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FICHA CATALOGRAFICA (Mepereaa plo Centro de Catalogagéonaonte. do ‘Steatsto. Maciosl” doe ‘ore €o torte ad} Glordant, masio curt cram SGiidet do sounds date modieal, Perépols, Yous, 156. ‘Bip. ust, Zaem, Bibllogatia, 1. civiaaggo Arabe — Historia — Perfodo rodiival I. tues cop — estan eas HISTORIA DO MUNDO ARABE MEDIEVAL MARIO CURTIS GIORDANI Titular de Histéria da Filosofia do Instituto de Ciéneias Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense; Titular de Direito Romano da Faculdade de Direito Cfndido Mendes do Estado do Rio de Janeiro; Professor de Histéria do Colégio Estadual Liceu Nilo Peganha, Niteréi; ‘Membro da Sociedade Brasileira de Romanistas SUMARIO Apresentagio 5 CAP. 1-0 QUADRO GEOGRAFICO 7 Introdugdo 7 Desericdo geral § Clima 10 Flora 11 ‘Fauna 1 CAP, 1 - AS ORIGENS 14 Introdugio 14 Etnia 14 A Atébia ¢ 0 Mundo Antigo 17 Resumo ‘Histérico da Arabia. pré- islamica 21 CAP, III - A EXPANSAO ARABE 39 Introducto 39 (Oe ‘Coreichitas 39 Maomé 40 Consolidagéo da unifieacio da ‘Arabia. 52 Causes da expansio vitoriosa dos arabes St Os. primeiros sucessores de Abu Bakr 61 Os Omiadas 68 03 Abéssidas & Desintegragio do Califado 92 Os Fatimidas 95 © Norte da Afcica 98 A Peninsula Thérica 105 CAP, IV - PERSAS E TURCOS 125 Introducio 123 Porsas 123, Os arséeldas 124 Os sessinidas 127 Os semanidas 134 Os buwaybidas 135 Turcon 330 As Origen: 2 expansio turca 198 Os ghasnévidas 199 Os seldjicidas 141 Os ayyabidas 145 Os mamelucos 147 Os otomanos 149 CAP, V - ESTRUTURA POLITICO-ADMINISTRATIVA 153 Introdugio 153 © calitado 155 Estrutura politico-administrativa sob 0s Omiadas 157 Estrutura politico-administrativa sob 08 Absssidas. 150, Estrutura politico-administrativa na Espanha muculmana 161 ‘CAP. VI - ESTRUTURA SOCTAL 165 Introdugio 166 Ectrutura social sob os Omindas 167 Estrutura soclal sob of Absssidas x0 Estrutura social na Espana mu- ‘guimana 172 CAP. VII - FINANCAS E ECONO- MIA 175 Introducdo 175 As Finangas 175 Finangas sob 03 Omiadas 176 Finangas sob os Abéssidas 177 Finanges na Espana Muculmana u ‘A moeda 180 ‘A Feonomla 181 Economia Rural 184 IndGstria. 187 Comércio 190 CAP. vi - asPEcTos DA vip, QUOTIDIANA 202 al Introducko 202 A Familia. 202 Os trajes. 208 A educaséo 207 HISTORIA DO MUNDO ARABE MEDIEVAL A vida roligiosa 208 ‘A vida urbana 214 GAP. 1X - A LINGUA E A LITE. RATURA 219 Introduedo 219 A Lingua 221 ‘A Lingua rabe 221 ‘A excrlta 225, Material de Eserita 226 Livros e bibliotecas 227 A Literatura. 228 ‘Tragos caracteristicos 228 A Literatura prélslamica 250 © Corto e 2 prosa Islamica 251 Periods Omiada 251 Primeiro Periodo Abéesida 233 Segundo Periodo Abissida 236 Periodo Posterior aos Abéssidas 257 CAR. X - A FILOSOFTA 202 Introduce 242 Géneso da, Filosofia Arabe 242 Filosofia Arabe Oriental 250 Adidndl 250 ‘Aitarab| 251 ‘Avicena 254 ‘Aigazel 250 Filosofia Arabe Ocldental 261 Ton Masarra 261 Tn Hazm 262 Avempace 264 Ton ‘Tufay)_ 265 Avertoés 265 CAP. XI- 0 DIREITO B A JUSTICA 26 Introducio 215 Caracteristicas 276 Fontes 277 Tneluéneins externas 281 © direito de Familia. 253 ‘A organizagio. judielinla. 287 © processo 288 © Direito penal 259 CAP, XII - AS ARTES 295 Introducho 205 ‘Tragos earactoristieos 205 Evolugéo histériea da Arquitetura 208 Arquitetura sob 0s Omiadas 298 ‘Arquitetura sob 08 Abassidas 301 Arquitetura muculmana no Ocidente 308 ‘Artes Menores 206 AMtisiea $09 CAR, XIII - AS CIENCTAS 313 Introduedo 313 Matemética 316 Astronomia 318 Mecdniea ¢ Otica 9 Quimica e Alquimia $20 Medicina “321 Geografia 325 CAP. XIV - 0 ISLAMISMO 325 Introdugto $28 © Corto 328 Sunna e Hadith 333 Pontos “doutrindrios fundamentals 35 Os cinco pilares 299 A moral_ 242 As Givisées do Tsldo 34 O' misticiemo 248 CAP. XV - 0 LEGADO 352 Introdugéo 952 ‘Transagses comereiais 253 Geografia © melos de transporte 24 Terreno clentifico 354 Artes 356 Diversées 356 Filosatia. 357 Lingiiistiea 358 Religifo Monoteista 289 Bibllogratia 262 Sincera Homenagem 20 Corpo Docente da Faculdade de Direito Candido Mendes nas pessoas de seus Diretores Dr. Cindido Anténio Mendes de Almeida Dr. Burico de Figueiredo Brasil. Ao eminente médico e a Dr. Narciso Haddad. © 1975, Editora Vozes Ltda. Rua Frei Luis, 100 25.600 Petropolis, RI Brasil Apresentacéo J, 0m 8 Histéria do Mundo Arabe Medieval completamos a primeira ‘* parte de nossa Histéria Universal, isto 6 a parte referente & Antiguidade e 4 Idade Média, A Antiguidade Oriental dedicamos um volume, & Antiguidade Cléssica dois volumés (Gréeia e Roma) e a Tdade Média seis volumes (Império Bizantino, Reinos Barbaros (2 vols.), Mundo Feudal (2 vols.), Mundo Arabe). 2. A presente obra s6 pode ser escrita gracas 20 meticuloso tra- balho de numerosos autores especializados nos diferentes aspectos da Civilizagho Arabe Medieval. Hsses autores consultados foram minuciosa e exaustivamente citados e a cles remetemos o leitor para um eprofun- damento dos temas focalizados. Chamamos a atenc&o do leitor para as cltagies expressas onde, muitas vezes, est4o consignados pontos de vista, essoais de diferentes autores. E’ compreensivel que, em alguns casos, esses pontos de vista néo Se encontrem de acordo entre si. Daf nossa insisténcia no sentido de que 0 leitor tenha consciéncia de que est lendo, muitas vezes, uma citacdo expressa, Recomendamos também a leitura das referéncias bi- bliografieas no final de cada capitulo, especialmente quando af se encontram notas elucidativas do texto, 8. O titulo da presente obra merece uma breve explicaco. A ex- pressio Mundo Arabe Medieval no possui, aqui, um sentido rigoroso hem quanto @ etnia nem quanto aos limites geogrificos. As vezes em- Pregamos como sinénimos Mundo Arabe e Mundo Muculmano ou Islé- mico. Esta iltima expresso evidentemente possul um conteido bem mais amplo. No presente volume, entretanto, via de regra, O Mundo Mugulmano a que nos referimos é principaimente o Mundo que foi cenrio dos principais episédios da expansio drabe, 0 mundo em que Predominou a lingua rabe como vefculo politico-administrativo, reli- gioso e cultural, Como o leitor veri através da leitura das paginas seguintes, tive- mos em vista, em nossa exposi¢do, como pontos de referéncia impor- tantes, 0 periodo dos Omiadas e o perfodo dos Abissidas. Coneluindo: 0 titulo da presente obra atendeu principalmente a uma exigéncia de ordem pratica sem maiores pretensbes de limitagies étnico-culturais ou geograficas, 6 HISTORIA DO MUNDO ARABE MEDIEVAL 4, Esta Histéria do Mundo Arabe Medieval forma um todo. Isto significa que o contetido de um capitulo sé pode ser plenamente com- preendido mediante a leitura de outros capitulos correlates, Os temas tratados nos diversos capitulos acham-se, as vezes, intimamente rela. cionados. Assim, por exemplo, o tema dos capitulos respectivamente sobre o Islamismo e sobre a Filosofia. Essa correlagio explica que em alguns casos tenhamos repetido conceituagdes ou alusdes a certos acon- tecimentos, Tais repeticdes foram propositadas e visaram a evitar que 0 leitor tivesse que recorrer a péginas anteriores para melhor esclare- cimento. 5. Entre as dificuldades que encontramos na elaboracéo desta His- toria do Mundo Arabe devemos citar a grafia de certos nomes, espe- cialmente de nomes préprios. Em alguns casos a existéncia de forma portuguesa jé consagrada do vocabulo em questio afastou essa difi- culdade. Na maioria das vezes porém tivemos de escolher entre grafias diferentes apresentadas por diversos autores, Isso ocorrew, por exemplo, com a grafia de nomes geogrificos que n&o raro apresenta acentuadas divergéncias. Nas citagdes expressas ativemo-nos, em geral, & grafia do autor citado. Hm outras ocasiGes procuramos seguir 0 quadro de trans- iteragio apresentado na obra Islamologie e que reproduzimos no pre~ sente volume. Como no dito quadro nao se encontra a variante portu- guesa, seguimos, de preferéncia, as indicagées de transliteracio para o francés com as devidas adaptacées. Assim, por exemplo, 0 nome do fil6sofo da Histéria Ybn Haldun (grafia internacional) foi transcrito Ibn Khaldun. Na transcricio francesa encontramos Ibn Khaldoun e na espanhola Ibn Jaldiin. Nem sempre a solue’o do problema de transli- teracio foi tao facil e para as possiveis falas ocorridas contamos com a benevoléncia do leitor. 6. Deixamos aqui expressa nossa gratidao a0 Colégio Estadual Li- eeu Nilo Pecanha de Niteréi onde, na pessoa de seu digno diretor Prof. Joadélio de Paula Codeco, encontramos estimulo e total apoio & Pesquisa indispensavel A elaboracio da Histéria do Mundo Arabe Me- dieval. 0 AUTOR. CAPITULO I O Quadro Geogréfico INTRODUGAO “VAMOS Iniciar este estudo do Mundo Arabe Medieval proporeio- nando ao leitor uma répida visio do quadro geogrifico em que encontra suas rafzes @ Civilizagio Arabe. Cremos ser conveniente, a titulo de introdugao ao presente eapf- tulo, dizer algumas palavras sobre como se processou 0 acesso as fontes disponiveis para o estudo da Ardbia pré-islémica, fontes essas cons- tantes principalmente de insericSes que foram inicialmente reveladas ao Ocidente através de audazes viajantes que nessa tarefa nfo raro arriscaram a propria vida,* A partir do século XVIII, com a expedi¢io enviada pelo rei da Dinamarea em 1761, comeca o que se podria chamar a redescoberta da Arabia pelos modernos europeus, Nessa expedicio cientifica tomou parte o erudito Carsten Niehbuhr (pai do historiador Berthold Georg © estudioso da escrita cuneiforme) que publicou em 1772 uma descricéo da Arébia, tendo sido o primeiro a revelar a existéncia das insericdes sul-arébicas.* Em 1812 0 suigo Johann Ludwig Burckhardt, disfargado em mu- gulmano e com o falso nome de brahim ibn Abdullah, visitou Meca ¢ Medina. ‘Bm 1843 Th. 8. Arnaud, que descobriu as ruinas de Ma'rib, copiou, com risco da propria vida, cerea de sessenta inscrigGes. Hm 1853 o inglés Sir Richard F. Burton, disfargado em peregri- no, visitou as cidades santas tendo descrito sua arriscada aventura em dois volumes. Bm 1869-1870 o francés Joseph Halevy, disfargado de mendigo judeu de Jerusalém, descobriu as inscrigées ‘himiaritas, tendo sido o Primeiro europeu, depois de Elio Galo (24 aC), a visitar Najran no al-Yaman, Halevy conseguiu trazer consigo 685 inscrigses de trinta e sete diferentes localidades.* Em 3875 0 inglés Charles Montagu Doughty percorreu_o norte da Arébia. Sua viagem foi desorita em «Trevels in Arabia Deserta>, obra considerada um cléssico da Literatura Inglesa.* Em 1879 Lady Anne Blunt chegou a Naja procurando, entre ou- tras coisas, cavalos drabes. 8 HISTORIA DO MUNDO ARABE MUDIEVAL Entre 1882 e 1894 0 austriaco Eduardo Glaser empreendeu quatro expedig6es cientificas ao al-Yaman que lhe renderam cerea de 2.000 Para terminar, lembremos, ainda, a titulo de exemplo, trés explo- radores do séoulo XX: Eldon Rutter (que visitou Meca e Medina em 1925-26); Bertram Thomas, jovem orientalista inglés, que em 1931 ru. zou pela’ primeira vez o grande deserto meridional da Arabia, al-Rab al-Khali; H, St. J. B. Philby que em 1932 também percorreu o Rab em sentido leste-oeste, partindo de al-Hufuf, nas proximidades do Golfo Pérsico. Recentes expedigies de exploracio organizadas, v.g, pela Univer- sidade de Lovaina (1951-1952) e pela American Foundation for the Study of Man (a partir de 1950) ampliaram o nimero de inscrigées obtides que constituem uma excelente fonte para o estudo da Anibia pré-islamica, A essas fontes diretas poderiamos acrescentar as fontes indiretas como as tradi¢6es mantidas através da literatura drabe-islamica (que Tevestem quase sempre um cardter lendério), e as referéncias contidas nas inserigGes hieroglificas e cuneiformes, no texto biblico e nas obras gregas ou latinas. Focalizaremos, mais ‘adiante, estas iltimas fontes quando estudarmos 0 item . A Arébia € uma peninsula de imensa extensio contando mais de 3.000.000 km’. Une-se, pelo norte, ao continente asiatico; limita-s a oeste pelo Mar Vermelho} a leste pelos Golfo Pérsico e 0 Golfo de Oma; @0 sul pelo Oceano Indico. No extremo norte encontram-se o deserto da Siria e 0 rio Bufrates.* Nas zonas litoréneas da peninsula encontramos cadeias de mon- tanhas que acompanham aproximademente a costa. Assim, por excmplo, quem viaja pelo Mar Vermelho margeando a penfnsula arAbiea percebe altos cimos de montanhas que so elevam nas proximidades do Dag’ ‘medida que se penetra no interior em diregéo a leate, notarse que ecsse CAPITULO I: 0 QUADRO GEOGRAFICO ° montanhas vo perdendo altura progressivamente até so nivelarem ¢ formarem um grande planalto com planicies pedregosas e desertas, Bisse planalto, por sua vez, vai-se inclinando gradualmente em direcio & Mesopotémia e as margens do Golfo Pérsico, Mas note-se que, ao Jongo desse golfo e do Oceano Indico, ainda encontramos zonas mon. tanhosas, A. Arébia Ocidental compreende duas regies principais: o Hedjaz ¢ 0 Témen, O primeiro se limita a oeste pelo Mar Vermelho, a leste pelo planalto do Nedjed e estende-se de norte a sul desde a extremidade o golfo de Akaba até os limites do Témen, ao sul de Meca.* Em face do Hgito, o Hedjaz apresenta alguns portos modestos, mas seus odsis férteis possibilitaram o aparecimento de aglomeragces humanas dedieadas especialmente as atividades comerciais da rota que, passando por Meca e Medina, se dirige para a Palestina e a Siria, «Pequenos centros urbanos surgiram também ao longo dessa via para manter ¢ canalizar a corrente de mercadorias. Constituiram-se assim 43 primeires bases do imenso Estado que Maomé devia criar seis séculos apés_o nascimento de Cristos.* © Témen 6 famoso desde a Antiguidade por sua fertilidade e queza. . * cLIMA A Peninsula Ardbica est cortada pelo trépico do Cancer entre Meca © Medina, Mas as altitudes, o deserto e a proximidade do mar sio fatores que em certas regides determinam miiltiplas variagées climéticas. Ao sul, mais imido, nebuloso, por vezes coberto de neve mos sets cumes mais elevados, opde-se 0 Hidjaz, no qual a umidade se confina 4 costa, © sobretudo o interior, de earacteristicas estépicas ou desérticas, com as suas tempestades violentas e loucas, carregadas de areia, t20 diferentes dos ventos regularmente impelidos pelo mar Vermelho ou das mongées do oceano Indico».” Observe-se que o vento leste (saba) € Jouvado pelos poetas como o mais suave. O simum (samum), vento a terra ardente, temido, Bis em sintese o clima da Arébla, em geral: . As chuvas possibilitam 0 nascimento e erescimento de uma vege. taco que serve de alimento para o gado. Assim, por exemplo, é 0 sa’dan, planta espinhenta, apreciada pelos camelos. ‘As populagées sedentérias cultivavam além da tamareira outras drvores frutiferas como pessegueiros, abricoteires, limoeiros, laranjeiras, figueiras, bananeiras e ainda plantas relacionadas com a producdo de Substncias aromaticas como o incenso, o timo, a lavanda, ete FAUNA, Leves, panteras, lobos, hienas entre os quadriipedes ferozes, éguias, faloBes @ abutres entre as aves de rapina sio exemplos da fauna da Peninsula Arabica. Notese que os le6es, freqiientemente eitados pelos poetas antigos, ja no existem na Ardbia. Entre os animais domésticos dois merecem mengio especial: cavalo e 0 camelo. Quanto ao primoiro, observe-se que foi imtroduzido na Asia Oci- dental pelos cassitas hititas. Da Sitia 0 cavalo passou para a Arébia (Hitti, obra eitada, p. 20). © cavalo arabe puro-sangue tornou-se famoso em todo mundo nao 6 pela beleza de suas formas, mas também pela resisténcia, pela velo- cidade ¢ pelo afeicoamento a seu dono. Desde tempos recuades a Arabia exportava cavalos para a India. camelo, se nfo possui a nobreza do cavalo, supera-o todavia em utilidade, Pode-se afirmar com seguranga que sem sua existéncia @ deserto no teria condigdes de ser habitado pelos beduinos. Os poetas apelidaram-no, com razéo, .” j ‘Asnos, ees e gatos sio outros espécimes de animais domésticos existentes na peninsula. ‘Além da flora e da fauna, convém lembrar entre os recursos na turais da Peninsula Arébica a existéncia de depSsitos minerais a0 longo da costa ocidental, Deodoro elogia a pureza do ouro existente na Ardbia, Vamos encerrar esse breve estudo do quadro geografico, apontando, a titulo de exemplo, algumas influéneias que o meio fisico exercey no desenvolvimento da civilizagio 4rabe. 2) Isolamento Um simples olhar & earta geogréfiea da Arébia chama a atengio para © isolamento da peninsula com relacéo as regides em que se desenvol- veram as grandes civilizagdes do Antigo Oriente Proximo. .* b) Posicio comercial estratégica © isclamento da Arébia ndo deve contudo ser exagerado, Isso porque propria situagio da peninsula entre a Asia e a Africa tornou-a neces- sariamente um ponto de passagem dos comerciantes. Pirenne anota que, Gesde a mais recuada Antiguidade, a Arabia, através das vias carava- neiras que @ atravessavam e pela cabotagem que se fazia 20 longo de suas costas, tinha desempenhado um papel considerdvel nas relacdes econémicas entre 0 Ocidente e o Oriente.” Wssas relagdes econdmicas explicam, sem diivida, a existéncia de sociedades mais evoluides nas bordas da peninsula, ©) A marea do deserto © deserto com todas as conseqiiéncias que sua natureza acarreta sobre a vida humana constitui, sem divida, o fator preponderante que marcou 8 alma 4rabe através de milénios, A pobreza das solidées de rocha e areia e a aspereza do clima motivaram, desde épocas remotas, a migragio de semitas da Arabia Para o Oriente Préximo.™ Os que permaneceram no deserto viram-se posteriormente barrados fem suas correntes migratérias pelos grandes impérios, Babil6nia, Assi- ia, Pérsia, Bizinclo, que se desenvolveram 20 norte, CAPITULO 1: 0 QUADRO GEOGRAFICO 2B Os descendentes dessas levas que permaneceram no deserto iriam constituir posteriormente a avalanche imensa que, unificada pela prega- So islimica, se precipitaria sobre o Oriente Préximo, a Asia, a Africa e atingiria a prépria Europa. A marca do deserto se fez sentir no nomadismo, na vida frugal, no amor & liberdade, no espfrito de solidariedade tribal, no gosto pela razia, na desconfianga em relacio aos estranhos. © beduino desprezava a cidade e amava o deserto. .* Atualmente 0 .* A resposta a essa indagacdo deve ter em vista as seguintes consideragées: 1) Nossa documentago & bastante falha em relagio a antropologia dos Grabes. «Hssa fraca documentacio e a certeza que temos de que, no momento das conquistas, grupos étnicos diversos entraram na érbita. politiea arabe e, por isso, alteraram a real fisionomia desse povo, explicam o desacordo dos autores que estudaram os ‘érabes'».* 2) cAtualmente a variedade de tipos antropolégicos na Arébia é grande. Os beduinos do interior aparecem em sua maioria como dol cocéfalos com uma certa proporsio de braquicéfalos na classe superior. Os braquicéfalos existem em boa proporgdo na Ardbia do Sul, Mas sabe-se que o indice cefélico néo possui, sem diivida, a extrema impor- téncla que se Ihe atribuia outrora. Um julgamento baseado no conjunto de caracteres fisicos resulta em varios tipos astaz diferentes. Existe seguramente traco de influéncia negréide, sobretudo na direcéo sul. No conjunto antropologia, em seu estado atual, em nada nos auxilia a fazer uma idéia da historia da Ardbia>.* 8) Sobre 0 tipo Arabe, uma obra atual de Antropologia Fisica es- clarece-nos: .* 4) Os autores Arabes distinguem entre arabes do Norte e Arabes do Sul. «A teoria drabe quer que os arabes formem uma raga e nao uma comunidade de povos falando 2 mesma lingua; essa raca com- Preende individuos que descendem em linha direta de um ou de outro Ge dois ancestrais, Qahtan e ‘Adnan. Eram cles parentes? Qahtan descendetia de Ismael que é reconhecido como antepessado de ‘Adnan? A tradigéo quer que os descendentes de Qahtan sejam os cverdadeiros arabes» (alarab al ‘Ariba) e os de ‘Adnam os «érabes arabizados> ( ‘arab al-mousta, ‘riba). Essa tradicio poderia encontrar uma explicacio Yingilistica; com efeito a raiz ‘adna significa estar com residéncia fixa. em um lugar, continuar a apascentar seus rebanhos na mesma pasta- gem»: essa definigo poderia aplicarse aos sedentérios do sul, que adotaram 0 arabe como lingua, portanto se arabizaram. A raiz gahata significa: cestar sem chuva, falar chuva>, o que poderia corresponder 4s regives percorridas pelos arabes némades, esses do norte. Mas a tradicao quer que a gente de Qahtan sejam Arabes do sul (tribos ieme- nitas) @ que os de ‘Adnam sejam os 4rabes do norte (tribos ma‘additas, nizaritas ou qaysitas)».* 16 HISTORIA DO MUNDO ARABE MEDIEVAL, 5) Ainda a titulo meramente informative para que o leitor possa, avaliar a complexidade do tema em tela, vamos transorever mais um Ponto de vista sobre as gencalogias rabes: ,* De todas essas consideracées e observagies parece-nos Iicito firmar ‘es seguintes pontos: 1) Néo ha divida de que os arabes sejam semitas, Em nossa Histéria da Antiguidade Oriental j6 falamos sobre 0 que se deva entender por essa expresso, Vimos também que as migra- goes semiticas mais antigas de que nos chegaram noticias tiveram a Peninsula Arbiea como zona de difusdo. Ao que tudo indica, a Arabia Pode ser considerada 0 bergo dos semitas.” 2) Através de milénios processaram-se ondas migratérias motiva- das pelo superpovoamento de certas regides da peninsula, No século VII de nossa era produziuse um novo surto migratério, essa vez sob a bandeira do Isla. Hssa nova onda nio foi contida pelas regides do Antigo Oriente Proximo. Transbordou esses limites ¢ atingiu, no Ocidente, a propria Franca, depois de inundar .o norte da Afriea a Peninsula Ibérica. No Oriente chegou a penetrar até mesmo em regides da Asia Central, Estamos agui em fase da expansio drape ‘no ‘Mundo Medieval. 8) Ease migragio arabe do século VII sugere-nos algumas consi- ‘deragdes, Em primelro lugar deve-se gallentar que o isolamento geogra- CAPITULO Ti: AS ORIGENS x fico da Peninsula Ardbiea (com as excecdes jé apontadas em péginas anteriores) contribuiu inegavelmente para a conservagio, durante mi- Gnios, das caracteristicas ¢ das condicées de vida dos seus habitantes, ‘Assim, por exemplo, a permanéncia da monétona uniformidade da vida no deserto, Nao € sem razio que os préprios habitantes denominaram sua terra «ilha dos érabes». Hssa «ilha», anota Hitti, fornece .* Com efeito, enquanto outras regides famosas na Histéria (como a Grécia, a Itélia, a India, ete.) conheceram através dos tempos imimeras invasdes que modificaram seu panorama racial e cultural, a historia da Peninsula Ardbiea desconhece qualquer grande invaso estran- geira que tenha vencido a barreira de seus deserts e que tenha im- plantado um novo tipo de civilizacdo. O povo da Arabia, sublinha Hitti, ,* B HISTORIA DO MUNDO ARABH MEDIEVAL Um simples olhar sobre o Mapa do Oriente Préximo revela-nos a singular posicéo geografica da Arabia, introduzida, por assim dizer, entre duas regiées em que se desenvolveram antiqilissimas civilizacées: © Egito e a Mesopotimia. Compreende-se, assim, que 03 povos dessas regides figurem em primeiro lugar nos exemplos que vamos citar sobre as relagdes entre arabes e as nagdes do Mundo Antigo. Egito E bem possivel que a mais antiga reprodugéo existente de um repre- sentante da nacho arabe seja a figura do chefe beduino que aparece em um relevo da época da primeira dinastia, Herédoto (II, 102) menciona que Seséstris I (XII dinastia, 1970- 1936), partindo do golfo ardbico, submeteu os habitantes do litoral do mar da Eritréia. E’ bem possivel que sob a designago de Punt os antigos egipcios compreendessem os territérios situados em ambas as margens do Bab- cl-Mandeb,* ‘Mesopotamia Uma inscricio do tempo de Gudea, patesi de Lagash, menciona uma expedicio a Magan e Melukhicha, Esses nomes sumerisnos indicam, na época, regides situadas na Ardbia oriental e central. Na jé citada insericéo assiria do reinado de Salmanasar IL (858- 824) € mencionado um chefe Arabe (Gindibu, Jundub) de quem o mo- narea tomou mil camelos. Hitti comenta: «Parece hem apropriado que © nome do primeiro drabe lembrado na Histéria esteja associado com © camelo>.” Tiglate-Pileser IIT (746-721), segundo atesta uma inserigio, impos tributo & rainha do pais de . Sargéo It (721-705) submeteu tribos do deserto ¢ manteve rela- Ses com chefes Arabes dos quais teria recebido tributos, Senaqueribe (705-681) submeteu a fortaleza arabe de Adumu. (1,8), © que, na terminologia biblica, equivale a arabe.” Na literatura posterior ao exilio encontramos mencio aos arabes (2Mae 5,8 © IMac 5,39). Note-se que aqui se trata dos nabateus, cita- dos, alids, expressamente em IMac 9,35. Gregos Em Ssquilo (Os Persas, 1, 320) encontrames a primeira mengio aos frabes feita na literatura grega, Herédoto (VII, 69) faz uma referéncia aos arabes que se encon- travam no exéreito de Xerxes,

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