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ree, \ Paes ye, a © 2009 by Eugénio Cunha Gerente Editorial: Alan Kardec Pereira Editor: Waldir Pedro Revisio Gramatical: Luciola Medeiros Brasil Capa e Projeto Grafico: 2éBomDesign Dados Internacionais de Catalogacao na Publicacdo (CIP) c977a Cunha, Eugénio ‘Autismo e inclusdo: psicopedagogia praticas educativas na escola e na familia / Eugénio Cunha, - 4, ed. - Rio de Janeiro: Wak Ed., 2012. 140p.: 21cm Inclui Bibliografia ISBN 978-85-7854-042-5 1. Criangas autistas - Educacdo. 2. Autismo. 3. Inclu- sio Escolar. 4, Educacdo especial 5. Criancas autistas - Relacdes com a familia. I, Titulo. 09-1400. DD 371.94 CDU 376.43 2012 Direitos desta edigao reservados a Wak Editora Proibida a reproducdo total e parcial. Os infratores serdo processados na forma da lei WAK EDITORA Av.N. Sra, de Copacabana 945 —sala 107 ~ Copacabana Rio de Janeiro ~ CEP 22060-001 - R} Tels.: (21) 3208-6095 o 3208-6113 Fax (21) 3208-3918 wakeditora@uol.com.br os amigos da WAK, 0 meu apreco. A Aurora, a minha gratidio. A Jesus, Mestre dos mestres, todo 0 mérito, Sumario Herdissolitérios, mas sempre aprendentes ......sse01 UH 15 Prefacio 1 —Para conhecer e identificar 0 autismo 19 20 que 0 educador precisa saber? 31 3 —O que construir com o aprendente autista? 51 4— Um currfculo com atividades funcionais.. 37 5 —Comunicagio, meméria e atengao ... 7 6 — Escola e familia 87 95 7 — Professor, escola ¢ incluso . 8 —A contribuigao da Psicopedagogia .... 103 ‘9—Na incluso, uma palavra de amor ....sssesee-seeeeee MIS Referencias ......esceeeessseessssnsssse 121 sAnecta ffssbai soc thieccieet rater egg solitarios, mas também aprendentes “Ose sonhar os sonhos mais impossives. Lembre-se de que, se voo’ conseguir a metade de sua meta, ir olhar para tris e veri o caminho que abriu para o curso da humanidade?” Waldir Pedro Kim Peek nao consegue abotoar os botdes de sua cami- sa. Para tarefas simples do dia a dia, depende da ajuda dos, outros, No entanto, sua habilidade para leitura e memoriza- Go é descomunal, ao ponto de guardar os cédigos postais das principais cidades dos Estados Unidos e memorizar os livros que Ié: jésiomais de sete mil obras. Tao dificil quanto fazé-lo, aprender as tarefas simples da vida didria ¢ inclui-lo nasrela- ‘Bes sociais. Foi inspirado ncle © personagem que Dustin Hoffnan interpretou no filme Rain Man. Assim como Peek, muitos autistas, classiicados como de alto funcionamento, "1 ‘msm € etwsio demonstram-se embaragacios no convivio social. Possuem dificuldades para interpretar emogies dos outros e para expressar as proprias, Por outro lado, alguns, sem nunca terem estudado, conseguem aprender, em questo de minutos, 0 que uma mente normal levaria dias ou talvez meses, Observam, por alguns momentos, 0 objeto de estudo e guardam os mini- mos detalhes. Suas regras de raciocinios sio impossiveis de serem compreendidas pela mente de pessoas tipicas. Mas, nem todos os autistas tém uma mente prodigi- osa. A grande maioria nio ¢ assim, Entretanto, todos tém uma acentuada dificuldade de interagao social. O autismo possui diferentes niveis de gravidade e esté relacionado com outros sintomas que comegam na infincia. HA casos severos de alteracio comportamental, mas é absolutamente certo que o diagndstico precoce, o tratamento especializa- do ea educagao adequada propiciam mais independéncia e melhoram a qualidade de vida em qualquer nivel do au- ismo, tornando a interagio entre escola e familia alta- mente relevante, © que pretendemos tratar neste livro, sem a ilusbria pretensio de esgotar o assunto, so algumas priticas educati- vas em uma abordagem psicopedagégica, Compreendemos que um estudo sobre um tema de tamanha complexidade, mas tio pertinente & educagao, nio poderia deixar de ressal- tar 0 que dizem as pesquisas médicas com referéncia 20 qua- ro clinico da sindrome. Entretanto, achamos mais apropriado dar mais énfase ao trabalho pedagégico, com a intervencao da Psicopedagogia, como ajuda aos professores de escolas in- clusivas ou especiaise, também, aos pais. 12 ‘eugénio cunha E preciso primeiro conceituar a palavra inter vengio”, {que usaremos, algumas vezes, neste trabalho. inter vengo {que propomos aqui se aplicaa situagdes disruptivas que es- torvam os processos de aprendizagem. O psicopedagogo intervém na situacio e nao no individuo, j& que este dltimo importante que a su- € 0 gestor do seu aprendizado. M: gestio de exercicios especificos ¢ a comunicagio da essén- cia que deve haver em cada atividade, que precisa atender 4s distintas necessidades do aluno, possibilitando ao profes- sor expressar sua criatividade com sensibilidade eamor. Per- cebe-se que a criatividade ¢ a sensibilidade norteiam movimentos que visam tornar 0 espago escolar essencial- mente afetive para professores ¢ alunos. Verificamos na pritica docente as dificuldades que ha para a claboragio de um curriculo com atividades adequa- das e funcionais, O que é mais importante fazer? Como ca tivar aatengao? E possivel educar? E possivel aprender? Essas indagages, apesar de comuns, revelam o desejo de propor- Gionar uma educagio prazerosa € com qualidades sociais, académicas eafetivas, que oferega mais autonomia. As abordagens pedagégicas em pessoas com autismo io de base comportamental. No entanto, nao visa apr ond-lasa condicionamentos especificos, antes, tentam livré las das limitages comportamentais que lhes trazem dano. © autismo requer do professor estudo, preparagio € dedicagao, Para além da condigio limitrofe do autista, estaré a sua condigo humana € os seus atributos e a sua natureza de aprendente. Para além das nossas atribuigdes de ensinantes, estara a nossa capacidade de educar pelo nosso exemplo e amor. 13 No final da leitura, ser possivel perceber que a es- séncia ¢ 0s conceitos que fundamentam as priticas edlucat vas propostas neste livro aplicam-se em qualquer. contexto da educagao e sio adequados a qualquer aluno. Esta conclu- so foi um dos motivos que me levaram, como educador, a Pesquisar 0 autismo, porque a inclusio escolar comega na alma do professor, contagia seus sonhos ¢ amplia seus ideais. A utopia pode ter muitos defeitos, mas, pelo menos, uma virtude tem: ela nos faz caminhar, Boa leitural 4 Prefacio Acredito sempre que nunca devemos desistir de nin- aguém e que milagres, todos os dias, acontecem e nds, sim- ples mortais, estamos sempre buscando esses milagres.A fé é fundamental e, quando temos fé, acreditamos realmente naquilo que fazemos, ¢ 0 milagre da vida pode acontecer. Estamos sempre fazendo e presenciando esses milagres Eugénio Cunha & uma dessas pessoas que acredita em sie em seu potencial que é realmente muito grande para demonstrar o que pode e deve fazer © assim fazer as coisas acontecerem, Novamente coloca em pritica aquilo que sabe por meio demais este livro, Autismo e incluso: Psicopeda- gogia e praticas educativasna escola ena familia, Ele mostra com muita propriedade que nao existe o fundo do pogo para a inteligéncia humana e que hé sempre uma saida que ‘qualquer um pode enxergar, és desejar Sua preocupagzo sempre ¢ buscar a felicidade nos li- vwros que escreve, pois sabe que, de certa forma, consegue transmitir eoferecer pazdqueles que buscam respostas e se 18 ‘ura meso tranquilizam com o que Ié, Ele sabe que hi mais mistérios entre a emogio e a razio do que jamais sonhou a mente de alguém, Por isso, ele ama o mundo das ideias ¢ coloca em Pratica o que pode ser visto e demonstrado. Este livro demonstra bem o que se pode buscar como solugGes ou alternativas para se viver melhor. Eugénio Cu- nha revela com muita serenidade e conhecimento que, quan- do alguém bloquear ou se for encontrada uma porta bloqueada, ndo se deve gastar energia com qualquer con: fronto, é s6 procurar as janelas. Os obstéculos existem e acontecem, nao devemos discutir, é s6 contorné-los. Ant@nio Eugénio Cunha, jornalista, psicopedagogo e professor, atua na educago de criangas com dificuldades de aprendizagem e autismo ¢ tenta dissolver mitos e precon- ceitos em relagao as criangas autistas, Sua experiéncia acu- mulada na vida o fortalece em relagio maneira de enfrentar © desconhecido, levando outros a reflexdes, fazendo seu leitor ir em busca de explicagiies. Este livro é mais um passo em uma saudavel evolu- ‘0, busca e do prazer de querer saber cada vez mais. Tira 0 Privilégio de poucos ¢ leva a muitos o conhecimento dese- jado, Sua contribuigao facilita a transformacao de mauitas dificuldades em crescimento e porque nao dizer, em alivio, Trata-se de um caminho de vida, de uma peregrinagao para a descoberta de muitos caminhos ¢ com muitos desafios. O autor tem uma lbgica, ele divide as conquistas para aumen- tar sempre, multiplicando a felicidade ends ganhamos, pois a vontade de escrever mais passa a ser maior. O tratamento do autismo é de fato ter conhecimento ce saber fazé-lo, mas, acima de tudo, Eugénio Cunha revela 16 eugénio cunho {que omais importante é saber trati-lo com uma profunda e importante dose de amor sem o rango do preconceito, com emogio e doagio onde os sentimentos se unem aumarefle- xo para melhor compreendermos o universo de pessoas como 0s autistas € suas familias. Ele sinaliza que o melhor caminho € 0 didlogo e, dessa forma, consegue-se transitar por fronteiras difusas, ¢ isso, muitas vezes, sio fatores que preocupam educadores e a propria sociedade. Para os profissionais e os familiares, este livro faci- lita 0 reconhecimento dos erros ¢ das falhas que muitos, cometem, mas também os faz reconhecer seus limites © corrigir suasrotas, Mostra o quanto devemos ser decidi- dos e que podemos vencer a grande corrida da vida, mostrando uma coragem arrebatadora para entrar neste jogo de muitas saidas. Conhecer ¢ identificar autismo, mostrar 0 que 0 educador precisa saber, revelar o que construir com a cri- anga, oferecer um curriculo de atividades funcionais, falar sobrea familia ea escola, facilitar o conhecimento da escola inclusiva, doambiente inclusivo, apontar a contribuigao da Psicopedagogia e nao esquecer de uma palavra de amor & 0 que este livro oferece para cada um manifestar 0 desejo de lutar, insistir, nunca retroceder, nem desanimar na tentativa de alcangar ameta que se pretende alcangar. sucesso dessa obra esti no amor e no entusiasmo «que ela foi realizada, esto Eugénio Cunha, movido pela fé pelo amor, faz com que cada momento se transforme e se movimente com bastante tenacidade, aleangando 0 éxi- to que esta Sirmemente determinado, a fim de chegar meta almejada Fatima Alves ¢ fonoaudidloga, psicomotricsta, presidente 4a Associagio Brasileira de Psicomotricidade e professora de Pés-Graduago no “Instituto A Vex.do Mestre” da Universida- de Candido Mendes. E autora dos livros “Como aplicar a Pi comotricidade”, “incluso: muitos olhares, virios caminhos ¢ tum grande desafio”, “Para entender Sindrome de Down" “Psicomotricidade: corpo agio e emogio", todos publicados pela Wak Editor, i= Para conhecer e “Mas o que & realmente autismo? Essa pergunta nio & tio ficil de responder, pois ndo se conseguiu, até hoje, uma definigio © uma delimitagzo consensual das terminologias sobre ele. A multiplicidade das terminologias fenomenoldgicas , respectivamente, seus sinénimos demonstram a complexidade do problema e a diversidade dos principios de cxclarecimento existentes até hoje” José Raimundo Facion. Aparecendo nos primeiros anos de vida, provenien- te de causas genéticas ou por uma sindrome ocorrida du- rante 0 periorlo do desenvolvimento da crianga, 0 autismo possui no seu espectro as incertezas que dificultam, na maioria dos casos, um diagndstico precoce. Ele tem de- mandado estudos e indagages, permanecendo ainda des- conhecido de grande parte dos educadores. Nao ha padrio 19 ‘risa wewsio fixo para a forma como ele se manifesta, ¢ os sintomas variam grandemente, © termo autismo origina-se do grego autés, que signi- fica “de si mesmo”. Foi empregado pela primeira vez pelo psiquiatra suigo E. Bleuler, em 1911, que buscava descre- ver a fuga da realidade e o retraimento interior dos pacien- tes acometidos de esquizofrenia, O autismo compreende a observagio de um conjunto de comportamentos agrupa- dos em uma triade principal: comprometimentos na comu- nicagio, dificuldades na interagio social e atividades restrito-repetitivas, O DSM-IV-TR (Manual Diagnéstico ¢ Estatistico de Transtornos Mentais), publicado pela Ameri- can Psychiatric Association, ¢ 0 CID 10 (Classificagao Interna- ional de Doengas), da Organizaco Mundial de Satide, si0 consoantes ao descreverem o autismo, Leo Kanner, psiquiatra austriaco, naturalizado ame- ricano, publicou as primeiras pesquisas relacionadas ao au- tismo em 1943. Ele constatou uma nova sindrome na psiquiatria infantil denominada, a principio, de distarbio autistico do contato afetivo. A denominacao de Kanner deveu-se & observagio clinica de criangas que no se en- quadravam em nenhuma das classificagiies existentes na Psiquiatria infantil, Kanner obser vou criangas com uma inabilidade no relacionamento interpessoal que a diferenciava de outras patologias, bem como atrasos na aquisicao da fala e-difi- culdades motoras. Ele definiu o autismo como uma pato- logia que se estruturava nos dois primeiros anos de vida, 0 que ocasionou 0 interesse da Psicanilise nas relagdes da mie com o bebé. eugénio cunha O CID 10 classifica o autismo como um dosTranstor- nos Invasivos do Desenvolvimento, O manual aponta, tam- bem, outros distiirbios com quadros autisticos: + Sindrome de Asperger: difere do autismo clissi- co, principalmente por no ocorrer retardo men- tal, atraso cognitivo e consideravel prejuizo na linguagem, Apesar de no haver o retraimento pe- culiar autistico, a crianga, entretanto, torna-se tam- bém muito solitéria, Desenvolve interesses particulares em campos especificos, modos de pen- samentos complexos, rigidos e impermeaveis a no- vas ideias. + Autismo Atipico: esta categoria deve ser usada quando existe um comprometimento grave e glo- bal do desenvolvimento da interagao social, da co- .g0 verbal e nao verbal ¢ a presenga de \teresses e ati- muni estereotipias de comportamentos, vidades, no satisfazendo os critérios para a classi- ficagio de Transtorno Autista, em vista da idade tardia de seu inicio. + Transtorno de Rett: proveniente de causas desco- ah de Rett érelatado até o momento em apenas criangas do sexe feminino, Ocorre pelo desenvolvimento pro- gressivo de milltiplos deficits especificos apos um pe- riodo de funcionamento normal durante os primeiros meses de vida, Possui severo prejuizo no desenvolvi- {das e com severo retardo mental, OTranstorno a ‘ums € musi mento da linguagem expressiva e receptiva, aliado a um grave retardo mental e psicomotor, além da pro- babilidade da incidéncia de convulsdes. + Transtorno Desintegrativo da Infancia: & muito mais aro que o autismo, com sintomas semelhantes ao de Rett, mas incide predominantemente em meninos e, geralmente, éacompanhado de retardo mental. “Euma rregressio pronunciada em miiltiplas dreas do funcio- namento, aps um periodo de pelo menos dois anos (até antes dos dez) de desenvolvimento aparentemen- tenormal” (BAPTISTA & BOSA, 2002, p. 46).No pe- riodo que antecede a doenga, a crianga pode se tornar invequieta, irritivel, ansiosa e hiperativa. Ocorre 0 empobrecimento e a perda da fala e da linguagem, e & acompanhado por desintegrago do comportamento As criangas diagnosticadas com Sindrome de Asper- ger sio consideradas por muitos como autistas de alto fun- cionamento —as vezes, chamadas de savants (sdbios) —, ainda que alguns considerem esta sindrome como uma forma especifica e diferente do autismo. Williams e Wright (2008) utilizam o termo “Distiirbios do Espectro do Au- tismo” para abranger todas as criancas € os jovens com dificuldades relacionadas a0 espectro, pediatra Hans Asperger, em 1944, desenvolveu uma tese na Alemanha onde expds um conjunto de sinais semelhantes aos descritos por Kanner em criangas na ida- de de trés anos, o qual chamou de psicopatia autista (PE- 2 eugénio cunha RISSINOTO, 2003), porém, mais tarde, levaria o seunome, cobrindo caracteristicas que nao foram levantadas, inclu- indo casos de comprometimento organico. Asperger identificou semelhangas em varios pontos centre 0s dois quadros psicopiticos, mas ressaltou que as, criangas descritas em seu estudo apresentavam uma inteli- géncia superior e aptidio para a logica e a abstracio, ape- sar de interesses excéntricos. A maioria dos individuos de inteligéncia global normal, mas & comum que seja de- sarticulada, com habilidades raras e dificuldades extremas, A condigao ocorre mais corriqueiramente em meninos, em uma proporgio de cerca de oito garotos para uma me- nina, conforme o CID 10. ‘As pessoas com esta sindrome normalmente possu- em aptides matematicas e excelente memoria para guar- dar datas e numeros, desenvolvendo também obsessies compulsivas, O Transtorno de Asperger &, de quando em vez, retratado em filmes, como 0 caso de Kim Peek. Por niio apresentarem retardo mental ou problemas na fala, es- sas criancas podem levar uma vida com qualidade, mesmo ‘com alguma perda na drea socioafetiva. ‘Acreditamos que 0 conceito das priticas psicopedagd- ‘gicas propos.asneste trabalho pode ser aplicado a alunos com autismo clissico, independentemente do grau de severidade, bem como a alunos com a Sindrome de Asperger, pois se apoia nos seus atributos afetivos, para permitir sua autono- mia, Evidentemente, ao professor e aos pais, deverd haver a sensibilidade para promogio de atividades funcionais. O nos- 0 trabalho, longe de recalcar-se na rigidex do método, sus- tentar-se-Arta docilidade da cocréncia e na fluidez.do amor. 23 Quando se fala do transtorno autistico, ha uma con- cordancia para designar o deficit na trade comportamental, Os Ultimos avangos provenientes das pesquisas que busca vam aclarar o distirbio trouxeram a impressio de que havia um numero sempre crescente de autismo. Todavia, confor- me se descortinam as géneses desse campo controvertido deestudos, mais répido e precisamente ele é diagnosticado, © que pode dar a falsa impressio de uma incidéncia maior de casos, conforme afirma Assencio-Ferreira: E possivel que simplesmente sempre existiram virias crian- ‘5 com Autismo e no eram diagnosticadas; agora com o maior niimero de profissionas lidando com a saide infantil com melhores informagies é respeito, propiciou-se maior possibilidade de diagndsticos. (ASSENCIO-FERREIRA, 2008, p. 102) © autismo pode surgir nos primeiros meses de vida, ‘mas, em geral, os sintomas tornam-se aparentes por vol- ta da idade de trés anos. Percebe-se na crianga o uso in- satisfatério de sinais sociais, emocionais ¢ de comunicagao, além da falta de reciprocidade afetiva. A comunicagao nao verbal ¢ bastante limitada, as expres Ses gestuais so inexistentes, porque a crianga nao atri- bui valor simbélico a eles. Quando quer um objeto, utiliza mio dealgum adulto para apanba-lo, Nao aponta ou faz estos que expressem pedidos. Uma das maneiras mais comuns para identificar casos de autismo é verificar sea erlanga aponta para algum objeto ou lugar. A crianga au- tista tem dificuldade para responder a sin isuais e, 24 ‘eugénio cunha normalmente, no se expressa mimicamente, mesmo quando é estimulada. ‘A taxa média de prevaléncia do Transtorno Autista em estudos epidemioldgicos é de cerca 15 casos por 10,000 individuos, com relatos de taxas variando de 2 a 20 casos por 10.000 individuos, e € quatro a cinco vezes mais comum entre os meninos do que entre as meninas, independentemente de origem racial ou social, confor- me o DSM-IV-TR. Durante anos, aleitura psicanalitica enfatizou o papel da fungao materna e paterna no aparecimento do autismo. Hoje, sabe-se que 0 autismo nao advém dessa relagao. Cre~ dita-se 0 comprometimento autista aalteragdes biolégicas, hereditarias ou nio. Os pesquisadores de formagio psicana~ Iitica, que seinteressaram pelo autismo, objetivando ame- Ihoria do tratamento terapeutico, ao mesmo tempo em que tentavam descortinar os mecanismos psicolégicos atuantes, na sindrome, contribuiram grandemente para os estudos ‘que visavam clucidar o espectro. [A respeito das causas do autismo, ainda que nao se- jam satisfatoriamente conhecidas, alguns estudiosos acredi- 1s decorrentes de alteragbes tam que os fatores metabi bioquimicas so, de certa forma, submetidos aos efeitos do ambiente e modificados por ele, Em razo disso, existe uma grande preocupagio atual com a toxidade dos metais pesa- dos e a sua influéncia nos processos biolbgicos que levam, aos sintomas, Shaw enfatiza: Como dioguimico, exeio que qualquer doenga que tena um feito devastador no individu ests ligada a uma alteragio bio 28 quimica individual. A presungdo € que, se uma pessoa tem tuma doenga grave como 0 autismo, convulsdes ou paralisia cerebral, deve haver alguma alteracio n um out mais proces- 808 quimicos do corpo. (SHAW, 2002, p. 31) Osavangos da Neurociéncia e da Bioquimica possibi- litaram novas leituras, entretanto ainda falta um modelo te- rico mais abrangente para dar conta das diferentes formas de classificagio. Trata-se de um distirbio de desenvolvimen- to to complexo que nenhum modelo ou abordagem clini- «a poderia, por si mesmo, esgotar o assunto. Ainda nao ha total clareza a respeito do autismo. Por ser um transtorno, em muitos casos, com prejulzos orginicos, retardo mental, convulsdes e doengas genéticas comuns também em outras patologias, hd muitas incertezas a seu respeito. Para Schwartzman (2003), 0 grupo de Transtornos Invasivos do Desenvolvimento pode ser caracterizado como um conjunto de anormalidades qualitativas onde cabem outros disturbios, o que leva o profissional a ter dificulda- des para estabelecer um diagnéstico preciso. Além do mais, 6s sintomas podem exibir muitas variagSes de uma crianga Para outra, contribuindo para que se torne mais diflil tra- sar um perfil Unico e exclusivo, “As dificuldades parecem tornar-se maiores quando quadros clinicos de outras sin- dromes muito semelhantes conduzem a certas confusdes”, (FACION, 2005, p. 36) 28 ‘eugénio cunhs O comportamento autistico [As manifestagSes do autismo variam intensamente, dependendo do nivel de desenvolvimento ¢ da idade cro- nologica do individuo. Ferrari (2007) obser va que os testes de Ql em criangas autistas demonstram heterogeneidade & dispersio de resultados diferentes, ainda que aplicados em ‘uma mesma crianga. E notério que algumas criangas, apesar deretardo mental global, mostrem-se capazes de desempe- nnhos excepcionais em alguns campos muito especificos. Além de haver um acentuado comprometimento do ‘uso de miltiplos comportamentos nao verbais (contato vi sual, direto, expressio facial, posturas e linguagem corpo- ral) que regulam a interago social e a comunicagio, pode ‘ocorrer também atraso ou auséncia total do desenvolvimen- to da linguagem falacla. Nos individuos que chegam a falar, existe a chance de haver um acentuado comprometimento na capacidade de iniciar ou manter uma conversagio © a ecolalia, que éa repetigio mecénica de palavras ou frases. Em razio da combinagio de comprometimentos, que se observa também em outras patologias, 0 autismo deixa de ser visto como um quadro especilico para ser considerado uma sindrome que abarca subtipos variados. E um conjunto de sintomas iniciados na infancia, onde a capacidade para pensamentos abstratos, jogos imaginati- os e simbolizagio fica severamente prejudicada. Segundo Cavalcante ¢ Rocha (2002), as qualidades sensoriais ~ au- digo, visio, tato etc, —ficam reduzidas a um estado frag- mentado, dominado pela compulsio, repeticio e manuseio, de materiais ¢ objetos inapropriadamente, em razio do Fa avs € mcusio contato sensorial, com pouca ingeréncia cognitiva, A cri- anga cria estereotipias com os bragos ou com o corpo. Com efeito,a crianga cria formas proprias de relacio- hamento com o mundo exterior. Néo interage normalmen- tecomas pessoas, inclusive com os pais, e manuscia objetos insolitamente, gerando problemas na cogni¢o, com refle- xosna fala, na escrita e em outras éreas, © mundo exterior é estimulador para 0 aprendizado, Por intermeédio das suas relagdes exteriores, a crianga apren- de os nomes dos objetos, podendo ela utilizé-los de forma funcional ou simbolizar brincadeiras. A informagao torna-se conhecimento, Entretanto, no autismo, sua interagio social é Prejudicada, esses conhecimentos nao sao descor tinados ¢ os objetos passam a ter fungées apenas sensoriais, com pouca contribuisio cognitiva; a crianga passa ater dificuldade para simbolizar, nomear e, por conseguinte, passa a ter prejuizos na linguagem. A inteligéncia nao depende somente do que foi herdado, mas soma-se ao individu o que ele adquire nas suas relagdes com o mundo exterior, padrao de comportamento autistico tomaa forma deuma tendéncia que impoe rigidez e rotina a uma série de aspectos do funcionamento didrio, tanto em atividades no- vas como em hibitos familiares e brincadeiras. HA alguns sintomas cardeais que, percebidos precocemente na crian- 6, ajudam 0 reconhecimento do transtorno: + Retrair-se cisolar-se das outras pessoas. . Nao manter contato visual. + Resistir ao contato fisico. + Resisténcia ao aprendizado, 28 ‘eugénio cunha + Nao demonstrar medo diante de perigos reais. + Agir como se fosse surda. + Birras, «Nao aceitar mudanga de rotina. + Usaras pessoas para pegar objetos. + Hiperatividade fisica + Agitagio desordenada. . Calma excessiva. + Apego e manuseio nao apropriado de objetos. + Movimentos circulares no corpo. + Sensibilidade a barulhos. « _ Estereotipias. + Ecolalias. + Nao manifestar interesse por brincadeiras de faz de conta. + Compulsio, Em alguns quadros, hao acometimento de convulsdes, jaque oautismo pode virassociado a dversos problemas eu- roldgicos e neuroquimicos. E necessério realizar uma série de exames clinicos, avaliagSes ¢ andlises para se obter um numero suficiente de informagdes para maior precisio do quadro, Os médicos, os professores, os fonoaudiblogos, os terapeutas, 0 psicélogos ¢os familiares qu lida com este tipo de problema dependem do trabalho em conjunto para o cestabelecimento da educacio ¢ dos tratamentos adequados ‘A atuagGo dos profissionais da escola é fundamental, uma vez que muitos casos de comportamento autistico fo- ram percebidos primeiramente no ambiente escolar, Na es- cola, devem-se utilizar 0 afeto € os estimulos peculiares do 29 aluno para conduzi-lo a0 aprendizado, porque, na educa- 40, quem mostra o caminho & quem aprende e nao quem ensina. A observagao ¢ extremamente rclevante na avalia- ‘20 do grau de autismo. A observacio, sem divida, é 0 pr meiro passo para uma educagio com resultados, E importante observar e investigar 0 contexto dos comportamentos inadequados e as suas razdes. Para tanto, & pertinente responder as seguintes perguntas: + Como surge o comportamento? + Onde ocorre? + Quando ocorre? + Estérclacionado ao ambiente ou a algum obje- to ou pessoa? + E-decorrente de algum estado emocional da crianga? . Qual? +O comportamento esta relacionado a experi- Encias sensoriais? + Esté relacionado & quebra de rotina? + Esté relacionado as frustragdes, is ansiedades ou dalegria? Ennecessirio acuidade para uma pre a avaliagio das situagSes que causam as atitudes prejudiciais, porque clas fomentam o transtorno, limitando 0 aprendizado. O. pro- fessor nio deve esperar que 0 aluno com autismo diga para ele 0 que est acontecendo, O entendimento preciso dos Contextos comportamentais demandard permanente vigi- lincia, sensibilidade e perseveranga do educador. 30 i = 0 que o educador precisa saber ? “Descobrimos assim que a educagio nao € aquilo que ‘© professor dé, mas um processo natural que se esenvolve espontaneamente no individuo hurnanos que no se adquire ouvindo palavras, mas em virtude de experiéncias efetuadas no ambiente.” ‘Maria Montessori Uma crianga tipica aprende, por meio de brincadei- ras, com 08 pais, 08 colegas ¢ os professores na escola, Faz amizades e alquire habilidades motoras ¢ cognitivas. Sim- plesmente vivendo, ela aprende. As impresses na crianga ppenetram em sua mente pelos seus sentidos ¢ a formam. Maria Montessori diz que a crianga cria a propria “carne mental”, usando as coisas que esto no seu ambiente, Ela chamaamente da crianga de“mente absor vente”, Para uma crianga autista, as coisas n3o sdo bem assim. Ha uma relacao diferente entre 0 cérebro e os sentidos, e as informagées nem sempre se tornam em conhecimento. at ‘ums € meuwsio Os objetos nao exercem atrago em razio da sua fun, mas em rarao do estimulo que promovem. Assim, tuma tesoura passa a ser apenas um objeto de contato sen. sorial. A crianga precisa aprender a fungio de cada objeto © 0 seu manuseio adequado. Quando ela vé uma bola, por exemplo, nem sempre deseja chuta-ta ou jogé-la com a mao, como as criangas normalmente aprendem, mas cria estereotipias e formas incomuns de manuseio. As estereo- tipias causam atraso no desenvolvimento motor, princi- palmente nos movimentos finos. Diante disso, tudo passa ater valor pedagogico: os usos, as habilidades e as ativida- des mais elementares da vida diéria devem ser exercita- das, buscando o conhecimento funcional e mais destreza motriz, No capitulo quatro deste livro, descrevemos al- gumas atividades funcionais e cotidianas, além de alguns materiais de grande valor pedagogico. A crianga autista é especialmente atraida por objetos que rodam e balangam. Geralmente utiliza uma bola para fazt-la girar. O professor ou a professora deve aproveitar 0 préprio fascinio que os objetos exercem sobre ela e ensi- nar-the o uso correto, Nao é bom que haja o arrebatamento pelos movimentos repetitivos. Serio imprescindiveis a vir- tude da paciéncia ¢ a espera por resultados nio imediatos, (O grande foco na educagio deve estar no processo de apren- dizagem e nao nos resultados, pois, nem sempre, eles virio de maneira répida e como esperamos. A educagao nas escolas inclusivas, independente- mente do grau de severidade, deve ser vivenciada indivi-

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