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A EVOLUGAO RUMANA UNIDADE I A SELECAO NATURAL UMA INTRODUGAO GERAL NO CURSO A associagao dos termos cultura e evolugio pode expressar, em antropologia, duas idéias diferentes; pode referir-se ao desenvolvimento da cultura (evolucao cultural), ou ao papel desempenhado pela cultura na wransformacdo bioldgica da humanidade (significado da cultura na evolucdo humana). Embora simplificado, este esclarecimento € necessario, pois € importante para a compreensdo do complexo fendmeno que é a evoluco da humanidade. MIREYA SUAREZ EVOLUCAO CULTURAL 5 CONCEITOS de mutabilida- dee de progresso (o movimen- 7 to de mudanga através do qual ‘os organismnos mais complexos surgern dos mais simples), que sio os funda- mentos mais divulgados da woria da evolugio biolégica, muito influencia- sam 05 cientistas sociais que os utiliza- ram para explicar 0 desenvolvimento social e cultural dos grupos humanos. Partindo da maneira como estes concei~ tos foram utilizados, € possivel distin- guir duas grandes linhas de pensamen- . A primeira € 0 “evolucionismo cul- tural”, que surgiu no século passado com os préprios fundadores da Antro- pologia Cultural, estendendo-se até a passatia década de vinte. Estes antro- pologos pensavam que a cultura evo- Tufa das formas mais simples para as mais complexas, e que todas as socie- dades humanas percorriam os mesmos estégios no caminho para a civilizacao. Os estagios eram definidos por supos- tas formas institucionais (tipos de fami- lia € de governo, por exemplo), € os gtupos humanos eram classificados num dos diversos estigios, sendo con- siderados mais primitivos quando mais se distanciavam institucionalmente da Europa da época. Esta linha, que foi rejeitada, ndo ajuda a entender a evo- Juco humana. ‘A segunda linha, que surgiui na mes- ma época mas s6 adquiriu relevancia a partir de 1980, também afirmou que as culeuras evoluiam das formas mais sim- ples para as mais complexas, mas se distinguiu da anterior em, pelo menos, dois pontos importantes. Em primeiro lugar, porque os estégios eram estabe- lecidos pelo nivel teenol6gico e de con- tole do meio, e pela extensio da divi- sao do trabalho e da diferenciacao so- cial. Exemplificando, um estigio cul tural nfo se definia porque os grupos sociais adotassem um determinado sis- tenia familiar (como entenderiam os evolucionistas culturais), mas porque apresentassem um determinado nivel tecnolégico associado a uma determi- nada exienséo da divisio € diferencia- fo social. Em segundo lugar, porque MIREYA SUAREZ €¢ professora de Antropologia do Departamento de Cigncas Socias da Univer- sidade de Braslia, os estigios de desenvolvimento nio | cram aplitéveis a sociedades especii- cas, mas a humanidade como um con- junto, sem supor, portanto, que todas as sociedades percorressem os mesmos estigios. Entre os da primeira linha de pen- samento, encontram-se Maine (1861), Fustel de Coulanges (1864), Taylor (1865- | 1871), Morgan (1871) ¢ Spencer (1874 1896). Entre os da segunda, pode-se | mencionar White (1949-1959), Childe « (1951), Steward (1958-1960), Sahlins € | Service (1960). ' Dos trés grandes estigios de deseo volvimento pré-histérico formulados por esta linha de pensamento, isto &,0 Paleclitico, 0 Neolttico, ¢ a Idade dos Metais, 0 primeito € essencial para entender-se a evolugio humana. AS ferramentas do paleolitico, periodo que se jniciou ha aproximadamente um milhdo de anos, foram produzidas por tipos ancestrais de Hominidae. Os fosseis destes seres e suas ferramentas, restos de sua capacidade cultural, constituem ‘08 tnicos recursos disponiveis para Te- construir € entender as origens do ho- ‘mem € suas transformagbes até a fase amal. 128 Humanidades 0 Signaficado da Cultura na Evolugdo Juana Naprocura do que deve serentendi- do por evolugdo humana surgiram duas jpsig6es to radicais quanto erradas. Jor um lado, os bidlogos sustentaram ‘we @ evolticio do homem deveria ser auendida da mesma maneira que a (volugao dos outros animais, ou seja, que as transformagées se levaram a deito pelos mecanismos de muracio € slecio natural, sendo que o homem s6 fe distinguiria dos oueros animais por Aferencas de grau. Por outro lado, os sentistas sociais afirmaram que a evo- higao humana deveria ser entendida tomo a evolugio de sua cultura. Num terto momento da evolucdo biolégica, jgsseguravam, aparevera a dotacao gené- ‘a que permitiu a fabricagéo de instru- nentos, a criagio de simbolos e a co- manicago acurada, fazendo do hore 1m ser cultural, qualitativamente dis- into dos outros animais Apesar de entender a evolugto hu- rnana de maneira diferente, estas duas posigdes admitiam que a cultura ndo inka nenhurm papel na conformagio Jogica da expécie. Os biélogos nem cogitavam de que o elemento cultural poderia fazer parte do mecanismo de ‘tansformagoes, ¢ os cientistas sociais tonsideravam a cultura como caracteris- sca do homem biologicamente comple- ‘ona sua forma arual. Um dos grandes expositores desta idéia foi Leslie A. White € em sua obra The Evolution of Culture afirma que a cultura “constitui uma ordem distinta da realidad..." 0 que significa qae “os fenémenos cultu- rais deve ser estudados ¢ interpreta- dos em termos da cultura, as explica- (G0es deve ser em termos culturol6gi- cos mais do que psicol6gicos, fisiolégi- cos, quimicos ou fisicos... a cultura pode ser considerada como coisas € eventos extra-somaticos, sem tradigao bioldgica... como se existisse por si mesma; indépendentemente da espécie humana” (1959, pags. 16 ¢ 28). Eimprovavel que, naatualidade, um. ientista adote alguma destas posicdes. A evolugio humana é entendida como __um proceso biocultural e continuo. A ‘cultura é compreendida como parte da biologia do homem, € uma caracteristica amais da espécie, como é obipedismoe um determinado volume cerebral. A capacidade cultural se desenvolveu simultaneamente com as caracteristicas morfolégicas, formando a espécie tal ‘como seconhece hojeem dia, mediante uum processo de condicionamento mi tuo entre as caracteristicas biolégicas ¢ as realizagdes culturais. De modo que parece mais sensato pensar em homens morfologicamente pouco cvotuidos (como 0 simiesco Australopithewus carac- terizado por uma posicdo ereta pouco acabada, um volume cerebral pouco maior do que © do chimpanzé, ¢ um ‘enorme maxilar em relagio ao’crénio) pondo em prética uma capacidade cul- tural rudimentar (uso de simples uten- silios iticos, pequenos agregados fami- wes € um sistema de comunicagéo muito limitado), do que pensar em homens completos, com o tipo de dota- ao genética que permite nossa capaci- dade cultural de hoje, dedicados a tare- fa de desenvolver suas potencialidades. Para entender a evoluggo humana, nao podemos pensar que os fendmenos biolbgicos e culturais sdo independentes. Considera-los independentes pode ser adequado como estratégia de andlise, quando se tratade problemas demenor ‘magnitude e complexidade queaevol- io humana. Abordando a problemati- @ de biologia ¢, cultura de maneira muito esclarecida, Dobzansky afirma que: “... 9 homem tem tanto natureza como historia, A evolugio humana consia de dois componentes, 0 biol6gico ce orginico, eo-cultural ou superorganico. Estes componentes nem se excluem mutuamente nem sio independentes, ‘mas esto inter-relacionados, sho inter- dependentes. A evolugio humana 30 pode ser entendida como um proceso purairtente biolégico, nem se pode des- ‘crever adequadamente como a historia da cultura, mas sim como 0 resultado da interacio dabiologiae dacultura, Os processos biologicos ¢ culturais se con- dicionam mutuamente”. ‘An selecio natural como modelo de transformagées e a adaptacao cultural do homem : 1. As Idéias Transformistas Anteriores a Darwin M 1859 publica-se em Londres A origem das Espécies, dentro de um ambiente social jd propicio para que as afirmagbes contidas nesta obra com relaio & natureza fossem aceitas comalguma facilidade. Asidéias de que natureza esti em constante transfor macio estiveram presentes desde a an- tighidade grega. Porém, estas idéias, surgidas da observacio direta da natu- re2a e concebidas por mentes criticas ¢ analiticas, s6vieram a ser acolhidas pela Géncia formal ¢, penosamente, pelo resto da sociedade, apés a publicagio 2 obra de Darwin. Duas razdes inte- Tatuantes explicam a pouca receptivi- dade com que foram recebidas as idéias ‘evolucionistas pré-darwinistas. ‘A primeira € que estas idéias cons- tituiam inovagdes com implicagdes re- voluciondrias para os conceitos vigentes Humanidades 129 de origem da vida e posigdo do home dentro da navureza, Entre estes concei- 105, 0 mais solidamente estabelecido era o da ctiacio, baseado na interpre- tacao literal do primeiro capitulo do Génese, que presumia a imutabilidade do que foi criado por Deus. Esta con- cepcio era incompativel com as expli- cages transformistas, ¢ levou muitos Gientistas a fazer colocagdes irrecon-

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