You are on page 1of 7
CDU 869.0(81) (ROSA) 7 (GRANDE SERTAO. VEREDAS). 07 ELEMENTOS ANAGOGICOS EM GRANDE SERTAO: VEREDAS VILSON JOSE LEFFA, PhD em Lingiiistica Aplicada* 1 INTRODUCAO Uma dimensio importante de Grande Sertéo: Veredas (GSV), de Joao Gui- mardes ROSA, que vamos tentar ressaltar neste estudo, é que a obra contém o mun- do que a contém. Em outras palavras, 0 mundo descrito por GSV nao € uma parte do mundo, mas o mundo na sua totalidade; no s6 0 mundo que esta presente e que pode ser imediatamente percebido pelos sentidos mas também o mundo ausente, percebido apenas pelo espirito do homem. Entre o mundo presente e 0. mundo ausente, como paralelamente entre 0 mundo descrito por GSV e 0 mundo que contém GSV, hd inimeros elementos de ligaco. O que vamos fazer é mostrar alguns desses elementos que levam do univer- so visfvel ao universo invisivel da obra. Alguns desses elementos de ligacdo so diretamente referenciados pelo tex- é 0 que chamaremos de elementos anagdgicos explicitos. Outros tém referéncia mais indireta e sao, para nés, os elementos anag6gicos implicitos. GSV nao apenas pressupoe a existéncia do mundo ausente mas até o sobre- pe ao mundo presente. E s6 percebendo a influéncia desse mundo oculto sobre a agdo dos personagens que podemos apreciar melhor certas referéncias constante- mente repetidas na narrativa 2 ELEMENTOS ANAGOGICOS EXPLICITOS 2.1 Definigo de anagégico 0 objetivo deste trabalho é analisar alguns elementos de GSV que possibi- litam uma interpretagdo anagégica da obra. Basicamente entendemos por anagogia uma maneira de ver 0 eterno no passageiro. O passageiro é 0 mundo de c suas coisas efémeras; 0 eterno é 0 mundo de li, com seus valores permanentes. Entendemos como pressuposto bdsico da anagogia a possibilidade de ver nas coisas deste mundo elementos do outro. Na sua origem, provavelmente no século V (ADAMS, 1971, p. 116), a in- terpretagdo anagogica s6 era aplicada ao estudo da Biblia; o mundo como um sim- bolo da obra de Deus, Tomas de AQUINO, no século XIII, ainda definia anagogia * Professor Adjunto, Departamento de Linguas Modernas, Instituto de Letras, UFRGS. Organon, Porto Alegre, 18.115); 129-41, 1986, 129 _ = ill Gy © estudo das coisas que se relacionavam com a gléria eterna. Foi DANTE no ‘0 do século XIV, que estendeu os princ{pios da interpretagZo anagégica para i obras de literatura secular. O anagégico, para DANTE era 0 sentido que estava ulém dos sentidos, o contetdo espiritual da obra. O mesmo conceito basico ainda pode ser detectado na obra eritica de Nor- throp FRYE (1957), embora ele tenha ampliado a idéia original para muito além de DANTE, O que FRYE destaca na interpretag¥o anagégica é a ago social ilimitada Mw narrativa (Myrthos), ¢ 0 desejo humano ievado ao grau mais elevado no que se re- fore ho significado (Dianoia). A tevelagdo apocaliptica e as escrituras s4o as formas de literatura que me- Ihor refletem o contetido anagégico. Mas ha outras obras literdrias, além dos docu- Mentos religiosos, que também refletem o anagdégico: “We see the relation to anagogy also in the vast encyclopedic structure of Welty that seems to be a whole world in itself, that stands in its culture as an wxhnustible storehouse of imaginative suggestion, and seems, like theories of gra- Wilution or relativity in the physical universe, to be applicable to, or have analogous sonnections with, every part of the literary universe”, (FRYE, 1957, p.120-1). A perspectiva anagégica n@o pertence apenas aos escritos religiosos e as whims posticas enciclopédicas que parecem abarcar tudo mas também a outras ‘obit, FRYE dé como exemplo Lycidas de MILTON que pode ser interrompido an- foplcamente, O tema da elegia pode ser identificado com a figura de um deus, re- Pieientado pelo sol que se pe no ocidente e pela vegetagdo que morre no outono: iach aspect of Lycidas poses the question of premature death as it relates 10 the life of man, of poetry, and of the Church. But all of these aspects are contai- fed within the figure of Christ, the young dying god, who is eternally alive, Word iwi Contains all poetry, the head and body of the Church, the good Shepherd Whose pastoral world sees no winter, the Sun of righteousness that never sets, power can raise Lycidas, like Peter, out of the waves, as it redeems souls the lower world, which Orpheus failed to do. Christ does not enter the poem #4 Character, but he pervades every line of it so completely that the poem, so to Apeak, enters him”, (FRYE, 1957, p. 121-2). D2 A voligitio © elemento anagdgico pode aparecer no GSV nfo s6 de modo implicito mas jaiildm explicito, com referéncias diretas a religido, a Deus e ao diabo. A preocu- teligiosa de Riobaldo fica caracterizada desde as primeiras paginas, onde ele enn (p, 16) que paga a uma pessoa para rezar por ele, e que pretende encontrar oie i protegé-lo com tergos ¢ rosdrios: “Quero punhado dessas, me defenden- Deus, reunidas de mim em volta” (p. 16). Mo 96 de varias rezadoras pretende se cercar Riobaldo, como também bus- 00 le Vidrins religides para a “salvac&o-da-alma”’: “Pu ed, nfo perco ocasifo de religido. Aproveito de todas, Bebo agua de to- do tio... Tudo me quieta, me suspende. , . , liu queria rezar — o tempo todo (p. 15). Somenos nifo ache que religifo afraca, Senhor ache o contrario (p. 21), 10 Organon, Porto Alogro, 15 (15):, 129-41, 1986, Riobaldo néo 86 se protege materialmente contra os perigos do mundo de cd, colocando gente sua ao redor da fazenda, mas também busca protegdo espiritual nas rezas pagas. “‘Sosinhozinho no estou” (p. 21). A frase serve para este e para 0 ou- tro mundo. Riobaldo se acha esperto por saber se proteger em ambos. Ha no entanto uma tens4o que Riobaldo parece nao resolver: esta ele “so- zinhozinho” ou nao afinal? Em outras palavras, a salvagdo pode ser conseguida com a ajuda dos outros, talvez até num grande espetaculo de solidariedade, ou deve ser alcangada solitariamente, cada um por si? A idéia de salvar todos parece exercer um grande fascinio em Riobaldo: “Olhei o ilustre céu... E 0 que rogava eram coisas de salvacdo urgente +. queria poder levar também Otacilia, e aquela mo¢a Nhorinha ... os companheiros todos... Todos, que em minha lembranga eu carecia de muitas horas para tepassar. Igual, levava, ah, 0 povo de Sucruiti, e, agora, 0 do Pubo. . . os cavalos, os bois, os cachortos, os passaros, os lugares... "(p. 297-8). Como também a idéia de multidao: “As vezes eu penso: seria 0 caso de pessoas de fé e posi¢do se reunirem, em algum apropriado lugar, no meio dos gerais, para se viver em altas rezas, fortissimas, louvando a Deus e pedindo gléria do perdao do mundo. Todos vinham compare- cendo, ld se levantava uma enorme igreja...” (p. 47). “...0 que minha vocacdo pedia era um fazendao de Deus, colocado no mais tope, se braseando incenso nas cabeceiras das rogas, 0 povo entoando hinos, até os passaros e bichos vinham bisar.” (p. 48). A esse desejo de espetdculo solidério contrapoe-se a verdade solitaria de Quelemem (soliddrio x solitdrio): “Riobaldo, a colheita é comum, mas o capinar é sozinho”. (p. 47). Aparentemente, embora todos possam chegar ao mesmo lugar, cada um deverd trilhar seu proprio caminho, buscando sozinho sua prépria salva- fo A preocupagao mistica de Riobaldo n4o esta, porém, na busca de uma’so- lucdo para os problemas deste mundo. A idéia de milagreiros seguidos de multi- does de doentes que buscam a cura facil desagrada Riobaldo; os milagreiros acabam concentrando ao redor de si o que o serto tem de mais feio: lézaros, loucos, cegos, idiotas, héticos, hidrépicos, todos os doentes condenados. “E aquela gente gritava, exigiam satide expedita, rezavam alto, discutiam uns com os outros, desesperavam de fé sem virtude — requeriam era sarar, nfo desejavam Céu nenhum” (p. 48). A eligi de Riobaldo nao € para curar os males deste mundo, mas para levar a ale- Bria do outro, e, por isso, é feita de pessoas sadias: “Gente sd, valente querendo 86 o Céu, finalizando” (p. 48). 2.3. Deus Deus no existe como um personagem em GSV, mas, como na Escritura, estd onipresente. O mundo é um palco onde todos sao atores representando uma pega escrita por Deus. Hé aqui duas possibilidades: ou se representa o papel que a cada um compete corretamente, isto é, conforme o ‘script’ “... para cada dia, e cada hora, s6 uma ago possivel da gente 6 que consegue ser a certa” (p. 336) — ou Nffo se segue o ‘script’, por nfo se conseguir entender as instrugdes que muitas ve- 208 esto “no encoberto”, e entfo ",,, tudo o que eu fizer,o que o senhor fizer, 0 Organon, Porto Alegre, 1615); 129-41, 1986, ia ee Gule © beltrano fizer, ou deixar de fazer, fica sendo falso e é errado” (p. 366). A teferéncia ao teatro ¢ explicita: “... que para cada pessoa, sua continuagdo, jé foi projetada, como o que se pde, em teatro, para cada representador — sua parte, que (nit0s ja toi inventada, num papel...” (p. 366). As referéncias feitas a Deus, embora explicitas, ressaltam a idéia de que Deus, como o dramaturgo, no é normalmente visto pelos atores. Deus estd pre- fone ausente, e ndo é muito claro quanto as instrugSes para a representagdo da pogay “Deus € contrariado” (p. 316). “Deus come escondido” (p. 45). “Deus ¢ traigoeiro! Ah, uma beleza de traigoeiro — dé gosto! A forga dele, Wiundo quer — mogo! — me dé medo pavor! Deus vem vindo: ninguém nfo vé. Vile fiz ¢ na lei do mansinho — assim é 0 milagre. E Deus ataca bonito, se divertin- do, se economizando” (p. 21). “Deus nfo comparece com refe, nfo arrocha o regulamento. Pra que? Dei- Mu bobo com bobo — um dia, algum estala e aprende: esperta” (p. 16). Uma das coisas que os atores tém que aprender ¢ que Deus nfo tem pres- ‘#, Por isso podem cometer erros enquanto ensaiam e reensaiam seus papéis. Um di neabardo por aprendé-los: “O ruim com o ruim, terminam por as espinheiras se quebrar — Deus espera oot pastanga, Mogo!: Deus € paciéncia” (p. 16). “Agora, eu velho, vejo: quando cogito, quando relembro, conhego que Haquele tempo eu girava leve demais, e assoprado. Deus deixou. Deus é urgente sem pressa. (p. 380). Deus nfo esta preocupado com o problema de cada um:” © “Deus 86 escritura os livro-mestres” (p.264); mas podd as vezes atender um 0 particular: “Para a minha reza, Deus da as costas mas abaixa meio ouvido” (p. 405), A existéncia de Deus é explicitamente defendida como a razfo da vida. SO Deus justifica as partes tristes do “script”, e s6 Deus é capaz de até mudé-lo; “Com Tous existindo, tudo dé esperanga: sempre o milagre é possivel, o mundo se resol- ve" (p. 48), A tecompensa de quem representa bem o papel ¢ a repaga de Deus. Como {0114 somos atores, nZo temos uma platéia para quem representar, a ndo ser o pro- 10 Deus, A solugao, pois, é “... dar tudo a Deus, que de repente vem, com novas _ ee altas, e paga e repaga, os juros dele ndo obedecem medida nenhuma” Deus tem dois atributos essenciais: alegria e coragem (p. 237); que so tam- {in 08 atributos que Deus quer ver nos homens: "O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a fo meio da alegria, e inda mais alegre no meio da tristeza! $6 assim de repen- 16, i Horinha em que se quer, de propésito — por coragem” (p. 241-2). Deus ¢ portanto um dos pressupostos da obra. Nao aparece diretamente, eoloeado além da narragdo, mas do ponto ausente em que esté colocado domi- fi Lodo 08 personagens presentes. ia Organon, Porto Alegre, 15 (15); 129-41, 1986, 2.4 Odiabo Contrapondo-se a Deus e dominado por ele, esté a figura do diabo, que pode ndo existir como pessoa fisica, mas que pode se manifestar através dos homens: “O diabo vige dentro do homem, os crespos do homem — ou é 0 homem armuinado, ou o homem dos avessos. Solto, por si, cidadao, é que ndo tem diabo nenhum” (p. 11). Ao contrério de Deus, cuja existéncia é como que um axioma da obra, a existéncia do diabo é constantemente posta em divida. Ndo existe certamente co- mo pessoa fisica, mas existe como uma forga do mal. O mal existe e, se 0 diabo é o mal, o diabo existe. S6 que as referéncias ao diabo, ao contrario das referéncias a Deus, ndo so tao explicitas. Ainda que as vezes o diabo seja referido diretamen- te, muitas vezes a referéncia é feita apenas ao mal. A diivida fica em esclarecer se 0 mal é realmente 0 diabo, definido e exato, ou se o mal é uma coisa mais vaga, inde- finida. Em outras palavras, podemos dizer que 0 diabo é explicito e 0 mal ¢ 0 diabo implicito. Para comodidade da nossa argumentago aqui vamos ignorar essa dife- renga; 0 diabo passa assim a existir no GSV, explicita ou implicitamente. Como Deus, 0 diabo est4 também onipresente: “Bem, o diabo regula seu estado preto, nas criaturas, nas mulheres, nos ho- mens. Até nas criangas... E nos usos, nas plantas, nas aguas, na terra, no vento... Estrumes. “O diabo na rua, no meio do redemunho...” (p. 11). “Arre, ele estd misturado em tudo” (p. 12), O diabo se opGe a Deus de varias maneiras. Enquanto Deus é paciente, 0 diabo “se gasteja” (p. 16). Enquanto Deus vem de mansinho, “‘o diabo, é as bru- tas” (p. 21). Enquanto Deus no tem nome, o diabo tem varios: “.., 0 Outro — 0 figura, 0 morcegio, o tunes, o cramulhao, 0 débo, o carocho, o pé-de-pato, 0 mal encarado, aquele — o-que-ndo-existe” (p. 229), “O Que-diga” (p.9), “o capiroto” (p. 10), “o Bode-preto”, “o Xu” (p. 317). Enquanto Deus nunca desmente, “o diabo é sem parar” (p. 235). Apesar dessas diferencas, diabo e Deus — 0 bem e o mal — sfo as vezes di- ficeis de-serem distinguidos: “Que isso foi o que sempre me invocou, o senhor sabe: eu carego de que o bom seja bom e o ruim ruim, que dum lado esteja o preto e do outro o branco, que © feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza! Quero todos os pastos bem demarcados... Ao que, este mundo é muito misturado... (p. 169) Deus e 0 diabo se misturam portanto em GSV — chegam como que a ser S6- cios; e nessa sociedade quem sai perdendo € o diabo. O bem nao s6 vence o mal, mas usa 0 proprio mal. O mal, em outras palavras, acaba levando ao bem. Foi Deus, por exemplo, que deixou Riobaldo tentar 0 pacto com o diabo: “Deus deixou que eu fosse, em pé, por meu querer, como fui” (p. 316). As insinua- Ges de que o diabo esta a servico de Deus s4o explicitas na obra: “Até podendo ser, de alguém algum dia ouvir e entender assim: quem sabe, a gente criatura ainda é to ruim, t&o, que Deus s6 pode as vezes manobrar com 0s homens é mandando por intermédio do did? Ou que Deus — quando o projeto que ele comega ¢ para muito adiante, a ruindade nativa do homem s6 é capaz de ver 0 aproximo de Deus é em figura do Outro?” (p. 33-4). Organon, Porto Alegre, 18 (15); 12941, 1986 133 pe “Deus, por baixos permeios ...” (p. 35). © proprio Riobaldo, apés tentar vender a alma ao diabo, tenta se conven- ver de que o que fez foi entregar a alma a Deus: “Mas minha alma tem de ser de Deus’ (p. 366). ‘A religido, Deus e 0 diabo so sugeridos aqui como elementos anagégicos ex- piieitos, Ao lado desses ha também os elementos implicitos, como tentaremos de- monatrar a seguir. 4 IILEMENTOS ANAGOGICOS IMPLICITOS Entendemos como elementos anag6gicos implfcitos 0 uso de simbolos que ome ser interpretados como referentes 4 experiéncia transcendental do homem. lio hi portanto uma referéncia direta a Deus, ao diabo, ao anseio de vida eterna ido homem, mas 0 simbolo possibilita essa interpretagdo. Alguns desses simbolos en GSY podem ser: a) 0 sert&o, como a totalidade da experiéncia humana; b) a tra- ood 4 vida humana como uma viagem; c) a renovacdo, a vida humana ressusci- tando, A Osertiio Riobaldo é o filho do sertdo; foi no sertdo onde ele aprendeu a ligdo da vida © efeontrou o significado transcendental de sua existéncia — a vida do lado de cd ONO UMA preparagdo para a vida do lado de la: “Porque aprender-a-viver é que é 0 viver, mesmo. O sertao me produz, de- pols me enguliu, depois me cuspiu do quente da boca... (p. 443). ‘As dimensGes extra-geogrdficas do sert@o sdo constantemente ressaltadas 1 Nurrativa, O grande sertdo se expande muito além de seus limites fisicos. Exem- pos explicitos do proprio texto: “O sertdo esté em toda parte” (p. 9). "“Sertdo ¢ isto; 0 senhor empurra para trds, mas de repente ele volta a ro- deur 0 sonhor dos lados” (p. 218). "0 gertiio é do tamanho do mundo” (p. 59). “fi nisto, que conto ao senhor, se vé o sertdo do mundo” (p. 260). As dimens6es do sertdo nao se expandem apenas em relagdo ao espago geo- five, mas também em diregao ao espago temporal. Além de ser uma estrutura es- ‘ios 6 serio é também um processo dindmico. O sertdo se transforma — como 0 Misano da segunda travessia — e o sertdo adquire movimento: “Sertfo — se diz —, 0 senhor querendo procurar nunca nfo encontra. De {opente, por si, quando a gente nao espera, o sertéo vem” (p. 289). ‘0 sortifo vem?” Vinha” (p. 425). Ax vezos é comparado a um animal selvagem, arisco e cheio de artimanhas: "© serio nfo chama ninguém s claras; mais, porém, se esconde e acena. ‘Mis 6 sertdo de repente se estremece debaixo da gente...” (p. 395). “Rebulir com o sert&o, como demo? ... Todos que malmontam no sert&o 86 ‘ileangam de reger em rédea por uns trechos; que sorrateiro o sertao vai virando ti ie debaixo da cela” (p, 284) iM Organon, Porto Alogro, 15 (15); 129-41, 1986 ——, O sertdo tem também uma dimensfo vertical. As nuvens, as aves, 0 sol sio elementos que comp6em 0 sertdo e fazem com que ele pertenga a terra e ao céu: “Sertdo: quem sabe dele ¢ urubu, gaviéo, gaivota, esses passaros: eles estdo sempre no alto, apalpando ares com pendurado pé, com o olhar remedindo a ale- gria e as misérias todas...” (p. 435). O sertdo é imenso, crescendo para cima, para os lados e para a eternidade — nas metéforas do vento que envelhece e da vida que € uma travessia: “Serto sendo do sol e oS passaros: urubu, gavido — que sempre voam, as imensid6es, por sobre... Travessia perigosa mas ¢ a da vida. Sert&o que se alteia e que se abaixa. Mas que as curvas dos campos estendem sempre para mais longe. Ali envelhece o vento” (p. 410). O sertdo é também o homem, a sua coragem e o seu medo. A fertilidade do sertdo gera nfo apenas 0 corpo mas também o espitito do homem. E quando isso acontece, 0 sertéo ndo sé gera como também é gerado: 0 sert&o criou o homem e o homem, pelo espirito, recria 0 sertao: “Sertdo: dentro da gente” (p. 235). “Sabe o senhor: sert#o é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar” (p. 22). O homem, Deus, 0 diabo e 0 sertéo acabam formando um todo, substituin- do-se entre si, um valendo pelo outro; num total processo de equivaléncia semai tica. Temos entdo:'um homem = sert#o = Deus = diabo: “Jagungo € 0 sertdo” (p. 236). “— Vocé € o Sertao?!” (p. 448). “Sertdo tem medo de tudo” (p. 237). “Sertao € 0 sozinho” (p. 235). “O sertdo é uma espera enorme” (436). “Sertdo é quando menos se espera” (218). “O grande sertao é a forte arma. Deus é um gatilho?” (p. 260). “Deus mesmo, quando vier, que venha armado!” (p. 18). “Satando! Sujo! ... ¢ dele disse somentes — ... Sert#o Sert4o” (p. 448). Visto anagogicamente, o sertéo € 0 agente que provoca a grande e total integragdo de todos os elementos que o compdem. Vai além de suas dimensoes fisicas, reunindo os animais da terra, as aves do céu, os homens, Deus e 0 diabo, para colocar tudo sob o dominio do sonho maior do homem. O mal acaba sendo vencido e usado pelo bem e Deus fica como 0 dono do sertao: “O sertao é dele” (p. 380). 3.2 A travessia A vida do homem em GSV € vista como uma viagem do inferno para 0 céu. Riobaldo repete a viagem de Dante, conduzido por Diadorim, que na sua ambigtii- dade pode representar ao mesmo tempo a figura feminina de Beatriz, que vai da terra para 0 céu, como a figura masculina do filho de Deus, que vem do céu para a terra, Como mulher, Diadorim procura salvar Riobaldo, leva-lo para o céu, afas- té-lo do mal; “Diadorim me chamou pegando em meu brago.... temeu por minha salva¢4o, 4 minha perdigo, Ou foi que minha Nossa Senhora da Abadia mandou que assim Oroanon. Porto Alegre, 15 (15); 12941, 1986 135 o livesse de ser? Mas Diadorim tirou 0 agoite de minha ago, ele me puxou, eu segu- Jado, 0 propésito para trds” (p. 351). Como filho de Deus, Diadorim leva Riobaldo a combater e vencer o mal: “Esse menino, e eu, ¢ que éramos destinados para dar cabo do Filho do De- mo, do Pactario” (p. 310). es, iota ele em qualquer parte eu embarcava, até na prancha de Pirapora!” p, 232). Nao € dificil também associar a figura de Joca Ramiro, 0 pai de Diadorim, 4 imagem de Deus. Ainda que Joca Ramiro seja morto por Hermogenes, filho do diubo, ele possui o mesmo atributo essencial de Deus, a auséncia-presenga. Fisi- Gumente ausente, quer em viagem por outras terras, ou mesmo depois de morto, Joon Ramiro esta presente em espirito, principalmente na figura de Diadorim, o filo que esta a servico do pai Mesmo quando fisicamente presente, Joca Ramiro parece ter atributos de fuséneia: “(Joca Ramiro) nem tinha mais outra coisa em que se reparar. A gente olha- Wi tem pousar os olhos ,.. E, quando ele sata, 0 que ficava rhais na gente, como agra- ilo em lembranga, era a voz. Uma voz sem pingo de ditvida, nem tristeza. Uma voz que eontinuava” (p. 190). Guiado por Diadorim, Riobaldo realiza sua grande travessia. O inicio da via- fem ¢ 0 inferno, o mal. O homem nasce decafdo. As referéncias sobre 0 pecado ori- yinal do homem sao bastante claras no texto: “A gente viemos do inferno” (p. 40). Riobaldo, no come¢o da histéria, estd ainda sob o comando de Hermége- fies, pactdrio do diabo, rastejando no cho junto as cobras dentro da noite, sem Olhar para o céu: i “Mas, digo ao senhor, cu nfo olhei para o céu. Nao queria. Nao podia” (p. O sentido da viagem, da travessia, € no entanto para cima, com o inferno winbuixo da gente e o céu no alto: “Qual 0 caminho certo da gente? Nem para a frente nem para tris: 86 para wlmna” (p. 74). A vida do homem esta portanto colocada entre o inferno e o céu, entre a wiitidi @ a chegada. A vida € 0 momento da travessia. E na travessia que estd a rea- lidude do mundo: “Digo; o real ndo esta na saida nem na chegada: ele se dispOe para a gente é 10 melo da travessia” (p. 52). “A caminhada é assim, é ser” (p. 281). A travessia, a vida como uma viagem, é sempre cheia de perigos. Perigos e Wengas que podem vir ndo sé de fora da gente, de um inimigo externo, mas tam- {iin amengadas que podem vir de dentro da gente. i Trav ali, podia ser perigosa, com tantos soldados vizinhantes” (p. © maior perigo, no entanto, vem de dentro. O proprio homem pode se perder nu travessia: “Agwuz 0 senhor sabe: a gente quer passar um rio a nado, e passa; mas val div 0 Out banda é num ponto muito mais em baixo, bem diverso do que Primero Ke pensou, Viver nem ndo é muito perigoso?” (p. 30). iy Organon, Porto Alegre, 15 (15): 129-41, 1986. A imagem da travessia do rio como simbolo da travessia da vida ¢ uma cons- ie tante da obra. E Diadorim que leva Riobaldo a grande travessia do Sdo Francisco, com suas dguas traigoeiras, ariranhas e canoas que afundam. E Diadorim que ensi- na a Riobaldo o segredo da travessia: “Carece de ter coragem...” (p. 33). Ligdd que Riobaldo aprende e devolve a Diadorim-mais tarde numa ‘outra travessia: “Vau do. mundo é a coragem” (p. 232). , Na travessia, além de coragem, também é preciso ter’nogdo do destino maior do homem. A travessia é afinal um fato passageiro — real, importante, decisivo — mas, no fundo, passageiro. Riobaldo tem éssa nogdo. B diferente dos outros ja- gungos, nao limita seus horizontes ao murfdo imediato dos sentidos, procura neste mundo o transcendental: wot “Bu atravesso as coisas — ¢ no meio da travessia ndo vejo! — sO estava era en- tretido na idéia dos lugares de saida e de chegada” (p. 30). % ‘A travessia é uma viagem de ida sem volta. A medida em que vive o homem: constantemente atinge etapas das quais no ha retorno. Riobaldo, na sua grande aventura, ndo recua diante do desconhecido. Vai em frente, arriscando até sua al- ma, sentindo que nao tera oportunidade:de recuar e recome¢ar no ponto em que se desviou do caminho. Travessia implica justamente numa ida sem volta: “Seré que tem um ponto certo, dele a gente ndo podendo mais voltar pa- .. ra tris? Travessia da minha vida ” (p.°220). ‘ Podemos dizer que GSV se divide em dois tipos de personagens: os némades e os sedentdrios. Os sedentdrios sfo os personagens menores, que existem apenas para alimentar os némades, dando-thes comida para o corpo e, as vezes, também al- gum alimento para o espirito. Sdo geralmente pontos de parada e descanso para os nomades. A personagem sedentéria mais importante talvez-seja Otacilia, uma espé- cie de destino provisorio para Riobaldo, um destino menor, reflexo apenas do gran- de destino do ser humano que ¢ a eternidade: é ‘ Os grandes personagens de GSV sao os némades, constantes andarilhos atra- vessando o ch4o do sertdo como os passaros que atravessam 0 céu: fonk “Homem viaja, arrancha, passa::muda de lugar e de mulher, algum filho.¢ © perdurado. Quem é pobre, pouco se apega, é um giro-giro no vago dos gerais, que nem os passaros de rios e lagoas” (p. 35). Fite A ultima palavra de GSV 6 “travessia’’, seguida de um sinal de infinito. Nes- sa travessia para o infinito, a imagem do pdssaro voando nas alturas, voando sem- « pre, mesmo apés a queda, cantando ausente ou anunciando a chegada da luz do dia, * sfo elementos que também podem ser considerados como simbolos do desejo infi- nito do homem na sua grande travessia. Alguns exemplos do texto: “Aquela visdo dos pdssaros, aquele assunto de Deus, Diadorim eta quem ti- nha me ensinado” (p. 146). E “Passarinho cai de voar, mas bate suas asinhas no chao” (p. 121). “$6 os passaros, passaros de se ouvir sem se ver” (p. 241). “O dia vindo depois da noite ~ esse ¢ 0 motivo dos passarinhos ...” (p. 370). O ser humano deseja as alturas, como os passaros. Riobaldo, se em outros , momentos desejou levar todos para o céu, depois do pacto, sobe 0 monte sozinho, tentado pelo diabo que conhece os desejos intimos dos homens, Como fez com Cristo, 0 diabo leva Riobaldo ao monte para oferecer o poder do mundo. “Tinham Organon, Porto Alegre, 15 (15); 12941, 1986. 137 i dado em mao © brinquedo do mundo” (p. 332). A negagao do desejo, o infer- 110, est para baixo, assim como a realizagdo total do desejo humano, © céu, estd ~ pari cima, ‘Nessa viagem transcendental de baixo para cima, os rios também podem ser importantes, ndo apenas como simbolo da travessia mas também como reflexo do 0d, Rios podem ser pedagos do céu na terra. Refletem nao s6 a cor do céu, mas também o sol que esté no céu. “Bu olhava e me sossegava mais. O sol dava dentro do rio” (p. 111). f 0 sol que Riobaldo vé refletido nos olhos de Diadorim — “Vi um sol de logte.., nos olhos de Diadorim” (p. 189) — ¢ em Otacilia: “no fim eu casava des- pomdo com Otactlia — sol dos rios... (p. 412). Otacilia, sendo da terra, poderd voMO UM rio, refletir apenas o sol divino que vem do céu, Em Diadorim podemos Wipecular que o sol vem de dentro, pelos olhos, que so o espelho da alma. Diado- sin, 40 contrdrio de Otacflia, nao reflete o sol, mas contém 0 sol dentro de si. Riobaldo, ainda que companheiro de travessia de Diadorim, pertence, no “fundo, mais a espécie de Otacilia; forma com Otacilia um par — dois géneros dife- yontes da mesma espécie. Enquanto que com Diadorim, forma um par do mesmo yénero (Diadorim, enquanto vivo, é homem) e de espécie diferente. Diadorim nao ence A espécie humana, nao faz o que os outros homens fazem, paira num pla- 10 superior, se ndo divino, pelo menos angelical. Tal como um anjo, por exemplo, “Diidorim, por ser tanto homem como mulher, acaba no sendo nem homem nem mulher, ‘As diferengas entre Riobaldo e Diadorim sfo sentidas pelo proprio Riobal- io, Ao contririo de todos os outros companheiros, que nada parecem perceber de ‘diferente quanto a natureza de Diadorim, Riobaldo pelo menos pressente qualquer solma: "Dols rios diferentes — era o que nds dois atravess4vamos?” (p. 268). Diadorim se associa a Riobaldo para combater o mal. Uma vez cumprida a ~ wiltafo, com a morte de Hermégenes, Diadorim vai para junto do pai. Riobaldo fica tem Diadorim e casa-se com Otacflia, decis4o que ja tinha sido tomada antes da ‘sorte de Dindorim, A imagem dos rios € retomada: , “Diadorim — ele ia para uma barida, cu para outra, diferente; que nem dos Hiejos dos Gerais, sai uma vereda para a nascente ¢ outra para 0 poente, riachinhos mM ‘apartam de vez, mas correndo, claramente, na sombra de seus buritizais...” 42), O texto dd margem 4 interpretagdo de que os dois companheiros de tra- ~ Yeweli, ainda que percorrendo caminhos opostos, pelo fato de serem rios, deve- io s@ encontrar em algum lugar, nem que seja no mar da eternidade. O homem, ols, poderd assim, no fim da travessia, reunir-se finalmente a Deus. AA A renovagio da vida Hlinbora Riobaldo beba de todas as religides, as referéncias do texto parecem Jemullur, de proferéncia, as idéias da reéncarnagao. Viver é um processo de purifica- ‘pile onde as pessoas, impuras e defeituosas no principio, vao aos poucos se aperfei- ~ goindo, na longa viagem que encetam do inferno para o céu. Ninguém morte defi- Hilivamente, a morte fisica é apenas o fim de uma etapa, o fim do corpo mas nao o fit do eapirito, que renasce num outro corpo, A idéia da reencarnagao esta expli- i” Organon, Porto Alegre, 15 (15); 129-41, 1986 cita no proprio texto, principalmente nas constantes referéncias ao personagem Quelemém, seguidor da doutrina de Alan Kardec. Corpo e espirito so duas coisas bem distintas em GSV:; 0 corpo perece, mas o espirito é imperecivel. O corpo nasce de outro corpo e 0 espirito nasce de um grande espirito primitivo, malévolo, representado pela figura mitolégica do diabo. Cada espfrito é, portanto, no inicio, uma parte do diabo. Depois, através de suces- « sivas reencarnagées, vai se aperfeigoando até, no fim da viagem, fazer parte de Deus. Esse aperfeicoamento é, em primeiro lugar, um processo longo e demorado: “Por isso dito, é que a ida para o céu é demorada” (p. 20). “Vocés, tém paciéncia, meus filhos. O mundo é meu, mas ¢ demorado” (p. 447). we Em segundo lugar, o aperfeigoamento ndo se dé de maneira uniforme nas diferentes pessoas; enquanto que uns estdo apenas saindo do inferno — “baixos espiritos descarnados” (p. 10) — outros j4 esto perto do céu. Algumas referéncias explicitas do texto: “Mire ve} esto sempre iguai do” (p. 20-1). “por perto do Céu, a gente de alimpou tanto, que todos os feios passados se exalaram de ndo ser.” (p. 20). “Aquele homem, para mim, ndo estava definitivo” (p. 144). A consciéncia da necessidade de se aperfeigoar cria em Riobaldo 0 desejo de perfeicdo: “Um ainda ndo é um” (p. 142). “Bu ainda nao era ainda” (p. 296). “Uma coisa, a coisa, esta coisa: eu somente queria era ficar sendo” (p. 318). “Bu queria ser mais do que eu” (p. 318). Na longa viagem da purificacdo espiritual Riobaldo parece ocupar 0 espaco intermedidrio entre o diabo-Hermégenes e 0 Diadorim filho de Deus. Se Hermége- nes est4 ainda no estado provisorio, ¢ Diadorim ja alcangou o estagio definitivo, Riobaldo esté exatamente no momento da viagem em que se dé a travessia espiri- tual do provisério para o definitivo. Se na vida relatada em GSV Riobaldo ainda pertence aos dois tipos de homem, ¢ provavel que quando renascer, na outra vida, ja vai pertencer a categoria dos homens definitivos. As sugestdes do proprio texto, embora pairando entre 0 irdnico e o mitico, dao margem a essa interpretacdo, principalmente no epis6dio da mulher que 6 con- segue dar a luz com a intervencdo milagrosa de Riobaldo cujas ordens s4o as seguin- tes: “Toma (0 dinheiro), filha de Cristo, senhora dona: compra um agasalho para esse que vai nascer defendido e sao, e que deve se chamar Riobaldo...” (p. 353). Is- to €, renasce Riobaldo, agora detendido e sao, certamente ndo mais jagungo, no mau sentido da palavra: “A verdade que diga, eu achava que ndo tinha nascido para aquilo, de ser sempre jagungo nao gostava” (p. 53). Hé no sert@o os meses de chuva ¢ os meses de seca, os rios e os desertos, a gua c o fogo. O fogo esta principalmente na boca dos fuzis, possivelmente simboli- zando mitolégicas espadas de fogo na luta contra 0 deménio, de cujo manejo Rio- baldo -- Tatarana e Urutu Branco — é 0 mais ex{mio. mais importante ¢ bonito do mundo, ¢ isto: que as pessoas ndo , ainda ndo foram terminadas — mas que elas vio sempre mudan- Organon, Porto Alegre, 18 (15): 129-41, 1986, 139 A digua pode ser nao s6 um simbolo de purificag#o como o fogo, mas tam- tum sfmbolo de renovacao e eternidade: “‘... um rio é sempre sem antigiiidade”. 113), Ao contrério das coisas que apodrecem a agua sempre pode correr lim- i. © incorruptivel: “‘Aonde iam ter sortimento de veneno, para aguas corren- 4 Corromper?” (p.264). “Santas aguas” (p. 45). O serto das aguas é o sertdo verde, o sertZo que renasce com a chuva depois ile cada seca, O verde, porém, pode ser mais do que um espirito dentro da arvore # que ressuscita com a chegada da estagdo das chuvas; 0 verde do sertdo pode simbo- lisar também a ressurreigdo de Diadorim. Os olhos “botados verdes, de folhudas naa!’ (p. 81) oferecem esta possibilidade. O proprio texto procura fazer a jun- 19 dog olhos verdes de Diadorim com o verde do sertdo: “Djadorim, os rios verdes” (p, 235). “Diadorim, Diadorim, oh, ah, meus buritizais levados de verde” (p. 453). Com a morte de Diadorim segue-se um periodo de seca. Meses depois, po- im, “deu o verde nos campos” (p. 457). Diadorim morre mas ressuscita, revive ei todo © gertio cada vez que o verde renasce nas drvores. 4 CONCLUSAO Vimos, neste estudo, alguns elementos de GSV que possibilitam uma inter- ilo anagogica da obra, Vimos que esses elementos podem ser explicitos Mplicitos, Entre os elementos explicitos temos as referéncias diretas a religido, a Deus #10 digho, Deuis eo diabo, ainda que fisicamente ausentes, estdo presentes em espi- 1il6 @ CoMandam a agdo dos personagens. Na luta que se trava entre as forgas do hom @ at forgas do mal, nao sé vence o bem como ainda se serve o bem do proprio mul para yencer, A idéia fundamental parece ser a de que o mal é necessdrio para se ‘hogar ao bem. 86 a feitira ou a ameaca do mal pode levar o homem a buscar o bem. bintre os elementos implicitos temos 0 sertao como um simbolo do um- -yerie, & Viagem do homem no sertdo representando a viagem eterna do inferno para (ef (Lravossia), ¢ a ressurreigdo do espirito apés a morte do corpo, representada sinbolioamente em varios episddios de GSV. ‘| Os personagens de GSV so seres que estdo de passagem pelo sertdo, viven- de momentos decisivos de suas vidas, O resultado de seus atos ndo se limita sl@nela terrena, mas se projeta para a eternidade. O que acontece na narrativa -# Ilo importante ¢ to decisivo que nem poderd acontecer de novo. O que Riobal- ‘di HArtH aasUMe proporgdes apocalipticas: sv “Acho que nem coisas assim acontecem mais. Se um dia acontecerem, 0 ‘suinide s@ acaba” (p. 220). A travessia ffsica de cada personagem no sert@o projeta-se como uma som- ‘1 pars 0 egpago © se amplia infinitamente tentando conter 0 sonho total da huma- Widade, desde a total negagdo do desejo — o inferno — até a total realizado do so- , fepresentado pelo céu, Do lado concreto, por exemplo, temos Riobaldo, um #GO Atravessando o sertdo; do lado espiritual, temos sua alma viajando do in- 1 pura oO edu, O inferno & para baixo, uma espécie de grande massa espiritual maléfica, de ‘onde, folalmente impuras, vo subindo as Almas, No comego da viagem s6 prati- 140 Onumnon, Porto Alegre, 15 (15): 129-41, 1986 ae i cam o mal. Mas o mal que praticam leva as outras almas, que ja estdo mais para ci- ma, a praticarem o bem. Cada alma, ainda que muito lentamente, e com muitos tropecos e recaidas, vai lentamente se purificando e subindo. Um dia, cada uma dessas almas chega a uma etapa decisiva de onde se bandeia para o céu, ¢ continua subindo, até fazer parte de Deus. E 0 que parece ser, resumidamente, uma visdo ana- gogica de Grande Sertéo: Veredas. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA. 1 ADAMS, Hazard, ed. Critical Theory Since Plato. New York, Harcourt Brace Jo- vanovich, 1971. 1267p. 2 FRYE, Northrop. Anatomy of Criticism: four essays, Princeton, Princeton Uni- versity Press, 1957. 392p. = 3 ROSA, Jofo Guimaries. Grande Sertéo: Veredas, 6.ed. Rio de Janeiro, José Olympio, 1968. 460p. : Enderego para correspondéncia: Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Ay. Bento Gongalves, 9500 91500 Porto Alegre, RS, Brasil. Organon, Porto Alegre, 15 (15); 129-41, 1986, 141

You might also like