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SUMARIO Bomeca sn Enquanto o pagode no ver... ‘Tentativa... Impacto postico.. Otho de sogra. Quiz. Toque-te-me-toque... Dupla culpa. Tiajetos. Tehan! Titubeio.. Salida vn O negrinho... Delirio de sombra Incidente na raiz Nao era uma vee... Desencontro «. O dito pelo dito Benedito Vida em divida svn fe Ab, esses jovens brancos de terno e gravata!. 132 Entreato Um lapso. Coluna Cartet0 one Obatizado... melhor amigo da fome Lembranga das lgdes. Inventario das dguas TinCan Preto no branco Namoro. Visita. Conluto das perdas.. Divida em vida... ENcOntt0 snus Ponto riseado no espelho Sob a alvura das pélpebras BONECA, Nenhuma! Cansou de tanto andar. Perguntara muito. ‘Ouvira respostas de todo tipo. Algumas vezes, reagira a escassa delicadeza de certos balconistas e mesmo as ironias finas. Em outros momentos fora levado A autocomiseragio, depois de ou- vir, por exemplo: Sinto muito... Ou: Queira nos desculpar... A fabrica ndo fornece, sabe... Desanimar? Nao. Nao havia por que desistir de encon- trar o presente de Natal para a filha: Com os seus 33 anos, estava em plena forma fisica. Além disso, era como se a peque- na 0 conduzisse pelas ruas do centro comercial, Continuar a prociira, mesmo pisotesindo éansago, era uma missio. Com entusiasmo, entrou na loja seguinte. Cheia! Aguar- dou pacientemente. Uma mocinha branca, de ar meigo e as- pecto subnutrido, indagou: O senhor jé foi atendido? Nao, Por gentileza, ew estou procurando uma boneca... ‘Temos vias. Olha agui a Barbie, a Xuxinha...—e a loitinha foi apanhando diversas bonecas. Colocava-as sobre o baleio, como se escolhesse para si. Olha que gracinha esta aqui de olhos azuis! E novidade. Chegou ontem ¢ jé vendeu quase tudo. Chora, tem chupeta, faz pipi... E essa outra aqui? Nao é uma graca? - e levou ao colo a ruivinha de tom amarelado, bem clarinha. iu Mexeu-lhe os bracinhos e as peminhas e indagou: Nao gostou de nenkuama? que estou procurando uma boneca negra... Meia hora de espera Tem sim! — 0 dono da loja ditigiu-se & empregada, Procura ‘melhor, na prateleira de baixo, lé em cima mesmo, perto da pia. A moga subiu de novo a escada, depois de sorrit um sub- ‘misso constrangimento. Desceu mais uma vez, recebeu novas instrugGes e tornou a sorrit. Em seguida, do alto do mezanino, mostrou o rostinho gorducho, marrom-escuro, de uma boneca, Radiante, a balco- nista empunhava-a como um troféu. Assim desceu a escada, Mas, descuidando-se nos degraus, despencou-se. Todos se apa- Voraram. As colegas de trabalho foram em socorro. Nenhuma fratura. Apenas um susto. O patttio exaspe- rou-se, mas logo conseguiu se controlar, vermelho como pi- menta-malagueta. A loja estava cheia, Foi atender o cliente: Peco desculpa pela demora e pelo transtomo. Espero que 0 senhor ndio tenha se chateado, O importante é que encontramos 0 produto, Estd em falta, sabe... Eles néo entregam, Eu mesmo enco- mendei a semana passada, Mas 0 representante disse que a firma estd exportando para a Africa, Esta certo, mas aqui também tem Frequés que procura, ndo & O senhor é brasileiro? Sim. Entdo...—o homem engoliu a frase ¢ preparou a nota, }4 na rua, o pai, entre tantos pensamentos, alguns desa- ai Pe gradaveis, lembrou-se da descontracao a que fazia jus, depois de suar expectativas naquela manha de dezembro. Respiron pei 8 fundo, Contemplou o lindo embrulho de motivagées natalinas, em que se destacavam o Papai Noel, criangas louras e muita neve. Seguiu, passos lentos, em diregéo a uma lanchonete. Vai uma loura gelada ai, chefe? ~ pronunciou o balconista ao vé-lo sentar-se junto do bale. Sorriu, confirmando com um gesto de polegar. Ao primeito gole de cerveja, sentiti-se profundamente aliviado e feliz. 2 O NEGRINHO A noite chegou em um hafa qnente, apés pancada de chuva, Uma lua no céu parecia rit. Nenhuma vontade de be- ber. Nem conversar. Estdvamos ali no Bar do Jota. Eramos qua- ro. Havia uns seis meses que nenhum via a cara do outro. Na lembranca s6 0 bate-boca, as brigas. Nao fosse o Adonias, certamente néo seria possfvel uma aproximagiio entre nds. Era esperar que ele chegasse, com 0 tio, e, entao, irfamos lé a0 clube dos velhos em Jundiaf. Sabfamos daquela tentati- va de recomposicao, 86 que ninguém queria se comprometer com ela, Ali, nés, jogando conversa fora. Futebol, 0 tempo, ser que o Adonias vai demorat... Eis que passa uma mulher, todo mundo olha e comenta. Assim, cada qual se esquivan- do como podia do pasado que nos ligava. Para todo efeito, famos apenas a um baile naquela cidade. E s6. Mantfnhamos a parede de orgulho, vaidade, magoa e frustraco. Por isso as palavras iam, zanzavam feito cachorto louco ¢ espumavam, aquela cerveja mal gelada. E Adonias demorava... Eu sabia que a mulher dele nao andava muito bem com aquela gravidez. E ele, marinheiro de primeira viagem, vivia todo prosa e cheio de cuidados. Cer- tamente alguma coisa tinha complicado, pensei. Mas aquela auséncia ia ficando dificil. Quatro sujeitos sem saber o que di- zer. Todos evitando um assunto que, se viesse 3 baila, na certa itia dar confusio. Depois, um siléncio estufado. Tensos todos. Afinal, tanto tempo trabalhando juntos, um ideal comum, cs) conflanga mitua e depois a desisténci, a xa ¢ oiremedtavel fim do nosso sacificio de tanto tempo: 0 Negtinho, No auge nfo faltava gente. O salfo cheio e v clube sen do assunto e vibragto nas conversas, Samba no pé, bluee funk; soul, reggee, rap... Todo fim de semana. Quem cheseen pela primeira vez acabava logo curtindo o Negrinho ¢ senna nando s6cio. ram os quitutes da Vové Quitétia, a senate dle musical de Marquinho Turrdo, dono do som + a diretang 'multo coesa e identificada com o anseio da rapatiadas ficou GPR a sede. Ampiamos as instalagdesO sali Niel mls com cca pars dns mil pewons dangand no demorou nada, a vin, i comedada, Inventava histsrias e chamava spay no 86 para os bailes, mas também para toda ¢ qualeer wna, nido com som ambiente. Foi em uma terga. 6 havia cron pingue-pongue, pimbolim, um mestre que dava aula pa io {ita Mas chegaram, foram entrando com uma converse ae Perutasio da ordem pablica” e deram a dura na es & Smead Pano tum tempiuiio, a apotrinhagéo con. vam um marginal chamado Tremendao. Nice fuém sabia quem era o sujito, E, em dias de baile os guava Ow os tras agiam assim: chegavam ja de armas em pune Be travam. Faziam parar a misica ce Vamos levantando os bragos. Mao na parede! Apalpavam alguns, davam uma geral exigiam dey alvard, desculpavam-se esafam. A rapaziade reamungns nce logo vinha o balango, Todo mundo relaxava e requilibrave 5 Até que um dia o desfecho foi sfecho fot outro, Havia chegadola nego véio da capital. Veioa Porto Espermnga pom tensa 84 sente. Deviamos, segundo ele, conscientizar os freqtientadores «lo clube. Dizia que s6 baile ndo levava a nada. Outras coisas 1am necessérias. Sugeriu que fizéssemos um grupo de teatro e «um jornalzinho, a fim de levar uma mensagem de fé e confianga «le que nosso povo sempre foi carente. Falou de sua experiéncia com associagGes, das dificuldades de se manter um espago como o nosso. A conversa estava muito alegre e produtiva, quando os caras chegaram. De nov procuravam o “Tiemeudiv”. O patricio “virou bicho” e mandou que baixassem as armas, pois ninguém ali era bandido, Alertou, em vor alta, sobre a invasio dle domicflio. Um dos guardas teimou, retrucando: Isso é desacato a autoridade. Vocé estd preso! No mesmo instante, 0 “tio” meteu a mao no bolso, tirou um documento e s6 faltou esfregar na cara do policial. Af, 0 fulano perdeu o rebolado, bateu continéncia, pediu desculpas, rentou driblar 0 vexame. Ficou até meio gago. Por fim, depois de se justificar a0 major, saiu de fininho junto com os outros, todos fardados. E o rabo entre as pernas. O major foi com eles até a viatura, passou um sabao em cada um, inclusive no mo- torista que ficara ao volante, anotou os nomes, néimero da via- tura e dispensou os tais. Desde aquele incidente, a policia nfo chegou mais com aquela violéncia e arrogincia, Os guardas ficavam rondando. Passavam intimeras vezes pelo lado de fora, na viatura e mes- mo a pé, Apesat, 0 que foi uma pena, de o major nao ter mais, visitado a gente. A exigéncia do alvaré continuou. Quem chegava era um dito fiscal, acompanhado de um investigador. Se nao tivésse- ‘mos o documento (complicado como nao devia, pelas demoras € atrasos com que o emitiam), 0 baile era encerrado, ou mes- ‘mo qualquer outra atividade com mais de vince pessoas e som 85 ambiente. Na época nao percebemos, mas a presenga daqueles dois havia comecado a partir do momento em que passamos a emitit mensagens pelo micrtofone: Viva Zumbi!... 20 de no- vembro, o Dia Nacional da Consciéncia Negra... Negro 6 0 esteio do pais... Somos mais da metade da populagio brasi- leira... e outras expresses semelhantes. Para a diretoria era dificil, além de outras tarefas, con trolar uma turminha que gostava de curtic um baseauo juste mente no meio do baile. O cheito foi a desculpa para novas blitze. Intimeras vezes houve a interrupgao. Em certas ocasi- es, tivemos que sait na porrada com a turminha da fumaca. Mas 0 proprio grupo dirigente ficava dividido nessa questo. Uns achavam que devia apenas set pedido moderagao. Outros, ‘como eu, pensavam diferente. Maconha devia ser curtida fora do Negrinho. Chamavam a gente de caretas, quadrados e até de reacionérios. O assunto era um fator de quizila entre nés. Em uma noite de 13 de maio, fizemos a nossa “Festa da Unidio”, apesar de alguns discordarem daquela data. Aqueles even tos especiais solidarizavam bastante as pessoas. Houve até um fato inédito. A diretoria, toda ela, chegou no hordtio na- quele dia, Alguém saiu com esta: Deu epidemia “horariana’” no pessoal do Negrinho! ‘Quem era viciado em atraso riu, sem jeito, Quando o baile foi ficando bom, surgiu um branco estra- rho. © automével foi estacionado do outro lado da rua. Quem viu j€ ficou de orelha em pé. Desceu o cidadao: terno, maleta de executivo, pisando em ovos. Na bilheteria, solicitou para falar com os diretores. Marildinha largou tudo e avisou quem: encontrou pelo caminho. A gente foi atender o estranho na saleta de reunides. Veio a “cascata”, depois de uma série de argumentos baseados na lei, e eutis ameagas. Dinlivity por fora 86 ou multa, Tudo se resumia a isto: ou dévamos uma propina ou terfamos de pagar, judicialmente, uma vultosa quantia. Desco- nhecfamos a lei, sem déivida. Mas ninguém se deixou intimidar com aquela cobranga dos direitos autorais das miisicas toca- clas, incluindo bailes anteriores. Aquilo irritou a gente. Alguém abriu o leque: Nao vamos pagar e pronto! Quer multar, pode multar. Mas, centes, vai lever uns tapas. O sujeito reagiu com ofensa e acabou levando mesmo uns sopapos e foi posto para fora aos empurrdes. Alguns mi- nutos depois, chegou uma viatura com a sirene ligada. Nao tivemos nem tempo de argumentar. O baile acabou ali. Toda a diretoria foi obrigada a ir prestar depoimento sobre a agressio. Dormimos no xadrer. O sonho de ter um grande clube da raga foi perdendo © brilho, © Negrinho ia ficando malvisto. Os boatos cresciam, Houve até o de um assassinato no salio. Na verdade, apenas uma briga, com nariz quebrado, mas sem maiores conseqtiéncias. A policia insistia em suas batidas. O pessoal se afastou, o caixa enfraqueceu. Fomos obrigados a vender o imével. Um dos diretores acabou rapinando o dinheiro. A mie precisava fazer uma operagio muito cara. Por fim, a mulher morreu € 0 dinheiro nio voltou. Ficamos a zero mais dividas. A amizade se afastou de vez da diretoria. As brigas tornaram-se constantes. Auséncia de baile, aluguel atrasado, o novo proprietério pediu © imével. Fechamos. O Negrinho ficou pela rua, de casa em casa. Reunides estéreis. Até que um dia morreu em uma esqui- na. Ofensas pessoais miituas. Presidente e diretor social. Ele gritou, eu gritei mais ainda. Fim. Cada um tomou seu rumo. Eramos os tltimos. Eu caminhava, esforcando-me para despre~ zar toda aquela vivencia, quando ouvi 87 ONegrinko acl ao S: On egrinho acabou mesna?~perguntoueme Jo’o Sanduba, ee vendedor de sanduiches. Facia ponto em fren- aa nea dias de baile. Competia com os salgadinhos da filha junto do PaBY20 ingesso e ia dangar. Detxava 0 © junto do carrinho e 6 voltava ao final para comandar6 Pinas vendas. Eu nao o via hé muito tempo. Desde 0 nosso lespejo. Quando ele me fizera a pergunta, eu a sentira como aftonta e respondera agressivamente E cra exatamente o Joio Sanduba que, ali daquele bas, eu via atravessar o asfalto em nossa, diregao. Dei as costas. Na cea ie i sine lamentacao de querer ressuscitar 0 de- into, Pedi mais uma cerveja para o Jota e acendii um cigarro. Surpreendi-me quando ouvi: 4 Adonias, meu caro... Eo senbor... Muito prazer! Jodo de ‘outa, se criado. Me chamam de Sanduba, sabe. Nunca ligue. Se 0 senhor prefers; ndo me incomado, Ave gost, Prefiro chamé-lo de Souza. ~ uma yor desconhecida en- cheu 0 ambiente, eee Ne entrada, a confluéncia dos trés. Adonias, ; “cnc, 167 3s apresentacées, O tio, um senhor alto ¢ elegante no seu terno azul-real, cabelos grisalhos, cor firme de ie ee a todos nés um olhar de entusiasmo. Por seu lado, 0 ree sandufches no poupava felicidade em seu sorriso : See todos n6s. Senti certo constrangimen- £0. todoro, Odair e Isidro, meus companheitos, juntaram-se mim na forma tfmida de sortiz. Nossa opacidade e incOmodo Teagiam aquela Luminosidade dos trés, Depois de ter solicitado mais cerveja e uma gua mineral para o sobrinho abstémio, 0 velhao continuow. Tinha o dom, ‘ Vamos, nd an 9s) ndo apenas a uma bela festa, Vocés vido conhecer um clube dos poucos que existem no Estado, Foi fundado em 1898, Eu 88 tnesmo nem tinha nascido. Mas, quando jovem, fiz muitos calos nas dos. Carreguei bastante tijolo para construir a sede. Eu e muita gente, Mew pai me levou para lé pequeno ainda... O senhor Jair falou, falou durante um tempo impreciso, com uma convicetio de admirar. Contou histérias de empenho le objetos pessoais, campanha de tijolos, mutirdo para cons- truit, lembrou pessoas mortas e, para arrematar: Por isso, vocés, que sdo jovens, t@m ld algumaa coisa construe ida por nés. E pequeno, em vista dos grandes clubes, mas tem 1m pouquinho de conforto. E 0 conforto maior: & nosso! Pela luta que 1nds tivemos, eu sempre repito que é preciso ser audaz, minha gente! E agora, antes de termina essa cerveja, vamos saudar mais wm patricinho que acaba de chegar ao mundo. Disse aquilo, levantou o copo, olhou para o sobrinho e riu gostosamente, a0 que foi correspondido em uma medida maior por todos. Qual é 0 nome do garotiio, Adonias? — alguém perguntou, percebendo-lhe a intumescida alegria. Bem, vai ser um nome africano, Por enquanto a gente ainda estd escolhendo. Entdo — e Adonias abriu nossos diques emocio- nais —, vocés podem chamar meu filho de Negrinho — concluiu, erguendo 0 copo de gua mineral. ‘Todos brindamos o nascimento ¢ uma renovada certeza florida entre nossos labios. ‘Agora que cu sou apenas um membro do conselho con- sultivo, esta sala de reunides, estes retratos nas paredes, com. imagens de companheiros que jé se foram, tudo isso me dé sau- dade, Saudade? Nao. Um contentamento bem profundo de ter vivido aquela noite. Afinal, a juventude danga no salao e o Negrinho esta quase sempre em festa, mesmo tendo idade para ser avd. Como eu. 89 INCIDENTE NA RAIZ Jussara pensa que & branca. Nunca Ihe disseram 0 con- trario. Nem 0 cartério. No cabelo crespo deu um jeito. Produto qutmico e fim! Ficou esvoagante e submetido diariamente a uma dréstica au- ditoria no couro cabeludo para evitar que as ratzes pusessem as manguinhas de fora. Qualquer indicio, munia-se de pasta alisante, ferro e outros que tais ... nariz, j4 nfo havia nenhuma esperanga de eficécia no método de prendé-lo com pregador de roupa durante ho- ras por dia. A prética materna nao dera certo em sua infan- cia. Pelo contrério, tinha-lhe provocado algumas contusdes de vasos sanguineos. Agora, j4 moga, suas narinas voavam mais livremente av impulso dat respiragdo, Derestava tirar fotogra- fias frontais. Preferia de perfil, uma forma paliativa, enquanto sonhava ¢ fazia economias para realizar operagio plastica. E os labios? Na tentativa de esconder-lhes a carnosidade, adquirira um cacoete — jé apontado por amigos e namorados (sempre brancos) ~ de manté-los dentro da boca. Sobre a pele, naturalmente bronzeada, muito creme e p6 para clareat. L4 um dia, veio alguém com a noticia de “alisamento permanente”. Era passar 0 produto nos cabelos uma s6 vez € pronto, livrava-se de ficar de olho nas raizes. Um gringo qual- quer inventara a tal formula. Cobrava caro, mas garantia 0 7 servigo. Segundo diziam, a substdncia alisava a nascente dk Pélos. Jussara deixou-se influenciar. Fez um sacrificio nos ecay nomias, protelou o sonho da plistica e submeteu-se, Com as queimaduras 7 as pressas, depois de alguns Na manhi seguinte, no leito de hospital, um e1 Té melhor, négar Ela desmuiou de novo. quimicas na cabega, foi internada espasmos e desmaios. a0 abrir com dificuldade os olhos, nfermeito crioulo perguntow-lhe: NAO ERA UMA VEZ Que humilhagdo! Q sogro empresta o dinheiro, mas nao dleixa por menos: Vé se ndo aparece $6 pra pedir. S6 na hora do azar, voce lembra que tem sogro?! Engole em seco. Diz obrigado. Precisa de mais, porém io ousa insistit, Despede-se € sai em diregao ao metro. Os ppensamentos retomam 0 caminho do édio e toda a cena do wssalto retorna. Teés bandidos entram no coletivo e, apontando suas armas, gritam: E um assalto! ‘Quem reagir, morre! Vamos passando tudo: grana, reldgio, carteiza, correntinha... Tudo! Levanta-se e responde no mesmo tom: Aqui tem homem! Saca a arma, matando os trés assaltantes, cada qual com um tiro na cabeca. Qual nada! O devaneio vem ¢ vai, mas na realidade o heréi teve medo, nfo reagiu e ficou sem nada. Nao teve co- ragem nem de se mexer. © revélver em casa, enfurnado no guarda-toupa, Entregou o pagamento do més, Nao havia ti- rado uma nota sequer do envelope. E o relégio? Faltava ainda uma prestagéo!... Além de levarem, ainda machucaram-lhe o pulso. 99 Dé essa merda aqui, pedo! ~ disseta o sujeito, com a morte apontada para sua cabeca. E puxara, com violencia, a pulseira de metal. Observa a ferida cicatrizando. Que édio! Sem notar, apal- pa o Rossi na cintura. Ah, se estivesse com ele na ocasiao! Podia morrer, mas pelo menos dois iam com ele pro inferno. Inferno... Inferno era aquela vida dura. Trabalhar feito um con- denado, sempre com medo de perder o emprego, e, por fim, ser assaltado no 6nibus por uns filhos-da-puta a quem jamais fizera um mal qualquer. Nem conhecia. Se pegasse um puto daquele, metia bala. Na noite apés o assalto, nao conseguira dormir direito. Pesadelos invadiram-Ihe a tentativa de descanso. Por duas ve- zes levantara-se com o 22 na mao. Mexeram no trinco! Eu ouvi, Ténia. Fica aqui com as crian- as. Nao sai daqui Nada! Pura imaginagio desencadeada pelo choque vivi- dona tarde anterion A manhd-ehegou com sua rutina, urazendo um cansago dobrado. Calou a humilhagéo no trabalho. Conje- turava: “E se souberem do ocorrido, que eu estou a zero?” Nao. Nao diria nada. Certamente iam fazer gozacao. O ambiente de trabalho era hostil. No refeit6rio, qualquer assunto era motivo de disputa e menosprezo métuo. E nfo fora uma simples dis- cussio de futebol motivo de dois operirios se atarracarem e, no final, um sair esfaqueado? Nao diria mesmo nada. Apenas 0 siléncio empedrado deu indicios de que ele nao estava bem. S6 o encarregado se interessou pelo seu aborrecimento. O que houve, Jonge? Té chateado? Nao estow me sentindo bem do estémago — disfargou, amar- gando toda a capacidade explosiva de seu drama. O sogro, além da mulher, fora o tinico a saber. E viera com aquela conversa. Aproveitara a ocasi io para repisar 0 100 pisado, Nao fosse parente, metia um tiro na cara dele. Nao.. Ideia absurda aquela!... Coitado do sogro. Nao tinha uma situ- ago muito boa também. “Além do mais, eu nfo tenho cora- gem pra matar ninguém’, pensa alto. Transeuntes olham-no. Depois da jornada, chega & estagao. A plataforma esta lotada. Consola-se por nao necessitar diariamente daquele transporte. Sao 7 da noite e a multidao se acotovela. Depois de muito empurra-empurta, consegue entrar no vagio. Por baixo do paleté surrado, confere, a todo instante, de maneira discre- ta, o revélver, Vai vendé-lo a um amigo. Ainda assim, ter um més apertado. Algumas contas ficario para o préximo paga- mento. E 0 tinico objeto de valor de que dispoe para vender. Mas hesita. A arma representa seguranca. Houve assaltos no bairro... Nao vendera, Pediré algum dinheito emprestado, dei- xando o revélver como garantia. Apés trés estagées, um impulso de rancor e violéncia arrasta-o. Vé um dos bandidos atravessando a roleta, no exato momento do sinal de partida. Salta para a porta automatica. Fica prensado. Forga. Consegue sair. Corre na plataforma entre pessoas e malas que se dirigem para o terminal rodoviério. Tem. a arma na mio. Onde estaré o homem? Para depois da roleta. Funcionarios do metro olham-no assustados. “Vso chamar os segurangas”, pensa e guarda o 22. Vé o sujeito ao longe. Cami- nha rapidamente. Sai da Estagio Tieté. De novo a silhueta do homem foge de seus olhos. Perscruta. Localiza-o entrando em um coletivo urbano. Corre. Consegue entrar também, O individuo, sem perceber a perseguic4o, com tranqui- lidade paga a passagem e vai, sustentando um pacote e uma sacola de supermercado. Ocupa um dos iiltimos bancos do co- letivo, préximo da porta de safda. No canto. E um banco mais alto que os demais. Sobre a roda traseira-direita. Uma senhora senta-se a seu lado. Jorge Nelson vacila antes de atravessar a 101 roleta, O coletivo poe-se em movimento. Novos passayeiros, subindo em outros pontos, impelem-no a ir para trés. Hé um lugar do lado oposto. Também no canto, Tete sentar-se e per. der o individuo de vista. Contudo, nfo pode ser notado. Pede licenga a uma jovem, Senta-se. Tenso. Do outro lado, o homem Parece tranqiiilo. E 0 mesmo que o assaltou? Recorda: Dé essa merda aqui, pedo! Rumina: “Vou matar esse puto!” alisa 0 cabo da arma. “Safado! Agora ti gastando o meu dinheiro suado. Deve estay com o bolso cheio... Minha grana e a dos outros.” Olha em vol- ta. Ese assaltasse o dnibus todo? Ia levantar um bom dinheiro, Aproveitava e dava um tiro no sujeito. Elas por elas! A idéig esquenta-lhe 0 rosto e repenica a circulago. Uma senhora ido- Sa, procurando assento, estende os olhos até os fundos do co- letivo e dé de encontro com os dele, que imediatamente pensa no insucesso da idéia. Nao, ninguém tinha nada a ver com o caso, S6 aquele individuo. “Também, nunca roubei! Nao vou me sujar. O negécio com ele.” Hi gente de pé no corredor. Tenta enxergar o homem, Nao o vé. Fede licenca A moga do seu lado. De pé, observa, “Caué 0 cara?” © énibus estd parando. Empurra algumas pes- Soas, pois o sujeito j4 estd nos degraus. Vai descer!... — sussurra para no ser notado. Consegue. O outro parece nfo o ter visto ainda e caminha Prangtilo, Jorge Nelson imagina-o caido em meio aos pacotes. Varios tios nas costas. “Nao, 6 melhor um s6..Na cabega, As. sim dé tempo de fugir e o cara nem grita.” A fronte lateja, Sua fio. As axilas, duas esponjas encharcadas. Trafego intenso nes dois sentidos da avenida. Calgada pouco movimentada, Luses aconchegantes no dentro das casas acocoradas. © perseguido Parece feliz. Dvidas reproduzem no outro intimeras imagens do assalto que o vitimou. A vinganga a ser cancretizada tem no 102 passado recente a sua justificativa. O crime alcanga os tiltimos patamares de sua determinagio. A distancia garante um tiro certero, Jorge Nelson vai sacar a arma. © outro dobra uma es-

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