos surgir também os acontecimentos. No nosso estudo estamos nos ocupando entio d npanha- mento terapéutico entendido como uma tecnologia clinica, no entanto sem separar disso 0 acontecimento que essa técnica dei- xa revelar, ou seja, 0 modo de operacio da propria clinica. Se assim no fosse e nos situassemos exclusivamente a0 lado do dispositivo tecnolégica estariamos atado tufdas, vinculadas a uma profissionaliza definindo ao mesmo tempo seu objeto de inter- vengio ~ 0 lado estratificado do agenciamento clinico. Parece ser nesse sentido que Baremblitt nos convoca a um questionamento dos saberes constitufdos: 0s, est profunda- ie de compromissos.. Compromissos ci ., ou como diria Foueat nares. Compromissos corporativos, profs ‘euma série jue cidaddo que desenvol econdmicos, é 1s na férmula que diz serem ficados sobre saberes que envolvem poderes. “Temos um lugar socialmente definido e supde-se que sabe- ‘mos sobre o que trabalhamos. Isto nos investe de um poder (BAREMBLITT, 1991, p. 80) ‘Questionar as técnica uralizando, desestabilizando suas formas, nos dard as con- para que possamos extrair das priticas, uma experiéncia ica que pensaremos como um acontecimento, Falamos agora ae sim 0 que se passa quando a clinica se dé’. E chamaremos esse 0 que se pas- sa na clinica de acontecimento, ou clinica-ac to — a 1a mais desestratificada do agenciamento clinico, que tam- m serd entendida como acompanhamento terapéutico. (0 saberes cons! Cremos que os profissionais de satide mental sio pessoas que, buscam — ou ao menos deveriam buscar ~ esse omento ou essa experiéncia de acontecimento que estamos atri- \do a clinica e, mais ainda, que acompanhar e experimentar cesses acontecimentos ao molde de um acompanhante terapé nem mesmo é necessariamente garantido pelas suas técnicas; muitas vezes fais experiéncias acontecem para além 1s téenicas empregadas, entretanto nao deixam de ser matér novamente (écniea ¢ acontecimento como te de saber-fazer no proprio movimento de tornar-se. Ver otexto 0 que pode a clinica? A posiglo de um problema @ de um paradoxo. (PASSOS eBENEVIDES, 2004) 25 Nao queremos com isso pregar uma inutilidade ou uma demonizacéo das técnicas muito menos 0 fim dos trabalhadores 1. Pelo contratio, as téenicas so titeis e até mes- ssidade de que idade clinica. Todavia possa- fambém nao deixamos de ver as pessoas que necessitam de viver tal experiéncia clinica, ¢ que certamente se beneficiam de intervengdes realizadas por quem se dedica a tal atividade?, O que nao queremos é fechar a idéia de acontecimento de tal forma ta que, em imentos. Isso ito nas maos de uns pou- im saber exclusivo pelo falo de possuirem © conhecimento de algumas regras do fazer. Quando vemos gru- pos se Fecharem em torno de um saber para fazer dele uma verdade dogmética vemos nascer os especialismos. Quando um saber diz detentor tnico ¢ exclusive de um determinado objeto, excl do como falsas ou erradas todas as outras intervengdes possiveis que poderiam incidir sobre ele, vemos funcionar uma relagao onde as técnicas se tornam figuras de hegemonia e de dominagao dogmética. Nessas circunstancias o que ha de novidade em um acontecimento é, a cada vez, rechacado através de sobrecodificagies que o mitigam, acon cos, que tomam para si Cabe ainda enfatizar a nossa crenca de que as teenologias clinicas sio apenas questio de gosto, estilo ou charme, cada pro- fissional usando a forma que Ihe convém: uns nao se deixam ver pelo paciente, outros se mostram de frente; uns guardam siléncio, outros interrogam, interrompem, indagam...; uns nao permitem serem tocados em seus corpos, outros tocam o corpo de seus paci- eles; uns juntam vérias pessoas, outro s6 individualmente; assim sucessivamente em uma série incontével. Isso nao exime tais pro- fissionais de toda uma dificil e exaustiva preparagio técnica, que F Quanto @ uma base flosofica para se pensar as questoes de patologia ver O normal e © patolésico (CANGULHEM, 1978). Parece que a partt desce texto, ‘mesmo que oautor advirta sobre a utlizagao de suas pesquisas em psicapatologies, ppodemos pensar a patologia como a agio de furtar-se a vida. 26 ngos estudos, horas de estégio, de supervisdes e, por ia. Todavia € ainda nossa crenga — e certamente essa la a anterior — que por baixo, ou entre, ou no meio, jue vindo de fora dessas técnicas esté 0 acontecimento, ‘imento terfamos apenas uma sucessio de estados de stantes onde a diferenga entre um estado e o préximo 1 menor diferenga. Seria uma diferenga indiferente ow que 0 acontecimento € justamente o sentido da passa- n estado a outro. nao encontramos momento da ica enquanto acontecimento, a como um lugar de saber especific: am muito bem analisi agem que ica passa a ser © as conseqiiénci- las por Coimbra (1995), em ” no Brasil. Um lugar certamente garantidoras do saber, do seu Dentro de uma tal concepcio fundamentalista de ch islamento quase que intransponivel entre quem detém de cura e os que estdo para seem curados. As regras tendem a ser especificadas, organizadoras das atitu- tempo ¢ do préprio espaco. Quando, por ventura, 0 to nao da certo, 0 paciente tende a ficar com a responsa- desse ndo funcionamento, seja porque no colabora ou cura, seja porque a sua patologia nao permite, todavia 0 ‘0 em tese esta garantido, & assim que se faz, & assim sempre se fez. Como estamos vendo, pensar a clinica nfio somente como spositivo pré-montado é pensé-la também como aconteci- no que chamaremos de abertura intensiva, Tudo muda, as jé ndo garantem necessariamente mais nada e os saberes solvem em favor de uma poténcia, que cremos ser uma 11 plastica de criagdo de novas formas de vida. Vemos os lismos cairem por terra em um lugar que j4 nfo porta a espacialidade nem uma temporalidade dada. Um espaco sem algo que se movimenta em ypaco, porém um espaco que, ele mesmo, se movimenta, E vemos ele mesmo € apenas por forca de expresso. Um es- 0 que se move no mais por movimento e sim por velocidade 27 De zero a com ou mil ou ao infinito sem aceleracdo, velo. pura, absoluta. Um espago impessoal, intersticial, que meio, entre as especificagbes. Espago, que paradoxalmente, é constitutive das priprias e 5 Pensaremos, desta forma, a questo do especialismo na eli= nica pelo viés das formacées da subjetividade, o que quer dizer que nao mais estaremos em busca de uma concepeao de subj vidade aplicivel e sim que teremos em foco a prdpria produgio de subjetividades. Acreditamos ser essa uma tarefa de extrema importincia, pois muitas vezes as pessoas que se agarram a um especialismo, a despeito de sua boa-vontade, nao © campo politico em que atuam, criando processos de subjetivagio totalmente segregativos e muitas vezes reaciondrios ¢ microfascistas. Guattari, ao falar de La Borde, nos alerta quanto a0 periga dessas pequenas préticas mortificadoras, pois fazem parte de um continuum que da sustentacao ao niilismo’ ¢ suas grandes formagées politicas: As atitudes segregativas formam um todo; as que se encont as que relegam as pessoas idosas a uma espécie de icipam do mesmo continuum onde se encontram 0 guelos: racismo, a xenofobia ca recusa das diferencas cult tenciais. (GUATTARI, 1992, p. 196) Dessa forma vemos que qualquer micropolitica, faz parte de priticas capilares que, como num fractal ow num continuum, podem legitimar as politicas de poder e de controle que tentam reger a vida como um todo. Tal perspectiva ‘com que 0 petigo das praticas clinicas do especialismo nao seja 0 de serem ineficientes ou indteis e sim o oposto, de funcio- ‘Entre muitae formas niotescheanas de defini nilsmo uma se destaca:o nilstno como o produto da ilusao criada pela reversao das forcas reativas sobre as forgas ativas, seperando essas do que elas podem, ou seja, de sua potercia. A 10 @ a vontade de nada. Essa 6 a genealogia da vtera das inha mestra do lito Genealogia da Moral, Uma Polémica (NIETZSCHE, 1998) 28 m extremamente ef produzindo toda uma as, ou seja, uma mi fica que enfada ismo como uma vontade de recusa da po- 4 ¢ de suas forgas diferenciantes. os que a clinica, em sua micropolitica, deva ser um ertagio constante, de libertagéo infindavel, entre- \e vemos boa parte das vezes, siio saberes ¢ técnicas aparatos que s6 fazem reproduzir referéncias un ‘¢ reducionistas, se parecendo mais como uma estereotipia com o avivar da poténcia afirmativa ¢ produtora da vida. 4 uma urgéncia e um 1 clinica libertéria se torna, ent nisso. Todavia o que vem a ser uma clinica libertéria? mnlo concordamos com Baremblitt ao redefinir 0 cot berdade, retirando dele todo cardter idealistico ¢ ante: Mas liberdade aqui nfo implica apenas a capacitagio para, e uum acaba onde demais lembrar disso para avaliar ¢ corrigir 0 grosseiro ou sulil autoritarismo de certas terapias). (...) Fssa ‘liberdade iberal e disciplinar, por ‘bem a protagonizar rela- de serampliada em todas as ido um regime de ta de procurar uma ‘liberdade ‘¢6es contrat lecessarias € da’, cuja estere: uma abertura tanto aos devires spondentes, que terdo que se produzir nese pura diferenga. (BAREMBLITT, 1997 , p.8) Liberdade nao como um universal ou um diteito aprioristico jo humano; nem como a esséncia de uma consciéncia intencio- que decide por si e para si sempre baseada em nada (SARTRE, 1997); nem como um objeto que nos foi usurpado ou perdido conseqientemente nos torna fal Liberdade ¢ entendi- Jui como processos constantes de liberlagio dado no espaco entre das relacbes; liberdade sempre a se construir, uma TA.Z,, 29 (Zona Autonoma Tempordria)' (BEY, 2001), um motim que a vida pro que se ¢ nea € nominal’ que nunca se completa ou se acaba, todavia se esti sempre por conquistar, numa tensdo de orcas que a faz sem- pre continuar querendo a si mesma como aumento de sua pote! A clinica entao visa ser uma pratica de liberdade! Esse tipo de liberdade coincide com a pratica de acompa- nhamento terapéutico que cremos estar desenvolvendo hé alguns anos. A abertura ao socius faz com que as conexdes se multipli- quem ¢ englobem nao $6 0 individuo, mas os muitos que falam em cada um, assim como os muitos que filam nos outros, nos espacos sociais ¢ no meio ambiente. Pode-se dizer isso quando experimentamos os tipos de intervencao que se realizam nessa pratica, tanto intervengdes do meio ambiente, como as produzi- das pelas relagdes is e subjetivas, Eo céu que de repente se fecha © arma um temporal, um énibus cheio ou pessoas corren- do para baixo da marquise, lereeiros, 0 contato com outros, corpo em plena afetagio — tudo isso ao mesmo tempo e em rela- cdo atenta, criativa ¢ intuitiva. As inlervengdes se tornam mil unicamente do acompanhante ao acompanhado, ¢ sim surgem de todos lugares. Tais intervengdes obrigam a articulagio dos diversos saberes. Saberes que passam pela arte de pescar um praia, de jogar cartas ou xadrez em ro pracas, de escolher verduras e frutas em uma feita livre, de ne- gociar com a policia, quando nao com ladroes, de pedir e dar informagées, de ler alguns signos naturais, enfim, saberes mélti- plos que co-produzem a complexidade subjetiva da vida sseja apenas dedes na web.” (BEY, 2001, p. 18 * Sobre uma concepeo rors sta de lberdade em Foucaut ver (RAJCHMAN, 1087) 30 nento terapéutico é uma pritica que se da em vio da subjetividade humana aos espacos sociais ao meio ambiente, do meio ambien- = tudo isso com a forca da instantaneidade. individuo problematico/doen- agio da subjetividade na cena/ | & demais lembrar que a interpretacio especialista do artimanha da formacio politico-disciplinar que 1a diferenca € 0 desvio. Sob 0 peso dessas for- vemos exclufda, do campo das 0 Gtico-estética de uma po- como a série de produgées de m sobre si descentrando-se. Esse descentramento ido aqui como uma relagao libertaria que surge no jrsticial, na fissura do entre-dois, espago sempre entre ‘Pago que entendemos ser clinico por excelénci: nto, a questo verdadeiramente positiva se torna a ir uma clinica proteiforme e némade que expur- tidades facilmente capturdveis e devenha ao que ¢ estrangeiro. Clinica-amizade, ou uma amizade ow ainda uma amizade na clinica: Atividade a que busca através da criagdo de novos direitos construir novos espagos na cidade, como acreditava 1 (1981). anto, se buscamos uma politica da amizade articula- ca do acompanhamento terapéutico, € por entendermos mento politico esteve sempre’ presente na prética mpanhamento terapéutico, especialmente no seu (0. E af retornamos aos agenciamentos efetivos pelos ompanhamento terapéutico se faz enquanto técnica. jag palica do tr8s instancias ecolégicas: meio ambiente, rslaghas socials vidade humana (GUATTARI, 1990). 31 Amigo qualificado foi primeiro nome dado a essa pritic quando ela se inseria no contexto das lutas da psiquiatria social O amigo qualificado toi entio uma forma de fazer clinica qui no se separava de uma intervengao politica no campo da said mental, que ndo se separava de uma pratica de liberdade e dj 0 de novos direitos relacionais. Em nosso trabalho faremos uma anélise justamente da mus danga de nomes, pois é quando 0 amigo qualificado quer construir uma teorizagio e uma justificagao clinica surge o movimento de mudanga de nomes. se dé 0 amigo qualificado se at fia social © se aproxi eutico, de uma inflexio estritame: Mesmo que, como veremos, essa manobra va jor to terapéutico em uma espécie de engodo. uma pritica terapéutica entendida como inferior. © amigo qualificado perde sua especificidade politica se ndo assim acompanhamento terapéutico, porém o agora acompanhamento terapéutico, diante das outras formas clinicas € importando suas concepedes de subjetividade, se tora uma pratica clinica des do valor de uma clinica stricto senso. © que percebemos — depo da amizade nessa pritica ~ € que o acompanhamento tera pode servir de analisador dos limites dos especialismos cl Podemos dizer que 0 acompanhamento terapéutico € uma clini ca peripatética’, isto é, uma clinica que se da sem local fixo, Sempre em relacéo com uma paisagem da cidade, uma clinica que se dé em passeios, ou ainda — como é comum entre os Panhantes ~ uma clinica que se dem saidas. Uma clinica das saidas, dos percursos de saida. Na cena/cendrio da rua, dos espa- cos piblicos, os acontecimentos sao poliformes e nao esperam pelas imtervengdes adequadas do especialista autorizado. A rua e a sua multiplicidade fervilhante nao respeita os formalismos e exige tragicamente de uma intui¢ao instantanea, norteadora do clinico, na duragao do acontecimento, com'a meméria e 0 impulso vital que the é inerente. de tesgatado 0 sentido politico 7 Segundo oreve dcionéro bésico da lingua portuguesa (AURELIO, 1988), perpatético diz respeito ao que se ensina passeando. Estamos nos apropriando desse senlida Pra pensarmos justemente ssa clinica qua se c& em transito, 32 ygora como acompanha- sa proposta sera pensa ico, De qualquer forma, na ho com os casos mais complica~ espondiam as técnicas convencionais ~ casos param na mio dos acompanhantes terapéuticos dda clinica fazendo com que ela avancasse 0s extremos que colocam para a clinica proble~ wsados. E ao se defrontar com éutico possa cumprit hoje em dia da clinica, € somente »ssamos concebé-la como um campo ético-estético construgio de uma politica da amizade. s da inspiracio de autores co Félix Guatlari, Michael Foucault, Jacques Derr intempestiv r s estranhos, devir, poder, saber, subjetivacio, relagio de hospitalidade, etc. Isso tudo na intenclo de que tanto sobre a clinica em geral quanto sobre em movimento, essa clinica da/na le que € 0 acompanhamento terapeu Dividimos entaio nosso texto em trés partes. rmpanhamento terapéutico ¢ a clinica em relagio 20 mntecimento. Falamos também da maté- le, ou seja, 0 que definiremos como Na 0 3 ioe de destert os nas nogoes de territério e di dindmica da clinica apresentaremos fragmentos que possam nos ajudar a visualizar » do percurso faremos um desvio para estat d com a ciéncia contemporinea ¢ introduziremos a nogao de ico-politiea ao redor da elinica. Novamente usaremos 2 experiéneia do acompanhamento terapeu , ador nica, para que sua func&o politica se evidencie, Nessa parte nogdes de amizade © de hospitalidade ¢ que conduzem as Em nossa esc! le © marcante, que ibemos que o pensamento também tem uma ie caminhemos é sempre um vemos surgir, de modo que a viagem nio para, esta s em andamento, 34 PARTE | ESPACO, TEMPO E ACONTECI- MENTO NO ACOMPANHAMENTO TERAPEUTICO 35 36 CLINICA: CIENCIA, FILOSOFIA E ARTE - SITUANDO O PLANO DE COMPOSICAO DO TRABALHO somente que nossas idéias se encadeiem segundo inimo de regras constantes, ¢ a associacao de idéias ‘semelhanca, contigitidade, causali colocar wm pouco de ordem nas outra segundo wma ordem do espaco ¢ do tempo, impedindo a nossa “fantasia” (o delirio, a loucura) de percorrer 0 uni« verso no instante, para engendrar nele cavalos alados e dragoes de fogo. Deleuze ¢ Guatiari—O que é.a filosofia? em relacao a0 caos. O que atitude diante do tude respectiva da ciéncia e da fil (DELEUZE e GUATTARI, 1992, p. 153). Para jo precisamos acompanhar a ic absoluta entre fimas que pre- tas, conectadas, essas particulas se moldam a forma qualquer. Essas conexées, uma idas, igem um minimo de tempo, uma permanéncia, uma duracio a que se apresentem nessa forma organizada. As formas '"Wio Tevaremos adlante as consequéncias de tal distineo que iréo resulta numa. dliterenciagao entre a ci losofia em irs instanciss: a primeira posiciona ‘aciencia em um plano: {enquanto a fosofia so situaria em um piano de segunda diz respelto as varidvels, onde a is independentes © Istinguifla os observadores pat llosofia, Para efetos do nosso ‘que distingue amas por uma at a7 organizadas do mundo seriam entao essas particulas infimas que se conectam e que insistem, permanecem, duram nessa cone- ulas se movendo em uma xao. Agora sas parti velocidade infinita se conectando a todas as outras © se desconectando sem minimo de intervalo de tempo, sem 0 mi- nimo de duragio, numa relagao em que o contato se desfaz no justo momento em que se faz. Essa parece ser a imagem de caos proposta pelos autores. Nao propriamente desordem e sim uma telacio entre particulas que, em fungio de suas velocidades, nao conseguem ganhar um minimo de consisténcia, permanecendo assim abstratas, ou virtuais. © caos como um dinamismo absolu- to, Dizem ele: Define-se 0 caos menos por sua desordem que pela velocida- de infinita coma qual se E um vas possiveis que surgem para desaparecer logo em seguida, consisténcia nem referéncia, sem conseqiiéncia. E. uma velo- cidade infinita de nascimento © de esvanescimento. (DELEUZE e GUATTARI, 1992, p. 153) ncia seria o campo de anélise onde essas particulas perderiam velocidade, sendo refreadas por fungdes € proposi- ‘gies que jé nao guardariam do caos sua instincia constituinte. O que interessa a ciéncia é a criacdo entéo de funcdes € proposi- Ges que dizem muito mais respeito as ordens constituidas que saltam para fora do caos do que 0 proprio movimento constituin- te, Pode-se dizer que a ciéncia se esforgari na busca de padrdes, fazendo das fungGes e proposicdes relagdes de analogia entre formas que ganham alguma permanéncia © que podem ser che- cadas ou reproduzidas. Isso corresponde a um tipo de ciéncia que chamaremos de ciéncia dura, Uma ciéncia totalmente liga- da aos patadigmas do positivismo légico. Porém ha também uma cigneia bem mais contemporinea, ¢ bem mais interessante que caracterizaremos como uma ciéncia mais flexivel. Essa ciéncia € a que vai pensar, por exemplo, 0 emergentismo. E 0 que pensa, por exemplo, Steven Johnson em seu livro Emergéncia: a dindmica de rede em formigas, cére- bros, cidades ¢ softwares. Entendendo a emergéncia como 38 izagio ele dir que “apenas quando o padrio foi de- . as pessoas puderam comecar a pensar em estudar os Jomas de auto-organizacio por seus préprios méritos” HINSON, 2003, p. 14). Nesse caso o autor vai pensar 0 fend- ‘emergéncia pelo surgimento de padres mais complexos de padres simples, ou seja, como fungdes ou proposi- zem niveis mais complexos a partir de si mesmo. ctanto, mesmo uma ciéncia flexivel, segundo a orienta- Deleuze ¢ Guattari guarda um regime diverso de tracados 1s sobre 0 caos. Quando situamos, por exemplo, a emer » plano da filosofia ela se mostra ligada & proveniéncia. ‘como Foucault (1971) desenvolveu 0 coneeito de emer- partir da nogio de gencalogia criada por Nietzsche emergéncia sempre s¢ diri de um encontro de for- ermos podemos falar daquelas particulas Jilicns que discutiamos acima —e nao de formas, isto é 0 movimento que resulta no surgimento de uma forma J6es de forgas, sendo essas relagdes abstra- respeito, riacdo de fungdes e proposicdes ¢ sim a criagio de con ys, Os conceitos no estabeleceriam com o caos uma preservariam “as velocidades infinitas, Jo ao mesmo tempo consisténcia, dando uma consisténcia (0 virtual” (DELEUZE ¢ GUATTARI, 1992, p. 153). Esse tivo filos6fico” no caos. A tarefa da filosofia é a de se ir muito mais em um plano constituinte ou de imanénei; em um plano constituido, mesmo que toda uma ciéncia aproxime cada vez mais de um plano de constituigao. Kivu tarefa € entéio a de flagrar a emergéncia no seu proprio ato slo cmergir. Assim sendo nao é tanto a complexificagao de pa- is que ir importar e sim a propria ago emergente. Wonse sentido a origem se dara nio em padroes i simples e iros ¢ sim entre cada diferenciacao, fazendo da repetigio/ a (DELEUZE, 1988) a figura da aco emergente. Assim onclo, a complexidade seré entendida como uma figura imanente {itum campo de forcas, a complexidade esti mas relagdes de for- uy (NIETZSCHE, sem data) ou nas relagdes de poder FOUCAULT, 1975, 1988). 39 O que precisamos ¢ situar a clinica em um plano, Dar-lhe 0 seu estatuto, Estabelecer a constituigio de seu préprio plano, Sera que € conveniente situar a clinica no campo da ciéncia? Desse modo, a clinica seria a busca das funcgdes que regulam o portamento, assim como as fungGes que regulam as préprias \S ow alleragdes de comportamento. Pensamos que toda ologia vai nesse sentido, atrés das organizacdes © das ordens, identificando-as ¢ as fazendo saltar de uma a outra, seja isso de forma normativa ou nao. Ou seri mais conveniente situ- como uma espécie de ci transbordari os lados, para todos os cantos, arras- tando consigo todas as formas numa consisténcia propria ao ato de emergir. ‘Talvez. a escolha nfo precise se dar entre uma forma ou ou- tra, € possamos afirmar a inseparabilidade desses dois campos em um plano conectivo onde afirmamos um ¢ outro, Iremos en- Wo situar a clinica como um plano que nao se encontra, nem completamente na filosofia, nem completamente na ¢ mas que toca ¢ é tocada por ambas em uma zona de inseparabilidade. a que nos permitiré abordar a clinica ora pelo seu aspecto fico, ora pelo seu aspecto filoséfico. Porém os campos onde a clinica toca no param por ai, te- mos também a arte, Deleuze ¢ Guattari situam a arte no plano dos afectos, dos perceptos ¢ dos blocos de sensagdes. Essas trés figuras se distinguem respectivamente das afecgoes, das percep- Ges e da opiniao por dizerem muito mais respeito a forgas plasticas do que a formas organizadas. “A arte desfaz a triplice organizacao das percepedes, afeccdes € opinides que substitui por um monumento composto de perceptos, de afectos ¢ de blo- cos de sensacdes...” (DELEUZE e GUATTARI, 1992, p. 228). A arte entio é © campo que faz surgir figuras estéticas, que podem ser entendidas como imagens-movimento (DELEUZE, 1990), que dio As forcas plisticas uma ocasiio para se expressarem, sem que com isso percam sua plasticidade ou reproduzam um mun- do j4 dado. Essa imagem-movimento, essa figura estética pode ser entendida como territério, pois “a arte comega talvez com 0 animal, a0 menos com o animal que recorta um territério © faz uma casa (os dois sio correlativos ou até mesmo se confundem 40 ¥ vezes no que se chama de habitat)” (DELEUZE ¢ GUATTARI, 1002, p. 237). Entretanto para que isso se d@ a funcao territorial jovossita ganhar cardter de expressividade, isto é a emergéncia dades sensiveis puras. 0 territsrio implica na emergéncia de qualidades sensfveis puras, sensibilia que deixam de ser unicamente funcionais e se tornam tracos de expresso, tornando possiveis uma trans- formagao das fungdes. Sem diivida essa expressividade ja cesta difundida na vida, e pode-se dizer que o simples lirio dos ‘campos celebra a gloria dos céus. Mas é com o territério € a casa que ela se forna construtiva, e ergue os monumentos ntes géncia ja € arte, nao somente no tratamento dos materiais cexteriores, mas nas posturas e cores do corpo, nos cantos nos gritos que marcam o tertit6rio, (DELEUZEe GUATTARI, 1992, p. 237 © 238) Diante disso vemos que, assim como a ciéncia toca e é tocada ‘sofia, ambas tocam e so tocadas pela arte em uma zona cemnibilidade. Fungdes, conceitos ¢ sensagdes passam a jelacionar em um regime de afetacao miitua onde cada um asta os outros dois em um regime que agora entenderemos no construtivista: (Os trés pensamentos se cruzam, se entrelagam, mas sem sin- tese nem identificagao. A filosofia faz surgir acontecimentos com seus conceitos, a arte ergue montumentos com suas sen- ssagoes, a ciéncia cor suas fungSes. ‘Um tico tecido de correspondéncias pode estabelecer-se en- tre os planos, Mas. rede tem scus pontos culminantes, onde sensagio se torna ela propria sensacio de conceito, ou de funedo; 0 coneeito, conceito de fungao ou de sensagio; a fungdo, fungio de sensacdo ou de conceito. E um dos ele- mentos nao aparece sem que 0 outro possa estar ainda por inda indeterminado ou desconhecido. Cada elemento criado sobre um plano apela a outros elementos heteroge- rneos, que restam por criar sobre outros planos: pensamento ‘como heterogénese. (DELEUZE € GUATTARI, 1992, p. 254 © 255) 41

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