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- PAULO FREIRE Patrono da Educagio Brasileira PEDAGOGIA DA AUTONOMIA SABERES NECESSARIOS APRATICA EDUCATIVA 3.8 ENSINAR EXIGE DISPONIBILIDADE PARA 0 DIALOGO, Nas minhasrelagbes com os outros, que no fizeram neces- sariamente as mesmas opgdes que fiz, no nivel da politica, da étca, da estétca, da pedagogia, nem posso partir de que devo “conquisté los ppouco temo que pretendam "conquistar-me”. Eno respeito as diferencas entre mim e eles ou elas, na coeréncia entre o ‘que fago © 0 que digo, que me encontro com eles ou com clas. na minha disponbilidade & realidade que construo a ‘minha seguranga indispensivel A propria dsponibilidade, & inpossivel viver a disponibildade & realidade sem seguran 62, mas éimpossivel também criara seguranga fora do isco da amie temunhar aos alunos a seguranca com que me comporto ao discutir um tema, ao analisar um fato, a0 expor minha rndo importa a que custo, nem tam- posico em face de unta decisio governamental, Minha se guranga no repousa na false suposigdo de que sei tudo, de que sou o “maior”. Minha seguranga se funda na convie- Gao de que sei algo e de que ignoro algo a que se junta a certeza de que posso saber melhor o que ja sei e conhecer © que ainda no sei. Minha seguranga se alicerca no saber confirmado pela propria experiéncia de que, se minha in- conclusio, de que sou consciente, atesta de um lado, oxinha _tgnorncia, me abre, de outro, 0 caminho para conhecer, Me sinto seguro porque no hi razao para me enver onhar por desconhecer algo, Testemunhara abertura aos outros, a disponibilidade curiosa a vida, a seus desafios we | Pano Face siio saberes necessirios & prética educativa. Viver @ aber: ‘ura respeitosa 20s outros e, de quando em vez, de acoxdo ‘com 0 momento, tomar a propria pritica de abertura a0 outro como objeto da reflexio critica deveria fazer parte dla aventura docente. A razdo ética da abertura, seu fun: damento politico, sua referéncia pedagégica; a boniteza ue hi nela como viabilidade do didfogo. A experiéncia da abertura como experiéncia fundante do ser inacabado que terminou por se saber inacabado. Seria impossivel saber'se inacabado e no se abrir a0 mundo e aos outros a procura dle explicagdo, de respostas a maliplas perguntas. O fecha mento 20 mundo e ags outros se torna transgressio a0 oe natural da incompletude. ra com seu gesto a relagio dialogica em que se confirma como inquiezagio e curiosidade, como inconclusio em per- Cerva ve2, numa escola da rede municipal de Si0 Paulo, gue realizava uma reuniao de quatro dias com profes- sores ¢ professoras de dex escolas da area para planejar ‘em comum suas atividades pedagogicas, visitel uma sa- la erm que se expunham fotografias das redondezas da es- cola, Porografias de ruas enlameadas, de ruas bem-postas cambém. Fotografias de recantos feios que sugeriam tris: teza e dificuldades, Fotografias de corpos andando com dificuldade, lemtamente, alquebrados, de caras desfeitas, de olhar vago. Um pouco atras de mim dois professores faziam comentirios em corno do que hes tocava mais de pperto. De repente, um deles afirmou: “Ha dez anos ensino nesta escola. Jamais conheci nada de sua redondeza além Penacoen on avvovontn | 2 das ruas que Ihe dio acesso. Agora, a0 ver esta exposicio” de forografias que nos revelam um pouco de seu contexto, me convenso de quiio precéria deve ter sido a minha tarefa, formadora durante todos estes anos, Commo ens; EOm0) eee ‘A formago dos professores e das professoras devia in: sistir na constituicao deste saber necessério e que me faz certo desta coisa dbvia, que € a importancia inegivel que tem sobre nés © contorno ecolégico, social ¢ econdmi co cm que vivemnos. E a0 saber tedrico desta influéncia terlamos que juntar o saber teérico-pritico da realida- de concreta em que os professores trabalham. Ji sei, nfo hi daivida, que as condigdes materiais em que ¢ sob que vivem os educandos thes condicionam a compreensio do proprio mundo, sua capacidade de aprender, de res ponder aos desafios. Preciso, agora, saber ou abrir-me 4 tealidade desses alunos com quem partilho a minha atividade pedagogica. Preciso tornarme, se no abso tamente intimo de sua forma de estar sendo, no minimo, ‘menos estranho e distante dela E a diminuigio de mi aba estranheza ou de minha distancia da realidad hostil ‘em que vivem meus alunos nao & uma questo de pura geografia. Minha abertura 8 realidade negadora de seu projeto de gente & uma questio de real adesio de mi nha parte a eles € a elas, a seu diteito de ses. Nao é me mudando para uma favela que provarei a eles e # elas minha verdadeira solidariedade politica, sem falar ainda puna» expoig hava slo eae por um grup de professors da ie, rg [ Paso Fasine sna quase certa perda de eficicia de minha luta em fungio dda mudanca mesma, O fundamental é a minha decisio ético-politica, minha vontade nada piegas de intervir no mundo, & 0 que Amilcar Cabral chamou “suicidio de classe” € a que me refer, na Pedagogia do oprimido, como piscoa ou ravessia. No fundo, diminuo a distancia que me separa das condigées malvadas em que vivem os explo- rados, quando, aderindo realmente ao sonho de justca, luo pela mudanga radical do mundo ¢ nao apenas espe- ro que ela chegue porque se disse que chegard, Diminuo a distancia entre mim ¢ a dureza de vida dos explorados no com discursos raivosos, sectirios, que 56 no so ineficazes porque dificultam mais ainda a minha comu nicacdo com os oprimidos. Com relagio a meus alunos, diminuo a distancia que me separa de suas condigées negativas de vida na medida em que os ajudo a aprender no importa que sabes, o do torneiro ou 0 do cirurgido, com vistas a mudana do mundo, & superagao das estru- ‘aras injustas, jamais com vistas a sua imobilizacio. ( saber alicergante da cravessin na busca da dimimuigg0 a distincix entre mim e a perversa realidade dos explo rados € o saber fundado na ética de que nada legitima 10 dos homens e das mulheres pelos homens ‘mesmos ou pelas mulheres. Mas este saber nfo basta. Em primeiro lugar, é preciso que ele seja permanentemente tocado © empurrado por uma calorosa paixao que o faz quase um saber arrebatado. E preciso também que a ele se sornem saberes outros da realidade concreta, da forca da idcologia; saberes técnicos, em diferentes éreas, como 4 da comunicado, Como desocultar verdades escondidas, a explora Proaconi pa ainonomie | 35 ‘como desmistficar a farsa ideolégica, espécie de arapuca atraente em que farilmente caimos. Como enfrentar 0 ex: waordinirio poder da midia, da linguagem da televisio, de sua “sintaxe” que reduz a um mesmo plano 0 passado € 0 presente € sugere que 0 que ainda nao hi jé est fei 0. Mais ainda, que diversifica temiticas no noticirio sem aque haja tempo para a reflexdo sobre os variados assuntos. ‘De uma noticia sobre Miss Brasil se passa a um terremoro ‘na China; de um eseindalo envolvendo mais um banco di- lapidado por diretores inescrupulosos temos cenas de um trem que descarrilou em Zurique. ‘© mundo encurta, o eempo se dilui: 0 ontem vira agora ‘© amanha ja est feito. Tudo muito répido. Debater 0 que se diz, o que se mostra e como se mostra ‘na televisio, me parece algo cada vez mais importante ‘Como educadores ¢ educadoras progressistas do ape: nas no podemos desconhecer a televisio, mas devemos sila, sobretudo discutila Nao temo parecer ingénuo ao insistir ndo ser possivel ‘pensar sequer em televisio sem terem mente a questio da ‘ou na midia tem geral nos poe © problema da comunicasio, proceso impossivel de ser neutro, Na verdade, toda comunicacio ¢ comunicagao de algo, feita de certa maneira em favor on na defesa, sutl ou explicta, de algum ideal contra algo € contra alguém, nem semapre claramente referido, Daf tam: bbém o papel apurado que jogs aideotogia na comunicagso, cocultando verdades mas também a propria ideologizacio no processo comunicativo. Seria uma santa ingenuidade esperar de uma emissora de televisio do grupo do poder consciéncia critica. € que pensar em televis 136 | Paco Frens dominante que, noticiando uma greve de metahirgicos, dis sesse que seu comentario se funda nos interesses patronais. Pelo contririo, seu discurso se esforgaria para convencer que sua anilise da greve leva em consideragio os inte vesses da nag. Nao podemos nos pér diante de um aparelho de cele- visio “entregues” ou “disponiveis” ao que vier. Quanto mais nos sentamos diante da televisdo — ha situagdes de exceedo, como quem, em férias, se abre ao puro repouso € entretenimento — tanto mais risco corremos de tro- pecar na compreensio de fatos e de acontecimentos. A postura critica e desperta nos momentos necessérios nio pode faltar. © poder dominante, entre muitas, leva mais uma vanta- gem sobre nés. E que, para enfrentar o ardil ideolégico de que se acha envolvida a sua mensagem na midi, seja nos no- Liciirios, nos comentarios aos acontecimentos ou na linha de ‘certos programas, para nio falar na propaganda comercial, nossa mente ou nossa cusiosidade teria de funciona episte- rmolugicamente todo 0 tempo. E isso nio é ficil. Mas, se no 6 fl estar permanentemente em estado de alerta, € possi vel saber que, no sendo um demdnio que nos espreita para ros esmagar, 0 televisor diante do qual nos achamos no tampouco um instrument que nos salva, Talvez seja melhor contar de um a dez antes de fazer a afirmagao categorica a ‘que Wright Mills* se refere: “E verdade, ouvi no noticiirio das vinte horas.” arg i, Laie eps, Mio: endo de Cukor conics, 1945 Penacoata os aunenour | Hy

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