Capitulo - A - Questao - Indigena - Na - Extensao - Da - UNEB Francisco Guimarães

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A QUESTAO INDIGENA NA EXTENSAO DA UNEB: RELATOS E REFLEXOES A LUZ DA ECOLOGIA DE SABERES Francisco Alfredo Morais Guimaraes falmente concebido sob a forma de memorial, apresentado no ie de qualificagio do Doutorado em Estudos Etnicos e Africanos Universidade Federal da Bahia (Pés-Afro/Ufba), em 2012, este relata ages extensionistas do autor que tém sido pensadas e art 20 longo de 30 anos, com o propésito de estabelecer uma intera- ica entre professores e estudantes da Universidade do Estado da (Uneb), professores e estudantes da Educagao Basica e professores € Ws indigenas. Considerando uma relagao igualitaria entre esses su- seus saberes e contextos de enunciagao, visa uma produgio de co tos por meio da objetivagio de informagdes, dados ¢ conceitos 40 tratamento da questio indigena na Educagio e a Educacio es- “especifica, diferenciada ¢ intercultural para os povos indigenas, “Ao transpor os limites do espago fisico da universidade, estabele- contato com diferentes agentes sociais, as atividades de extensio lo sua importancia enquanto elemento indissocidvel do ensino iuisa, além de estabelecer uma perspectiva instituinte em rela inicio de politicas de ago afirmativa para os povos indigenas na idade. 0 titulo do artigo tem a ver com os exercicios de releitura do me- a luz da teoria da ecologia dos saberes de Boaventura de Sousa ‘durante o estigio doutoral realizado no Centro de Estudos Sociais Série Extensio Universitéria & Sociedade Siligtd sais a dda Universidade de Coimbra (CES), em 2013; sobretudo, apos a re {de uma oficina sobre o tratamento da questo indigena em uma e cidade de Coimbra. Durante uma partilha de depoimentos sobre a oficina com seus alunos, em Portugal, a professora Fernanda Castro destacou que foi una- "hime a referéncia feita por eles ao ambiente que os “[.. transportou para a _ferra do outro, de como & que o outro vivia antes dos portugueses chegarem” 2013, informagio verbal). Segundo ela, esse recurso despertou nos alunos wma predisposigéo para novos conhecimentos, para novas experiéncias, olando que A oficina, intitulada “Iconografia, colagens e descolonizagao: tando a historia dos povos indigenas do Brasil presente nos livros ticos de historia portugueses"? foi realizada com estudantes e profe da Escola Basica ¢ Secundaria Quinta das Flores, tendo como refe a *Vivencia de Etno-hist6ria Indigena’, uma das ages extensionistas {..] os alunos estavam muitos receprivos ¢ foi uma parte que 0 cal venho realizando na Uneb.* joysaket parte qu tivou bastante. A miisica, 0 pisar nas folhas, os sons, o chero, as sementinhas es- paths no cha, Bu penso gu de aeuna forma arn deses elements s¢ mestrou 0 ambiente da vivéncia do indi, que foi uma dimensao pouco cexplorada por ees. A lingua, algumas palavras que 0 Francisco apresentow rum canto em lingua indigena, eles andavam a cantarolar na aula seguinte. Eu ndo lebro mas eles lembram. (Fernanda Castro, 2013, informacio verbal). Na “Vivéncia de Etno-histéria Indigena’, 0 tratamento da na escola ¢ feito por meio de uma perspectiva transcultural, privi 0 didlogo com o ethos e a visio de mundo de sociedades indigenas. forma, na oficina realizada em Portugal e nas realizadas no Brasil, 0 0 vo é transpor para a sala de aula modos de produzir ¢ transmitir c _mentos presentes em contextos indigenas, a exemplo dos que caracte a performatividade de suas tradigdes orais como forma de estabelecer professor Pedro Cunha, que também participou da oficina, desta- ‘ou ainda que [..] 0 fato de se fazer de uma outra forma causa sempre nos alunos um im- ppacto diferente da aula tradicional. Ao entrarem na sala, os alunos vém um professor que desconhecem, com aderecos que ndo Ihe sdo familiares, descal- 0, com folhas espalhadas no chao, uma sala organizada de forma diferente [.uJ-1ss0 tem sempre wm efeto motivacional acrescido. (Pedro Cunha, 2013, Informagao verbal, trastes e rupturas epistemolégicas em relagio a visdes canénicas povos indigenas do Brasil, esponsiveis historicamente pela produgao producio de estigmas e esteredtipos, que negaram e continuam n sua condigio de sujeitos sociais plenos. Em conformidade com essa perspectiva, as oficinas sio zadas por experincias evocativas, integrativas e inusitadas, com 0 Considerando as sensagdes dos alunos com os estimulos & imagina- datico de cantos e dangas tradicionais de povos indigenas, etnop i0, 0 professora Fernanda considerou que a oficina temiticas e a montagem prévia de uma instalagao artisticat que {1 foi muito bem-sucedida e foi um momento muito importante para afor- ‘magio dele, E se thes perguntassemos se ficaram com a ideia de que naquela {floesta que os portugueses encontraram viviam sociedades que partilhavam espagos onde desenvolviam sua vida social dentro da prépria floresta e como era aquela vivércia, eu julgo que sim sensagies titeis, odorificas, auditivas e visuais, visando uma conte io temitica e 0 estimulo a imaginagio criativa. 7 alvagosio dessa ofcina eats depenivel emp: /bity/2WMLZEP.Aceso em: 6 jun. 20 2 Bim Guimaries (1996), descrevo e analis, em detalhes, a atvidade exensionista qu Vivenia de Fino isia Indigent deinindo seus principiostericose metodoligios ‘Concet ria por Jerome Rotheberg na dca de 1960 paras referir trad excite [.] eu penso que através da oficina conseguiu-se transportt-los @floresta, 0 de ld pasar, forma como onde reaconavam com oespopo que tia de poesia da radii orl de povosindigenas. A esse respi, Mateus (2014, ‘uma proposcio de arte conceit, que como sux de wma grande variedade de materi {rot um cero ambiente ov cena, e pela elagdo ene cbjetos,ponto de vita ecopo do [od sleanga uma dimensio poetic sgaifcatira, ii Ww Sire Estoy Uviversiria & Scedade Ea de Sse a Una ‘Agora, que eles ficaram com uma percepcao diferente da cultura indige scologia de saberes e as epistemologias do Sul: aprender que existe o Sul; sim. Porque pastaram a ter nogao de uma tonica focada na critica ao de aprender air para o Sul; aprender a partir do Sul ¢ com o Sul peito ¢ submissao do indio pelo portugués, enfogue que nao estd presente ‘manual do 10° ano. (Fernanda Castro, 2013, informagio verbal). A partir do relato da professora Fernanda da para identificar que as onclusdes a que chegaram os alunos resultaram da construgio de conheci- “Mentos na oficina, decorrente da sua perspectiva educativa dialégica, con- forme proposto por Paulo Freire na Pedagogia do oprimido, ao definir que a Bducagao Ao se referir ao momento da oficina no qual foi feito um exercicio} 1a do quadro “A Primeira Missa’, do pintor brasileiro Victor Meirell a professora Fernanda destacou a sua surpresa ao ver os alunos sendo c duzidos a um exercicio de reflexio, no qual, segundo ela, [...[nio se faz de A para B ou de A sobre B, mas de A com B, ‘mediatizades pelo mundo, Mundo que impressiona e desafia 4 uns ea outros, originando visdes ou pontos de vista sobre le. (FREIRE, 1987, p. 84), .] abstrairam a simbologia que a cruz assume para nés, portugueses, tos, conseguindo transpor a representagao do objeto em si, a cruz, € a sé-lo sob o prisma da observasio do indio, que via apenas dois troncos ee ar en alae ee fois troncos de drvores mortas. (Fernanda Castro, 2013, informacao’ or 7 ‘Ao comparar os depoimentos registrados em Portugal com os apre- Ainda segundo a professora, essa percepgio dos alunos s6 foi §entados por professores e estudantes no Brasil, i sivel porque por meio da oficina se conseguiu transporti-los, de fato, aquela di iclusive indigenas, foi vel constatar a condigio da vivencia enquanto um dispositivo peda- ico intercultural, capaz de despertar sensages muito semelhantes no ito da estética, da imaginacao e das ideias, independentemente do per- ensio, pois, segundo ela, ‘acharem que aquilo era veneracaa a drvores mortas, foi algo que ficou Possivel constatar que, da mesma forma que no Brasil, em Portugal, na memdria ¢ os surpreendeu, ¢ que a mim também surpreendew. E. vols algum tempo, as impresses da vivéncia permaneceram vivas nas ee eminiakodemneaaitie lbransas sensoriais e emocionais dos participantes, tanto em uma oficina como na outra. E acabaram por se referir a Claro, porque se conseguiram transpor, se calhar, para aquela realidade 2 4 i hice toe. no papel do outro ¢ a Lelie ca 4 IEMORIAS SOBRE AS EXPERIENCIAS DE EXTENSAO COM A drvores ea colocar uma na vertical e outra na horizontal. Aquilo é 0 qui ESTAO INDIGENA NA UNEB Jrvores, nao 6? les abstrairem-se do conceita cristao da cruz echegarem a ess int Iniciei as agdes extensionistas sobre a tematica indigena na Uneb em {foi de fato interessante. Uma outra perspectiva, uma outra abordagem. #7, ano em que ingressei na institui¢ao, atuando como professor substi- muito, (Fernanda Castro, 2013, informagao verbal), ‘no Departamento de Educacao do campus X, em Teixeira de Freitas, Nesses relatos, & possivel identificar as trés orientagdes aprese ingresso se deu logo depois de minha atuacio como indigenista na por Santos (2007) a respeito da necessidade de uma (re)orientagio Wagio Nacional do Indio (Funai), realizando trabalhos de campo com {ais em relagao as perspectivas descorti Strie Extensio Universtéria & Sociedade povos indigenas na regido amazinica’ e prestando assessoriw Museu: Paraense Emilio Goeldi,* em Belém (PA), e ao Museu do Indiiio Rio de Janeiro, entre 1985 € 1987. ssa experiéncia de trabalho como indigenista foi funlnental na minha formagio € atuacio como historiador, permitindo o desetinamen to de perspectivas de atuagio profissional com o tratamento dststica n= dligena no ensino de Historia e na formagao de professoresindgas, 0 q fe earacterizou como Um trabalho pioneiro e inovador na Uni mas qu 6 foi possivel gragas sua perspectiva colaborativa, com a aralagio de ‘uma rede de apoio no interior da universidade, na interlocugivam out insttuigdes e, sbretudo, com a participacio de liderangas «ues indigenas 0s projetos desenvolvidos na Uneb, inicialmente no capus X, “Teixeira de Freitas, € em seguida no campus Il, em Alagoinhase p a atuar entre 1989 e 2015, foram, na sua maioria, realizadose pa coma Associagi0 Nacional de Agao Indigenista (Anai /BA), uno ‘Go nio governamental, sem fins ucrativos, com sede em Sabor, mn 1979 eformalizada em 1982, com 0 objetivo de assessorarcxvims indigena € promover agdes visando um relacionamento maisjo entre sociedade br ‘Num period em que havia uma grande invsibilidade diwesto digena, inclusive um desconhecimento da existéncia de povostigenas «estado, a articulaglo com a Anai/BA, com o meu ingresso nacidade, fandarnental, pois permitiu uma interlocugéo com 0 movimesting no sentido de desenvolver agoes com 0 propésito, inicial, de de de a historia e cultura das diversas etnias no estado e de meiiro mento a stas demandas. ileira e povos indigenss. Fem pariodo, conrivi com os powos Ticum di ireaindigena Vui-Uaté-In,n0 Abidin Fe ee thot wok won tn cos a oe poo nt Goa fo rie eG eel cape deindgenlsmelegahumane poste pada Ng ea er aeons anareet, te vopruniad de integrseqipe do scr eacata, dando tiga Ne alo papi sobre taomento da emit ingen, Ene de Sebel Entre as primeiras ages desenvolvidas em parceria com a Anai/BA, estaco a realizado, em Salvador, de eventos culturais com a presenga in- ddigena, principalmente em shopping centers, e manifestacoes politicas no Aesfile do 2 de Julho e no Carnaval, em que varios povos indigenas tiveram, pela primeira ver, a oportunidade de apresentar suas tradigées cultural fora das proprias comunidades. Outra importante aio foi a realizagio, ao longo de 1990, do pro- rama radiofénico “Papo de fndio’, que, além da Anai/BA, contou com apoio da Assessoria de Imprensa da Prefeitura Municipal de Alagoinhas € do Instituto de Radiodifusio do Estado da Bahia (Irdeb). © programa "Papo de Indio” foi apresentado semanalmente na ridio AM Emissora de Alagoinhas ¢ na Radio Educadora FM, em Salvador, com retransmissio todos os sibados, em cadeia estadual, na Radio Educadora AM por meio do programa Projeto Minerva, que teve como objetivo apresentar e discu- tir com especialistas a questo indigena, bem como miisicas indligenas € poemas da mesma tematica, Figura 1 ~ Cartaz de divulgagao do programa radiof6nico “Papo de Indio” Fonte: Arquivo pessoal (1990), a Em relagao ao tratamento da temitica indigena na escola, a partir, 1990 desenvolvi em parceria com 0 misicoe professor da Uneb Washingt Luis Lima Drummond a “Vivéncia de Etno-historia Indigena’, concebi da com base em trabalhos de campo realizados com povos indigenas, ‘sua interface com experimentagées de arte performitica, que foi realizad em varios campi da Uneb e em escolas da Educagio Basica, em Salvador Alagoinhas, além de congressos académicos. Figura 2 - Cartaz da “Vivencia de Etnohist6ria Indigenas” PPI) eS orn Fonte: Arquivo pessoal (1994), Dessa forma, em 1991, a0 lado de outros professores da Uneb, da Ufba e de membros da Anai/BA, formamos um grupo de pesquisadores indigenistas' voltado para 0 desenvolvimento do projeto “Recontando @ 7 Além do autor deste texto, o grupo fol composto por Rose Costa (Ana), José Augusto Laranjera Sampaio (Ana/Uneb), Amica Li César (Ceas/Uneb) e Cia Nevi Cortes (Ana). Ecologia de Saberes na Universidade Historia do Indio no Brasil’, que teve como objetivo uma pesquisa sobre 0 tratamento da tematica indigena em escolas da Educacao Infantil e Bisica de Salvador e Alagoinhas e a oferta de cursos e palestras, visando uma in- terlocugao com seus professores e alunos. Para a realizagao dos cursos e palestras, foi produzido como material idético a cartilha Recontando a histéria do indio no Brasi” que, por meio de uma produgio textual questionadora e do uso de cartuns, buscou-se de- safiar representagdes didaticas sobre os povos indigenas, refletindo sobre discursos e priticas pedagogi sa elas relacionadas, estabelecendo uma despadronizagio/desnaturalizagio do olhar. Devido ao reconhecimento da cartilha como material paradidatico, por cumprir um papel importante no aprofundamento conceitual sobre o tratamento da temitica indigena, aspecto que os livros diditicos nio con- seguiam alcangar, ela passou a ser adotada em diversas escolas do Ensino Fundamental em Salvador e Alagoinhas. Figura 3 ~ Capa da cartlha Recontando a historia do indio no Brasil RECONTANDO A HISTORIA DO fiNDIO NO BRASIL Fonte: Arquivo pessoal (1992). "Keanna uma produc clea do grap de pesquisa edo cartunista Paulo Serra, que se ntegrou ‘equipe, proporcionan pulicacio.uma dimensio estxica provocation eiusitada i iy Sti ten notre Saale resultado mais importante desse projeto foi a assinatura, em 1992, de um convénio com a Secretaria Municipal de Educagio de Salvador, que contemplou a realizagao de um curso de formagao para os professores da rede municipal, bem como a adogio da cartilha em todas as suas escolas. 0 trabalho de pesquisa ¢ agao pedagégico do projeto Recontando a ist6ria do indio no Brasil também serviu como referéncia para a realizacio. de uma dissertacio pioneira sobre a temtica historia e cultura indigena no Mestrado em Educagao da Ufba, que defendi em 1996, intitulada Vui-Uata- In (Unio de Todos): a vivéncia como dispositivo pedagégico no tratamento dda tematica indigena (GUIMARAES, 1996). Nessa dissertagio, discuto o tratamento da temética indigena em es- colas de Salvador e Alagoinhas e apresento a concepgio de um dispositive pedagégico intercultural para 0 ensino da historia indigena em escolas no indigenas, tomando como base experiéncias de campo junto a povos n ‘vos na regido amazénica e ao povo Patax6, na Bahia, onde realizei uma in= ‘vestigagio de caréter historiogréfico sobre o mito de Juacema. Paralelamente as ages sobre o tratamento da tematica indigena na escola, também foram realizados trabalhos de campo com povos indigenas, atendendo a duas demandas especificas: 1) a realizagao de visitas téenicas de ¢estudantes do curso de Histéria do campus Il,em Alagoinhas, a0 povo Kiriti, em Banzaé (BA), por meio do projeto “Estudantes de Historia do campus Il da Uneb visitam o povo Kiriri’, que foi iniciado em 1990, a partir de uma solicitagio dos alunos do curso, que viam nessa atividade de extensio a possibilidade de integrar s exigéncias formais de formagao académica desenvolvimento de estudos de campo em drea indigena. Em documentirio sobre uma das viagens do projeto de visita a0 povo Kiriri, realizado em 1992 pela TV Uneb, temos 0 registro do seguin- te depoimento: ‘A importancia desse trabalho de campo é de podermos buscar elementos outros que ndo o bibliogrifico para compreender uma certa realidade, No caso da Histéria da Bahia, eu acho esse trabalho fundamental porque @ ‘enfoque historiogrdfico & restrito praticamente ao Reconcavo, com o cultiva da cana-de-agicar, e ao sul da Bahia, com a exploragto do cacau. No que se Ecologia de Saberes na Universidade rere a0 Sertdo baiano, existe uma exclusdo, principalmente em relagao ao contexto dos ndios. Assim, as visitas de campo tém um grande valor porque a _gente esté indo buscar elementos para compreender essa realidade. (Fernanda Pimenta, 1992, informagio verbal). ‘A outra demanda, foi o desenvolvimento de ages no campo da Educagao Escolar Indigena, que foram iniciadas em 1998 por meio de uma parceria interinstitucional entre a Uneb, a Ufba ea Anai/BA, para a realiza- io do curso de Magistério Indigena da Bahia, que, [J por conta da especificidade da Educagio Escolar Indigena, teve 0 seu curriculo concebido através da inter- locugio entre formadores e professores indigenas, dando énfase a uma formagao itinerante, por meio de médulos, em comunidades indigenas no sul, exttemo sul, norte e oeste da Bahia. Isso assegurou ao curso uma flexibilizacdo curricular, atentando para a necessidade de tratar de questdes relacio- rnadas como a pritica pedagégica dos professores, a gestio escolar ¢ 0 delineamento de um novo modelo de educagio para as escolasindigenas. (GUIMARAES, 2014, p. 89). Atuando no curso de Magistério Indigena como professor de Historia, coordenei projetos de extensio nos quais foram realizadas oficinas de pesqui- sa com professores indigenas sobre temas da tradigdo oral em suas comuni- dades, visando a produgao de mater ico, 0 que resultou na publicagio dos primeiros livros didticos de autoria indigena na Bahia. Ao refletir sobre 0 éxito dessa experiéncia, destaco que a publica- a0 de livros didaticos de autoria indigena permitiu aos professores 0 re- gistro da histéria presente em suas comunidades, revelando o significado ¢ 0 valor da cultura e da tradic2o oral para 0 desenvolvimento de um tra- balho pedagégico comprometido com a identidade e a autoestima dos seus ‘alunos ¢ que, dessa forma, passaram a criar condigdes para redimensionar © ensino focado nas “...] grandes imagens da histéria’, encontradas nos livros didaticos nacionais de Histéria (GUIMARAES, 2008, p. 48). © 0 referido documentirio encontrase dinponivel pura visualizagio na TY Unc no campus | ‘em Salvador, € no YouTube, no enderego: hips Mbit /2KeDsV', com o titulo Histria e Cultura Ingen Ex. gx Série Extensio Universitéria & Sociedade Ecologia de Saberes na Universidade Buscando dar visibilidade a essa importante conquista dos pi indigenas na Bahia, foram realizados na Uneb alguns eventos para o | amento dos livros, como 0 ocorrido em junho de 2006 em Teixeira Freitas, que contou com a presenga dos autores e de liderangas indiges teve cobertura da imprensa ¢ ainda a publicagio de uma matéria no Di Oficial do Estado da Bahia (BAHIA, 2006), da Uneb, em Salvador, em 2015, redirecionei as atividades de extensio para 8 questo do uso didatico de iconografias de temitica indigena, estabele- ‘endo uma articulagao tedrica entre os principios que fundamentam os es- tudos de Etnobiologia e Ecologia Hist6rica em areas indigenas, propostos por Darrel Posey, William Balée e Philippe Descola, e a teoria da ecologia de saberes de Boaventura de Sousa Santos, em equagio com a pedagogia do ‘A publicagdo desses e de outros livros, produzidos sob a coordens pprimido, de Paulo Freire de outros professores que atuaram como formadores de professores indi contribuiram para dar visbilidade & questio indigena na Uneb e na Ufba, de balizar agbes institucionais especificas em relaglo ao tratamento date indigena na Educagio Bisicae, especficamente, na Educagio Escolar Indi ‘rea na qual a Uneb passow a se destacar, sobretudo apés a oferta do curso. Licenciatura Intercultural em Educagio Escolar Indigena, iniciado em 2009, No caso da Etnobiologia e da Ecologia Histérica, nos apropriamos, ‘especificamente, dos conceitos de “mata cultural” (BALEE, 1989) e“selva- seria culta’” (DESCOLA, 1999), que colocam os povos indigenas na condi- ‘glo de autoria em relagio.is matas por eles habitadas. Como afirma Descola (1999), as matas ocupadas hé milhares de anos pelos nativos no Brasil sé podem ser vistas como virgens na imaginagao ocidental, pois o que é con- siderando como “natureza” é muito pouco natural, sendo, na verdade, um produto cultural, resultante de um processo de manipulagio muito antigo a fauna e da flora, pois, segundo ele, Se em 1989 0 mimero de professores e estudantes da Uneb comp metidos com os desafios do tratamento da temitica indigena na universi de ede contribuir com a Educagio Escolar Indigena era muito pequeno, ele aumentou de forma significativa, revelando que esse campo possui férteis, com as sementes nele plantadas dando muitos frutos. Isso se obser nas mudangas curriculares que vém ocorrendo nos cursos de licenciatura’ Uneb, na presenga da tematica indigena em programas de Pés-Graduagio) especificamente, no niimero de projetos de pesquisa e extenso desem dos por virios professores, em especial os indigenas, 0 que tem contribui para que cada escola indigena possa ser reconhecida, hoje, como um vivei pedagégico em que se semeiam saberes e se multiplicam ligoes. [..] embora sejam invisiveis para um observador despreve- nido, as consequéncias dessa antropizagio estio longe de ser despreziveis, notadamente no que diz respeito a taxa de biodiversidade, a cujo respeito foi possivel mostrar que ra mais elevada nas porgGes de floresta antropogénicas do que nas porgies de floresta nio modificadas pelo homem, (DESCOLA, 1998, p. 115). O reconhecimento das matas habitadas pelos povos indigenas en- quanto artefatos culturais aponta para uma efetivagao do que Santos (2007, p. 85) caracteriza como um “pensamento pés-abissal’, ou seja, um pensa- mento que se estabelece como “[..] um aprender com o Sul usando uma epistemologia do Sul’. Essa nova dimensio do pensamento, caracteriza uma “ecologia de saberes’, por estar baseada na “| EXPERIENCIA DE EXTENSAO COM BRICOLAGENS AUDIOVISUAIS DE TEMATICA INDIGENA: UMA HISTORIA DO TEMPO PRESENTE 'Conforme Wiliam BalEe (1989), as lorestas so assim caractrizads por se consitutem em art fats cultural indigenas reultants de uma ago cltral com forte bic e até ma evolucio de espéies vegeta a paride prticas de utiliza dese conceit por DescolaJva em conta uma contraposicio ao conceto de selvagera «que arb aes povosindigenas uma condigi de fferiridade cual, por vverem em ambietes ‘etloresta A partir de 2008, mas, de forma mais efetiva, depois da conclusio Doutorado e a minha transferéncia para o curso de Historia do campus: — {que 0 conhecimento é interconhecimento’, ou seja, ele se estabelece meio de uma “copresenga radical’, e em ambos os lados da linha hé um conhecimento em termos igualitarios e contempordneos das praticas e agentes. Mas um reconhecimento que “[..] implica conceber simultanei de como contemporaneidade, 0 que s6 pode ser conseguido aband a concepgio linear de tempo” (SANTOS, 2007, p. 24). Dessa forma, os estudos de ecologia histérica no Brasil podem, considerados como um mecanismo de conexio epistemolégica com a logia de saberes, ao contemplar o olhar sobre a floresta a partir da tradu das tradigdes culturais indigenas. f justamente dentro dessa perspec {que passamos a desenvolver o trabalho com a técnica de bricolagem, c siderando que ela [| permite o desatio de representagies didticas, rfl epistemolégica e eticamente sobre seus discursos ¢ p pedagdgicas. Como assina Kincheloe (2006), na bricol construgao do conhecimento se da partir da formacio ‘uma consciéncia critica comprometida com a interpretago dos fenomenos sociais, considerando a escuta de diferentes vvozes, principalmente dos grupos marginalizados, neste caso) ‘08 povos indigenas, enfatizando os campos simbélicos de presentes nos conflitos sciais. (GUIMARAES, 2018, p. 1). A proposta ¢ trabalhar com os conceitos de mata cultural, selvageria culta ¢ ecologia de saberes, promovendo exercicios de (re)leitura da icono- grafia diditica, com o propésito de estabelecer o poder da poiésis enquanto ‘estado de imaginagao criativa,” mexendo com os sentidos do observador € instigando-o a experimentar determinadas sensagdes € percepgdes, com a decodificagao, o deslocamento € a reciclagem de ideias como forma de ter acesso 4 mensagens que, direta ou indiretamente, a imagem pode passat, Como destaca Burke (2004, p. 236-238), € necessirio observar nas. imagens isvlizago criativa é uma técnica que ws a imaginasdodirgha para rir imagens e sensagdes por meio de proceso de cancenragio ¢ emocio,uilzando ‘metioras esequénciasespectica para as indudes percepts [.] 05 detathes pequenos mas signifiativos - ineluindo auséncias significativas - usando-os como pistas para infor- ‘mages que os produtores de imagens nio sabiam que eles sabiam, ou para suposigdes que eles ndo estavam conscientes de possi, Em 2013, em relatorio feito ao Ministério de Educagio a respeito das ages desenvolvidas em instituigdes de Ensino Superior sobre @ historia ea cultura dos povos indigenas no Brasil, Silva (2013, p. 33) destaca essa expe- riéncia com bricolagens didticas de temética indigena entre outras agdes ‘comprometidas com a implementagao da Lei n® 11.645, de 10 de margo de 2008, no ambito das universidades de todo o Pais, evidenciando: AA primeira experiéncia de destaque refere-se ao trabalho do professor Francisco Alfredo, que ministra Historia Indjgena na ‘Uneb, campus Alagoinhas, e desenvolve pesquisa tanto sobre educagio indigena quanto sobre historia indigena, O professor segue 0 método cultural e desenvolveu abordagem aplicada 8 temética indigena, que denominou de bricolagem, para o ensino da historia indigena para nio indigenas, ue consta de intervengies em imagens e outros tipos de material consagra- dos pelo uso tradicional no ensino da Histéria do Brasil, de forma a deslocaro olhar do aluno ¢ problematizar situagoes e imagens naturalizadas pelo tempo, com o intuito de ajud-Joa perceber outra formas de pensar a presenga indigena, Conforme destaca a autora do referido relatério, a referencia a essa experiéncia desenvolvida na Uneb tomou como base dois artigos nos quais descrevo a aplicagao do método e os resultados do trabalho desenvolvido (SILVA, 2013, p. 33), enfatizando a necessidade da (des)educagio do olhar na leitura de imagens visuais sobre os povos indigenas, considerando 0s se guintes questionamentos: Sera que os professores confrontam as iconografias de temitica in-

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