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Todos os direitos reservados ARGVMENTYM Editora Ltda © Autores: Este livro ou parte dele no pode ser reproduzide por qualquer meio sem a autorizacao da editora. [As ideas oSntidas neste livro so de responsabilidade de seus autores ‘endo expressam necessariamente a posigao da editora. “IP-BRASIL CATALOGAGAO-NA-TONTE | SINDICATD NACIONAL DOS EDITORDS DE LIVHO, KD D968 Durkheim : 150 anos / organizador Alexandee Braga Masslla. ~ Belo Horizonte, MG Argvmenivm, 2009, 264 p. sil, ~(Sociedade & Cultura; 1) ‘Teabalhos apresentados no Settindro Internacional “Durkheim 150 Departamento de Sociologia da Universidade do Sto Paulo « realizado entre os dias 11 € 14 de novembro de 2008, Incl bibliogratia ISBN 978-85.98885-76.6 1. Durkleim, Emile, 1858-1917 ~ Congrests. 2. Socioligos ~ Franca. 3. Sociologia — Filosofia, I, Massela, Alexandre Braga. anizado pelo 09.5430, cpp: 301 DU: 316 16.10.09 1.10.09 15800 Concepeito Artistica da Coleco SOCIEDADE & CULTURA Paulo André Ferreira de Souza ~ Belas Artes ( UFMG oseno eorronal CoverNo Socimpaue & CULTUMA lisa Pereira Reis | umm Leopoldo Waizbort | ust Renan Springer de Freitas | vm Ruben George Oliven | urncs ARGVMENTYM, Editora Lida. Rua dos Cactés, 530 sala 1113 ~ Centro Belo Horizonte. MG, Brasil Telefax: (31) 3212 944 ‘www .argvmentymeditora.com.br Sumario Agradecimentos nn Introducao Raquel Weiss e Alexandre Massel... carro Duskheim e.a tese da Desintegragaio Steven Latkes. 21 Invsiganoo proj de Dustin prs acm de ma CinciaSoil William Watts Miller. . 29 Coren 3 Leituras da Escola Durkheimiana Alexandre Massella.. 69 Cairn d Aliruismo, egotism ¢ solidariedade na Fscola Durkheimiana Philippe Steiner... Carmo 5 A atualidade de 0 Suietdio Roger Kstablet 119 Anonaia, um conceito, uma histéria, um destino Sérgio Adomo. 131 atria 7 Concsitos ¢ fungoes da religiao nas sociedaces humanas arcaicas ¢ modernas José A. Pras... 57 DURKHEIM A TSE DA DESINTEORAGIO LUKES, S. “Liberal Democratic Torture.” British Journal of Political Science. Vol. 36, 2005a, pp. 1-16. LUKES, $. “Invasions of the Market” in Miller, M. (ed.). Worlds of Capitalism: Institutions, Governance and Economic Change in the Era of Globalization. London: Routledge, 2005b. LUKES, S, “Zest Confidence” (commenting on the relevance of Durkheim to the credit crisis), New Humanist. Vol. 123, issue 6, November-December, 2008. MARQUAND, D, “The Moral Economy can't be righted until we accept our ‘own culpability”. The Guardian, 26 May 2009. RADIN, M. Coitesied Commodities: The Trouble with Trade in Sex, Children, Body Parts and Other Things. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1996. TAWNEY, R. HL. The Acguisitive Society. London: Beii and Sons, 1921. WALZER, M. Spheres of Justice: A Defense of Pluralism and Equality. Oxford: Martin Robertson, 1983, a Captruto 2 Investigando o projeto de Durkheim para a constituigéo de uma Ciéncia Social! William Watts Miller 0 livro Da Dinisto do Trabalho Social comeca da seguinte maneira: Ce livre est avant tout un effort pour traiter les fats de la vie morale Capris la méthode des sciences positives. (1893a: i; 1902: xxxviil® Portanto, ao se investigar a obra de Durkheim, ¢ importante fazer um esforgo para tentar entender como um todo 0 seu projeto geral para uma ciéncia social.? ' Tradugao de Raquel Weiss, As citages origins de Durkheim sto mantidas em frances pedi do aor. 2 Ease lio consist, sobretudo, em um esforgo para tratar os fatos da vida moral segundo os métoos tas ciéncias postvas”. Durante a vide de Durkheim foram realizadas quatro edges de Da Divisto do Trabatho~ a edigio original de sua tese na universidade (18%3a}; sua primeira edigto no formato de um livro vendo ao pillico (1893b}; uma segunda ediedo, revisada (1902); e uma terceiraedico (1911). As ctagdes aqui slo as das edigdes de 1993a e 1902, mas algumas conferéncias ‘foram fitas com a edigdo 1893b e 1911. A paginagdo da 189Sa e 1893b ¢ a mes- rma. Ea paginagdo da edigo de 1902 e dade 1911 também sf iguais. As edigdes comerciais modernas nfo sfo muito conféveis, pois, misteriossient, introduzem ‘iris alteracBes por conta prépria, bem como hi erzos de impressio. Infelizmente ainda nfo existe uma edigto erica, que apresente deforma sstemtica as variages feites por Durkheim, com suas corregSes de errs de impressfo, conferéncia de ities, de referencias, ete, * Base ensaio & baseado em una iavestigagto mais ampla, A Durkeimian Quest: Solidarity and the Sacred ~ que deve ser concluido em breve, e gira em torno de Da Disisao do Trabalho e As Formas Elementares. 39 phat Noe wer IRVESTIGANDO 0 PROJE-TO DE DURKHEIM PARA 4 CONSTITUIGKO DE UMA CIENCIA SOCIAL Una ciéncia social objetiva ¢ engajada —_ A ciéncia social de Durkheim deveria ser objetiva. No entanto, ela nao é neutra. f comprometida. Isso esti implicito em toda sua grande oor paso cam a solidariedade ¢ com o sagrado. Mas é também algo explicito des Feomego, ‘seu prel ‘a0 livro Da Divisdo do Trabalho. Ele enfatiza como uma ciéneia da vida moral, longe de ter um interesse ‘meramente académico, pode_ajudar a identificar o ideal. Sua ambigio 6 ade explorar 0 caminho do saps baer OS para o dever ser. Ele alata os “misticos” ‘que afirmam que essa é uma tarofa impossivel e que, justamente por isso, “colocaram a razfio humana para dormir” (18932: vi; 1902: xk). Logo, vamos comecar por investigar de que modo seu projeto para a sociologia consiste em um projeto para uma ciéncia social éngajada, ¢ como esse projeto articula visio social com eritica social. Embora essas duas dimensdes devam ser distinguidas, elas aparecem estreitamente vinculadas no decorrer de seu trabalho. Até mesmo, ou melhor, especial- mente, em sua critica sobre o mal-estar na sociedade, ele nunca abre mio dda esperanga nas energias renovadoras. Portanto, uma forma de mutilar a ciéncia social de Durkheim consistiria precisamente em eliminar seu idealismo e neutralizar sua critica. No entanto, ha uma outra forma de mutilacio, uma critica puramente negativa, que consiste na eliminagio de toda a esperanga. A ciéncia social como uma visdo social Na obra de Durkheim, é justamente porque a solidariedade & uma base essencial do mundo gociall que ela também consiste em uma base essencial para um ideal da boa sociedade. Portanto, 2de sua tese se referem a divisfio do trabalho como a principal instancia para se buscar fontes para a solidariedade moderna. Mas 0 livro 3 tem como preocupagio central o fracasso nas tentativas de se gerar solidariedade, 0 «que é rovelado nas cenas cotidianas de aliena¢ao, anomia e luta de classe. Insistindo em tentar encontrar uma forma de escapar dessas situagdes, ele as earacteriza como uma “crise de transigao",e aponta para uma solidarie- dade do futuro, Contudo, como ele também insiste, & preciso ainda que 0 ‘mundo moderno enconte suas aspiraces mais profundamente enraizadas, aquelas de liberdade e igualdade, para que seja possivel alcancar essa solidariedade. Enfim, o que ele acaba por defender é uma visio de uma sociedade de pessoas livres ¢ auldnomas, de justica e de solidariedade. re ‘WILLIAM WATTS MILLER, Aqui vemos ecoar os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade da Rerolugao. Mais precisamente, trata-se de um re-ecoar desses ideais. Esse famoso tro de ideais re-emerge na Terceira Repitlica, sendo adotaclo como seu lema em 1880, e tornando-se parte do contexto politico mais amplo da tese de Durkheim. Para os conservadores oponentes da Repiiblica, esse lema era um caldeirao “vermelho” de nogBes perigosas, impossiveis| ¢ contraditérias, E por volta de 1880 houve um grande esforco coletive para tentar responder a esses ataques.* A tese de Durkheim foi uma con- tribuigdo para esse esforgo. Ele mobilizon sua nova ciéncia da vida moral para elaborar uma defesa sociolégica dos ideais da Revolugao. E verdade ‘queisso implicou que esses ideais fossem retrabalhados de modo a formar uum todo coerente e de modo a constituir um ideal prétice passivel de ser realizado a partir da agio. Mas, acima de tudo, foi preciso concebé-los como uma aspiracao dos tempos modernos, construidos no contexto da prépria estrutura do nosso mundo e de sua dinamica subjacente, Logo, isso nos conduz ao contexto intelectual mais amplo no qual se insere sua tese, uma vez que cla Consiste claramente emt versio das Pre, hhisthrias do progresso to caracteristicas do século XIX. Contudo, essas histirias t€m suas raizes no Esclarecimento do século XVII. E.& bastan- 7) te instrutivo nos referirmos a “filosofia da historia” de Kant, dada a sua importancia no meio filoséfico francés, no qual Durkheim foi educado. De fato, a preocupacao com a filosofia da historia kantiana é particular- mente evidente em De la solidarité morale (1880), um trabalho citado na tese de Durkheim, e por 1m dos membros da banca examinadora, Henri Marion.* Mas ¢ ainda mais revelador perceber as similitudes basicas entre Aa, ne esa filosofia da histéria e a propria discussao de Durkheim sobre a época moderna, " Vejase, por exemple, a imroduei & terceira edigzo do livro de Paul Janet, Histoire de le Science Politique (1887, I: v-lex), on « conclusto 20 livro de Thomas Ferneuil, Les Principes de 1789 erla Science Sociale (1889: 337-360), onde feta a afrmsx de que um lema mais eontempordnco ¢ cientifica seria “Liberte, Egalité, Solidarit Janet fez parte da banca examinadora da tese de Durkheim, enquanto o livro de Feumneil oi objeto de uma resonha muito positiva redigida por Durkheim (1890), © que, als, foi sua Gltima publicagdo antes de entregar a versio final de sua tese, com Marco de 1892. or exemplo, na pigina de abertura de seu livo, Marion cit uma famosa passs- gem de um dos eseritos de flosofia cla histria de Kant, Em sua introducdo, deixa clara sua divida para com o grande filésofo neo-kantiano daquela época, Charles Renouvier, explicando que a citaglo de Kant “6 0 que revela melhor oespirito deste estudo” (Marion, 1890: 39). fo JpSTIGANDO O PROJETO DE DURKHEIM PARA A CONSTUTUICAO DE UMA CIENCIA SOCIAL, A filosofia da histéria de Kant é evidentemente teleologica, na medida em que se refere ao progresso da humanidade em direcdo a um fim, E Durkheim sempre rejeitou esses histrias teleologicas, em favor de uma dindmica “mecanicista” engendrada por forgas ocultas desconhecidas. Mas Kant também o fez, ao enfatizar uma dindmica na qual, na maior parte do tempo, a humaifidade apenas tropeca, caminha as cegas, sem ter um fim consciente. F somente no final desse caminho que se chega a uma moderna cera de esclarecimento, de uma maior consciéneia quanto ao ideal humano, ‘que prepara o caminho para uma futura era esclarecida, que se concretiza ‘cada vez mais na pratica. Porém, um fato aparentemente contraditério nessa historia da humanidade concebida tao mecanicamente é o de que a forca bisica de todas as coisas sio o surgimento ¢ o desenvolvimento do cerne da liberdade humana. Isso nos conduz ao conceito de autonomia de Kant, que ele vincula explicitamente & sua visio de uma associagiio de pessoas. livres e auténomas — um reino dos fins -, um ideal que ele formulou pela primeira vez as vésperas da Revoluco, em 1785. Isso nos fazvoltar a Durkheim, E precisamente a visio desse “reino” que é reformulada nesse terreno intelectual no qual ele habitava, e através do qual ele incorporou as idéias kantianas, interpretando-as ¢ engajando- se com elas. Emile Boutroux ~ outro de seus examinadores ~ converte ‘0 “reino” em uma reptiblica de pessoas.* Charles Renowvier — 0 heréi filo- séfico de esquerda de Durkheim ~ 0 reformula enquanto uma sociedade de pessoas.’ Ambos os termos serviriam para exprimir sua prépria visio sobre essa era eselarecida, concebida enquanto um mundo baseado na existéncia de pessoas livres e auténamas, de justica e de solidariedade. Mas também é possivel mencionar a tradigao radical inglesa e americana para evocar esse ideal, enquanto uma comunidade de pessoas. Portanto, esse é um termo que seré utilizado aqui, embora nunca tenha sido usado por Durkheim. Isso ajuda a resumir aquilo que seria sia visto sobre o futuro moderno, mas também a exprimir sua eritica a0 estado no qual nos encontramos atualmente. E vamos agora um pouco mais © Yer Boutroux (1926:373) em um curso ministrado sobre Kant no ano letivo de 1896-1897, E também chamada de “repGblica das yontades”, em uma exemplar ‘obra sobre élica kantiana, eserta pelo colega ¢ exaluno de Routrox, Vietor Delbos {1905} 1969: 308). * Ver Renouvier (1869: 168, Vol. 1). Contudo, nessas diferentes interpretacdes sobre ‘obra de Kant no meio francés da época de Durkheim ~ assim como em sua pro- ‘ria tese — uma preoeupacio eomum era como conciliar aulonomia e solidariedade, assim como o proprio Kant # associou a idéia de uma Verbindung ow comunidade do pessoas. ‘WILLIAM WATTS MILLER adiante, para investigar sua vistio sobre esse momento como uma “crise de transicao", algo que foi enunciado repetidas vezes, e que deveria ter fim, E verdade que ele nfo a concebia como uma crise de curta duragao, Ele a ‘via como um processo resultante de um trauma e que se manifestava havia pele menos um século, Assim, um século depois, podemos nos perguntar se 8e trata de um processo mais ou menos permanente, que advém da propria natureza de nossa sociedade. Contudo, permitam-nos abordar a questo a partir de seu préprio terreno tebrico, que é completo quando consideramos ndo apenas sua esperanga nas forcas renovadoras, mas também sua crenca em uma légica social das coisas, implicita e subjacente. A ciéncia social como eritica social “Toda sociedade é uma sociedade moral”, de acordo com a conchisao do livro I da tese de Durkheim (1893a: 249; 1902: 207). Em toda sociedade existe solidariedade, ¢ a solidariedade é a fonte da moralidade. F ele nao se contradiz no livro III, quando apresenta o diagndstico do mal-estar da - sociedadé imiddernia. Ele ainda ve um mundo constituido por sociedades. O que ocorre é que nesse mundo s6 pode haver uma “solidariedade im- perkita e conturbadla” (1893a: 421; 1902: 369). Isso é apenas uma forma de exprimir aquilo que é mais corretamente descrito como uma'solidariedade enfraquecida: Mas, em todo 0 caso, isso levanta a questiio acerca de qual seria, segundo Durkheim.,o ponto fraco da solidariedade contemporinea, Dado que a resposta a isso é aaustncia ‘de grupos intermediirios, 6 a partir disso que precisamos abordar a sua Preccupacao com a alienaco, a anomia ¢ outras patologias modernas. Alienagiio e Anomia Na obra de Durkheim em geral, um ponto crucial em seu argumento sobre uma rede de grupos intermedidrios se refere &-capacidade destes de vincular o individuo & sociedade mais ampla, a partir da ancoragem daquele a meios sociais mais definidos ¢ interconectados. Do contrério, © que se tem & uma massa de individuos atomizados, sem vinculo algum ‘com a sociedade, a nao ser com a sociedade representada por um Estado ‘centalizado autoritério — um cenério que em seu novo preficio ele descreve como uma “monstruosidade sociologica” (1902: xxxxii). | !NVESTICANDO 0 PROJETO DE DURKHEIM PARA A CONSFITUIGAO DB UMA CIENCIA SOCIAL, Parte desse pano de fundo é sua historia sobre como as guildas do an- tigo regime foram eliminadas abruptamente pela Revolugo, sem que nada teiha sido posto em seu lugar. Tampouco havia qualquer espago concedido 4 tais grupos na repiblica ideal apresentada por Rousseau em O Contrato Social (1762), que foi uma espécie de biblia da Revolugdo, Portanto, em seu. ‘fensiio sobre o Caso Dreyfuss, ele apresenta Rousseau e a Revolugiio como {casos paradigméticos modernos de como o “individualismo combina-se com “uma concepeto autoritaria de sociedade” (1898: 9; 1970: 266). K, antes, ‘em suas aulas sobre O Contrato Social, ministradas entre 1896-1897, ele afirma o seguinte sobre a idéia de repiblica defendida no livro: [Ses is] attachent les individus au groupe, nom es individus entre ils ne sont solidaires les uns des autres que parce qu'ils sont tous so aires de la communauté, 'esta-dire aliénés en elle. (1918: 43)" Essa & uma das poueas ocasides em que Durkheim utiliza 0 termo: alienagao, Porém, isso evita que ele seja confundido com os varios usos que le faz do termo “egoismo”, ¢ permite-Ihe apresentar a mais basica dentre todas as patologias modernas ~ a da existéncia de individuos solitarios, se- WE parades, atomizados, apartados uns dos outros e fechados em seus préprios » U" © imeresses e preocupagies. A alienacdo é 0 oposto da solidariedade. E, em ‘seu extremo, é a auséncia de tudo o que Durkheim busca na solidariedade jinculagao dos individuos entre si, a vinculagio aos grupos intermedidrios ¢ a vinculagao a sociedade mais ampla. Esse conjunto de vinculos 6 fundamental para a sua visio sobre a solidariedade moderna, para a sua critica das patologias modernas. Des- se modo, se formos mais adiante ¢ indagarmos sobre a anomia, veremos que, em geral, esta se rofere 4 falta de regulagZo social ¢ moral. Mas & Pa particularmente importante em relagZo a suas preacupagdes sobre o indi- So" vidualismo auto-interessado, tal como apresentado pela Economia. Embora © esteja particularmente relacionado sua preocupaciio com a falta de grupos intermediarios, iso também nos leva para a questo das diferentes formas do moderno individualismo ¢ de seu tratamento sobre o self moderno. Para tanto, ndo foi suficiente atacar as teorias que consideram 0 self como um tomo isolado. Foi preciso que ele apresentasse uma alternativa, ¢ foi por ‘isso que cle propés seu conceito de personalidade individual. Trata-se de um **[Suas leis] vinculam o individuo a0 grupo, ¢ nlo os individuos entre si. 0 nico vinculo entre estes 6 0 fato de eles sen dos « wma comunidad isto 6, so alienados nela” WiLLase warts an seljque niioé radicalmente separado, ainda que constitua uma conseincia incividual distinta ¢ desenvolva uma personalidade individual distinta, precisamente nas relagdes com os outros ¢ por meio da diversidade de papéis © de pontos de vista assumidos em uma divisio do trabalho. Poderiamos também chamé-lo de “self liberal-comunitarista”. Mas, em todo caso, precisamos compreender a combinaga dos elementos que © constituem, Seu aspecto comunitarista se refere a uma percepgae interna de vineulacdo a um grupo, profundamente enraizada na personalidade, nna medida em que este selfesté enraizado em uma rede de relagdes. Seu aspecto liberal envolve 0 modo pelo qual cada um de nés é distinto dos demais em virtude de sua personalidad particular, mas também 0 modo pelo qual todos nés somos iguais, dado que compartilhamos 0 mesmo stauus de pessoa. E esse elemento essencialmente liberal que articula 0 tratamento de Durkheim de duas questées distintas ~ como as redes de relagdes da divi- stto do trabalho contribuem para o nosso vinculo encquanto personalidades individuais de carne e oss0, ¢ como uma consciéncia eoletiva moderna pode bromover ese vnc mediante iia de que ods pssuinas o mesmo 4 A A slauus enquanto uma pessoa. Portanto, sua tese expressa um ceticismo em relacio @ uma ética ou a um “culto” centrada(o) na pessoa como uma via para asolidariedade (1893a: 187, 449-450; 1902: 147, 395-396). Contu- do, ele repensa sua posi¢do em seu ensaio sobre 0 Caso Dreyfus, quando afirma que esse culto “6 o tinico sistema de erencas que pode garantir a uunidadle moral de nosso pais” (1898: 10; 19070: 270). Também é verda- de que ele contima a tentar apreender a dinfimica subjacente a divisko do trabalho para explicar essa forma de individualismo, No entanto, implica uma mudanga de énfase, que se afasta da idéia da personalidade concebida enquanto um carater moral e social, e se aproxima da idéia da pessoa enquanto uma representagao coletiva abstrata, De fato, nessa nova visio durkheimiana, uma ética liberal da pessoa € aexpressio central de uma consciéneia coletiva moclerna. Contudo, essa visio também enfrentou poderosos adversirios. Dentre estes, podemos apontar uma consciéncia coletiva tradicional, nao muito liberal, especial mente quando esta consciéneia adquire formas neo-tradicionais ~ tal como xno préprio Caso Dreyfus e no caso da emergéncia da proto-fascista Action Frangaise, Mas ele também enfrenton as varias formas de individualismo ‘que considerava como a base da crise moderna. Essas formas inchuiam aquilo a que ele chamou de *mercantilismo sérdido” = talvez uma forma para designar 0 capitalismo — isto 6, uma forma de individualismo econo- ‘micista e auto-interessado (1898: 7; 1970: 262). mh INVESTIGANDO O FROJETO DE DURKHEIM PARA A CONSHIFLIGRO DB UMA CIENCIA SOCIAL, "Essa forma de individualismo ¢ que seria 0 verdadeiro alvo de suas “critieas & anomia, que, alidis, ele atacou ao longo de toda a sua carreira, tendo comecado jé em seu primeiro artigo sociolégico. Ele se preocupou com um conflito de “egoismos nao-regrados” — aqui claramente um codi- nome para se referir ao capitalismo — que gera a lula de classes, mas que também gera ufha pressdo para o advento de uma regulagiio absoluta por parte do Estado, na forma de um “socialismo despético”, e a iinica saida desse pesadelo moderno seria mediante a constituiggio de uma nova rede de grupos ocupacionais intermedirios (1885: 96). F exatamente essa sua preocupactio inicial com esse “egoismo” desenfreado ¢ auto-interessado que esta no coragao da vida econémica moderna, o qual foi desenvolvido por ele em uma critica geral da anomia enquanto falta de regulacto em todas as esferas da vida. Mas esse continuou a ser o elemento central de sua critica em Da Divisao do Trabalho ¢ em 0 Suicidio ~ que se completo com sua conchusdio quanto & necessidade de novos grupos acupacionais (18973: 434-451), Bele proprio deixou isso explicito no novo prefficio ao livra Da Divisao do Trabalho, Para defender esse seu argumento, ele desereve cenas de anomia endémica e de luta de classe que se passam no coracdio da moderna vida econdmica e industrial e, portanto, no coracao da propria sociedade moderna (1902: iix). Ao mesmo tempo, ele parece midar novamente sua idéia sobre a ética da pessoa, de modo a atacar qualquer tipo de argumento «que pretenda resolver toda a questo com um simples apelo a essa dtica. Ele te. rit de se recorrer apenas a uma étic abstrata, na medida em que isso implica que ignoremos as forgas que ope~ “GaitVais da propria crise. Elago nog conduz a outro porte central de sua ‘campanha em defesa de novos grupos ocupacionais: uma comunidade no pode ser construfda apenas sobre a base de uma rede difusdo de relacbes, nem tampouco apenas sobre o Estado, sobre algum ideal abstrato de justia, de liberdade ou de pessoa. Ela requer uma rede de grupos, uma vez que pressupée uma organizacao social com o poder e alegitimidade de traduzit, articular e desenvolver esses ideais em um eécligo moral efetivo. Durkheim dew continuidade a essa sua campanha em suas aulas 50- bre a étiea profissional e civiea, que acabaram sendo publicadas no livro Lecons de Sociologie (1950). Baseadas em um manuscrito redigido entre 1898-1900, essas aulas foram ministradas por varios anos, no perfodo em ‘que Durkheim se dedicava a escrever As Formas Elementares, Portanto, ele __nunea abdicou dessa sua campanha em defesa de uma reforma realizada “mediante a instituie%o de novos grupos intermediérios. De fato, alguma vez ele mencionou 0 ritual ou o simbolismo como uma solugaio para essa grande crise? O autor de Da Divisdo do Trabatho demonstrou pouco inte- EES :“ ‘WILLIAM WATTS MILLER resse pelos ritos ¢ simbolos. Mas o autor de As Formas Elementares também falou muito pouco sobre os amplos rituais ¢ simbolismos que aconteciam emsua propria sociedade ~ exceto para sugerir que eles contribuem para a ‘manutengao do proprio mal-estar social. Em vez disso, ele voltou seu olhar para uma nova e efervescente explosiio de energias, que deveria permitir que se escapasse da atual situacao de “transicao e de mediocridade mo- | ral” (1912: 610), E quando houve essa explosio, embora em um sentido rrente, sob a forma do trauma provocado pela Primeira Guerra, cle vokou a defender o socialismo de guilda dos grupos ocupacionais como a solugdo para a reconstrugiio da sociedade, tal como afirmou em seu tiltimo artigo, “La politique de demain” ({1977] 1999), Em suma, Durkheim sempre teve esperancas na vida apés 0 capitalis- mo. Ou, pelo menos, ele teve esperangas na vida apés esse “mercantilismo sérido”, apostando de forma continua e consistente nos grupos interme- didrios como a melhor via para se construir uma repiblica. Logo, permitam-nos agora colocar algumas questées. Essa “ ltransicfio” nao veio para ficar? Porque afirmar como patolégico esse ca- italismo contempordneo, se ele esté tao difundido e, nesse sentido, é tao q “normal”? Como é possivel que um tipo de sociedade que permanece idéntico em sua esséncia — a moderna sociedade industrial — possa envolver tantas possibilidades diferentes, tais como uma comnidade de pessoas, capitalismo, socialismo totalitirio, fascismo ¢ tantos outros cenérios que podemos extrair a partir de sun obra? ‘A melhor maneira de explorar essas questdes & a partir do ponto de vista daquilo a que chamei de sew programa de pesquisa “internalista”, E isso, como veremos, esté estreitamente conectado com aquilo a que ele préprio chamou de empirismo racionalista. 0 programa internalista AA ciéncia social concebida por Durkheim certamente & comprome- tida com indicadores empiricos. Mas a lgiea des sear por algo-a mais, e por isso precisamos sempre nos perguntar que lgo € esse, Acima de tudo, aquilo que ele pretende descobrir em sua busca por uma solidariedade moderna é a légica subjacente A divisao do trabalho e que se desdobra nese proceso, enquanto a dindmica do f X mundo moderno. ‘A tese secundaria de Durkheim, escrita em latim, apresenta todo 0 programa de como uma ciéncia social deve operar. E nesse momento ele |NVESTIGANDO 0 PROJETO DE.DLRKHEIM FARR A CONSTITLIGRO DE UMA CIENCIA SOCIAL Tanga um ataque bem fundamentado contra os tedricos que tentaram expli- car 0 mal-estar apenas em termos de cireunstincias que so exeepcionais e, de algum modo, acidentais, contingentes e externas. Contra isso, ele insiste no seguinte: Morbas autem animantium naturae non minus inest quam bona va -* letudo (1892:557" Em outros termos, poderfamos dizer que uma regra basiea do méto- do sociolégico & a de sempre buscar uma explicacao internalista para coisas ~ buscar dentro da prépria natureza ¢ dinamica do mundo social as formas de explicar tanto seus ideais quanto suas patologias. Assim, isso quer dizer que o autor de Da Divisao do Trabalho rompe com a propria regra do programa de pesquisa “internalista” dle sua socio- logia? Ble invoca uma dindmica moderna para explicar nossos ideais, mas afirma que ndo hi nela nada que explique nossas patologias: Ia division du travail ne produit pas ces eonséquences en vertu dune nécessité de sa nature, mais seulement dans des cixeonstances excep- tionelles et anormales. (1893a: 417; 1902: 364)!" B, como se nao bastasse, ele repete essa afirmago em seu novo pre- ficio (1902: v). E importante destacar esse argumento explicito do autor, ‘mesmo que apareca como um desvio em relagao as regras do método estabelecidas por ele proprio. Mas é ainda mais importante notar de que ‘modo seus argumentos mais essenciais estio em conformidade com a regra, oferecendo uma explicagdo internalista para.o fato de a diviso do trabalha ser a fonte tanto dos ideais modernos quanto das patologias modernas. De Tato, dois exemiplos cruciais jé foram encontrados. Um dos temas gerais de sua obra é 0 que concerne ao modo como a prépria dinamica da diviséo do trabalho contribui para a liberagao das coisas, de modo que acaba por engendrar 0 moderno individualismo em todas as suas formas ~ nao apenas naquela forma que ele proprio endossa, mas também naquelas consideradas patolégicas. Ou ainda, é esse mesmo efeito de liberagao de todas as coisas o que estaria na base dos ataques das guildas do antigo (Fides, ain como aad, 6 pare nae doses vie 9 "A divisdo do trabalho no produz essas conseqiléncias enquanto o resultado de uma necessidade de sua naturera, mas somente em virtude de conseqiéncias ‘anormais on exeepeionais". YWOLLIAM Warts LER regime ¢ de sua aboligo durante a Revolug&o ~ um processo que resultou nesse perturbador cenério formado por individuos atomizados, somados a tun estado autoritério, sem a presenga de qualquer rede efetiva dle grupos imermedisrios. Portanto, levando tudo isso em consideragio, vamos esqquematizar uma nova teorizagio internalista da divisao do trabalho enquanto a dinamica de mundo moderno. Sua logica subjacente necessariamente envolve a possibilidade de seguir em diferentes diregdes e eristalizar-se em dife- restes cenérios. Mas a logica nfo se realiza igualmente em todas essas direcdes. Ao contrario, ela continua a gerar uma pressio em direga0 a0 desenvolvimento de uma comunidade de pessoas. No fim das contas, 6 essa a comparaco que realmente importa em Da Divisio do Trabalho, em sua preocupagio com as aspiragdes por um ideal ¢ com as energias necessarias para a reforma, que esto cnraizadas na propria dindmica moderna: atest pas de besoins mieux fondés que ces tendances, car elles sont une conséquence nécessaire des changements qui se sont faits dans Ja structure des socisés. (18%3a: 4314; 1902: 382)" Em suma, a eiéneia social de Durkheim consiste em uma combinagzo de uma visio social e de uma critica social. No entanto, isso néio 6 apenas ‘um juizo de valor pessoal, acrescido & ciéncia. E algo que esti intimamente conectado com sua busca por uma légica social subjacente as coisas, que sid inteiramente contemplado em sua idéia da cigncia social enquanto ‘um empirismo racionalista. A Ciéncia Social como Empirismo Racionalist cforms decom empiviteng Pe tonal Durkheim propds estabelecer uma eiéncia social empfrica, ainda que ‘om oposigao ao empirismo tal como entendido usualmente. Fr por isso que “ele descreveu sua propria abordageti enquanto um emipiriatio racionalista, ‘mas também como um racionalismo cientifico ou como um racionalismo _tenovado. Ele 0 concebia como uma forma modernizada do racionalismo dléssico, “Nao hné necessidade to bem fundamentada como essas tendéncias, desde que sejum conseqdéncias das mudangas que tiveram lugar na propria estrutura das sociedades”, EE EEEEEE’:~S INVBSTICANDO o PROJETO DE DURKHEIM PARA A CONSTITLIGAO DE UMA CIENCIA SOCTAT. seinen wares wnuuew | Portanto, sua tese latina se concentrou no texto O Espirito das Leis (1748), de Montesquieu, uma das principais obras do Esclarecimento. ‘Mas esta tese foi uma ocasido para desenvolver suas primeiras afirmagies mais do que utilizar dados meramente behavioristas: programéticas sobre a eiéncia social, afirmagdes estas que rapidamente ———r—e—eé—v——— se transformaram em suas Regras do Método Socioldgico. Originalmente, Siclle sétend & tout, elle n'éclaire rien, Sous couleur de positvisme, “esse texto apafeceu na forma de artigos, em 1894, Em seguida, esses t ils mettent partout le mystére, (1897b: 288)! ° 0 aitgos foram publiesdos em um lvr, aeompanhados de um preficio wo Bo phot sespondeu acon ten eeiiods na nscteranc Entdo, tratar Durkheim simplesmente como um empirista é difundir © ua abordagem como um “racionalismo cientifico” (1895: mistério e mitologia. Ele declarou guerra contra o empirismo, precisamente "Logo, embora esses argumentos agora aparecam com um nome, As porque acreditava em uma ciéneia social empirica concebida enquanto Regras, so 08 mesmos j apresentados na tese latina, Em ambos os textos una busca por explicacao. 287). Portanto, mesmo quando seus defensores aplicam seus métodos no apenas ao mundo fisico, mas também ao mundo inteligivel, eles niio fazem héia proposta do estudo dos fatos sociais como coisas, da classificacio das sociedades em diferentes tipos, a distincao entre o normal ¢ 0 patolégico, ¢ consideragies sobre a natureza da explicagao social, acima de tudo como ‘or isso € também errado enfatizar apenas seu racionalismo. & ver- dale que sua oposiciio ao empirismo apéia-se na afirmagiio de que “o real explicagao causal ~ concebida enquanto a busea por conexGes necessarias ¢ inteligiveis em uma légica subjacente as coisas. claro que sua obra mais famosa ¢ As Regras, e nfo sua tese latina. Naverdade, muitas vezes esse livro é tratado como uma biblia infalivel de ‘sua ciéncia social. Isso 6 um erro. Durkheim nem sempre seguitt as asser- _c&es programaticas de seu método, Por outro lado, ele enunciow divers s regras no decorrer de sua carreira, e uma investigagao detalhada 6 inteligivel”, e em sua preocupaciio com a8 conexSes internas presentes - cba propria “gen das coisas” (1 }897b: 287). Por outro lado, ele também alocouo ipo de racionalismo que pretende descobrir as cosas sem escavar “os Tatos, sem 0 esforgo ¢ 0 suor do verdadeiro trabalho de investigagio emplrica. Ele também critica o procedimento filoséfico que se fixa somente _haandlise de conceitos, Daseado sobre a: pressuposicao de que a ligica das idéas 6 0 mesmo qué a Tégica das =modos de. sar, de sentir e poderia preencher um grande volume de paginas, Em todo caso, que possuem um enraizamento nas profundezas obscuras de nossa vida So a can adareatn Pee social e psiquica. E 6 precisamente por isso que esse tipo de procedimento “bia de ciéneia social. Em vez disso, devemos buscar essa idéia em um falharia em perceber sivas coisas Mie of Ho larns No trangparentes, _ ‘reve ensaio, no qual ele apresenta sua abordagem como um “empirismo tio faceis metrar”, dado que nao Taz sentido conceber © mundo das idéias como “como algo profundo e obscuro” (1897b: 289) racionalista” (1897b: 289-290). echecuro™ ~~ Durkheim continuo aenfrentaroracionalismflosifico simplisiaem _, ‘altimo manuscrito, de 1917, a introdueao ao livro La Morale (1920), 64 Contuco, essa empreitadateve inicio jf em sua ese latina, Ele insiste sobre 221026 prescindlivel papel da Faaio, que consistiria, sobretudo, emauxiliar 8 ciéncia com “idéias que orientam nossa pesquisa através da obscuridade das coisas” (1892: 99). A raxdo é particularmente necesséria para guiar 0 Empirismo Racionalista como wm Enunciado Programético ("A objegio fundamental de Durkheim ao empirismo é a de que este \, ofS _conisiste na determinacdo em permanccer na superficie do mundo obser- © trabalho detetivesco de Insestigacio empirica, que consiste em buscar (0 “vavel, Ele reine fatos, elabora correlaedes estatisticas, constr6i conceitos | _leéricos ¢ aproxima modelos heuristicos operacionais. Porém, na “4 pistas que revelem uma légica subjacente A realidade, iluminando suas Ce apela explicagiio, ele nao vai além desse limite, Ble no escava o entorpo ‘conexdes secrotas: C-¢2\"Lem busca de evidéncias que permitam descobrir conexdes inteligiveis em . uma légica e em uma realidade subjacentes as coisas. De fato, ele nega a existencia de qualquer logica sub soy Po ie insiste que seus _ “Terms tebrios e seus modelos operacionais sao construcBes «ites, porém_ ‘as quais “no correspondem a nada na realidade” (1897b: Ceterum non contendimus res civiles per se absurdas esse, Sed si qua- eedam logia ini tet, alia ext atqueilla quam in deducendo observa. (Fists ton ta nine na Sob ed psn axpthan Saseuareaipte a= cr .».».;»~OoC es INVESTIGANDO 0 PROJETO DE DURKHEIM FARA A CONSTETUTGRO DE UMA CHENGIA SOCIAL ‘mus; non eamdem simplicitatem habet; quin alias leges forte sequitur. Ttaque necesse est eam ¢ rebus ipsis ediscamus. (1892: 64)" Contudo, como 0 empirismo racionalista, enquanto um program me- todolégico, funciona na pritioa i 0 Empirismo Ravionalista na Pritica [ © ) Para investigar como Durkheim utiliza indicadores empiricos, vamos nos coneentrat sobre o livre Da Divisto do Trabatho Social ¢ seus indica- dores de solidariedade, De acordo com o uso comum 2 época, Durkheim ‘concebia a solidarité como win termo moral, que implica tanto um sentindo inais interno de adesto a algo quanto uma rede de vinculagbes e relagies. | ‘Todavia, o livro 1, no capitulo 1, ressalta justamente o problema de se ter acesso 4 solidariedade enquanto um fendmeno interno, propondo como solugio que se comece por investigar 0 Direito, “que ¢ seu simbolo visivel (1893a: 66; 1902: 28). [A partir disso, so enunciados dois argumentos ~ um sobre a funeao © outro sobre,a natureza de seus indicadores da solidariedade. Conforme fobservado hé pouco,.n0 livro I, capitulo 1, Durkheim afirma que o papel dlesses indicadores 0 de permitir o acesso ao sentido interno da vineu- Jacdo a algo ~ mais do que apresentar uma rede de vinculos ¢ relagdes faclmente observes, Mas no li I. captlo 2 seu papel passa a sero ‘demtficar os sentimentos « crencasinteros awa consciéncia coleive, ae das formas uniclonals de sliariedade,asaidaieda ‘mecSinica baseada em similitudes. Contudo, por volta do capitulo 5 do livro_ ‘sfiea evidente que a fungi desses indicadores consiste em identifica um ~conjunto inteiro de fendmenos morais = erengas, sentimentos € redes de —Felagbes - que envolvem tanto a solidariedade tradicional por similitudes | quanto a moderna solidariedade pela divisto do trabalho. Enquanto wm texercicio de investigagdo empirica, esse trabalho consiste em identificar, | \o_mensurar e comparar a relativa influéncia dos diferentes tipos de solida- iti” “riedade e ‘Tipos de realidade social, tal como estas nO yy 1 “Nossa afirmacio no é a de que as coisas sociais sejam irracionais em si mesmas. era Tee Potente precsamos aprender iso a pari das préprias css” ‘WILLIAM WATTS MILLER Para que seja possivel empreender esse extenso trabalho de investiga cio comparativa, é necessdrio buscar indicadores empiricos convenientes ¢ apropriados E.a saluctio de Durkheim certamente envolve @ conveniéncia dos livros de Direito ¢ estatutos, concebidos enquanto o “simbolo mais visivel” da moral — é a conveniéncia de um antropélogo de gabinete, que fazseu trabalho sentado em uma biblioteca consultando arquivos. Mas era “preciso ainda que esses indicadores fossem apropriados, e 6 sobre essa caracteristica que vamos nos concentrar agora. Assim como no caso citado hé pouco, Durkheim tende a apresentar estes indicadores enquanto signas ou simbolos. E isso parece ocorrer em virtude de seu empirismo racionalista. Isso porque ele nao lera re levante nada que seja meramente acidental, ainda que possa consistir em ~‘urr indicador regular de algum outro fenémeno, Em vez disso, ele sempre buscou algo que permitisse construir uma historia te6rica inteligivel sobre 0 fendmeno em questio, algo que seja intrinsecamente conectado com aquilo 1 que pretendia ter acesso. Em outros termos, esse indicador deve ser um sinal ow um simbolo desse algo ~ e no um mero indicador “empirista” = na medida em que se trata de uma realidade intrinsecamente einerentemente_ Essa abordagem é explicitada na introdugao original a sua tese, na ‘qual ele continua seu projeto em busca de uma via empirica para identificar a propria matéria da ciéncia da vida moral. Ele encontra uma solugiio na prépria sangao moral. Afinal, a sang&o consiste em um “simbolo” visfvel de um sentimento moral interno, 0 sentimento de obrigagao (1893a: 25). Em sum, «historia tebriea que ele conta em sua introdueiio apresenta |, joi a vida moral como algo que_consiste em regras de conduta que provocam _) 9.5 © sentimento interior de devere obrigaeto. Como eonseqténcia, @ des Cay) 4 hol cumprimento de uma regra moral necessariamente gera desaprovaco, umm sentimento de ultraje ou uma resposta ainda mais punitiva. Mas, em todos 05 casos, provoca sempre uma sanc&o moral, entendida enquanto um simbolo visivel da regra moral e, portant, da propria moralidade. (1 ‘Assim, embora esse seja apenas o comeco da investigacao, essa historia ‘construida na introcueao jé é bastante eomplexa, cujo caminho pressupoe que se passe por todo tipo de dificuldades e objecdes. Porém, eonforme Durkheim avanga em seu projeto, ele passa a demandar indicadores obtidos partir de um trabalho detetivesco mais profundo, para que seja possivel aceder as coisas que ele considera ainda mais cruciais. Iss0 0 envolve ‘em historias interpretativas cada ver. mais claboradas, nas quais tenta ~ mostrar a relacao entre os signos vistvels ¢ seus significados subjacentes 0 resultado geral desse procedimento ~ nfo apenas em Da Divisao % priccipais Por 3 tide Gopem om INVESTICANDO O PROJETO DE DURKHEIM PARA A CONSTETLIGRO DE UMA CHBNCIA SOCAL Trabalho, mas também em O Suicidio € em As Formas Elementares ~ 6 que sua ciéncia social se torna, na prética, um estudo cada vez mais in- terpretativo da vida social. ~aE imtfo, emi consonfinela'Gom o racionalismo de suas proposigdes pro- sramiticas, trata-se ainda de uma busca por uma l6gica social das coisas = sejam estas érengas, sentimentos, teias de relagdes, estruturas macro- c\ em ou processos historicos de longo prazo e suas dindmicas. Contudo, (nif \ a0 conteiio de suas proposiges, seu procediment nfo é to “baseado social, eu trabalho resulta em uma criativa fusdo entre o trabalho empirico do detetive ¢ 0 trabalho teérico ¢ interpretative da raziio. Ree? Mas isso permanece um esforco. Todavia, também no se trata de fiear «J! apenas com as historias iniciais, mesmo quando hé um desenvolvimento “1 no processo de investigacilo, processo este que tem essas histérias como ("9 ponte de partida. Na verdade, isso é uma via para o exercicio da propria Griatividade de repensar as coisas, de eolocar novas questBes, de formar novos conceitos e abrir novas linhas de pesquisa. 0 processo criativo pode ser percebido mais claramente quando 08 rascunhos e anotagses podem ser conhecidos e comparados com 0 texto publicado. No entanto, essa criatividade de Durkheim ¢ algo suficientemen- te evidente a qualquer um que leia Da Divisao do Trabalho de forma um pouco mais atenta, B verdade que suas proprias afirmagdes programiticas sobre como fazer sociologia enfatizam muito mais 0 suor ¢ o trabalho duro da pesquisa, a paciéncia, o procedimento regrado, a disciplina. Mas talvez, de certo modo, ele tenha escrito isso a partir da pereepedo da necessidade de disciplinar sua fruigfo das idéias e seu caso dle amor com a razio. Em todo caso, aqui esto suas palavras sobre o empirismo raciona- lista: Sans condaunner la saison & abdiquer, sans méme assigner de bornes {ies ambitions dans l'svenir, illa met en défianee contre elle-méme, lui donne la sensation des éntbres qui Tentourent, tout en lui te- connaissant le pouvoir d'y répandre peu 3 peula cart donne ainsi satisfaction aux deux sentiments contraires qui peuvent étre regardés ‘comme les moteurs par excellence du développement intelletuck: le sentiment de obseus etl foi en eflicacité de Vesprit humain, (1897 289)" ‘Sem condenar a razio a desistir, sem estabeleces limites a suas futuras aml le a coloca numa atitude de desconfianga em relagdo a cla propria, Ele explicta a sensagio de trevas que a circundam, ao mesmo tempo em que reconhece seu poder de 1 nos fatos” como se poderia supor. Em seu esforco por descobrir uma logica TWILL WATTS MILLER Ret6rico, sem divida, Nao obstante, muito efetivo. E, de todo modo, no & um tanto inocente ver a ciéncia como um discurso descoberto, nu, transparente, despido de qualquer metéfora? Uma metifora essencial da cigncia & a da propria transparéncia A ciéncia social e 0 ideal de transparéncic 1 Cesc obra de ote _Tima obra da'cifucia & como nina obra de arte: O significado 6 ofsré:< aaa cio na forma do préprio diseurso. Toda uma vistio de mundo esta incor- °° * porada na gramatica, no estilo ¢ no vocabulirio de uma obra de economia "°° e contabilidade. E uma maneira de tornar estéril todo 0 significado da Cue = solidariedade e do sagrado é eserever sobre ambos com uma linguagem econdmica. Em outro contexto ja fiz uma tentativa de explorar o diseurso sobre a solidariedade e 0 sagrado na obra de Durkheim. Aqui, vamos nos concentrar sobre um tema ¢ uma metifora que silo essenciais em sua cincia social — tazendo a luz aquilo que esta obscurecido, conforme 0 ideal de transparénei: Eatorecinenip@Modernidade Segundo afilosofia da historia concchida por Kant, a humanidade tas — teon no escuro até o surgimento de uma “época de esclarecimento”, sempre | inzis consciente do ideal humana, ¢ essa época & seguida de uma “época ° esclarecida”,em que esse ideal seria progressivamente realizado. Mas como >) 6h Durkheim se posiciona diante disso? Sua nova ciéncia social deveria ser _/ um conhecimento esotérico e secreto, de modo que apenas os socidlogos / deve scriam esclarecidos? Ou pressupSe que esse conhecimento seja difundido eapeal por toda a sociedade e, em caso afirmativo, como isso ocorreria? fixe ‘Tal como podemos ler logo no comeco de sua tese, a ciéncia consiste “" / ‘em um conhecimento altamente especializado no contexto de uma vasta (Le diyisdo do trabalho e, em virtude de sua prépria natureza, néio é acessfvel _pam.a multidio de leigos. Entdo, isso sugere que estejamos dante dou — caro que podemos caracterizar como esclarecimento esaiérico, No entanto, na mesma pagina lemos 0 seguinte: pouce a pouco difundiraclaridade, Ele enti satsfaz aos dos sentimentos contrérios ‘que podem ver considerados como os motores por exceléncia do desenvolvimento intdectual: 0 sentimento do obscuro e a fé na eficdeia do espirito humano", yack ambivaléncia sistemitica entre o desenvolvimento de sua sociologia da trans- NBO 0 PROJETO DE DURKHEIM PARA A CONSTITUICKO DE LMA CIENCIA SOCIAL il est nécessaize que Vintlligence guidée par la science prenne une cr part plas grande dans le cours de la vie collective, (18938: 53; 1902: 13)" Portanto, com essa idéia da misstio do sociélogo de difundir o conhe- cimento sobre ® mundo social para todo mundo, podemos falar em um. esclarecimento liderado por especialistas. No entanto, ainda na mesma pdgina, lemos 0 seguinte: pour que les socités puissent vivre dans les conditions existence qui Teur sont maintenant faites, il faut que le champ de la conscience tant individuelle que sociale setende ets éclire, (18%3a: 53; 1902: 14) Esses argumentos sdo parte de sua grande narrativa sobre 0 movi- mento sécio-histérico de transigdo de uma consciéncia “obscura” para uma consciéncia “esclarecida” — de uma conscience obscure para uma conscience éclairée. Desse modo, dado tratar-se de uma histéria sobre como a socieda- de gera uma anto-compreensiio mais ou menos transparente, esse processo envolve 0 que podemos chamar de um esclarecimento civico. Entio, qual é a relacdo entre essas formas de esclarecimento no con- junto da obra de Durkheim? O projeto da Année Sociologique, cujo primeiro ‘volume foi publicado em 1898, representa seu comprometimento com a ciéncia social enquanto um tipo de conhecimento sempre mais especializado e, nesse sentido, sempre mais semelhante a uma forma de esclarecimento esotérico, Porém, tanto Da Divisio do Trabalho quanto As Formas Elemen-_ “ta Ivo um piblico mais amplo. Uma questio central, “Sportanto, é como o ideal de solidariedade de Durkheim, que tem Ingar em uma sociedade essencialmente secular ¢ esclarecida, converteu-se em wima ‘saga em busca do sagrado, Isso porque As Formas Flementares envolve uma figurago e sua continua crenga em um ideal de transparéncia relacionado ‘a0 esclarecimento eivico. Contudo, uma forma de comecar a investigar essa ambivaléncia entre transparéncia ¢ transfiguracdo é examinando sua idéia de que Deus consiste em uma representagiio metaforica da sociedade. intcligéncia guiada pela eitncia oeupe mais espago no eurso 1% Para que as sociedades possam viver segundo as condigBes de existéncia atu- almente vigentes, & preciso que o campo da cousciéncia individual e social sea ‘expandidoe esclarecido”. ‘WILLIAM WATTS MILLER Esciarecimento e Deus Deus > feerinewro Po /AG¥Apo ; (momnuigne Seung) Existe uma famosa frase de Voltaire que diz 0 seguinte: “Se Deus niio existisse, seria necessfrio inventé-lo”. E inconcebfvel que Durkheim nunca tenha ouvido isso. Em todo caso, essa idéia ecoa em um argumento que parece retirado d'As Formas Elementares, mas que, na verdade, & apresentado na Divisdo do Trabalho, Trata-se do argumento sobre os acon- tecimentos que geram intensas forgas e energias coletivas. Energias que sto representadas enquanto a erenca num poder sagrado transeendente, ‘ou Deus. Entdo, tal como ele afirma, essa representacio é, indubitavel- mente, iusdria. Contudo, trata-se de uma ilusio necesséria. Isso porque _suta base é real ¢ sua funcio é essencial. Embora as idéias de Deus sejam wricas, clas garantem a sensacao de algo transcendente, que existe além do individuo, © aquilo que essas metéfaras representam € a prépria sociedade (1893a: 107-108; 1902: 68-69). Mas, que tipo de esclarecimento ¢ esse? No capitulo 2 do livro I, ele ‘comeca a apresentar sua explicacao sobre a consciéncia coletiva tradicio- nal. Nesse caso, trata-se necossariamente de um esclarecimento esoteric, necessariamente limitado aos socidlogos — por mais que quisessem, ser- Thes-ia impossiveT espalhar a noticia de que Deus 6 uma construcio social; ‘as pessoas simplesmente nao acreditariam, gragas a0 entrincheiramento social da crenca na realidade de Deus. Ou talver seja um esclarecimento liderado por especialistas, porém um esclarecimento que ¢ derrotado no proprio processo — a noticia de que Deus & uma invengio social até chega ser espalhada, mas no processo essa noticia acaba por minar a prépria idéia de uma ordem social e moral baseada numa yerdadeira e genuina crenca em Deus. Todavia, na realidad, tudo aponta na diregao de um esclarecimento civico. Logo adiante, no capitulo 5 do livro 1, parece surgir a idéia de que Deus ¢ uma ilusdo que podemos dispensar. No comego, a religito dbomana tudo, porém ela Comegaa porder sua Talluéncia sobre waste: dade to logo a divisdo do traballio tenvtmreta-F a propria ciéncia faz pare tessa dinamiea sovial € da emergéncia de um mundo moderno ‘com uma vida secular, com o individualismo © com a liberdade de pensamento (1893; 183-186; 1902: 143-146). Ou, quando chegamos a9 sumério ou a conclusio do livro, nfo é apresentada uma visio de ‘um novo surto dé fé, 0 livro termina com uma convocagao para “cons- {ruirmos nés mesmos uma nova moralidade” (1893a: 160; 1902406). “De forma ainda mais clara, trata-se de um chamado a construirmos uma moralidade secular. D¢_ justamente no capitulo central, sobre os rituais, o simbe c@ncia, Ele insiste sobre a possibilidade de uma religigo secular que possua todos esses elementos, ainda que nfo seja acompanhada de qualquer tipo INVESTIGANDO O PROJETO DE DURKHEIM PARA A CONSIITUIGRO DE UMA CIENCTA SOCIAL, Noentanto, considerando a carreira de Durkheim como um todo, qual & arelagiio entre suas idéias sobre uma moralidade seewlar moderna e alguma espécie de religiao secular? Em um debate ocorrido no mesmo perfodo em que comegata a escrever As Formas Blementares, ele observou o seguinte: jegue vois dans a divinté que la société transfigurée et pensée sym- iquement,(11906] 1924: 75)" 0 sentido de uma religifo secular & exeluir Deus, mas, a0 mesino tempo, manter o sentimento do sagrado. Desse modo, permanece a questo. de saber se 0 “o sagrado” ndo & apenas outra maneira de transfigurar 0 mundo social em outra forma de mistificaco. Entio, seria apenas outra forma de prender a sociologia a um esclarecimento esotérico, sendo ineapaz de espalhar a noticia de que o sagrado 6 apenas metaférico? Ou ainda, seria uma forma de produzir um esclarecimento autodestrutivo, que coréi toda crenea no sagrado na medida em que ¢ bem sucedido na divulgacsio de que esse sagrado dissimula outra realidade? No entanto, se 0 sagrado S__ setornasse transparente, haveria alguma diferenga entre “religido secular” e “moralidade secular"? Em As Formas Elementares, é a construgio do sagrado a partir dos olismo ¢ da eferveseéncia emocional o que gera a trans- 5 Figuragio mistica do mundo social, ei um proceso que o leitor da obra <5 acaba por considerar inevitavel, uma interpretagao que, aparentemente, =. € encorajada pelo préprio autor. Mas 0 fato 6 que Durkheim nega explici- tamente essa implicagdo ~ ¢ o faz no préprio livro As Formas Elementares, smo a eferves- “de transfiguracao ~ “sans transfiguration d’aucune sorte” (1912: 306). & também muito significativo que o exemplo oferecido por ele seja justamente 0 da Revolugio Francesa. A partir disso, ele sugere uma erenga em um esclarecimento civico, o que o leva a insistir em algo que, do ponto de vista de sua propria sociologia, poderia parecer um termo contraditério — uma fétransparente ~ uma fé com suas biblias, com seus templos,altares, simbolos e ritos, ainda que sem qualquer tipo de mistificacao. No artigo sobre 0 Caso Dreyfuss temos um cenario muito diferente, esse texto ele atribuiu aos simbolos ¢ ritos um papel meramente superfi- “Bu nao vejo na divindade sento a sociedade transfigurada e pensada simboli- ceamente”, 58 ee — [WILLIAM wars MILLER «ial - na verdade, os considera como aparatos externos ~ e considera que © niicleo da religigo encontra-se em outro lugar: Essenticllement, elle n'est autre chose qu'un ensemble de croyances et de pratiques collectives d'une particuliére autorité, (1898: 10; 1970: 270)" O QvE consrR, | © SACRED Portanto, aqui estamos diante de uma visio mais reduzida sobre a #4 religito, o que tem importantes implicagdes. Isso conduz a uma idéia de reigido secular esclarecida, indistinguivel de uma moralidade secular, esclarecida, Novamente, a chave est na questéo sobre 0 que constréi 0 sagrado, enquanto algo dotado de uma autoridade especial. Nio é ailusto que ria Deus. Nao é a mera paraferndlia de simbolos e ritos. Entdo, tam- ~Bém ndo pode ser a mera fala sobre o sagrado. Ou, para precisar mais 4 ig y oul _— 7 uestdio, dado 0 propésito do ensaio, o que constréi a autoridade epecial das ¢ |. ctengas e préticas centradas na sacralidade atribuida a pessoa humana? sey) “eulto”: E aqui esta resposta, que esti na base de sua defesa de um novo va Cin Mais jai hate d’en venir & la grande objection. Ce cule de "homme a pour premier dogme l'autonomie de la raison et pour premier rite le libre examen. (1898: 10; 1970; 268)” Dito de outro modo, a autoridade moderna depende da autonomia, Essa também é a mensagem de suas aulas sobre a educagifo moral ~ mi nstradas pela primeira vez logo depois da publicagdo de seu ensaio sobre o Caso Dreyfuss, e que teve continuidade em toda década de 1900, inclusive cenquanto ele estava trabalhando na redacio d’As Formas Elementares, _ Ademais, a importincia dessas aulas no esta apenas em seu conte- ido. Esti também em seu piblico. Ano sim, ano nfo, Durkheim oferecia — _ese curso aos estudantes que pretendiam tomnar-se professores ~ que se ‘spalhariam por toda a Franca para oferecer uma educacdo es 208 ladios da repiblica. Fem sua ligdo de abertura ele explcita quais ~ Sto Os Tequisttos para essa tarefa. E necessério, com a ajuda da ciéncia, fa. Ene com a ajuda da ci senvolver uma ética secular que dissolva a névoa do simbolismo religioso, 0 ° Esenialomte lan ontracinsentoum conju de conga em prt coletivas dotado de uma autoridade particular”, " me Te "Mas me apres para cepa & grande jee. Ese cut do home tom por pecir dg x atonomia a rao opor eiro rit o livre exame”, | Now «fe— a | NVESTIGANDO 0 PROJETO DE_DURKHEIM PARA A CONSTITUTCKO DE.UMA CIENCIA SOCIAL, 3 cremertos PA MORAL rt LEMEN TO? aid (‘que implica entender a natureza da moralidade a partir de uma “Tingwiagem sracional” = isto é, apresentada em sua “nudes racional” (1925: 10,13). NB, entiio, em A Edueagdo Moral, ele dé inicio a uma grande empreitada | {nvestigativa. Ele tem como ponto de partida aquilo que identificou como os & ttés elementos da moralidade — ao espirito de Bisciplina, asofidariedace da adestio aos grupos € 0 moderno ideal de a. Ao meso teripo, Tnodemo de critica racional, que elimina todo simbolismo moral, ¢ eujo proceso acaba por oriar um vazio moral, e, para evitar isso, Durkheim considera necessfirio encontrar um equivalent racional para essa misteriosa poténcia outrota dentificada com Deus. B, é claro, isso faz com que ele apele esse poder moral apreensivel pela eiéncia, qual soja, a sociedade (1925: 119, 138), Entretanto, ele também se vé envolvido com uma questiio que relembra 0 ensaio sobre 0 Caso Dreyfuss ~ a de saber onde encontrar, no ‘mundo moderno, uma fonte para a autoridacle do sagradlo. Entretanto, agora “no mundo moderno, Eva chave- para.a resolugao dessa questo também é tiana ~ a tiniea fonte moderna possivel para a autoridade € a autonomia, ‘ou seja, o entendimento comum quanto a necessidade de uma “aceitagao livre e esclarecida da moral” (1925: 137). E verdade que Durkheim pode parecer muito iritante com suas cons- tantos referencias a “sociedade”. Contudo, seria um erro considerar que ‘sua obra se refere a autoridade ética de uma sociedade concreta qualquer. Na verdade, trata-se de um duplo equivoco pensar que ele no distingue Gtica de moral, bem como seria ridiculamente ingénuo afirmar que ele aprovaria 0 estado no qual nos encontramos atualmente. f impossivel que a sociedad tenha uma antoridade étiea moderna, a menos que ela esteja em vias de atingir uma condigao essencialmente moderna — uma sociedade com uma transparente ¢ auto-consciente repGblica moral. Assim ‘como no ideal kantiano de um reino dos fins, a fonte da autoridade dtica, para Durkheim, niio é nem Deus, nem a Sociedade, mas uma associagao — de pessoas autdnomas. Gciedads de (oStoas ont inom (esclorecimento civico) Faclarecimenio ¢ Autonomia (autonomio. salidscin’) 0 ideal de uma repibliea é a razdio pela qual Durkheim preocupa-se ‘com a autonomia enquanto algo que evolui e se desenvolve no decorrer da historia, ¢ por isso ele se refere a uma “progressiva autonomia” (1925: tacao da conduta relacionada ‘le se preocupa com © movimento 0!" ‘0 sagrado é Tovelado em toda sua “nude racional”, sia problematica ‘antiana ~ qual seja, descobrir qual é a fonte para a autoridade da @tiea— _sobre 9 mundo a CHtopenmmenio queso beriador davonade’ XWJebe fnisico = ili ~ ue — Corga.ere $i verdede - pons(pie POET Pegi ai Cabviga de Pedy ved re sostvel) kn é por Latino 130), Também é por isso que ele critica a separagao radical de Kant eonrd thas o muide mutes» mundo Esamtuico Ee efiraa que Kant aad firma que Kant sua a Qn ‘aulonomia no reine numénico, enquanto nés permanecerlamas pi 4 ‘mundo *Tenom@nico” e is correntes do determinismo, med tee Entio, talvez ele quisesse se dedicar a uma questo que é indubita- yelmente central para um comprometimento com o pensamento de Kant. 21 Mas, em todo caso, ele abdica da filosofia da histéria de Kant, na qual 0 ) da liberdade em cada-um evolui e desenvolve-se-a partir de uma Weer ai i -histérica do proprio mundo. Na verdade, ha varios angulosa ce /artir dos quais podemos notar uma ligagHo entre as historias contadas por %, “120 Kente Durkheim acerca da autonomiae da emergéncia de uma. repiblica, unten. Essas ligagdes ja foram exploradas em outro contexto.”” Porém, um pontoy Soe tiva de reconciliar determinismo e liberdade. Consideré-lo simplesmente_) ¥ como um determinista também faz parte dessas mitologias construidas ahspeaal ‘sen respeito, Em cua husoa por uma “progressive” antonomia, ¢ em uma! "ial verso da flosofia da historia kantiana, ele esta preocupado com o desen jc, yo.vimento socialmente condicionado da capacidade de uma ago humana) = livre, ‘Trata-se uma preocupacdo com um desenvolvimento socialmente condicionado de uma capacidade de pensamento e investigacao criticos, ¢ da emergéncia da prépria ciéneia. Por isso o conhecimento esclarecida we para a liberdade, na medida em que nos ajuda ‘@ nos emanciparmos das forgas de um determinismo cego. f° isso 0 que cle afirma no seu argumento: “é a ciéncia que é a fonte de nossa autono- _mia” (1925: 32). Mas isso & necessarianiente parte de todo um proceso selivo mais geral, pois, mesmo que ele enfatize o papel da eigncia, nfo deixa de considerar a dindmica de um esclarecimento civico. E. por isso que ele insiste no seguinte: Cesta pensée qui est libératrice de la volonté, (1925: 136)! Mesmo assim, considerando novamente sua tese sobre a divisto do trabalho, como essas afirmagées programéticas operam na pritica? Ele priprio afirmou no prefiicio que essa tese foi originada a partir da questo que envolve a relacao entre solidariedade ¢ autonomia (1893a: ix; 1902: xliii), Contudo, vamos agora buscar algumas evidéncias fatuais, 2° Yer Watts Miller (1996: 185-206). Nese livro também ha referéncias detalhadas A gbra de Kant, inclusive de sua filosofia da historia, diseutida mais o libertador da vontade”,—

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