You are on page 1of 19
‘Capennos CERU, série 2, n. 13, 2002 O CANDOMBLE ‘AFRICANIZADO" NO CAMPO RELIGIOSO PAULISTANO* Claude Lépine™ Resumo: O texto aqui apresentado expe resultados parciais de uma pesquisa em andamento e focaliza 0 eandomblé de $0 Paulo dito “africanizado”, que tem por proposta-eliminar osincretismo, Pretendemos investigar a realidad da “afticanizagio”, seus limites, assim como a persisténeia, apesar de tudo, de varias formas de sincretismo na pritica ritual e ao nivel da teologia. Procuramos compreender a "dessincretizaga ‘em fungi da posigio dos tereiros “afticanizados” no campo religioso e do contexto de interagGes e tensbes no qual se manifesta, Palayras-chave: africanizagao, candomblé, Si Paulo, competiga0, InTRODUGAO Assistimos hoje ao surpreendente desenvolvimento de religides arcaicas que parecem ter sido formas muito antigas da religido. hé uma ressurgéncia do paganismo, De fato sabemos que a cristianizagdo das populagdes brasileiras sem- pre foi precdria, Permaneceu um fundo de crengas pagiis, indigenas, africanas, e até européias, Com o enfraquecimento do controle da Igreja Catlica e uma série de outras razbes que nfo cabe aqui examinar, as crengas recaleadas voltam 4 tona, Entre essas religides, destaca-se o candomblé, religido organizada no Brasil por africanos e afro-descendentes e que, segundo uma de nossas informantes, teria “mais de 4000 anos”. Hoje, em Sio Paulo, o candomblé deixou de ser uma religiio de negros para transformar-se em religiao universal. Vagner Gongalves da Silva (Silva, 1995) reconhece no desenvolvimento do candomblé em Sio Paulo quatro fases: a primeira ocorre nos anos ‘50’, quando predomina 0 rito angola, trazido por filhos de pais ou maes-de-santo dessa nagio ‘como por exemplo Joiozinho da Goméia; na segunda fase, nos anos ‘60 instala-se em Sio Paulo o rito eff, vindo da Bahia e do Rio de Janeiro, enfatizando 0 apelo as origens ¢ a0 modelo «puro»; na terceira, por volta dos anos *60° e ‘70° predomina © rito kétu trazido por descendentes de terreiros de Salvador ¢ do Recéncavo. A quarta fase seria a do rito kétu “afticanizado” que se desenvolve no clima de com- peticiio do campo religioso paulistano, Apresentado no Ill Simpésio Nacional de Histria das Religies. Prof. tive-docente de Teoria Antropoldgica, Programa de Pis-Graduagto em Citas Socins, Faculdade de Filosofia e Citncias, UNESP - Campus re Morin» si etain@uoleom.br 174 LEPINE, Claude, O candomblé “afticanicads” no campo rligiosopaulinano O candomblé segmenta-se assim em nagées ¢ linhagens que se esforgam por afirmar sua identidade e surgem no seu seio tendéncias diversificadas, Desta- ca-se em particular uma corrente de pensamento que preconiza a «africanizagio» do culto e se caracteriza pela intengao de apagar o sincretismo e a influéncia do catolicismo, associados a escravido. Varios estudiosos aliiis, concordam num ponto: © sincretismo nao faz. menor falta na liturgia do candomblé, ¢ 0s terreiros funci- onam perfeitamente sem qualquer rito catélico. O sincretismo nio passaria, assim, de um habito fossilizado, de uma sobrevivéncia do tempo da escravida0 que ja perdeu sua fungi. Foram estudadas, por enquanto, as seguintes casas: 1. Casa das Aguas, M@ Axé lemanid Orokoné Ogun 1a Dolomita, 195, Jardim Miraflores - tapevi Pai Armando de Ogun (Armando Akintunde Vallado) 2. Roga Ald Ketu lié Axé Palepa Marié Ses rua das Batinas, 102, Pedreita, Santo Amaro ly Asessi (Clarsse do Amaral Neves) 3. Me Leuywato rua Maria Florncia, 38 - Guararema, SP Mie Sandra de Xango (Sandra Medciros Epepa) Os trés sacerdotes e suas respectivas casas mantém entre si relagdes de amizade, ¢ constituem um sub-grupo dentro do candomblé “africanizado” o qual inclui, no minimo, mais uma meia diizia de terreiros, A trajetéria religiosa do pai Armando de Ogun (Armando Akintundé Vallado) comega pelo catolicismo: ele declara ter sido “catdlico praticante até os dezesseis anos de idade”, Passou em seguida para o kardecismo, mas como sofria de ausén- , levaram-no para a umbanda onde diz ter ido apenas duas vezes. Mais tarde, através de um amigo, entrou em contato com Gistle Binon-Cossard que Ihe reve~ Jou que era filho de Yemanja e que ele teria que ser iniciado. Mas ele foi feito no santo bem mais tarde, em Sao Paulo, em 1979 por uma mae-cle-santo que vinha do famoso terreiro angola do Bate-Folha, em Salvador A genealogia religiosa do pai Armando de Ogun € dificil de reconstruir pois cada depoimento traga um percurso diferente, correspondendo provavelmente a pedacos de sua biografia. Com efeito, com as freqiientes mudangas de nagiio e de 4sé, multiplicam-se os lagos de paren- tesco religioso e o adepto pode, segundo a ocasifio fazer referencia a uma ou outr de suas diversas origens. Assim & que, em certa ocasido o pai Armando de Ogun contou que foi iniciado num terreiro de Feira de Santana por uma mae-de-santo de umbanda, Aligoa de Sang6 que havia sido iniciada no candomblé de Angola por Ajaoci de Nand. Foi feito de Ogun com Yemanja. Porém, lé recebia também um caboclo, 0 Boiadeiro; mas nao gostava dessa entidade que o levava a beber quando possuido, e ele reclamava tanto que 0 Boiadeiro acabou dizendo que neste filho nio viria mais. Armando veio para Sio Paulo e recebeu o deka na casa da mie Sandra Epega. Mas logo depois afastou-se do terreiro da mae Sandra de Sang6, (Capemnos CERU, série 2, n. 13, 2002 175 pois ld a regra estabelecida pela mie-de-santo nao permite que os filhos incorpo- rem mais de um drisi:; s6 0 dono da cabega tem o direito de se manifestar. Entretan- to, a Yemanjé do pai Armando de Ogun teimava em aparecer. Hoje ele se refere a Agenor Miranda como sendo seu pai-de-santo, © qual aprendeu com Aninha, Me- nininha e Martiniano do Bonfim, Pai Armando de Ogun diz ja ter feito 38 filhos. No terreiro, haveria hoje umas sessenta pessoas. Segundo o pai-de-santo, o terreiro ¢ “africanizado” e segue o modelo da mae Stella de Ososi, do Asé Op6 Afonjé, em Salvador. A mie-de-santo do Alaketu, ly4 Asessti era “catélica apostélica romana e cantaya na missa, Depois, passou quinze anos na umbanda, e mais tarde, mudou para o candomblé, Seu avé-de-santo foi Justiniano Maia, filho de Ogun, da Casa Branca do Engenho Velho, em Salvador, africano que havia sido trazido para 0 Brasil com doze anos de idade. Seu pai-de-santo, Abadumeci, mora em Santos. Segundo Iya Asesst, o terreiro foi fundado em 23.2.1978. Ela conta que antiga- mente sua casa tocava para caboclos; mas em 1985 sua filha carnal foi iniciada pelo pai Aulo de Ososi, e por influéncia deste titimo, que havia a ado sua casa, ela resolveu fazer 0 curso de yordbi oferecido na USP. Estudou yoribé por quatro anos. Naquela época conheceu a mae Sandra Epega; “nasceu uma amizade © constituiu-se assim um grupo de trés, tudo africanizado” (alids, um grupo de quatro, contando com ela mesma). Iya Asessti diz ter uns cinquenta filhos iniciados presentes na casa, ¢ que deve ter feito uns duzentos, Considera sua casa “africanizada” e diz seguir 0 estilo dos terreiros da Bahia, O que sustenta a casa é 0 jogo de biizios. Gosta de ler, e aprecia muito, em particular, “Os nagé e a morte”, ‘A mie Sandra de Sangé (Sandra Medeiros Epega), filha de médico, de fa- milia catGlica, estudou no colégio des Oiseaux e no Liceu Pasteur. Formou-se pro- fessora em desenho pedagdgico e artistico na Casa Pia Sio Vicente de Paula, Foi levada ao candomblé por problemas de satide, ¢ foi iniciada pela mae Luana Kao Jakuta. Hi 35 anos eu me iniciei pelo drisd Sangé no candomblé angola. Passados 14 anos, eu tornei a me iniciar no candomblé kétu, Trés anos depois cu esta va muito insatisfeita com a religido. Entdo eu tomei um outro camino: eu fui buscar a tradigdo africana, ¢ hoje sou tradicionalista”. Passou para o culto dos Orisa, porque no candomblé “nio se ensina nada, Sentia-se desorientada, ignorante ¢ sem saber como atuar como sacerdoti- ssa, Fundou seu primeiro terreiro em 1973, num apartamento, Mudou para Guararema em 1976, Em 1983 foi adotada por um babaléwo nigeriano, Olarimiwa Epega, da familia Epega, de Oderemo, agora radicada em Lagos. Os fithos da casa seriam uns 200 ou 350, 176 LEPINE, Claude. © condomblé “afticanizado” no compo religions paulitano A TRANSMISSAO DO CONHECIMENTO NO CANDOMBLE O candomblé brasileiro é um culto iniciético onde o conhecimento 6 trans- mitido segundo o antigo método yordbé, aos poucos, pela insergdo no sistema de relagdes do grupo de culto e pela convivéncia dos mais jovens com os mais velhos “0 sé e 0 conhecimento passam diretamente de um ser a outro, no por explica ou raciocinio légico, num nfvel consciente e intelectual, mas pela transferéncia do complexo cédigo de simbolos em que a relagio dindmica constitu o mecanismo mais importante” (Elbein, 1973, p.46), Nao hd um ensino verbal sistemiatico; os novos adeptos vio absorvendo através de sua convivéncia com os membros do grupo de culto, pelo exemplo e a imitaco, procedimentos rituais, oragbes, receitas de eb6, 0 valor das plantas, mitos e lendas, passos de danga, ritmos, cantigas, valo- res coletivos, uma visio de mundo, crengas sobre a vida e a morte, uma concepgiio da pessoa humana. Esta visio de conjunto do sistema religioso sé se obtém a0 longo da experiéncia total de inserga0 no cotidiano da vida do terreiro. Esse modo de transmissio do saber, pressupde que a palavra da miie-de-santo nao pode ser contestada. © pai ou mie-de-santo encarna a sabedoria neste mundo; o sistema oral de transmissio do conhecimento parece implicar a tese da infalibilidade dos sabios € dos iniciados. A possessiio ritual parece-nos constituir um dos elementos do sistema reli- gioso do candomblé que mais contribuem para garantir a reprodugao da tradigao. Durante 0 perfodo de iniciagdo os novigos permanecem num estado de inconscién- cia, ou, a maior parte do tempo, no estado de eré, em que si considerados como criangas que tém tudo para aprender. E neste estado de consciéncia alterada que os iyawo so submetidos a intenso aprendizado e adquirem reflexos condicionados. Gestos, posturas, habitos so assim automatizados e transmitidos de modo seguro, A PERDA DOS CONHECIMENTOS E © SINCRETISMO_ Baseando-nos nos conceitos definidos por Pedro Ribeiro de Oliveira (1985) consideramos como sincretismo a combinagao de dois ou mais sistemas religiosos, de modo que ambos deixam de existir como tais e formam um sistema original. Trata-se portanto de fusio ao ntvel das instituigdes e dos sistemas de representa- Ges coletivas. Ao nivel individual e psicol6gico a fusio ou justaposigao de cren- ‘gas e valores pertencentes a sistemas religiosos diferentes constituiria o que 0 autor chama de “mistura”, ou seja um fendmeno distinto do sincretismo propriamente dito. E sabido que no Brasil as religides afro-descendentes foram se impregnan- do no decorrer do tempo de tragos sincréticos, resultado de longo processo de sele- ‘gio ¢ reinterpretagao de elementos de origens diversas. Foi essencialmente com as religides indigenas e com o catolicismo popular que os escravos negros estiveram em contato e dos quais absorveram aos poucos valores e significados. Além do Capennos CERU, série 2, n. 13, 2002 7 mais, adquiriram o hébito de acrescentar ao culto africano, rituais catélicos como missas, batizados, casamentos, e de praticarem paralelamente as duas religides. Atualmente, um fator que contribui sem ddvida para favorecer a tendéncia a0 sineretismo e A “mistura” nos terreiros de So Paulo € a prdpria trajet6ria reli giosa dos pais e maes-de-santo, a sua primeira socializagao, como vimos, no cato- licismo, e a sua passagem pela umbanda e o candomblé de angola Mas € preciso reconhecer que outros fatores ainda contribuem para a pro- gressiva perda de elementos do sistema religioso tradicional e pela intensificagio do sincretismo, processos que se acentuam sensivelmente com a distancia dos cen- {ros religiosos da Bahia, Hoje, as mudangas devem-se numa boa medida & adapta ‘glo dos terreiros as exigéncias da vida moderna. Nos grandes centros urbanos como Sao Paulo por exemplo, os adeptos niio tém mais condigdes de passar tanto tempo 1no terreiro, o que prejudica o seu aprendizado, Nao ha mais tempo para a absorgi0 de valores e da visio de mundo tradicional, Os préprios sacerdotes mantém um contato episédico, e As vezes muito curto com 0s pais ou maes-de-santo da Bahia que os iniciaram. As vezes os novos sacerdotes nZio cumprem os longos perfodos do aprendizado tradicional e esto despreparados. A lei do segredo vem piorar esta situagao. Mae Sandra por exemplo queixa- se que as velhas tias de Salvador “no ensinam nada e morrem sem ensinat”, Em consequéncia verificamos nos terreiros de candomblé de Sao Paulo em geral a ocorréncia de varios tipos de mudanga na pratica ritual em relagao ao mode- Jo kétu tradicional. Tudo isto ja foi muito estudado e discutido. Nosso objetivo aqui apenas lembrar os principais tragos e priticas “sineréticos” que o movimento de “afticanizagio” pretende eliminat. Em primeiro lugar, evidentemente, € preciso mencionar a identificagao dos drisa com santos catdlicos, a presenga de imagens ou simbolos religiosos catéticos nos terreiros, assim como 0 culto de caboclos ou outras entidades que nio os drisa. Por outro lado o conhecimento da lingua yoribé se perdeu; as cantigas em yoribé esto reduzidas a fragmentos incompreensiveis; toques de atabaques foram esquecidos, outros alterados... EM QUE CONSISTE A "REAFRICANIZACAO"? Os motivos que todos invocam para justificar a opgiio pela “africanizagio” silo a falta de conhecimentos e a perda da tradigdo, Segundo a mie Sandra de Sangé, no candomblé, nao se ensina nada: No Brasil religioso afro-descendente, o problema é a questio do ndo ensinar. Endo, vocé no tem idade iniciética suficiente para aprender, e de repente vvocé se vé a bragos com um cerimonial religiaso que vocé nio domina: como ter que rezar e cantar numa lingua sem saber 0 que est falando, ou ter que passar ensinamentos para os seus filhos sem saber 0 fundamento, sem saber arealidade. 178 LEPINE, Claude. O candomblé “africanizade” no campo religioso panlistano © Pai Armando de Ogun acrescenta que muitas vezes o pai-de-santo nao ensina tudo o que ele sabe; ele guarda uma parte para si e transmite apenas frag- mentos: é 0 chamado “conhecimento de pé quebrado. E uma questo de poder”. E assim, a tradigdo dos antigos vai se perdendo. A “africanizagio” foi a solugiio que alguns sacerdotes encontraram: ela ni- vela, pois os pais-de-santo “africanizantes” visitam os mesmos lugares da Africa, ¢ aprendem todos as mesmas coisas. Mas os sacerdotes do nosso grupo fazem ques- {do de deixar claro que “africanizar” ou “reafricanizar” 0 candomblé nio significa tornar-se africano, nem tornar-se negro, nem mesmo viver como africanos, porque “somos brasileiros”, “nao podemos pensar como yoriba”. Parecem alids niio gos- tar do termo “afticanizado” ou “reafricanizado”. Para eles a “brasileiro” e no a “catélico”; “no existe afticanizago: € inveng’io da Acade- mia”, Para mae Sandra de Sang6, “é impossivel voltar 4 origem da religiao”; 0 que existe 6 0 culto dos drisa africanos, sem sincretismo com o catolicismo (para ela 0 culto dos drisa no é candomblé). Para ly4 Asessti e Pai Armando o que existe é 0 culto dos risa tal como foi criado pelos fundadores do candomblé, mas eliminan- do-se dele todo sincretismo com 0 catolicismo. No conceito dos nossos sacerdotes “africanizar” significa “intelectualizagio, acesso a uma literatura sagrada, aos poemas oraculares de If, a reorganizagao do culto de acordo com modelos trazidos da Africa contemporinea” (Pai Armando). Africanizar Significa, nfo a volta ao original primitivo, mas recuperar piticasrituais ‘squecidas, refazermitos...eaprender o significado dos elementos materais do culto,e,antes de mais nada, aprender nadimentos da lingua ritual original AA lingua ritual do candomblé contemporaneo ¢ um agregado quase indecitrvel de fragmentos, a primeira etapa da afrcanizasao consist, pois, em aprender a Mngua para, a partir da, reazer as canigis, rez e iis dando significado as palavras rtuais... Também é de grande utilidade falar inglés pois « maioria dos documentos sobre a religito des orixs na Africa esté publicada nesa lingua. grande, pois, o investment inlet Conceitoseitospreisam ser completamente revstos.. Tudo issoexige muita disposigao, vontade de aprender, numa empreitada longa, cheia de tropegos cequase sempre slitiria, (Armando Vallado, 1999) A “africanizagio”, segundo o pai Armando de Ogun, no deveria ser enten- dida apenas como reconstrucio de rituais, mitos, ou cfinticos alterados pelo tempo € a transmissio oral, mas como incluindo também um ethos, uma concepgaio de vida, Ela implica uma mudanga no axé, as vezes brusca, que exige dos filhos-de- santo toda uma reedueagi0.0 processo de “africanizagao” exige do sacerdote mui- ta dedicagdo, muito esforgo, muita perseveranga e motivaco. Como ja foi observado por Prandi (1996) a difusio de obras etnogeéficas sobre religido e culturas negras desempenhou um papel fundamental na formago das novas tendéncias que se manifestam no candomblé paulista. Foi se constituin- Capennos CERU, série 2, n. 13, 2002 179 do assim no seio do povo-de-santo uma elite intelectualizada que, imersa no uni- verso da escrita, foi desenvolvendo novos habitos e quadros mentais que inevita- velmente acabam modificando sua interpretagdo da teologia do candomblé, Se- gundo Vygotsky (apud Goody, 1994, p.225), “quando um individuo domina a es- crita, 0 sistema que subtende a natureza de seus processos mentais muda completa- mente; muda a estrutura da meméria, mudam os modos de classificagio e de solu- gio dos problemas”. Entretanto, Iya Asessti ndo parece ser muito favordvel a esta intelectualizagio. O académico, para ela, “nio é igual a um sacerdote que se dedica integralmente a0 culto, que esta sempre dispontvel para atender um filho. Ele tem outras fungdes: no sei bem que € isto: nsia de saber, ou se é status? Mas corre o risco de ndio ser um bom sacerdote porque niio esta ali acompanhando tudo o tempo todo, nem também um bom professor”. Talvez seja um meio de divulgar a religidio; faz com que sua casa fique mais conhecida. O QUE FO! “AFRICANIZADO” O terreiro da Casa das Aguas, segundo 0 pai-de-santo, é “tradicional reno- vado": segue 0 modelo da Mie Estella do Asé Opé Afonjé e as orientagdes de Agenor Miranda. Iya Asessti afirma que seu terreiro 6 “reafricanizado”; ea casa de Sandra Epega, como ela mesma faz questio de esclarecer, no € candomblé africanizado, mas “tradig&o dos drisa” (isto € culto africano). Em primeiro lugar devemos dizer que em nenhum dos trés terreiros se véem imagens de santos, crucifixos ou qualquer outro simbolo evocando 0 catolicismo. Esta eliminagao dos objetos evocando a religiio cat6lica constitui o primeiro passo 0 mais evidente da “africanizagio” de um terreiro. Pelo que pudemos observar, e pelas informagdes fornecidas por nossos sa- cerdotes, os elementos e priticas que foram “africanizados”, so essencialmente: A roupa: “Nos aqui - diz ly Asessii - s6 usamos roupas africanas... Mas tem casa por af que usa roupa baiana”... “A roupa africana é mais leve e mais fresquinha, os filhos aceitaram logo” ... “Nao precisa mais engomar aquelas sai- as...”, Na casa da mie Sandra também as roupas de santo foram substitufdas pelos panos da Costa, kafta, agbada, fild, yoriba. Na Casa das Aguas, porém, usam-se as roupas “baianas” tradicionais. A “parte de Esu": as casas “afticanizadas” realizam o padé de Esu antes das cerim@nias que exigem sacrificio de animais de “quadro pés” (nas trés casas obser- vadas). Os “toques”: na verdade nao chegamos a compreender quais foram as modi- ficagdes introduzidas nesse caso, que ainda precisa ser investigado O.uso ritual da lingua yortbé: nas tes casas observadas oragdes € cAnticos silo executados em yoriba; este € um dos requisitos essenciais da “afticanizagao” que Iya Asessti justifica: “Falo para meus filhos que eles tém que saber 0 que estiio cantando”. 180 LEPINE, Claude, 0 candomblé “sfricanizado” no campo religion paulitan Uso de ingredientes rituais importados: diversos ingredientes utilizados nos rituais devem necessariamente ser importados da Africa, por niio existirem no Bra- sil. Na casa de mie Sandra, a pimenta é importada; o obi também: “o obi nacional niio & da mesma qualidade, ele s6 tem duas partes, é © que chamamos obi banjé, que jé era usado somente para fazer remédio ou para se dar de comer ao gado, Nos usamos 0 obi batd que é 0 obi de quatro partes, que tanto serve para alimentar 0 drisd quanto para a adivinhagéo também", O osun, substancia vegetal vermetha oferecida a Oy; “pode ser substituido pelo urucum mas nao é 0 ideal”. O niimero de drisa que podem manifestar-se: na casa de mie Sandra o fi- Iho-de-santo s6 tem um drisa, o dono da sua cabega., € numa festa somente o drisa homenageado pode manifestar-se. Como vimos, foi em funco dessas regras ritu- ais que a Yemanjé do pai Armando de Ogun no deveria mais ter possuido seu filho. Na verdade no se tira nenhuma entidade do filho-de-santo: 0 que foi “feito” no pode ser desfeito. As entidades continuam sendo cultuadas normalmente; mas s6 uma pode manifestar-se na possessio: o dono da cabega. Quanto a Iya Asessti, ela diz: “E s6 um. Af, depois, tem um que trabalha para nés, um que fica na frente, um de trés que no conta para ninguém”. Na Casa das Aguas, os filhos tém dois Arisa, o dono da cabega e outro “que acompanha”, ambos podendo manifestar-se Nao hé outras entidades a ndo ser os drisd: nao se toca para cabock para outras entidades que no sejam os drisd: Iyd Asessti diz que “Nao toca para caboclos, boiadeiro, ou vira nego velho": “da muita quizila”; “pode virar briga” Actescentamos que do ponto de vista da disposigiio dos edificios no terreno a Casa das Aguas e 0 Alaketu Ile Asé Palepa Marid Sessu reproduzem 0 modelo dos tradicionais terreiros de candomblé da Bahia. A casa da mie Sandra Epega, onde nio se pratica o candomblé, mas sim a “tradigiio dos drisa”, isto é 0 culto africano, apresenta além das caracteristicas aci- ‘ma, mais algumas: Mie Sandra, ao contrério dos outros dois sacerdotes, no admi- te que seus filhos tenham outra religidio, que freqientem a Igreja catélica, que se casem ou batizem seus filhos na Igreja. Nos terreiros tradicionais, procura-se dar uma impressiio de ordem e de limpeza; 0 barracio é enfeitado, bem cuidado. No terreiro de Mae Sandra pelo conirario, nao existem bancos ou cadeiras para os visitantes que devem sentar no chlo A moda africana; tudo € tosco e ristico; teias de aranhas pelos cantos dio impressio de sujeira. Mie Sandra usa eletrodomésticos para facilitar o trabalho, como por exem- icador, abandonando © que ela chama de “cultura do pilio”, No candomblé tradicional existe um sistema muito complicado de regras de comportamento, de etiqueta; ha muitas proibigdes. Por exemplo, depois de fazer um bori, o adepto teria que praticar um resguardo de 32 dias de sexo; quem com- pletou sete anos de iniciagaio nao precisaria mais realizar as obrigagdes ao Orisa, ete, Antes de qualquer ritual, deve-se tomar banho, colocar roupa branca. A pessoa tem que observar numerosas proibigées alimentares e outras, etc. Mae Sandra diz plo lig (Capennos CERU, série 2, n. 13, 2002 181 que na tradigiio dos drisd nao € preciso tirar o colar para nada: tomar banho, fazer sexo... t0 contrdrio do candomblé onde se deve tird-lo (idéia de sujeira, de impure- za), Nas casas tradicionais, hd regras complicadas estipulando quem pode dangar, € quando. No culto africano todo mundo danga, todo mundo entra na roda. O adepto 6 pode receber um tinico drisd: o dono de sua cabega. O drisd s6 pode se manifestar - numa festa - numa Gnica pessoa, pois ele é Gnico e no pode estar em varios filhos 40 mesmo tempo. Mas ele pode possuir um apés 0 outro, sucessivamente. Deve-se coneluir que na Africa nio existe a nogio de orisa indi dual? Um individuo pode ser, se quiser, segundo Mie Sandra, iniciado para Sang6 porque assim deseja, Mas ele no sera possufdo por Sango se nio for filho dele, se ‘Sang6 niio for o dono de sua cabega. Na Casa das Aguas, pelo contrério, varios risa continuam sendo homenageados e manifestando-se numa mesma festa, Na casa de Mae Sandra, como na Africa, so as pessoas que se prostram diante do deus (do filho possufdo) enquanto que no candomblé tradicional e na Casa das Aguas, sio os deuses que se prostram diante das pessoas, drisd vem quan- do e como ele quer, e nao porque € o dia da festa fixa dele. Ele faz o que bem entende. Nao € preciso ensinar-Ihe nada; ele sabe tudo. Assim € que no se ensina 0 Oris a dangar, nem outros tipos de comportamentos ou de gestos. Na Casa de Mae Sandra a iniciagao é feita com a pessoa consciente; pois se estivesse possufda, é 0 orixé quem seria iniciado ‘Todos estdo sujeitos ao transe, Nao hé nada determinando que certas pesso- as, como ogans e equedes, nao podem receber o santo. E 0 orixa que pode dizer, se quiser, ao filho: “nao vou dar transe a vocé porque eu quero que vocé cuide da orquestr: Nacasa de Sandra, todos so iniciados para Exu; e possivelmente para Xango porque € uma casa de Xangé: Porém sio iniciados para serem sacerdotes, para poder cuidarem do drisi, nao para serem possuidos por ele. A mie-de-santo, ento, precisa ser iniciada no culto de Sangé, no de Oya, no de Obatald, no de Osdsi, assim por diante, para poder cuidar de todos os drisa assentados no terreiro. O que coneluir, entio, no caso da mie-de-santo do terreiro tradicional: o processo de iniciagao tradicional inclui todos os Orisa? Ou ela é iniciada para 0 seu dris4, e cuida dos outros sem ser habilitada? A primeira opgdo parece ser 0 certo? O drist mora no drun, embaixo da terra; quando chamado, ele sobe pelo ase da casa, enterrado no chao, no centro do barraci, e pelo pilar central se houver.. Usa-se a semana africana de quatro dias; a cada quatro dias dé-se obf ou orogbo ao drisa, ¢ no aqueles pratos de comida, feijoada, galinha, etc. No culto afticano, a mae-de-santo exige que os filhos aprendam e se aper- feigoem no conhecimento da religido; tudo deve ser explicado, € tudo deve ter explicagio, No candomblé tradicional, pelo contrério, o conhecimento ¢ privilégio dos mais velhos; representa poder, ¢ € envolto em segredo. O saber s6 € transmiti- do aos poucos, 2 medida que o adepto vai demonstrando suas capacidades. Mas niio se deve perguntar nada. 182 LEPINE, Claude. 0 candomble “africamizad” no campo religiose pauistano No dek, a mie sé entrega uma cuia, pois, diz ela, navalha é coisa de brasi- leiro. Para cortar, 0 africano usa concha, espinho, dente de peixe, pedra... CONSTRUGAO DE NOVOS RITUAIS As casas “africanizadas” realizam batizados e casamentos, cerimonias que nio existem em outros terreiros e construfdas com elementos rituais utilizados em outros contextos. O candomblé deve ser uma “religido completa” e os adeptos nao devem ser obrigados a recorrer & Igreja catdlica para a realizagio dos ritos civis de passagem. A construgio de novos rituais € uma parte essencial do processo de “afticanizagio” do candomblé. Podemos ilustrar a construgao de tais rituais com 0 exemplo de um casamento realizado na Casa das Aguas em 28 de outubro do ano 2000, Constatamos que 0 casamento no terreiro inclui seqiiéncias rituais comuns a outras cerimonias: a roda do xiré, o banquete, a saudacio a Esu, a homenagem aos donos da cabega dos noivos, etc... O ritual do casamento foi construfdo associan- do-se seqiléncias pre-existentes, numa espécie de bricolagem. Evidentemente fo- ram eliminadas as negociagGes entre as familias dos noivos, que na Africa tradi onal constitufam a parte mais importante de um casamento, (Bascom, 1969). No Brasil, no terreiro de candomblé, o pai-de-santo fez o papel do pai da noiva; e 0 barracio substituiu a casa da esposa mais velha da familia do marido. A CRENGA EM DEUS Os sacerdotes das casas estudadas dizem acreditar em Olodumaré, deus supremo dos Yoritba Segundo Sandra Epega, “nosso Deus ¢ Olodumaré; é anteri- or ao cristianismo. Tem 1000 anos de diferenga entre a tradigo dos Orisa e 0 can- domblé. Nao somos cristios, em absoluto”, E yd Asesst também afirma: “nossa religido tem 4000 anos”. “A gente no passou por esse proceso de biblia, de Je~ sus” (Maria de Jesus). Pensamos, porém, que a concepgio yoribé do deus supremo, Olérun ou Olodumaré, provavelmente adquirida pelos sacerdotes do candomblé “africanizado” através da literatura etnogrifica, pode ser relativamente recente; e talve7. 0s aftica- nos que fundaram os primeiros terreiros no Brasil tivessem dele uma nogiio bem diferente, Parece que a nogio de um deus supremo e criador, 6 0 resultado de uma evolugio tardia da religido dos Yorba e de contatos com povos islamizados: a sua religiao original baseava-se na crenga num par de divindades, Por outro lado, Mare Augé (1982) vem nos lembrar que 0 paganismo & antes de tudo 0 contrério do cristianismo; ele ignora a salvagio, o mistério, a transcendéncia, Para ele, a relagio entre o homem e o deus é uma relagao funcional e social. O paganismo € antes de tudo adesio a um modo de vida coletivo. Negli- genciar os deuses, opor-se a eles é imprudéncia, mas no um sacrilégio; o paganis- (Capeawos CERU, série 2, m. 13, 2002 183, mo admite que o homem possa errar, mas ignora a idéia de pecado. O paganismo no prega 0 amor de Deus ou do préximo, Ele se define por sua dimensio ritual; a forga de um drisd depende de sua “formula” no sentido quimico do termo, € da competéncia do sacerdote que o instalou. O paganismo se distingue pela conscién- cia persecutiva do mal; a origem do infortiinio deve sempre ser buscada na vontade de outro homem ou de alguma entidade sobrenatural. A religiosidade do candomblé esta muito distante desse quadro de crengas € valores e podemos supor que deverd estar muito mais proxima daquela que pode ser encontrada no catolicismo popular. De fato, quando perguntamos se Deus ¢ concebido no candomblé da mesma maneira que na Igreja Catolica, respondem: “de qualquer maneira é 0 mesmo Deus, s6 com um outro nome” (Iyé Asessi!); “Nés damos nomes diferentes” (Maria de Jesus). A partir dessas declarages, imaginamos que as informantes permanecem figis, no fundo, a uma concepgao de Deus calcada no catolicismo popular. Para 0 catolicismo popular, Wilson Gomes (1996) relaciona os seguintes padroes de crenga: claro o modo singular como o catolicismo popular vive o dogma tcinitirio: Uificitmente pode-se dizer que 0 povo é monotefsta. Pode-se falar naidéia da ‘monarquia do Pai, mas Nosso Senhor ¢ o Divino sao individuos aut6nomos. [Na questio dos santos € também evidente que estes do sio, para 0 povo. aquilo que a Igreja pretende que sejam (cristios exemplares, testemunhas privilegiadas e paradigmiticas da fé em Cristo), mas entidades semidivinas, ou divinas, situadas estrategicamente entre Deus (deuses?) ¢ 0s homens, € destinadas a ocupar-se dos problemas humanos. O mesmo se diga da figura popular de Maria, a Nossa Senhora do eatoliismo popular em suas diversas forma, de umm lado quase como uma divindade ferinina, de outro, como a mensageira entre 0 rogo dos homens ¢ Deus (0 Pai, 0 monarca) € Nosso ‘Senhor sobre o qual tem grande ascendéncia. Vejamos 0 caso do espiito dos mortos, popularizados como “as almas”, entidades aut@nomas, presentes no mundo e influentes na vida das pessoas, capazes de provocar o bem € 0 mal, ‘ ajuda € 0 espanto. Enfim, 0 deménio, cujo poder sobre os homens, na fé ‘popular, praticamente ndio conhece limites, Deus é concebido como pai e criador, poderoso, benevolente, que cuida e Jembra dos filhos. “Ea realidade mais fundamental da religiosidade popular” (Parker, 1996). A crenga em Deus é mais do que uma conviegao racional; mais do que a razio da vida, é a forga que a sustenta, Mas as pessoas procuram geralmente raci- onalizar a sua fé: “Acredito em Deus porque meus pais me ensinaram, “Porque tem que ter um ser superior”, “Porque crendo posso salvar minha alma”, Portanto a crenga em Deus nao ¢ um mero costume tradicional, Hé, também, uma identifi- cagio do ser social da pessoa e do ser catdlico: ser membro da sociedade € ser catdlico. A Virgem Maria encarna 0 conceito de mediagio; na teologia oficial ela niio é um ser divino. Mas para 0 povo os seres sagrados sio classificados, ndo por seu carder ontolégico, mas por seu poder, sua capacidade de intervir milagrosa- 184 LEPINE, Claude. 0 candomblé “africanizado” no campo religiso paulirtano mente, ou seja por sua eficdcia simbélica, A Virgem Maria é a mie, nao s6 de Deus, mas de todos os homens, e vela por eles. O candomblé “africanizado” rejeita ostensivamente esas crengas ¢ as préi- ticas do catolicismo, popular ou nao, em particular 0 culto aos santos e & Virgem Maria. Mas, no que diz respeito & concepgiio do deus supremo, a nossa hipstese é que a concepgio de Olodumaré teria sido adquirida recentemente pelos sacerdotes “africanizantes”, sem chegar contudo a afetar profundamente as caracteristicas da £6 dos filhos de suas casas. A FE EO AMOR PELO ORISA ‘Todos os entrevistados enfatizam a importincia, na sua vida, da relagio com o drist. O drisa é pensado como “um pai”, “um amigo”, “um irmao”; um adepto até declara: “o drisa sou eu”. Ele est sempre por perto, muito préximo a seu filho; “ele fala quotidianamente com a gente, dentro da mente da gente; é como uma telepatia”, diz ly4 Asessd. Esta ligagZio aumenta com o tempo depois da inici- agio, ¢ alguns nao sabem explicar o que é, mas todos insistem em dizer que é algo muito bom, Todos falam do seu “amor pelo risa”, o que nao parece ser um se mento africano, ou pelo menos africanizado, mas também nao se confunde com o amor de Deus do catolicismo. O catético sabe que sua fé é de uma outra ordem que 0 conhecimento das coisas deste mundo, as quais sio objeto de um conhecimento cientifico ou de hipéte- ses que podem ser refutadas. Ele sabe que a possibilidade de verificar, ou de demons trar no se aplica a sua fé. Ele deve assumir a contradigdo, que ¢ interna a sua fé, € acreditar é isto. Esta situagao deriva da distingdo entre dois mundos, o reino de Deus, e este mundo. E porque construfmos o conceito de lei natural, que nos podemos: admitir o sobrenatural para enfiar nele tudo o que nio se conforma a lei. A f€ no drisa, pelo contririo, & resultado da experiéncia sensivel: 0 drisi possui seus filhos e se manifesta diante da comunidade, pode ser visto, tocado; ele danga, se comunica com seus filhos. A {6 no Orisa é da mesma ordem que o conhe- cimento das coisas deste mundo, A f no drisa s6 pode ser entendida como a con- viegiio que a entidade A qual damos nossa confianga, retribuird na forma de apoio ou de protegio; ela implica uma relagiio de troca entre o crente 0 drisa. CONCEPCOES ETICAS NO CANDOMBLE Segundo Prandi (1996, p.101), “Nas religides afro-brasileiras, as antigas e a8 novas, a virtude da caridade nao faz nenhum sentido, uma vez que a tnica virtu- de é aquela que se alcanga no momento em que o fiel cumpre sua obrigagao ritual para com sua divindade ou entidade particular”. Nesse caso as concepgies éticas do candomblé afastariam-se da moralidade brasileira comum. Segundo o Pai Ar- (Capennos CERU, série 2, n, 13, 2002 185 mando de Ogun, a solidariedade seria virtude desconhecida no candomblé, s6 exis- Lindo entre 0s irmaos, dentro do terreiro, Porém, nao é bem o que nos observamos, Constatamos com efeito que mui- tos pais-de-santo participam ativamente em movimentos sociais. Assim é que 0 pai Laéreio de Osun (Taboao da Serra) consagrou seu terreiro a criangas aidéticas que ele cria, deixando de realizar rituais piblicos e de atender clientes. A mie lyé Wanda ©. Ferreira e seu marido, 0 ogi Gilberto de Exu criaram o afoxé “Filhos da Coroa de Dada (Ile Omo Dada)” com o objetivo de atender as populagdes margina- lizadas, em particular a juventude, de organizar oficinas culturais, cursos de danga, tambores, costura, promover discussGes sobre satide e sexualidade. A organizagio funciona na casa de candomblé Iya Mi Osun Muywa, rua Carlos Belmiro Correia 1240, Jardim Peruche. ‘Mas, restringindo-nos aos sacerdotes do nosso“ grupinho dos quatro” acres- centaremos que a mie Sandra Epega esti envolvida em campanhas em favor da paz, participa de atividades em favor do desenvolvimento da comunidade negra, como comprova o teor de um convite para participar do Encontro Estadual das Religides Afro-descendentes, com o tema “Atividades sociais desenvol vidas pelos templos”, em 05/11/2000 organizado pela Comissiio de Assuntos religiosos afro- descendentes junto ao Conselho de participagao e desenvolvimento da comunida- de negra do Estado de So Paulo: ‘nossos templos situam-se, em sua maioria, em regides carentes, em peri- ferias, locais muitas vezes esquecidos pelos poderes municipais ¢ estaduais. E bom saber que, nas horas que voc® no ocupa sua casa com rituais religio- s0s, ela pode ser utilizada em favor da comunidade que nos rodeia, com ‘cursos profissionalizantes, palestras,atividades saciaise culturais. Nem sem- pre hi ao nosso redor organismos piblicos gratuitos que fagam este trabalho, ‘Cabe portanto a nés, enquanto Iideres religiosos, procurar suprir estas lacu- nas de educagio, cultura, sade, lazer & encaminhamento de nossos fis, Isso nos torna bem vistos pela comunidade e ajuda a atrair pessoas para 0 nosso meio, Também existe a possibilidade de criarmos pequenas oficinas de artesanato ou outr A concepgiio cristd de caridade e amor ao préximo esta presente no com- portamento desses sacerdotes, revelando que no se afastaram da ética cat6lica. Como diz.a mie ly4 Assesti: “o catolicismo é o prinefpio de todo brasileiro”. Uma das diferengas mais sensfveis entre a moral catélica e a yoruba diz respeito a0 comportamento sexual e ao sentimento de culpa e de pecado. O can- domblé substitui as regras de comportamento da nossa sociedade por outras, pelo menos “do portio para dentro”, em particular a moral sexual, muito mais liberal. Assim é que um homosexual, por exemplo, nzio serd rejeitado. Em troca exige-se dele, como de todos os irmdos-de-santo obediéncia em relago ao pai-de-santo, cumprimento das obrigagGes religiosas, observincia dos ew6s, solidariedade em relagiio aos irmios-de-santo. 186 LEPINE, Claude. 0 candomble “africanizads” no campo religion paulitano ‘Mas é verdade que nfo existe nenhuma solidariedade entre membros de terreiros diferentes, entre os quais prevalece a competigio. Enfim, de nossas conversas com os membros dos terreiros estudados, con- cluimos que os valores dos filhos-de-santo so os mesmos da populagio brasileira em geral: principalmente honestidade, caridade, e f6. CONCLUSOES PARCIAIS A “africanizagio” parece constituir para um pai-de-santo, como ja foi dito, uma opgio arriscada, e um drduo caminho. A primeira dificuldade, sem diivida, resulta da sua prépria trajet6ria religiosa, Como vimos, os sacerdotes entrevistados passaram por diversas religides antes de chegar ao candomblé “africanizado”. Ini- ciaram sua carreira religiosa no catolicismo, no candomblé de Angola, com passa- gens pela Umbanda, pelo espiritismo. Evidentemente, estas trajet6rias exigem de- les um esforgo de adaptagiio, estudo, perseveranga, forga de vontade. Por outro lado, segundo Iya Assesti, na verdade “nao da para mudar muita coisa”; as mudangas “nao podem atingir nenhuma entidade”, o que significa que nilo se pode tirar as entidades feitas na cabega dos iniciados, que em realidade niio se pode mudar de nag, como bem diz Pai Armando: “‘por exemplo eu sou do kétu € vou para o Tambor de Mina, porque eles cultuam os vodun, né! E eu sou de Ogun: eu vou cultuar 0 qué? La é Dosti, um outro mundo”. De fato, de acordo com Serra (1995), no candomblé de Salvador as entidades do pantedio kétu nio so as _mesmas do pantedo jeje ou do pantedio angola: “Oxumaré nao é Becém, nem Angord menos ainda Sao Bartolomeu”. Por outro lado, tanto ly4 Assesti como pai Armando de Ogun assinalam a forga do catolicismo: “o catolicismo é o principio de todo brasileiro” diz ly Assest. Dificil 6 livrar-se do sincretismo, fazer com que 0s adeptos deixem de asso- cir 0 drisi a0 santo catdlico. Os filhos nao perdem a nogio de sactilicio, ‘como por exemplo dizer que foi muito sacrificio passar a noite trabaltando no terreiro; neeessitam da nog de saerificio; nao perdem tragos cristios. (Pai Armando) Mudangas s6 podem ser introduzidas com o consentimento do drisa, que sempre é consultado. Mas nem assim a reafricanizagao deixa de ser um proceso dificil; muitas vezes € repentina e os filhos-de-santo nao esto preparados par en- frentar as modificagdes que nao deixam de provocar problemas na casa. Os filhos ficam desorientados, nao sabem mais como devem se comportar dentro das novas normas do terreiro. O pai-de-santo deve ter todo 0 cuidado ao comunicar suas decisdes, pois sua autoridade esta em jogo: “Que pai-de-santo € esse que nao sabe © que deve fazer? que diz uma coisa, e depois diz outra?”, O problema atingiu sobretudo a casa de mie Sandra onde as mudangas na pritica ritual foram mais radicais, A propria mae Sandra reconheceu que alguns de seus filhos nao aceitaram CCapeanos CERU, série 2, n. 13, 2002 187 a mudanga de asé quando ela passou do rito angola para o rito kétu; varios filhos niio aceitaram as “reformas” e afastaram-se. Um dos problemas mais complexos que nos pareceu estar surgindo com a “alricanizagaio” € a mudanga de “nago” ¢ 0 fato dos adeptos deixarem de receber suas entidades habituais com excegio do “dono da cabeca”. A possessao por deter- minado “enredo” de divindades est associada & identidade do adepto. Uma mu- danga repentina nesta configuragio por decreto do chefe do terreiro s6 pode ser extremamente perturbadora, Talvez. seja esta a principal raziio da resisténcia ao movimento de “africanizagio”. Outra grande dificuldade, para os filhos, consiste em aprender a lingua yoriibi, pelo menos em adquirir um conhecimento suficiente para compreender a letra dos cnticos ¢ as oragdes. ‘A “africanizagdo” parece assim constituir uma atitude potencialmente peri- ¢gosa para um pai-de-santo, Os terreiros de Armando Vallado, Iya Assesti, Sandra Epega, constituem, como vimos, um sub-grupo dentro do mundo do candomblé, unido pelas relagdes de amizade que existem entre esses sacerdotes, sub-grupo ao qual se junta, embora seja de outra nagao (tambor de Mina), 0 Pai Francelino de Shapand, Este iltimo, Armando de Ogun, Iy4 Asses, costumam visitar-se por existir entre eles uma amizade pessoal, Mas procuram manter distancia dos outros terreiros, Os pais-de- santo evitam visitar-se uns aos outros, confrontar-se, expor suas préticas e conhe- cimentos aos colegas. ly Assesti diz: “comigo 6 assim: se quiser me conhecer, que venha na minha casa, porque eu no vou na casa de ninguém me mostrar”. O pai Armando diz que nao circula, nao visita outros terreiros, nem recebe ninguém. O ie Sandra faz idéntica afirmagio. E mesmo havendo relagdes de amizade entre os sacerdotes, ha comentirios reciprocos em que cada um acentua as caracteristicas de sua propria pritica ritual como sendo a mais legitima. Alids, pelas razdes que j4 vimos, Pai Armando rom- peu as relagdes com Mie Sandra, Os sacerdotes das trés casas demonstram citimes uns dos outros; ficam sentidos se © pesquisador deixa de freqiientar sua casa para fazer pesquisa numa outra; competem assim pelo piblico, e talvez possiveis adep- tos. Apesar da proclamada amizade, 0 fuxico é intenso; observa-se e comenta- tudo o que se faz no terreiro do colega. O Pai Armando diz: “terreiros africanizados? ém uns que se dizem africanizados, mas 14 no fundo tem caboclo pulando” (seria © de Iya Assesii?), A mae Sandra diz: “Tem os que se dizem africanizados, mas continuam cultuando Nossa Senhora Aparecida, Abandonam a roupa baiana, mas cantam em portugues”. Se a justificativa pelo esforgo de “africanizagio” do candomblé ¢ invaria- velmente o problema da perda dos conhecimentos, a razio profunda é a busca de poder. Um sacerdote bem preparado manipula forcas sobrenaturais temiveis, con- centra em si considerdive! quantidade de ase: ele dispoe do poder simbélico de vida e morte sobre seus filhos. “Nos lidamos com elementos que s40 muito importantes € fortes, ou seja, é 0 comando de todo o universo”, disse Maria de Jesus. 188, LEPINE, Claude. O candomblé inizado” no campo religiose paulistano No candomblé, o poder se alicerga na competéncia, no conhecimento dos segredos e da tradigiio, Ha uma grande preocupago por parte dos religiosos em relagdo ao seu aperfeigoamento. Um pai-de-santo precisa ser poderoso para nao ser destrufdo pelas forgas. que os colegas (3s vezes os préprios filhos) podem ma- nipular contra ele. O fato dos sacerdotes evitarem visitar-se uns aos outros explica- se provavelmente pelo medo: além do medo do “fuxico” e da critica que atingem a sua auto-estima € seu prestigio perante seus filhos, que tolhe a sua autonomia de chefe de terreiro, haveria © medo de despertar a inveja e de ver forgas temiveis serem langadas contra eles. No terreiro, as qualidades de lideranga do pai ou da mae-de-santo mantém a paz: “A Sessu tem o seu brago de ferro, ela dirige as coisas com uma capacidade muito grande, é uma mulher muito simples mas com o espfrito de lideranga muito forte. Entdo, estd tudo bem definido. A partir dai, a gente se respeita bastante... € 0 que a mie determinar esté determinado.” (Maria de Jesus). Percebemos ainda que os principais elementos sincréticos eliminados pelo candomblé “africanizado”: imagens e oragdes caté com santos, culto de caboclos e outras entidades que nao os drisa, niimero de enti- dades que podem possuir um iniciado, constituem tragos diacritics que definem com clareza uma identidade religiosa prépria dentro do sistema de semelhangas € diferengas que caraterizam o campo dos cultos afro-descendentes no qual 0 can- domblé esta inserido. Podemos dizer, pois, que o processo de “africanizagio” tem ainda por fungaio demarcar fronteiras com a umbanda. Mas 0 candomblé esti inserido também no campo religioso maior onde compete por adeptos e prestigio, principalmente com a Igreja Catdlica e as igrejas evangélicas. A luta dos sacerdotes do candomblé “africanizado” estd orientada em primeiro lugar contra 0 preconceito: “Eles tém uma idéia generalizada de que 0 candomblé é aquelas pessoas que fazem ebés e poem na esquina, quando na verda- de niio é isso 0 que acontece. Entio vocé sofre um certo preconceito” (Maria de Jesus). E preciso divulgar o candomblé, é preciso mostrar que nao é um conjunto de crengas € priticas supersticiosas de negros ignorantes, O objetivo tltimo ¢ fazer com que o candomblé seja reconhecido pela soci- edade como uma verdadeira religiio; é preciso conferir-Ihe legitimidade, fazer dele uma “religiio completa”. A competigdo entre religides exige que se criem rituais, para todas as circunstncias: casamento, batismo e outros sacramentos, A intelectualizagio, 0 recurso a escrita fornecem armas na luta pelo reco- nhecimento e a legitimagaio do candomblé, A participagdo em movimentos soc ais, as atividades assistenciais também servem para demonstrar que o candomblé €, como as varias formas do cristianismo, uma religido que prega o bem e dé o exemplo da pritica da caridade, Serviriam para refutar as acusagdes, entre ou- tras, dos pastores da Igreja Universal de Deus, que afirmam que o candomblé as religiées afro-descendentes em geral, cultuam deménios e s6 trazem desgraga aos incautos. Caornnos CERU, sévie 2, n. 13, 2002 189 Queremos observar, finalmente, que as propostas do movimento de Jo” do candomblé apresentam alguns aspectos paradoxais, A rejeigio do sincretismo nio constitui uma caracteristica do pensamento religioso tradicional africano, O politefsmo afticano no avesso ao sincretismo, até pelo contratio, Os escravos africanos trazidos para o Brasil ¢ os fundadores do candomblé devem, dentro deste espirito, ter acrescentado sem problemas 0 catoli- cismo A sua prdpria religito, Ou seja: a proposta de “africanizagio” e de “dessineretizagio” do culto, nada tem de africano, nem de tradicional, ‘Um segundo paradoxo consiste no recurso a escrita: a proposta de transcrever ‘08 mitos e os segredos rituais em forma de livros esté frontalmente posta d concep- io africana do ensino e do poder da palavra. Também nada tem de africano. E verdade que “africanizagio nao significa tornar-se africanos. Nao pode- mos pensar como yoriba” (Pai Armando de Ogun). Mas como conciliar esta constatagZio com 0 objetivo de resgatar um “ethos africano”? Os elementos “africanizados” so essencialmente priticas rituais. Mas 0 objetivo formulado pelo pai Armando de Ogun que afirma que a “africanizagao” nao deve se reduzir a estes aspectos exteriores, mas também recuperar um ethos, uma concepgio de vida, niio parece coneretizar-se, pelo menos até agora. A religidio dos filhos-de-santo esta impregnada de valores do catolicismo e por uma afetividade propria da cultura brasileira, Os valores fundamentais dos filhos-de-santo: honestidade, caridade, ¢ { sao os da populagao brasileira em geral. Além disto observamos nas conversas dos sacerdotes, principalmente Iy4 Assesti e Sandra Epega, 0 uso freqlente de termos como “momento astrolégico”, “fluidos negativos”, “energias positivas”, etc., que nao pertencem ao universo do candomblé e denotam a persisténcia do seu passado de umbandistas (Lyd Assesi), ou talvez, até de adeptos do candomblé de Angola (Sandra). Se elas acreditam em tais influéncias, tal crenga se restringe A “mistura” que elas elaboram a nivel indi vidual, ¢ ndo interfere em nada nas priticas “africanizadas” de suas casas. A mie pequena da Casa das Aguas € esotérica e psicéloga. Parece inegavel a influéncia, nas crengas individuais dos adeptos, de outros sistemas de crengas que nio 0 do indomblé. Enfim, observamos ainda no plano psicolégico, que algumas pessoas procuram racionalizar os dogmas da religiao, legitimando-os do ponto de vista de a laica, Assim 6 que a mie Sandra de Sang6 diz que “os ebds ajudam a criar um clima favordvel para que os desejos se realizem; mas que os pedidos nio so atendidos se a pessoa nio acreditar no que esta fazendo” o que equivale pratica- mente a negar a eficdcia propria do ritual, Enfim parece-nos que 0 ritual “tradicional renovado”, ou “africanizado” constitui um momento de ressurgéncia do passado; ele deve ser visto também ‘como um trabalho de reconstrugaio da meméria do candomblé, ¢ do brasileiro afro- descendente em geral, que se situa no contexto de um movimento de reflexio ede uma busca por rafzes que nasceu com a aproximagio do meio milénio de existén- cia do Pais. sua 190 LEPINE, Claude. O candomble “africanizado” no campo religion peuliteno REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS [AUGE, Mar, Le génie du paganisme, Pais Gallimard, 1982. BASTIDE, Roger. As religides africanas no Brasit. Sio Paulo: Pioneira, 1971. BINON-COSSARD, Gisile. A filha-de-santo, In: MOURA, C. B. M. de (Org.). Olddris@. So Paulo: Agora, 1981. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbélicas. S80 Paulo: Perspectiva, 1974 CARNEIRO, Edison. Candomblés da Bahia, Rio de Janeiro: Civilizagdo Brasileira, 1978, ELBEIN, J. dos Santos. Os nage e a morte, Petropolis: Vozes, 1976. FILADELFO, Graga. A forca dos deuses africanos. Super Revista/ABASE, Salvador, v:3, 0.12, Setout, 1995, GOMES, Wilson, Nem anjos nem deménios. In: Nem anjos nem deménios, Pete6polis: Vores, 1996. HERSKOVITS, Melville. Dahomey an ancient west african kingdom. E¥anston: Northwestern University Press, 1967 JOHNSON, Samuel. The History of he Yoruba. Londres, 1922. LE HERISSE. L' LEPINE, Claude. Contribuigdo ao estudo do sistema de classificagio dos tipos psicoligicos no can- domblé kétu de Salvador. Sa0 Paulo, 1979, Tese (Doutorado) - Universidade de So Paulo, A expansio do candomblé em Sao Paulo. Presidente Prudente: UNESP, 1981. Relat6rio. mimeo MAUPOIL, Bernard. La géomancie a 'ancienne Cote des Exclaves. Paris: Institut d’Ethnologie, 1961 OLIVEIRA, P. Ribeiro de. A coexisténcia das religides. Revista de Cultura Vozes, 0.7. 1977. ORTIZ, Renato, A consciéncia fragmentada, So Paulo: Paz. Terra, 1975, PARKER, Cristidn, Religido popular e modernizacao capitalist. Petropolis: Vozes, 1995 PRANDI, Reginaldo P.A realidade social das religides no Brasil. Sto Paulo: Hucitec, 1996, PRANDI, Reginaldo P. Os candomblés de Sdo Paulo. Sao Paulo: Hucitec 1991. REIS, Jodo José. Magia jeje na Bahia: a invasio do Calundu de Cachoeira, 1785. Revista Brasileira de Histdria, 0.16, 1988. SERRA, Ordep. Aguas do rei. Petropolis: Vozes, 1995. SILVA, Vagner Gongalves da, Orixds da metrépole, Petrépolis: Vozes,1995, ‘TEIXEIRA, Maria Lina. Candomblé e a (reJinvengio de tradigdes. In:. CAROSO, C., BACELAR, J (Orgs.) Faces da tradigao Afro-Brasiteira. Rio de Janciro: Patlas, 1999. ‘THOMAS, Vincent; LUNEAU, René. La terre africaine et ses religions. Paris: Larousse, 1975. VALLADO, Aninando. Os percalgos da africanizagio. CONGRESSO DE UMBANDA E CANDOM- BLE, Diadema 1999. Comunicagio. 0 sacerdote em face da renovagaio do eandomblé. In: Faces da tradigdo ujro-brasiteira. Su, Pallas/CEAP/CNPQ, 1999. ncien royaume du Dahomeé, Paris, 1911. (Capennos CERU, série 2, n, 13, 2002 191 Abstract: This article shows the partial results of an ongoing research focusing on how “Africanized” Sao Paulo candomblé intends to eliminate syncretism in traditional candomblé. 1 iavestigates the “Africanization s” conflicts with the persistence of ri- ‘wal and theological syncretism. Keywords: “Afticanization”, candomblé, $20 Paulo, competition.

You might also like