Imagem Um Olhar Caledoscipico

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IMAGEM: UM OLHAR CALEIDOSCOPICO Maria Isabel de Lima MARTINS Universidade do Minho José Henrique Serrano CHAVES Universidade do Minho RESUMO Dada a superabundéncia de imagens que proliferam na sociedade contemporanea, na tecno- cultura, a imagem emerge como veiculo privilegiado do acto comunicacional, sendo também um dos aspectos mais polémicos da contemporaneidade da vida s6ciocultural, ¢ tecnolégica . Imagens que numa espécie de caleidoscépio, confluem tanto no desejo, no sonho e na fantasia, como na construgdo do conhecimento. Assim, parece pertinente uma reflexio sobre as suas implicagSes a nivel comunica- cional, da interacgdo do sujeito com a imagem, no quadro de uma «autodidaxian. A imagem é vista, em duas perspectivas: tanto como indutora do imaginério pessoal ¢ colectivo, como no seu papel de elemento promotor de uma esteticizagio da cultura, A imagem, como objecto de investigagao, con- duz-nos pelas suas caracteristicas a uma abordagem orientada por miiltiplos pontos de vista, tomando em consideragio uma multiplicidade de elementos em interacgao. Introdugéo L’individu baigne dans l'image Baticle (1973) Desde as grutas de Lascaux as novas grutas dos espagos virtuais que o ser humano interage sistematicamente com imagens. Dado o desenvolvimento tecnolégico parece es- tarmos perante 0 efeito similar 4 revolugao provocada pela descoberta de Gutenberg, que se faz sentir na contemporaneidade com a facilidade de reprodugo, circulagao e difusdo das imagens - que esto presentes em todo o lugar: no jornal, nas paredes, na televisio, nos écrans... Hoje, na tecnocultura (Berger, 1993), o ser humano é «alvo» de miltiplos estimu- los que incidem sobre os seus olhos (brilho, luz, cor, forma), ¢ que emergem na iconosfera de uma forma, por vezes, impositiva. Est4 assim sujeito a interagir com imagens que lhe vio, por sua vez provocar o emergir de novas imagens mentais, que pode plasmar num suporte, originando assim novas imagens... que desencadeiam miultiplas imagens num ciclo (te)criativo infindavel! Desde 0 contacto com os média convencionais e com os produtos emergentes das (e nas ) TIC nos espagos privados ¢ publicos, aos muros com graffitis, passando pelas montras dos espagos comerciais até a obra de arte, a nossa vivéncia quotidiana dos espacos, os nos- sos percursos, estdo imersos em imagens, que traduzem, partilham e disseminam ideias ¢ desejos.... de possuir (um objecto, um corpo idealizado) fantasia e conhecimento. Dada a superabunddncia de estimulos e imagens que proliferam na sociedade con- temporanea, estas sio um dos aspectos mais polémicos da contemporaneidade da vida soci- al (séciocultural ¢ tecnolégica), que devemos tentar compreender, sobretudo no sentido de “(...) reconhecer as mudangas qualitativas da ecologia dos sinais, o ambiente inédito que resulta da extensfo das novas redes de comunicaco para a vida social e cultural” (Lé- vy,1997, trad.2000, pag.12), deste imenso hipertexto comunicacional em que estamos inte- grados ou inseridos. 363 Imagem: um olhar caleidoscépico Nao seremos, nés seres humanos, também imagens/nés deste hipertexto comunica- cional em que se constitui a nivel comunicacional e informacional a vida actual em socie- dade? Nos que complexificam o hipertexto comunicacional com imagens por si construi- das, imagens re-elaboradas a partir de outras imagens (mentais ou nao), mas que o tornam sobretudo ainda mais complexo como uma rede densa, infindavel e talvez utépica, de mil- tiplas imagens prontas também a emergir do sonho e da fantasia. dominios que devemos ter em atengdo, tanto mais que a «cibertecnologia» tende a enfatizar a sensorialidade da experiéncia, as dimensdes visuais, auditivas e tacteis, permitindo como no sonho manipular e navegar/flanar, em torno de formas e objectos... Entramos numa nova etapa no dominio do conhecimento, depois de ultrapassadas, como refere Baticle (1973), a “Galaxia de Gutemberg” (Mac Luhan, 1964) e 0 ponto alto dos audivisuais, entramos nos anos 70 na “era dos média”, etapa mais ampla de efeitos, provocada pela “civilizagdo eléctrica e mesmo electronica nas quais os circuitos propagam a mensagem visual, auditiva, audiovisual até mesmo olfactiva ou gustativa” (Baticle,1973, pag.20). Hoje encontramo-nos sob o dominio do hipertexto, do multimédia ¢ das redes, fazendo ainda, talvez, mais sentido as expressdes quer de Mac Lhuan que atribui aos media um funcionamento como extensdes dos orgéos dos sentidos, quer de Baticle (1973), que afirma vivermos, num ambiente de continuum hapenning . Perante 0 movimento continuo da novidade, que caracteriza a cibercultura, esta ex- prime segundo Lévy (2000) “(...) a ascensfio de um novo universal(...)” (pég.14), cuja uni- versalidade se constréi pela “‘interligago das mensagens” que se multiplica ¢ amplifica, por vezes de forma iterativa, em que 0 novo nao é t4o novo assim mas apenas objecto de refor- mulagées, de acréscimos; sendo trabalhada a cor, textura, como a forma e a dimensao (Lé- vy, 1994). Neste contexto, as imagens so um forte contributo para a renovacdo do “novo universal”. Apropriagiio e (re)criagéo O ser recebe miultiplos estimulos do espago convencionado e do novo espago, 0 ci- berespaco, com os quais interage, se apropria, recria e cria, num processo, que nao ¢ apenas € unicamente mec4nico ou matematico, mas marcado pela dimensao sensorial, dado que o corpo funciona na sua relagdo com a tecnologia como interface, como também pelo sonho, pela imaginacio e pela fantasia... Assim, a cibercultura assume um papel preponderante no mundo actual, ou como diz Lévy (1997) “(...) exprime a ascensio de um novo universal, diferente das formas culturais, que a precederam na medida em que ele se constréi sobre a indeterminagao de um qualquer sentido global.” (2000, p.15). Esta nova universalidade constréi-se, segundo este autor, “(...) pela interligaco das mensagens, pela sua ramificacao permanente no meio de comunidades virtuais em transformac&o que lhes instilam sentidos diversificados em permanente renovacao.” (pag.16.). Renovacao para a qual todos contribuem, «as culturas ”trabalham” como a madeira verde e nao constituem nunca totalidades acabadas» (Augé, 1993, pag. 29). Assim a infindavel meméria colectiva integrard este imenso hipertexto numa dina- mica geradora de novos percursos, que lhe permitira autotecer-se em constante movimento, em todos os sentidos, e adquirir uma dinamica prospectiva e projectiva. Prospectiva na medida em que apela a sensorialidade e a interioridade dos fruidores/leitores, projectiva no 364 Imagem: um olhar caleidoscépico sentido em que nos projecta para outras dimensées, outros cendrios reais, virtuais ou reais na sua virtualidade. Assim, como Hermes, o deus grego das sandalias aladas, das viagens, das encruzi- Ibadas representa a relagio com os outros, também a imagem ao circular nos meios de in- formagio ¢ comunicagdo, nos liga a outros, num processo dindmico em que se entrecruza € interpenetra com outras imagens que emergem no nosso espaco mental, dando origem a novos entrecruzamentos, ou seja, novas imagens. Quando estas se objectivam, comunicam com outrém, dando origem a novos entrecruzamentos, porque sempre lidas, analisadas ¢ intuidas por outros receptores/autores... Nos seus itinerrios a imagem circula em diferentes canais - espagos - ¢ conflui em pontos de encontro (as paredes da rua, a TV, o cinema, os jogos video, a internet...) onde interage com outros fruidores/leitores e ou receptores/autores'. A imagem na sua complexi- dade, dada sobretudo pela dimensao polissémica, ao interagir com diferentes fruido- tes/leitores vai sendo transformada, interpretada, num processo interno de andlise e apro- priagdo que se da ao nivel do receptor, marcado pela sua sensibilidade, pela sua personali- dade e pelo seu background. Assim a imagem vai sendo no acto de leitura sujeita a transformagées, porque na sua dimensao magica, provoca ressondncias, o rememorar, e de forma subliminar ou nao, o emergir de indicios de outras imagens, de outras vivéncias, sensagdes, experiéncias inter- nas... O que dé origem, no campo experiencial do fruidor/leitor, a uma nova imagem elabo- rada sobre a imagem original. Mas promove também, a ideia de pertenca ao grupo social do qual este faz parte, constituindo assim simultaneamente um elo de ligacdo ao outro, e um. espaco de autonomia ¢ de criatividade. Imagem e dimensdo estética ‘As imagens que vivenciamos no nosso ambiente social estio marcadas pela evolu- Gao tecnologica, pelo poder de difuso das TIC, pela qualidade ¢ tipologia das mensagens veiculadas. Mas estdo sobretudo impregnadas de valores simbélicos, donde emerge a pre- senga dos mitos — em imagens belas ¢ estimulantes, mas em imagens também de horror ¢ destruigao — 0 forte apelo A evasio, ao irreal, remetem-nos para uma dimensdo imaginaria (Moles, 1982). Imagens que numa espécie de caleidoscépio confluem no desejo, no sonho e na fantasia. Dimensées que parecer acentuar-se com a evolucdo das cibertecnologias. A comu- nicago, com novos interfaces, vai tomar ou retomar outras dimensdes como a tactil e a olfactiva, assim como novas atmosferas nos dominios auditivo, visual ¢ da cinestesia. Es- tamos assim, perante novas imagens, novos espacos que consideramos como labirintos “(...) lugar que nao conhecemos e que, de certo modo ultrapassa as nossas capacidades mentais” (Moles 1982, pag.19) onde como no sonho, mergulhamos ¢ vagueamos, espagos fantasma- goricos, etéreos, labirinticos. Do desenvolvimento ¢ amplificagao de diferentes tipos de ambientes e consequentemente de imagens, emergira, talvez, uma sensorialidade de tendén- cia integradora das diferentes dimensées da experiéncia humana. ‘A mudanga qualitativa das percepgdes a que estamos a assistir deve-se sobretudo & tecnologia digital que permite nao s6 comunicar como também entrecruzar e interligar, os ' © receptor/autor é aqui entendido primeiramente como fruidor/leitor independentemente do seu papel como eriador. 365 Imagem: um olhar caleidoscépico processos “biolégicos” e “psiquicos”, pelo que devemos avaliar as “implicagdes culturais sociais” (Lévy, 2000, pag.26), assim como as suas influéncias no dominio estético. A dimensio estética” devera ser entendida, neste contexto, como o faz Abraham Moles (1982) no sentido etimolégico de uma “valorizagdo sensorial do mundo objectal” independentemente “da ideia convencional de belo” que tem origem, sobretudo, em proces- sos sociais consensuais (pag. 14), estamos assim, perante a concepgiio de um sentido estéti- co fruto da apropriaciio sensorial do envolvente. Espago envolvente que nos é dado por imagens e que contém imagens/objecto que preenchem espagos, imagens portadoras de mensagens diversas que de forma inegavet (Baticle, 1973), podem impregnar o nosso espirito. Imagens que sdo nos percursos do quo- tidiano factores de aprendizagem, de «autodidaxian. Este conccito formulado por Moles (1986), & definido como o processo de aprendizagem e aquisi¢ao de valores através do campo experiencial, oferecido pela «cultura mosaico». Integra a aprendizagem, aquisi¢ao de flashs de conhecimentos ou valores, que sao propostos aleatoriamente pelo meio envol- vente, numa vivéncia do individuo de apropriacdo do espago. E uma experiéncia dinamica, vital para o individuo, que, como uma totalidade mais ou menos estruturada se integra na sua memiéria, no sentido de uma «cultura mosaico». Mas as imagens com que nos confron- tamos na nossa vivéncia dos espagos, sdo também, nao podemos deixar de enfatizar, ele- mentos que enriquecem visualmente a nossa analise do envolvente e contribuem para a sua esteticizagao. A esteticizagao acontece assim, a dois niveis, que parecem intimamente ligados, 0 dos estimulos sensiveis emanados dos objectos, com a consequente transformagao do en- volvente 0 processo pessoal de vivéncia estética do fruidor, que emerge da relago que este estabelece com 0 espago nos percursos do quotidiano. Assim a imagem com a qual o nosso olhar se cruza - cartazes, montras, pracas, jar- dins, painés, reclames luminosos, etc., presentes no ambiente, assim como a obra do artista plastico que vemos na galeria de arte, na TV ou na revista, contribuem para a nossa experi- €ncia estética. Os espacos piblicos ¢ privados, onde todos interagimos com as imagens funcionam assim, como espago de experiéncia sensorial, como espago pedagégico, donde decorre fuigdo sensorial, uma vivéncia estética, mas também a integragio ou emergéncia de novos discursos, de novas propostas estéticas. Miltiplos olhares, miltiplos sentidos Na contemporaneidade a imagem tem uma forte presenga e parece veicular o maior nimero de informagées que captamos do mundo envolvente. Se podemos considerar as imagens como signos cuja descrigio e interpretagio so possiveis, a mesma certeza nem sempre emerge no que diz respeito 4 significagao. Dado que a imagem é€ caracterizada pela polissemia, permite-nos uma pluralidade de sentidos. 2 dimension esthétique; ce terme, que nous prendrons toujours ici au sens étymologique d’une valorisation sensorielle du monde objectal par rapport & I’étre qui le ressent, valorisation strictement indépendante de Tidée conventionnelle du beau et du laid (toujours produits d’un consensus social), mais que situe le projet humain vis-a-vis de son environnement: soit se diluer dans celui-ci en en appréciant les valeurs (philosophie orientale), soit le recréer en le changeant (...)” (Moles, 1982, pag. 14), 366 Imagem: um olhar caleidoscépico Neste contexto, a imagem como «sinal aberto» implica-nos, e 0 sujeito torna-se assim co- autor na criagao de sentido (Eco, 1980, 1989), emergindo também um efeito de projecgao, a que esté ligado 0 seu background social e cultural. A imagem na sua dimensio simbélica contém algo de magico, porque oculto, ela tem o poder de provocar no receptor miltiplas ressondncias. Assim, a imagem invade o seu inconsciente, marca-o, influencia-o, muitas vezes, sem que este se aperceba, embora tal acontega em fun¢do das caracteristicas cognitivas, sécioculturais ¢ afectivas do receptor. No sentido em que a imagem influencia, provoca... torna-se um elemento de polémi- ca, neste sentido Rocha de Sousa diz: “a imposigao da imagem através dos media teve uma importincia decisiva no de- senvolvimento dos actuais modos de ver, considerando tal facto quer na sua perspectiva de consciéncia critica sobre a realidade envolvente, quer no seu lado menos fecundo ¢ por vezes notoriamente redutor [...] 0 efeito da imagem — factor caracterizante da propria civili- zagao neste século — envolve poder persuasivo nao negligenciavel, tanto mais invasor quanto os jornais restringem ao mAximo a extensfo e a complexidade do texto, alargam 0 espaco ilustrativo, conferem aos titulos uma carga visual quase demagogicamente expansi- onista. E com isto se vai esquecendo que as imagens também sao pensadas através de sons, © sobretudo de palavras, sendo certo que o pensamento visual, apesar da sua especificidade € alguma autonomia, precisa da cultura interactiva para ganhar maior substancia, amplitude de cédigos, abrangéncia criadora, capacidade de romper as obviedades alienantes.” (Sousa, 1992, pig. 161). Neste sentido, observa-se que “o desenvolvimento das cibertecnologias” parece ir de encontro “as finalidades de criadores e utilizadores que tentam aumentar a autonomia dos individuos e desmultiplicar as suas faculdades cognitivas” (Lévy, 2000, pp.24,25), criativas e estéticas, Perante a possivel estereotipia dada quer por processos, quer pela repetigao, a arte teria o papel de contrariar a tendéncia para “(...) essa robotizacdo da consciéncia e da sensi- bilidade” Flusser propde “tecolocar as questées da liberdade ¢ da criatividade no contexto de uma sociedade cada vez mais informatizada (...) (qpud Machado, 1999, pig.35). Como refere Toffler na sua obra “Os novos poderes” "(...) reorganizar a producdo e a distribuigdo do conhecimento e os simbolos usados para o comunicar. (....) estamos a criar novas redes de conhecimento... a encadear conceitos entre si de maneiras espantosas... a gerar novas (...) imagens baseadas em novas pressupo- sigdes, linguagens, cddigos e ldgicas. (...) estamos a inter-relacionar dados de mais manci- ras, dando-lhes contexto e configurando-os em informagao. E estamos a reunir pedagos de informa¢do em modelos e arquitecturas de conhecimento cada vez maiores. (....) [0 que implica] enormes mudancas na maneira como vemos o mundo, criamos riqueza ¢ exercemos o poder." (1991). Imagens que se entrecruzam No «campo topolégico» (Lewin, apud Moles, 1982) da nossa consciéncia, espaco «imagindrio ou real» (Moles,1982, pag.9), espécie de labirinto no qual vamos tecendo o nosso hipertexto de imagens, feito das percepcdes do quotidiano, das imagens que nos chegam dos media ¢ das imagens mentais que construimos a partir de tudo o que vimos, de tudo o que sentimos — sons, cores, texturas, sensagdes, pensamentos, palavras... estabele- 367 Imagem; um olhar caleidoscépico cemos permanentemente miltiplas interacgdes. A propria mente pode assim ser entendida ou imaginada como um ilimitavel hipertexto. Mas © proprio espaco comunicacional no qual estamos imersos, espago virtual, pa- rece ser ele proprio entendido como um intermindvel hipertexto, no qual nos inserimos, ou seja, como ja referimos, seremos, também, nds dessa estrutura em permanente construgdo. Se imaginarmos um hipertexto como um “espago de percurso [s]” no qual podemos realizar diferentes percursos, diferentes “leituras” (Lévy, 2000, pag.62), ¢ entrecruzar esses percursos e essas leituras... Ento o utilizador poder, criar ou recriar, proceder a acrésci- mos e/ou eliminar algo. Podera deste modo, ser também um elemento activo dessa imensa rede interagindo com as imagens que Ihe so propostas. Esta seré segundo Lévy (2000) uma das caracteristicas da «ciberarte» - a participagdo. Nao sé como refere o autor na construcao do sentido, mas, sim numa espécie de co-producao da obra, dado que 0 sujeito é desafiado “(...) a intervir directamente na actualizacao (materializagao, visualizagao, edicao, o desenrolar efectivo aqui e agora) de uma sequéncia de sinais ou acontecimentos. [Assim, numa espécie de jogo acontece] a criagéio continua. A obra virtual é «aberta» pela constru- cao. Cada actualizagao revela um novo aspecto.” (pag. 142). Perante a democratizacio de acesso ao digital: ao jogo; ao fragmento; 4 permutacio (Moles, 1990), e 4 colagem, todos podemos, neste sentido, ser “jogador{es], criador[es] de ilusdes ¢ de surpresas” (Babin, 1993, p. 103), todos podemos criar (Fajardo, 1999). As actuais «tecnologias da simulagio» parecem estimular, segundo Couchot (1999), uma nova relacio do sujeito com a imagem — aproximam e conduzem A interacgdo com a imagem. Interacg’o promovida, sobretudo pela evolugao tecnolégica no dominio da ima- gem numérica. Couchot diz que “(...) imagem e sujeito tém agora a capacidade de interagir - ou de dialogar — quase instantaneamente, em tempo real” (1999, pag. 25). No entanto, devemos ter em conta que no didlogo com a imagem sempre esteve pre- sente o apelo a interacgo, visto ser uma das suas caracteristicas. A interactividade é um atributo da imagem, pois como sublinha Boissier (1989) ela esté sempre presente, embora em diferentes nivcis. No dominio da criacao, por meios electronicos, Lévy (2000) esclarece que “(...) a obra interactiva exige a implicagao dos que a apreciam. O interactuante participa na estrutu- ragdo da mensagem que recebe” (pég.155), numa dinamica autopoiética, em que 0 sujeito interactuante cria, recria, intervém interagindo, manipula, e o resultado da sua intervengao é objecto da intervengo de miltiplos interactuantes... donde resulta uma nova imagem, mil- tiplas imagens. Assim, neste imenso hipertexto comunicacional, que se estende em miltiplos senti- dos como uma galaxia em crescimento, ou como uma “(...) sucesso fractal sem fim” (Lé- vy, 1994, pdg.219) parece prevalecer como ideia primordial da cibercultura que “toda a imagem é potencialmente matéria-prima de uma outra imagem (...) a obra ja no esta A distancia, mas sim ao alcance da mo. Nés participamos nela, transformamo-la, somos em parte os scus autores.” (Lévy, 2000, pp.159,160). Interligar, entrecruzar, interpenetrar... Emergem assim novas problematicas, segundo Couchot (1999) “o sentido ¢ a sua individuagao passam doravante a ser produzidos no decurso das interconexées e dos tra- jectos (...).” (pag.27). 368 Imagem: um olhar caleidescépico Por sua vez Lévy diz-nos “que falta descobrir os mapas e os instrumentos de nave- Bacio neste novo oceano (...) Mas nio é necessario imobilizar, estruturar a priori, petrificar uma paisagem por natureza fluida e variada: uma vontade de dominio excessiva nfo pode ser um processo durivel no ciberespaco.” (2000, pag. 124). Neste contexto, emerge um elemento de abordagem, de aproximagao e estudo - o imaginario, com os arquétipos, estruturas comuns aos individuos. No que diz respeito as novas imagens Lévy (1990) “afirma que a facilitagio da visu- alizago e simulagdio promovida pelo écran informatico pode permitir o eclodir da imagina- 40 do utilizador.” O que parece acentuar-se pelo facto da tecnologia induzir “o sujeito a uma interacc&o cada vez mais globalizante” num processo que Gauthier (1992) designa como «intersensorialy “I sobretudo, este apelo intersensorial, afectivo ¢ subliminar que parece ter um papel primordial na emergéncia dos imagindrios pessoal e colectivo.” (in Lima e Chaves, 2001, pp.909,910). Neste sentido, Holtz-Bonneau (1986) “estabelece uma relacao entre as imagens de sintese ¢ 0 imaginario” pois estas “reenviam o fruidor para “os arquétipos do inconsciente colectivo dado que, como nos contos populares os conceitos de transformagdo séo também mediados pelas novas imagens. O reaparecimento de imagens aruetipicas (Jung, 1991), incarnando, por exemplo, o perigo, conduz a um reencontro com os mitos, os herdis e a uma chamada ao medo e ao risco presentes no imaginario colectivo da humanidade (Holtz- Bonneau, 1986).” (in Lima e Chaves, 2001, pp.913). As imagens da cibercultura parecem provocar um efeito dionisiaco, dado sobretudo pela muitiplicidade de pontos de vista, pela metamorfose, pela complexidade que muitas vezes lhes ¢ inerente ¢ pelas miltiplas formas que provocam na diferenga do sentir, do ver, da anilise. A complexidade, parece ser assim, a nota dominante e unificadora no seio da diversidade que caracteriza as imagens da cibercultura. Neste contexto, que novos reportérios poderdo emergir? Que novas “formas de sub- jectividade”, de “identidade” ou de “exclusio” emergirao no ciberespago, apés tudo ser transformado em “bits de informagiio” dando origem a “novas configuragdes” da realidade que se metamorfoseia numa “realidade virtual"? (Nunes, 1996) Paradoxalmente, a imagem electrénica com a magia que Ihe é intrinseca, tem por um lado um papel inovador, e por outro lado, parece ser integradora do sujeito a nivel sociol3- gico ¢ cultural. Deste modo a imagem nao so integra os individuos na sociedade como a renova nos seus padrdes culturais ¢ estéticos (Lima e Chaves, 2001). “Os média privilegiando a imagem actuam assim a nivel da dimensio estética, dos afectos, sensagdes e sentimentos dos seus receptores, promovendo uma concepgao estética do envolvente.” (Lima e Chaves, 2001, pag.910). Vivemos assim, um momento em que se faz sentir uma forte tendéncia esteticizante da cultura. Se devemos reconhecer as “mudangas qualitativas da ecologia dos sinais” e as suas implicagdes na vida social cultural (Lévy, 2000), devemos estar atentos as mudangas que pode promover na dimensio estética. Concluséo “Bsta pluralidade de papeis da imagem, parece remeter-nos para um imenso hiper- texto, onde nos “caminhos que se bifurcam” nos re-encontramos a navegar no nosso imagi- nario numa valorizagao do jogo, da indeterminagao, da subjectividade ¢ da racionalidade, da complexidade, da arte e da ficgda” (Lima, I. Chaves, JH., 2001, pag.905). 369 Imagem: um olhar caleidoscépico Estamos perante um mundo que nos coloca no papel de Alice, no qual real, sonho e fantasia se entrecruzam. Assim, de algum modo participamos na metamorfose da imagem, que se metamorfoseia numa multiplicidade de imagens nao s6 pela variabilidade que o digital permite, mas também pela multiplicidade de imagens que pode provocar no frui- dorfleitor. Como diz Lévy, (2000) “O digital é o meio das metamorfoses.” (pig.65) Referéncias bibliograficas: Augé, M. (1993). Los «no lugares», Barcelona: Gedisa editorial. Babin, P. (1993). Linguagem e Cultura dos Media. Venda Nova: Bertrand Editora, Lda. Baticle, Y. (1973). 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