You are on page 1of 66
ARTHUR KAUFMANN FILOSOFIA DO DIREITO 3 ior) ii i Preféicio e Traducao Antonio Ulisses Cortés SERVICO DE EDUCACAQ B BOLSAS FUNDACAO CALOUSTE GULBENKIAN LISBOA Tradugio do original alemio intitulade RECHTSPHILOSOPHIE: Arthur Kaufmann © Verlag C. H. Beck oHG, Miinchen, 1997 Reservados todos os direitos de acordo com a lei Edigio da FUNDACAO CALOUSTE GULBENKIAN Av. de Berna — Lisboa 2004 ISBN 972-31-1003-6 Depésito Loyal n® 208 740/04 CAPITULO 10 AIDEIA DE DIREITO - A JUSTIGA como IGUALDADE (JUSTIGA COMUTATIVA) - JUSTIGA E EQUIDADE Bibliografia: A bibliografia sobre a questi da justica, uma questio vita! da buma- nidade desde ha séculos, é imensa. Em seguida, apenas se indica uma pequena parte tlesea bibliografia: a relacionada com o direito ¢ especialmente a de data mais re- cante, A lista vale para os capitulos 10, 11 ¢ 12, que estio estreitamente relaciona- los, Nao vamos repetir a bibliografia geral dada no ponto LUT da introduczo, em due, {quase sem excepgio, também se discute o tema da justica, Bagolini, L., Justice et Société, 1995; Baruzzi, A., Frejheit, Recht und Gemeinwohl; Gamafragen einer Rechisphilosophie. 1990; Baratta, A., Phitosophie und Steal recht, 1985; Baumann, M., RechuGerechtigkeit in Sprache und Zeit, 1991; Bausch 'T, Ungleichheit und Gerechtigkeit; Eine kritische Reflexion des Rawisschen Unter- schiedsprinzips in diskursethischer Perspektive, 1993; Binder, 1, Rechtsbegrift und Rechtsidee, 1915 (reimpressio 1967); Botticher, E., Gleichbehandlung und Waffen- pleichheit, Uberlegungen um Gleichheitssatz, 1979: Brieskom, N Menschen- Fechte: Eine histrisch-philosophische Grundlegung, 1996; Broekman, Af., Recht und Anthropologie, 1979: Bruner, E., Gerechtigkeit, 3” ed, 1981; Dreier, R.. Recht teat - Vernunfi, 1991, p. 8 88. Recht und Gerechtigkeit; idem, Was ist Gerech- tigkeit?, em: JuS 1996, 580 ss.; Engisch, K, Auf der Suche nach der Gerechtigkeit; Haupithemen der Rechtsphilosophic, 1971: Fikentscher, W., Wirtschafliche Ge- rechiigheit und kultorelle Gorechtigkeit; Vom Sinn der Kulturvesgleichung in AAmtvopologie, Wirtschatt und Recht, 1997; Gallas, H.-U., Grundrechte, 1985: Gramsch, W., Billigkeit im Recht, 1921; Habermas, J, Faktizitit und Geltung; B trie zur Diskurstheorie des Rechts und des demokratischen Rechtsstaats, 1992; Hilgendor, E., Der ethische Usiitarismus und das Grundgesetz, em: Brugger Ww. (org), Legitimation des Grundgesetzes aus Sicht von Rechisphilosophie und Gesell- schalistheorie (IStwdRuG, vol. 4), 1996, p. 249 ss.i Haffe, O., Politische Gerech- Gekeit; Grondlegung einer kritischen Philosophie von Recht und Staat, 1987: Hol- lerbach, A., Reflexionen Uber Gerechtigkeit, em: Brieskom, NJMiller: J. (org) GerechtigKeit und soziole Ordnung; Festschrift fir Walter Kerber, 1996, p. 42 ss 224 Jacoby, Sigrid, Allgemeine Rechtsgrundsiitze, 1997; Jorgensen, S., Ethik und Ge- rechtigkeit, 1980; idem, On justice and Law, 1996; Kaufmann, A., Theorie der Ge- rechtigkeit, 1984; idem, Gerechtigkeit — der vergessene Weg zum Frieden, 1984; idem, Prozedurale Theorien der Gerechtigkeit, 1989; idem, Uber Gerechtighcit Dreifig Kapitel praxisorienticrter Rechtsphilosophic, 1993; Kelsen, H., Was ist Ge- rechtigkeit?, 2 ed. 1975; Kerber, W. (org.), Menschenrechte und kulturelle fden tit8t, 1996 (com contributos de Hajffe, O., Pannenberg, W., Scholler, H., Schild. Ws, Kern, L. et al. (org.), Gerechtigkeit— Diskurs oder Markt?; Die neuen Ansitze in der Vertragstheorie, 1986; Kramer, &., Soziale Gerechtigkeit - Inhalt und Geenzen, 1992; Koch, H-J./Kohler, M./Seelmann, K. (org.), Theorien der Gerechtigkeit, em: ARSP-Beiheft 56, 1994; Kriele, M., Kriterien der Gerechtigkeit, 1963: Lampe, E,-J., Rechtsanthropologie, 1970; Larenz, K., Richtiges Recht; Grundzlige einer Rechtsethik, 1979; Leisner, W,, Det Gleichheitsstaat; Macht durch Nivellierong, 1980; Luhmann, N., Gerechtigkeit in den Rechtssystemen der modernen Gesell schaft, em: RTH 4 (1973), 131 ss.; idem, Der Gleichheitssatz als Form und als Norm, em: ARSP 77 (1991), 435 ss.; Maihofer, W., Gerechtigkeit und Zweckmibigkeil em: ARSP-Betheft 39, 1991, p. 34 ss.: Marcic, R./Tammeto, 1., Naturrecht und Ge- rechtigkeit, 1989; Nickel, R., Gleichheit in der Differenz?; Kommunitarismus und die Legitimation des Grundgesetzes, em: Brugger W. (org.), Legitimation des Grundgesetzes aus Sicht von Rechtsphilosophie und Gesellschafistheorie (IStu- RUG, vol. 4), 1996, p. 395 s5.; Ollero, A., Gleichheitsprinzip und Rechtstheorie, em: Valdés, E. G. (org), Spanische Studien zur Rechtstheori¢ und Rechtsphiloso- phie, 1990, p. 155 ss.; Orsi, G./Seelmann, K./Smid, St/Steinroth, U. (org.), Gerech- tigkeit (Rechisphifosophische Hefte 2), 1993; idem (ong.). Prinzipien des Rechis (Rechtsphilosophische Hette 6), 1996; Papageorgiou, K., Schaden und Strafe; Aut dem Weg zu einer Theotie der strafrechtlichen Moralitit, 1994; Perelman, C., Uber die Gerechtigkeit (do francés), 1967; Pospisil, L., Anthropologie des Rechts und Gesellschaft in archaischen und modemen Kulturen, 1982; Rawls, J, Eine Theorie der Gerechtigkeit (do inglés), 5.* edigdo (alma) 1990; idem, Gerechtigkeit als FaimneB, org. de Hoff, O., 1977; idem, Die Idee des politischen Liberalismus, 1992: Ricoeur, P., Liebe und Gerechtigkeit (do francés), 1990; Robbers, G., Gerechtigheit als Rechtsbegriff, 1980; Rousseau, J.~J., Diskurs iiber den Ursprung und die Grund- lagen der Ungleichheit water den Menschen, 1755 (do francés), 1984; Rifner W, Der allgemeine Gleichheitssatz als Differenzierungsgebot, em: Ziemske, B. ct a (org.), Staatsphilosophie und Rechtspolitk; Festschrift filr Martin Kriele, 1997, p. 271 ss. Riimelin, M., Die Gerechtigkeit, 1920; idem, Die Billigkeit im Recht, 1921: idem, Die Rechtssicherheit, 1924; Rithers, B., Das Ungerechte an der Getechtig- keit, 1991; Schmidt, J., Gerechtigkeit, Woblfahrt und Rationalitit, 1991; Scholz F. Die Rechtssicherheit, 1955; Schramm, T., Recht und Gerechtigkeit; Aspekte und Di- mensionen des Verhiiltnisses zwischen Birger und Staat, 1985; Schweidler W, Geistesmacht und Menschenrecht; Der Universalanspruch der Menschenrechte und das Problem der Ersten Philosophie, 1994; Spendel, G., Die Goldene Regel als Rechtsprinzip, em: Festschrift fiir Fritz v. Hippel, 1967, p. 491 ss.; Stranzinger:R. 225 Gesechtigkeit, cin rationale Analyse, 1988; Stratenwerth, G., Wie wicksig ist Ge- techtigkeit?, em: Haft, F et al. (org.), Strafgerechtigkeit; Festschrift fiir Arthur Kaufmann, 1993, p. 353 ss.; Zammelo, 1., Rechtslogik und materiale Gerechtigkeit, 1971; idem, Theorie det Gerechtigkeit, 1977; idem, Zur Philosophie der Gerechtig~ keit, 1982; Troller, A., Uberall giltige Prinzipien der Rechtswissenschaft, 1965; Walzer, M., Sphisen der Gerechtigkeit, Ein Plidoyer fiir Pluralitat und Gleighheit (do inglés), 1992; Welzel, H., Naturrecht und materiale Gerechtigkeit, 4 ed. 1962 (reimpressaio 1980); Winstanley, G., Gleichheit im Reiche der Freiheit, org. de Klen- ner H. (do inglés), 1986; Wollstonecraft, Mary, Verteidigung der Menschenrechte, 1790, org. de Klenner, H. (inglés ¢ alemao), 1996; Zacher, H. F, Abhandlungen zum Sozialrecht, org. de Maydeli, B, Baron von!Eichenhofer, E., 1993. 1A IDEIA DE DIREITO Estd ainda por esclarecer 0 que devemos entender por ideia de Direito. Sera ela algo real ou (apenas) ideal? Serd cla um axioma, uma hipétese, uma norma fundamental, um principio regulativo ou uma condigao transcendental do Direito? Em minha opiniao, nao de- veria colocar-se a ideia de Direito demasiado alto, e sim com- preendé-la como “modelo” da ideia de Homem na sua tripla confi- guragao: 0 homem como ser auténomo (como criador do Direito), 0 homem como fim do seu mundo (e portanto também do Direito) e o homem como ser heteronomo (isto é, vinculado ao Direito). (O es- quema 5 nao tem necessariamente que ser lido “a partir de cima”, sendo mais apropriada a leitura “a partir de baixo”: 0 principal é 0 Homem, a ideia de Direito é secundaria). De qualquer modo, existe um consenso alargado no sentido de que a ideia de Direito é 0 mais elevado valor do Direito. E este mais elevado valor é a Justia. O que serd entdo a Justiga? O que seja a justiga nio € algo que se possa dizer ~- e menos ainda do que 0 conceito de direito — numa exacta € conclusiva defi- niggo. absolutamente irredutt- vel, da ética, da filosofia social ¢ j i f- tiga, social, religiosa c_juridica A-justiga surge no entendimento filos6fico e teolégico como a segunda das quatro virtudes cardinais: \prudéncia a, coragem € tem 4 virtudes seguintes as antecedentes). Muito em especial a democracia 226 est4 ligada a forma fundamental da Justiga: o principio da igualdade enquanto sua mais elevada ideia directiva. A igualdade é 0 ethos da democracia. Pense-se nos clissicos do pensamento democritico, Péricles, Sdlon, Tocqueville... Tradicionalmente distingue-se: 1. {a justica objectiva Senquanto instituigdes € sistemas sociais (Direito. Estado, Economia, Fami; lia...); 2.fa justiga subjectivd enqua ana formula | ‘do diréito romano ¢ de Cicero: “Iustitia est constans et perpetua Yoluntas suum cuique tribuens.”' — No que se segue tratamos em primeira linha da Justica objectiva. A pergunta o que é a Justiga responde-se frequentemente: a jus- tiga € no seu cere igualdade. Mas se a justica é essencialmente igualdade, isso significa também, como é 6bvio, que a justica nao € apenas igualdade. Porém, na época posterior a Kant, especialmente ‘AO positivismo, a justica foi reduzida exclusivamente ao principio da igualdade, isto é, 4 proposi¢éo segundo a qual o igual deve ser tra- tado de forma igual ¢ o diferente de modo proporcionalmente dife- rente. Apenas este princ{pio totalmente formal era tido por cientifi- camente seguro, gs contetidos da Justiga, ao invés, ndo poderiam ser objectos da ciéncia, mas pertenceriam, como sobretudo Kelsen ensi- nou, a politica. Caracteristica é a pergunta retérica de Kelsen: O que € a Justiga? — nfo o sabemos nem nunca o saberemos?. A filosofia do Direito, a doutrina da Justiga, limitava-se ao formal. Com Gustav ruch deu-s fio. Ele voltou a filoso- far sobref€ontetidos| Mas também ele — Radbruch era neokantiano — apenas considerava seguras as afirmagdes sobre formas. No que res- peita aos contetdos defendia o relativismo juridico filoséfico ou axiolégico: acerca das diferentes vertentes e dimensdes da ideia de Direito (ver esquema 5, pagina 229) e das suas relagdes reciprocas nao h4, segundo Radbruch, conhecimentos mas apenas conviccdes (mais exactamente: a ciéncia deve mostrar quais sao as proposigées * Uipiano, 1. 1, 1, prs Ctcero, De officiis 1. V. Esta férmula foi mais tarde retomada, em parte literalmente, por Tomds de Aquino, Summa theologica Il, II, 58, 1. 2H, Kelsen, Was ist Gerechtigkeit?, 2° ed. 1975. 227 racionalmente posstveis, por exemplo sobre os contetidos da Justiga, ¢ prepard-las para a decisdo). De inicio, Radbruch falava expressa- mente das “antinomias da ideia de Direito”>. Também segundo Rad- bruch a justiga é igualdade. Mas ele nao se deixa ficar por af. Visto que o principio da igualdade tem uma natureza meramente formal, é necessério um princfpio material, que Radbruch contudo nao conce- bia como imanente A Justiga, mas antes colocava, sob a designagio de “adequacdo”, ao lado da justiga e da seguranga juridica — que se tora necessaria dado que a adequac4o material apenas vale rela- tivamente e estd, por isso, dependente do poder que estabelece 0 que nao pode ser cientificamente estabelecido. Mais tarde Radbruch mo- dificou a sua doutrina sobre a ideia de Direito de forma nao irre- Tevante, caracterizando a justica (igualdade), a adequagao e a segu- ranga Juridica como Ftrés faces da ideia de direitof’ que “dominam c dito em todas as suas vertentes” e cujas contra- digdes nao se devem entender antinomicamente mas antes como um “conflito da justiga consigo mesma”; a partir daqui Radbruch viu-se compelido a apresentar uma “ordem de prevaléncia dos valores da ideia de direito”*. Como resulta do que foi dito e do que se pode ver no esquema S, ica (em sentido amplo) ter a igualdade (justica em sentido estrito), a adequagdo (segundo outra terminologia: justica social ou do bem comum) e a seguranca juridica 2 juridies) Na igualdade est usa a forma lequi deja e-nasegrana julia, fend da ga. Deve, em consequéncia, ser revisto 0 que acima se disse. A dife- renga entre forma, contetido e fungao da Justiga radica na necessi- dade de andlise sistemdtica das diferentes vertentes da Justica. Na > G. Radbruch, Rechtsphilosophie, 8° ed. 1983, p. 1648s. = GRGA, vol. 2, 1993, p. 302 ss. © No original alemao: “ZweckmaBigkeit”. (N. 7.) * G. Radbruch, Vorschule der Rechtsphilosophie, 3.° ed. 1965, p. 32 s. = GRGA, vol. 3, 1990, p. 149, tanabém jé antes idem, Die Problematik der Rechtsidee (1924) = GRGA, vol. 2, 1993, p. 460 ss. 1A tradugdo nao € literal. No original alemio usu-se “Rangordnung der Wer- tideen’”. Radbruch refere-se a este respeito, nomeadamente, &s hipéteses em que a seguranga deve prevalecer sobre a justiga e as hipsteses em que deve suceder 0 inverso: a justiga deve prevalecer sobre a seguranga. (N. T)] 228 verdade, a justiga é sempre simultaneamente forma, contetido e fun- cdo. A realizagdo da igualdade e do bem comum ¢ fungiio da justiga; © principio da igualdade nao é pensdvel sem contetido; o maximo bem comum n&o é determindvel sem forma; e a seguranga juridica nao subsiste por si, pois s6 sera seguro o direito que respeite o prin- cipio da igualdade e a justiga do bem comum. A divisdo aqui seguida nao significa portanto uma diferenga de natureza da justiga, mas an- tes uma diferente acentuagao. Tl. A JUSTICA COMO IGUALDADE, 1. Objecto ou processo? A questao da Justiga move-se em duas direcgdes: 1. O que éa justiga? e 2. Como conht tao Ontolégica ¢ gnosiolégica. Pen: ¢ durante muito tempo, & muitos pensam ainda, que se podia tratar ¢ responder a estas duas questdes, a relativa ao que é 0 contetide_da justica e a relativa a0 modo conto se conhece a justiga, de forma totalmente separada. A justiga apresentava-se como uma realidade substancial exterior, como um “objecto” que se contraporia ao nosso pensamento e€ que deveria ser recebido na sua pura objectividade pelo “sujeito”. No co- nhecimento nao interviria, segundo se julgava, nada do sujeito cog- noscente, De acordo com tal ideia, ainda hoje se ensinam e escrevem “filosofias do direito”, por um lado, e “metodologias”, por outro, praticamente sem qualquer interligagao. Mas 0 esquema cognitivo sujeito/objecto pertence ao passado, mesmo nas ciéncias explicativas da natureza, ¢ mais ainda nas cién- cias hermenéuticas da compreensao. Por isso, nos tltimos tempos tém-se desenvolvido cada vez mais as zcorias processuais da justica, que concebem a justiga, ¢ portanto também “direito justo”, como produto do processo de determinacao de.dieito — pergunta-se “ape- nas” se exclusivamente como produto de um tal processo ou se [pelo contr4rio] este processo tera um fundamento material (“ontolégico”, © que nao significa necessariamente: “ontolégico-substancial”). ({seatoxa09} seoxpynl seuou Sep oUyEUNSOP) ouroug.a1o4 198 oWoo 229 wauleH apopinqsy apepynqosueld — apMPIBOd omy qouotoung vapoadstag GouNquE o aNAd as anb esed sepeyniar 49s saginquord ‘sagsuaio1d “sproug8ixe Se manap sora anb 4og sopSuny (eaippinf 22d ‘onan op apepsgerss owioo edusnf) vorpunf nduninSog. wawoy vossad eURUINE apeprudigy {feiGawepung {oy ep £2 Tt ‘ef O8TMP) OUFOUSINE 395 OOD wawoH stoacayn?® ——_(woytjod woo) sa100a 9p 20pEN9 12}208 $13 enpraspu ‘owoo WaWOH wos wewop] omenbue weWoH apeprunino pepIOL, apeparos sreamyjno saxopeA sopod peps2qr] pwossodsuvs, visqonprepu-pedhig accra ee sanoyay po4a8 aquauomposay opnamog op wanoadssag soone sus sopepissaaou ‘searreizadxa “sassauo1uy {opeynitas 29s anap anb ( sopmauo:> (qe1208 eSnsal ‘winuzos wag op esnsnt “w1)-P190T) opdonbepy pousoyy vapivadsaag aninna wang ‘ovtautp op apeprTrauad Bp 177] our op OFA, {iepta ep sopraumuadusos 50 sopelnfla) 498 woaap ounor) ‘mag (ous opnuss we ednsny) | apopjon’ (oidum opnuas uto winsng) ones ts VAENDSA 230 Sobre as teorias processuais da justiga, tema central da actual filosofia do direito, falar-se-4 mais em pormenor no capitulo 18 (leiam-se também as referéncias feitas na “introdugdo”). 2. Igualdade, semelhanca, equiparacao O principio da igualdade é, como se viu, antes de mais pura- mente formal. Ele afirma tdo-somente o igual deve ser tratado de forma igual ¢ o diferente de modo proporcionalmente diferente. Nao didlo que € iguallou diferente (o que € importante para a configura- ¢ao das previsdes legais) nenfcomo ke deverd tralar o que é igual ou diferente (o que importa sobretudo para a determinagdo das con: quéncias juridicas). Ora acontece que nada no mundo é absoluta- mente igual ou diferente, sendo sempre apenas, por referéncia a um termo de comparagio (tertium comparationis, porventura a “ratio iuris”), mais ou menos semelhante e dissemelhante (por isso é sem- pre logicamente possivel em vez da analogia a conclusao @ contra- rio). Aigualdade é abstracc4o da diferenca e esta, por sua vez, é abs- tracgao da igualdade. Nao ha uma fronteira légica entre igualdade ¢ semelhanga, a igualdade material é sempre apenas semelhanga_por Assim, a igualdade é sempre um acto de eguiparacdo ¢ este acto nao assenta apenas no conhecimento racionat, implicando sempre, ¢ antes de mais, uma decisdo de poder*. Um exemplo. O legislador es- tabelece por forga da sua autoridade que, em relagdo 4 capacidade de exercicio, as criangas desde o nascimento até aos sete anos de idade, as dos sete até aos dezoito anos e os maiores a partir dos dezoito anos de idade so sempre iguais entre si, apesar de uma crianca de sete anos se diferenciar por regra consideravelmente dum menor de de- zassete anos; € na distingdo entre estes trés grupos também se veri- ficam desigualdades: uma pessoa de dezassete anos um dia antes ¢ 5 Sobre a equiparagio, segundo um ponto de vista tido por essencial, do que € diferente, ver, mais em pormenor, A. Kaufmann, Analogie und “Natur der Sache”, 2." ed. 1982, p. 18 ss., esp. p. 26 ss. Sobre o principio da igualdade, em especial sobre a igualdade e a justica social, ver antes de mais H. F Zacher, Soziale Gleichheitssatz und Sozialstaatsprinzip, em: AGR 93 (1968), 341 ss 21 uma outra de dezoito anos um dia depois de fazerem dezoito anos sio legalmente diferenciadas. Ou: nenhum assassin é igual_a outro, mas todos si0 equiparados ao serem punidos com prisiio perpétua. Ou mais um exemplo: fala-se hoje muito dos “direitos da natureza” e em especial dos animais; em que medida e sob que perspectiva (porventura, a capacidade de sofrimento) sao os animais (e quais ani- mais?) semelhantes ou dissemelhantes do Homem?® Ainda hoje o Livro V da “Btica a Nicémaco” de Aristételes € 0 ponto de partida para qualquer reflexao séria sobre a questio da jus- tiga. O cerne da justiga é, ensinava ele, a igualdade. Mas enquanto muito mais tarde (por exemplo Kant) ainda concebeu a justiga como algo formal e numérico (Kant: “se assassinou, tem de morrer..., assim 0 exige a justiga enquanto ideia do poder judicial segundo. leis gerais fundadas a priori”)’, Aristételes compreendeu-a, muito mais adequadamente, como algo proporcional, geométrico, analé- gico. O igual € um meio termo ¢ portanto a justica é o proporcional. A proporgao exige contudo um critério; a analogia, um termo de comparaciio. Aristételes chamou a este critério “valor”. F claro que com isso se convocou 0 ponto cardinal, mas também toda a proble- matica da questio da justiga®. A igualdade é portanto umaljgualdade de relagdes ‘uma corres- pondéncia, uma analogia. O cardcter analégico do ser (que nao se funda necessariamente na doutrina teoldgica da analogia entis problema de Deus) é 0 pressuposto para que possamos alcangar uma ‘ordem no nosso saber e nas nossas relagdes. Se tudo fosse idéntico, se ndo houvesse quaisquer diferengas, entdo seria despropositado, sendo mesmo impossivel, formar diferentes palavras ¢ diferentes normas, Se nao houvesse conexdes entre as coisas, entio terfamos de ter um nome especffico para cada coisa e uma norma especifica para SCE_A. Kaufmann, Gibt es Rechte der Natur?, em: Festschrift fir Giinther Spendel, 1992, p. 59 4s, também em: idem, Uber Gerechtigkeit, 1993, p. 369 ss. Sobre isso, ver também, in- fra p. 447-453, 7 Kant, Metaphysik der Sitten, Edigio da Academia, p. 333 8 # Aristételes, Btica a Nicémaco, 1130b a 1133*. Sobre isto, ver M. Salomon, Der Begriff der Gerechtigkeit bei Aristoteles, 1937. — Ja Plardo se tinha pronunciado de forma sagaz so- bre semelhanga ¢ dissemelhanga no “Parménides”; 144a ss., esp. 147c, 149¢, LOLa-d. 232 cada acgfo. 86 existe ordem com base na analogia do ser, que é algo intermédio entre identidade e diferenga, entre absoluta igualdade e absoluta diversidade (relembrem-se mais uma vez as palavras de Goethe anteriormente citadas na pagina 119). 3. Os tipos de justica J4 Axistételes distinguia, como ainda hoje se faz, dois tipos de justia em que a igualdade se manifestava de duas formas diversas: a justiga comutativa ja commutativa) € a justica di. is quela € a justia entre os dk or natu- reza. mas iguais perante a lei; ela implica a absoluta igualdade entre prestagdo e contraprestacdo, entre aquilo que_a lei considera _equi- valente (mercadoria ¢ prego. dano_e indemnizacdo). Esta, por seu lado, exige a igualdade proporcional no tratamento de uma plurali- dade _de pessoas: a repartigao de direitos ¢ deveres de acordo com critérios de merecimento, capacidade, necessidade, culpa como 6:3 = 4:2, também o assassinio esté para o furto como a pena de prisdo perpétua para a prisdo temporaria). A justiga distributiva é a forma primordial da justiga, pois a justiga comutativa do direito privado pressupée um acto ptiblico da justica distrib itiva, por exe! plo a atribuigio de um status especifico como sejam a pel jade juridica ou a capacidade de exercicio. Por isso, a f6rmula “swan cui- que tribuere” nao pode ser entendida de acordo com um igualita- rismo uniformizante; nao significa, a todos o mesmo, mas a cada um aque € seu, isto é, a oportunidade de se tornar naquilo que tem em si de possibilidades positivas. Tomds de Aquino completou 9 ° sistema aristotélico com uma ter- ceira forma de j a: aJu titia legalis)®, que poe em \+® relevo ofdever no indi por exemplo dever de. votar, deveres judiciais, dever ‘le uso social da propriedade. Ilus- tram-se os trés tipos de justica (igualdade) nos esquemas 6 e 7 (pa- ginas 234 e 235). Como se depreende do esquema 7, a justica distri- butiva propria do direito publico ¢ a justiga comutativa € propria ° Tomas de Aquino, Summa theologica I, U1, 57 $8. 233 do direito privado. Em ambos se impée e vincula a justica legal, o mesmo sucedendo duma forma especffica no direito social. esté intimamente relacionado com um importante imperativo ético, ‘ou seja, com o mandamento de tolerdncia, e & um principio anti- quissimo. Jé na época dos pré-socraticos, imandro _ensinava: tudo o que é, 6-0 enquanto ente na ordem. E isso significa que com aexisténcia se d4 também _um direito a ser e a ser como se é. um di- reito de afirmacio do seu prdéprio ser, e que portanto também se deve deixar o outro ser o que ¢ ¢ como 41°, Isto ouve-se € lé-se tao simplesmente e é contudo tio dificil como o préprio mandamento de tolerancia. Deve deixar-se 0 conde- nado penal ser 0 que € ¢ como €? Certamente nao, mas ele apenas pode ser responsabilizado com estrita: as juridi cesso justo (“in dubio pro reo”). Em todo 0 caso tem de se deixar as personalidades “fora do normal” (se é que ainda hoje se pode ver al- if guém como “fora do normal”), por exemplo aqueles que tém dispo- sigdes homossexuais, serem 0 que so e como sio, quando nao lhes be & possivel identificarem-se com o “normal”. TIL JUSTICA E EQUIDADE Aristoteles também reflectiu sobre a relagao entre justiga e equi- dade, € Com grande acerto, A equidade € apresentada como “justiga do caso concreto” |. Na pratica ela desempenha um papel nao negli- “ genciavel. No direito anglo-americano, que é predominantemente direito casuistico e nao direito legal, a jurisprudéncia da equidade desenvolveu-se como uma instituig&éo de enorme importancia no in- terior da ordem juridica global. O problema estd ent&o em saber como € que a equidade pode ser colocada em campo contra a justia, sendo a justica o valor juridico '® Mais em pormenor, Erik Wolf, Griechisches Rechtsdenken, vol. 1, 1950, p. 226 ss, esp. 233 s. 8 Aristételes, Etica a Nicémaco, 1137a a 1138a. 234 (eonpundejeurs ednsnp) vannemuoo eSnsny Stenprarpul seossag. > sienprarpul seossag paprorrunwon vpIsny apepais0s. (2poppondy vp ordsouped sonuisa opuiuas wa vdysne) (ennsny osusnp y +9 VINANOSA 235 ayminuauos puNsAy (opeang onan) vpeaud eSnsng ‘19 “TeIDOS OrfaaTC] ‘ouLeqeLL, Op OMI bauinquisip onusny eSnsng Coomang onana) [p190s eSusnp 1089] Dysny 4 VINENOSA 236 mais elevado — ou sera que afinal nZo 0 é? Aristdteles deparou-se com este dilema. Por um lado, a equidade seria melhor do que o di- Teito legal, mas, por outro Jado, nao o seria no sentido de pertencer a um género diverso. Vejam-se aqui literalmente as passagens deci- sivas: “A raza i lade esté em que a equidade. t direito, nao é direito legal. mas sim a sua correccdo. Esta pode justi- ficar-se pelo facto de toda a lei ser geral e nao ser possivel, em mui- tos casos, obter uma decisao justa através duma regra geral. Por ve- 125 T HeLeTETG gue e elaelega uma Tegra geral. que no poders ser sempre justa, pois apenas considera a maioria dos casos, 0 que nio significa que se ignorem as omissdes decorrentes desse procedi- mento. E tal procedimento nao deixa de ser correcto. Pois as omis- sdes nao resultam nem da Jei nem do legislador,mas-danatureza do caso’... Assim, quando a lei se pronuncia de forma geral e, segui- damente, surge um caso particular a que essa regra geral nao se ade- qua, é justo, visto que o legislador, pronunciando-se de forma geral, nao teve em vista este caso e 0 ignorou, suprir tal omissdo, tal como 9 proprio legislador teria feito se tivesse 0 caso diante de si e, tendo tomado conhecimento dele, o tivesse contemplado na lei 3. Nao é partante-certe-dizer-que-a equidade é a “‘justica da.caso concreto”. Toda a norma tem de generalizar'*. Uma “norma” indivi- dualizante, uma “norma” especificamente para este, aquele ou aque- loutro caso é uma autocontradigio, nado é uma norma. E evidente que a generalizacdo pode ter diferente amplitude, a norma nao tem de va- ler sempre para todas as pessoas, mas sim para todos os menores, para todos os comerciantes, para todos os assassinos. E neste ponto se distinguem justica e equidade. E uma diferenga de pontos de vista, "2 To gur humartema ouk en to nomo oud en io nomothetei all’ en te physei tou pragmaios estin. No original alemo, as palavras utilizadas para traduzir a expressdo grega “physel tou Ppragmatos” foram: “Natur der Sache”. 13 Este dltimo enunciado também veio a ter um ressurgimento que se tornou célebre, no antigo 12, seco 2, do Cédigo Civil suigo de 1907, onde se diz que, em caso de lacuna (quando lei e 0 direito consuetudindrio sdo omissos), o juiz deve “decidir segundo 2 regra que criaria se Fosse legislador’’ O juiz como legislador! Veja-se também, supra p. 128, esquems 3 '4 Mais em pormenor A. Kaufmann, Generalisierung und Individualisierung ira Rechis- denken, erm: ARSP-Beiheft 45 (1992), p. 77 ss., também em: idem, Uber Gerechtigkeit, 1993, p. 3275s.

You might also like