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Fernando Tarallo A pesquisa sociolinguistica iP-BRASI. CATALOGAGKO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, R Sosa L Tied Sie os. ISBN 97885 0810781.0 1. A relagio entre lingua e sociedade Palaviasinicias, s; Breve histrico da sociolinguistica quanti AA varidvel eas variants linguistcas, 8; Variantes-pedrio/no conservadoras/inovadoras, estigmatizadas/de prestigio, #1; atragd 2. 0 fato sociolinguistico 17 ‘Teoria, método e objeto, 47; A lingua falada. O veméculo, 19; O parado- x0 do observador, 20; O método de entrevista sociolingustca: a coleta de narrativas de experiencia pessoal, 24; A narativa 2; A comunidade © a selego de informantes, 26; As células sociais, 28; O dado no natural, 80; A coleta de dados: concluséo, 91 3. A varingio linguistica: primeira instincia 93 33; As armas eas atimanhas das variants: fato- ‘A operacionelizagio do modelo, 38; 0 encaixa- vel, a2; Os fatores extralinguisticas, 46 producio, 88; A variagéo e a normalizagao linguisticas, 87; Gr ecstilo, 64 5. Variaglo e mudanca linguisticas 63 Contemporizagio ou morte?, 63; A faixa etiria: o tempo aparente, 68; (© tempo real: fontes hstoricas, 70; A viagem de ida e de voita: do pre~ ‘sente 20 passado e de volta ao presente, 74 6. Conclusses 20 ‘A-grande vitora:o final afinal!, 8; Os universais variéveis, 83 7. Voeabulirio critica 08 8, Bibliografia comentada so Livros didaticos, 89; Antologias, 04; O trabalho de Labov, 98; Suges- tes de leitura, 08 Lista de figuras e tabelas Figuras 1 Diagrama dos componentes da narrativa, 26 periodos de tempo, 76 6 Frequéncia de uso de tts estratégas de relativizago em quatro petio- dos de tempo, 77 7-—-Frequéncia de uso de ts estratégias de relativiaso comparadas & ‘etengdo pronominal em fangio de objeto de peeposigdo em quatro periodas de tempo, 70 Tabelas Cen sentimento em relagio a Martha's Vineyard, 81 2 ~Breitoestilstico sobre o uso de relativas com pronome-lemt 3~-Porcentagem de uso de pronome-lembrete de acordo com estilo © classe social, 53 4 —Pereentagem de uso de ts variantes reativas em textos de media, 0 5 ~ Desenvolvimento de cinco varéves do espanbol por grupos eros, 68 {6 —Batratfeagio social de cinco varéves do espanko do Panamd, 67 1A relagao entre lingua e sociedade Palavras iniciais Tudo aquilo que no pode ser prontamente proces- de ansiedade. Este © desafio de tentar univers aparente- da lingua falada, dos imimeros exemplos de situagdes suj das no texto, vocé desde logo observaré que 0 “caos” basi- camente se configura como um campo de batalha em que duas (ou mais} as de se dizes grento de morte. Pai passes apresentados no texto voce venha a se defrontar em suas atividades futuras de pesquisador da rea), proporei um ponto de partida basico ara suas anilises, ao qual vocé poderd retornar sempre que houver necessidade: a relacdo entre lingua e socie- ie-se desta relagdo c tire dela todo 0 pro- metodol6gico possivel! No entanto vocé poderd se questionar: mas essa relagio nao é ébvia? Tal relagio, defendida arduamente pelos seguidores do modelo de concepgio estruturalista da linguagem das ‘décadas de 20 ¢ 30, foi sutilmente abandonada pela escola gerativo-transformacional. Lembre-se de que, segundo ‘objeto dos estudos lingu a _do falante-ouvinte cente a uma comunidade linguisticamente homogénea. Dentro desse modelo de anélise, vocé nem deveria aceitar © desafio por mim proposto, uma vez que a comunidade tica € homogénea. Nao haverd heterogeneidade ou Para se sistematizar! Esse falante-ouvinte ideal, no entanto, nfo parece ser 10 “falante-ouvinte”, nem tampouco “ideal”. A cada si- tuagdo de fala em que nos inserimos e da qual participa ‘mos, notamos que a lingua falada é, a um sO tempo, hete- rogénea ¢ diversificada. E é precisamente essa situagdo de heterogeneidade que deve ser sistematizada. Se 0 caos apa- rente, se a heterogeneidade nao pudessem ser sistemati- zados, como entio justificar que tal diversificagao tica entre os membros de uma comunidade néo os de se entenderem, de se comunicarem? Analisar e aprender a sistematizar variantes ticas usedas por uma mesma comunidade de fala serio nossos principais objetivos, © modelo de anilise a ser desenvolvido neste livro é 0 que se convencionou deno- minar “teoria da variagio linguistica”, ‘Trata- modelo te6rico-metodotégico que assume o “ca0s" linguis- tico como objeto de estudo. Como esse modelo, por prin- cfpio, nao admite a existéncia de uma ciéncia da lingua 7 ‘gem que nao seja social, 0 préprio titulo “Sociolinguistica” fica redundante. No meio social as variantes coexistem em seu campo natural de batalha. E 0 uso mais ou menos provavel de uma ou de outra que iremos analisar. Breve histérico da sociolinguistica quantitativa © iniciador desse modelo tedrico-metodolégico & 0 americano William Labov. Nao que ele tenha sido 0 pri- meiro inguisia a surgir no cendrio da investigacao Tingu Modelos do pasado mais distante, e também do mais recente, certamente o inspiraram na sua concep- do de uma nova teoria. Nesse sentido podem ser cha- ‘mados de sociolinguistas todos aqueles que entendem por lingua um vefculo de comunicagao, de informacéo © de expresso entre os individuos da espécie humana. Assim sendo, tem-se em Ferdinand de Saussure um sociolinguista! © modelo de andlise proposto por Labov apresenta-se como uma reagio a auséncia do componente social no Fe jam Labov quem, nna relagdo entre Desde seu primeiro estudo, de 1963, sobre o inglés falado na itha de Martha's Vineyard, no Estado de Massa- dos sobre a estratificagao soci de Nova lorque (196 inglés vernéculo dos Torque, ¢ estudos sociolinguisticos da Filadél ‘ros. Além desses, uma enorme quantidade de estudos lin- Buisticos de outras comunidades de fala ja foi realizada Por outros pesquisadores da drea: sobre o espanhol falado da cidade do Panamé; sobre o espanhol falado por porto- -riquenhos residentes nos Estados Unidos; sobre o inglés falado em Norwich, Inglaterra, € em Belfast, Irlanda; sobre © francés falado na cidade de Montreal, Canada; ¢ sobre © portugués falado nas cidades do Rio de Janeiro, Belo Horizonte © Sio Paulo, © modelo de anélise linguistica proposto por Labov ibém rotulado por alguns de “sociolinguistica qu: tativa”, por operar com niimeros ¢ tratamento estatis dos dados coletados, A varidvel e as variantes linguisticas Em toda comunidade de fala sio feequentes as formas iguisticas em variagao. Como referimos anteriormente, a essas formas em variagdo dé-se 0 nome de “variantes". “Variantes linguisticas” sio, portanto, diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto, ¢ com mnjunto de variantes No portugues falado do Bra- intagma nominal (doravante tado de variagio, Tem-se aqui istica: a marcagéo do plural A essa varidvel correspondem duas variantes lin- as adversérias do campo de batalha da variagio: inte (1) 6 a presenga do segmento fénico /s/, ea te @), em contraparti mento, ou seja, a form: Para assinalar a varidvel, uusaremos parénteses angulares <>, os quais, segundo @ convengio do modelo, indicam a variaglo do item tin- guistico analisado. Para as variantes serdo usados colche- tes. Assim, tem-se: © plural no portugués & marcado redundantemente 1g0 do SN: no determinante, no nome-nticleo € nos modificadores-adjetivos. A variagao na marcacéo do plu- ral no SN pode, portanto, tomar as seguintes formas: 1, aS meninaS bonitaS 2. aS meninas bonitas 3. aS meninag bonitag Isto é, em (1), nosso suposto falante reteve a marca de plural ao longo do SN, espelhando assim em seu desem- penho linguistico a norma-padrao do portugués. Em (2), © falante retém a variante [s] na posicao de det. e de nome-niicleo, mas lanca da variante [4] para Go de adjetivo modificador. Em (3), 0 falante da variante nio padrio [4] nas duas posigées f a marca de plural somente na posica como sera exposto no c festa tanto a nivel de grupo como a Os estudos do espanhol falado na cidade do Panama e pelos porto-riquenhos residentes na Filadélfia demonstra- ram que A varidvel < de pluralidade correspondem trés variantes principais: duas delas, o [s] ¢ 0 [6], do idén- ticas as encontradas no sistema de variagao do portugues 10 falado do Brasil, enquanto a terceira, uma fricativa aspi- rada, apesar de nao padrao, mantém a marca de plurali- dade no SN. Assim, em espanhol, tem-se: Tgualmente, podemos imaginar combinagées a que o falante do espanhol panamenho ou do porto-riquenho esta acostumado, como em: 1, IaS cosaS bonitaS IaH cosaH bonita tematizacao consiste primordialmente em: 1) um levantamento exaustivo de dados de lingua falada, para fins de anélise, dados estes que refletem mais fielmente 0 vernéculo da comunidade; 2) descri¢ao detalhada da varidvel, acompanhada de completo das variantes que a constituem; possiveis fatores condicionadores (lin- © no linguisticos) que favorecem 0 uso de uma ie sobre a(s) outra(s); 4 4) encaixamento da varidvel no sistema linguistico © social da comunidade: em que nivel linguistico € social da comunidade a varidvel pode ser colocad: 5) projegio histérica da variével no sistema sociolin- guistico da comunidade. A varia¢do nao implica necessa- riamente mudanca linguistica (ou seja, a relagao de con- temporizagio entre as variantes). A mudanca, a0 contré- rio, pressupde a evidéncia de estado de variacdo anterior, com resolugio de morte para uma das variantes. Uma ver feita a andlise segundo 0 modelo proposto, © aparente “‘caos” desapareceré ¢ a lingua falada avultaré como um sistema devidamente estruturado. Os resultados finais da andlise propiciario a formulagdo de regras gra- maticais, Estas, no entanto, devido a propria esséncia ¢ natureza da fala, nfo podetdo ser categéricas, optativas ou obrigatérias. Serdo, consequentemente, regras variaveis pois o favorecimento de uma variante ¢ nio de out corre de circunstincias lingu(sticas (condicionamento das variantes por fatores internos) € no I -as (condicio- namento das variantes por fatores externos, faixa etéria, classe social etc.) apropriadas A aplicagio de ‘uma regra especifica. Trata- fanto, de um sistema linguistico de probabilidades. Variagio livre (ou néo con- dicionamento das variantes), como a preconizavam os estruturalistas das décadas de 20 e 30, nao encontra res- paldo neste modelo de anélise lingufstica Variantes-padrao / nao padrao, conservadoras / inovadoras, estigmatizadas / de prestigio AAs variantes de uma comunidade de fala encontram- -se sempre em relagio de concorréncia: padrao vs. néo Padrao; conservadoras vs. inovadoras; de prestigio vs, es: ligmatizadas. Em geral, a v: © aquela que goza do pres. 0 na comunidade, As variantes inova- or Outro lado, so quase sempre nao padrio ¢ izadas pelos membros da comunidade. Por exem- & padrio, conservadora e de pre variante [4], por outro lado, € inovadora, estigmat © nao padrao. Nem sempre, no entanto, a coincidéncia entre os trés ares acima é verificada. Vejamos dois exemplos de 40 conflitante: a Primeiro reflete as previs6es do modelo segundo amplia a dimensfo que atitudes sociolinguisticas podem alcangar. Em seu estudo sobre o inglés falado na cidade de Nova Torque, Labov observou duas maneiras distintas de Se pronunciar 0 fonema /r/ pé 0, Essas duas formas sao: a presenga do segmento fénico ({r]) vs. sua °xtos fonolégicos idénticos, Por : de palavra, como em car, 0 /t/ foi ou expresso ow apagado; igualmente, em posigao inte- travando uma silaba, como na palavra cart, 0 /t/ foi realizado segundo uma ou outra das duas variantes, Os resultados da anélise demonstraram que a auséncia do /r/ & estigmatizada socialmente (isto é, nfo faz parte do “bom falar nova-iorquino”) e a presenga do segmento € consi- derada a variante de prestigio. Ainda mais significativo, a andlise concluiu que ao status social mais elevado de um falante corresponde 0 uso mais frequente do [1 Nio ha nada inerente a0 /t/ p6s-voe: defina como “bom”, le iglaterra, or exemplo, a prontincia do /r/ pés-vocélico é estigma. tizada socialmente; uma situagao de variagio, portanto, radicalmente oposta a encontrada na cidade de Nova Torque. Uma perspectiva historica indica que até a Se- gunda Guerra Mundial era a auséncia do /1/ a forma de prestigio em Nova Torque, ¢ sua pronincia era ceélico, portanto, virou de cabeca para baixo: agora tem prestigio quem pronuncia 0 /r/ p6s-vocélico! Os resulta- dos da andlise de Labov também concluem que a promi ‘Mas nem sempre é esse 0 caso! O exagero pode ser jo sobre variantes que nao gozam de prestigio socio- nna configuragao social da comunidade em questo. Veja- mos, portanto, uma situacdo de variagao que reflete 0 exa- gero de uma variante conservadora, ndo padrio © estig- matizada, A comunidade é a ilha de Martha's Vineyard no Estado de Massachusetts, estudada por Labov em 1963, Essa comunidade, durante muito tempo, relativamente iso- Jada da costa da Nova Inglaterra, experimentou mudancas sociais draméticas decorrentes da invasio de veranistas do continente. Tais mudangas sociais tiveram consequéncias linguisticas extremamente interessantes. O campo de bata- tha de variacao encontrado nessa ilha mostrava-se nas duas maneiras distintas de se pronunciar a vogal-nicleo dos di- tongos /au/, como em house, € /ay/, como em right. A variante local conservadora, nao padrao ¢ estigmatizada & a promtincia da vogal-niicleo como um schwa: [94] ; [ay]. A variante mais recente, inovadora e de prestigio, pois se assemelha & proniincia do inglés-padrao, € a forma trazida pelos veranistas invasores da ilha. Como analisar essa situagdo de variacdo? guistica mais forte dentro da comuni de house como [higus] tornou-se marca local ¢ esta sendo exagerada pelos membros da comunidade. Os habitantes exploragdo econémica decorrente: assim, atitudes linguis- ticas sto as armas usadas pelos residentes para demarcar seu espaco, sua identidade cultural, seu perfil de comuni- dade, de grupo social separado. A tendéncia 20 exagero da forma conservadora é ainda mais acentuada entre os jovens da comunidade que, apés um tempo de perma- néncia no continente, voltaram e se estabeleceram na ilha. £ evidente que a centralizago do tha’s definem a lingua falada sugerem, portanto, que ia pode ser um fator extre~ ‘mamente ‘agio de grupos, em sua configuragéo, como também uma possivel maneira de de- marcar diferencas sociais no seio de uma comunidade. Préximas atragoes Mas, para que vocé possa tirar © maior proveito pos- neste volume — a rela- nnecessério que este ma- nual seja elaborado. Nossa inteng&o principal € que, com contém, vocé possa, a pa 5» exem= plos e problemas aqui apresentados e discutidos, vencer 16 Passemos, portant 2 seré um momento de reflexio is proximas atragoes!_ O capitulo © fato linguistico © que deve ser ‘A metodologia de coleta de dados flhadamente para que vocé possa seu objeto de estudo. Também nesse capitulo 2 vocé deverd refletir sobre a relacéo entre teoria, método € objeto de estudo. lo 3 traz. como titulo “A variacdo linguistica primeira instncia". Nele serio discutidos os seguintes as- pectos da andlise a preparagio e a defi- concorrentes dentro de uma vari es linguisticos ¢/ou extral indo © processo de uma varisvel; primeira apreciagdo da varidvel pelo analista: como 0 es- ico da_gramé- veis pelos préprios falantes da comunidad, Nesse sentido serio discutidos: a nogdo de esterestipos, marcadores ¢ \guisticos; a questao sobre variagio € ¢ pelos meios de comunicacio de massa na est G0 linguistica; os pardmetros extralinguistic aria, sexo, etnia, estilo. “Variagio e mudanca ling enfoca a questio da lingufstica histérica: a trat ntacao de variantes, de um momen suriana (estudo transversal da um determinado tempo) e diacronia (estudo longitudinal dda lingua, através do tempo). Em “Conclusées”, no capi- tulo 6, retornard a questdo maior: a heterogeneidade sis- tematizavel da lingua falada, Apreciaria muito se vocé, no percurso da livro, refletisse sobre a importincia da poss sistematizagao, no sentido ndo somente de encai como um recurso para a resolugao de problemas de varia- ‘co linguistica mais imediatos, como também de avaliar @ forca © 0 peso de tal modelo de investigagao para a solugdo de questdes teéricas de maior abrangéncia, ‘Vamos a luta!? 2.0 fato sociolinguistico Teoria, método e objeto Qual € a relagdo existente entre estes trés conceitos: teoria, método ¢ objeto? Como as possiveis combinagées entre eles podem explicar ou complicar os caminhos a serem trilhados pelo pesquisador-cientista? Como assegu- rar que eles mantenham uma relagio coesa, ordenada € 6gica entre si? Embora essas perguntas ndo sejam féccis de responder, vale 0 esforco da tentativa de responder a elas neste Em primeiro lugar, a relacdo entre os trés conceitos € ébvia © impe toda ciéncia — a linguistica, em nosso caso particular — tem uma teoria propria, um objeto especifico de estudo ¢ um método que Ihe é carac- Mas qual desencadeia o proceso da invest fica” Qual o ponto de partida mais adequado: a teoria, 0 método ou 0 ol ‘Comecemos a responder 1 essas perguntaé a partir da disposigio linear em que os conceitos foram apresentados: a teoria, Imagine uma teoria que determine seu método (algo esperado © desejével!) © ial. jeto, ou seja, imagine uma situacdo de investigagao a €M que OS pressuppostos te6rico-metodolégicos de- terminam 0 objeto de estudo! A teoria e 0 método de anélise forgosamente deverdo ter sido elaborados antes ‘mesmo que 0 objeto tenha sido descrito. Constituiré esse objeto de estudo, entio, um verdadeiro e genuino fato? Ou ainda, poderé tal modelo tedrico dar conta de todos 05 fatos dis is para andlise? Parece-me que a res- iva! Nao s6 tal modelo nao conseguiré ana- is, como também teré mesmo para se autoafirmar. Mas nem 10 deve viver © pesquisador que Tomemos outro caminho! Uma vex que teoria ¢ mé- todo mantém entre sium: objeto de estudo. & a part \imeras, int que it um modelo tebrico. Nesse sentido, a deveré dar conta de todos os fatos iguistica parte do objeto bruto, ndo po- lido, nao aromatizado artificialmente. Em poucas palavras, Proposto neste volume, 0 objeto — 0 fato linguistico — € 0 ponto de partida e, uma vez mais, um porto ao qual 0 modelo espera que retornemos, sempre que encontrarmos dificuldades de ané- lise. © fato sociolinguistico, 0 dado de anilise, € a0 de informagées para fins de confirmagéo ou rej hip6teses antigas sobre a lingua e também para o tamento ¢ 0 langamento de novas hipdteses. Mas defina- ‘mos agora 0 objeto! A lingua falada. O vernaculo Até este momento da exposico de nossas ideias das escolas, Jonge da tutela dos professores. E a lingua falada entre amigos, inimigos, amantes © apai- xonados. Em suma, a lingua falada € 0 vernéculo: @ enuncia- gio e expresso de fatos, proposicdes, ideias (0 que) sem & preocupagdo de como enuncié-los. Trata-se, portanto, dos momentos em que 0 minimo de atencao é prestado a lingua, 20 como da enunciagio. Essas partes do dis- curso falado, caracterizadas aqui como o vernécul tituem o material bésico para a anélise sociolinguistica. Evidentemente aquele material que no apresente as carac- icas do vernéculo poderé ser utilizado na anélise sociolinguistica, caso 0 pesquisador saiba caracterizé-lo de- vidamente ¢ desde que ele 0 aproveite com novas hipste- ses em mente. (Mais detalhes sobre 0 aproveitamento esse material seguem no capitulo 4.) Vé-se, por conse- guinte, que a natureza do objeto de estudo sempre pre- cedera 0 levantamento de hipsteses de trabalho e, conse- quentemente, a construgao do modelo te6rico. Como cole- tar, porém, o vernéculo? 2 © paradoxo do observador Para a anélise sociolinguistica que segue esse feitio & necessiria uma enorme quantidade de dados. Como o modelo é de natureza quantitativa, a represental corpus (isto é, do material selecionado para a at varivel fonolégica, como a perda da pluralidade em por- tugués, recorre mais frequentemente na fala do que uma varidvel sintética, como 0 uso de oragées relativas ou a alterndncia entre a voz ativa e a passiva. Consequente- mente, para se chegar a resultados quantitativos, estatisti- camente significativos, sobre a varidvel sintética, precisa-se de mais material de andlise. Uma vez que pretendemos estudar a lingua falada em situacdes naturais de comuni- cago, como entio coletar uma vasta quantidade de ma ial, sem que a presenca do pesquisador interfira na natu- ralidade da situagdo de comunicagao? Uma primeira alternativa seria a de procurar fazer © papel do pesquisador-observador: 0 pesquisador que n&o participa diretamente da situagdo de comunicagio. Dessa maneira nao sera prejudicada a naturalidade da situagéo! porém, sentira a necessidade de controlar t6picos de con- versa ¢ de eliciar realizagées da varidvel linguistica em que esteja imteressado, © pesquisador da area da soc tica precisa, portanto, participar E claro que, sendo especialmente interessado na comuni- dade como um todo, ele também se utilizaré do método da observaco no momento de adentrar a comunidade de falantes. Sua patticipacdo dircta na interacéo com os membros da comunidade é, no entanto, uma necessidade imposta pela propria orientagao te6rica. Como resolver, por conseguinte, 0 paradoxo do obser- vador? Isto é, de um lado, 0 pesquisador necessita de grande quantidade de dados que somente podem ser cole- tados através de sua participagdo direta na interagao com os falantes; de outro, essa participagdo direta pode per- turbar @ naturalidade do evento. Como solucionar este problema? © método de entrevista sociolinguistica: a coleta de narrativas de experiéncia pessoal © propésito do método de entrevista sociolinguistica negativo causado pela presenca ide da situacdo de coleta de dados. De gravador em punho, 0 pesquisador-sociolin- guista, como afirmamos, deve coletar: 1. situagdes natu- de comunicacio linguistica e 2. grande quantidade de material, de boa qualidade sonora. © pesquisador, ao selecionar seus informantes, estard ‘em contato com falantes que variam segundo classe social, faixa etdria, etnia e sexo. Seja qual for a natureza da situagdo de comunicacao, seja qual for 0 tépico central da conversa, seja quem for 0 informante, 0 pesquisador deverd tentar neutralizar a forca exercida pela presenga do gravador e por sua propria presenca como elemento estranho & comunidade. Tal neutraliza¢ao pode ser alcan- ‘cada no momento em que 0 pesquisador se decide a repre- sentar 0 papel de aprendiz-interessado na comunidade de falantes e em seus problemas € peculiaridades. Seu obje- tivo central seré, portanto, aprender tudo sobre a comu- idade e sobre os informantes que a compoem. A palavra ingua” deverd ser evitada a qualquer preco, pois 0 obje- tivo € que o informante nao preste aten¢do a sua propria maneira de falar. Para atingit tais propésitos metodolégicos podem-se formular médulos (ou roteiros) de perguntas: um ques- tionério-guia de entrevista. Esses médulos i tivo homogeneizar os dados de varios informantes para posterior comparagio, controlar os t6picos de conversa- do, e, em especial, provocar narrativas de experiéncia pessoal. Os estudos de narrativas de experiéncia pessoal tém demonstrado que, a0 relaté-las, 0 tao envolvido emocionalmente com o que relata que pres- ta o mnimo de atengdo ao como. E & precisamente esta a situagdo natural de comunicagéo almejada pelo pes- quisador-sociolinguista. Os médulos cobrem uma série de tépicos para fins de conversagéo: dados pessoais do informante (sua his- t6ria), jogos ¢ brincadeiras de infancia, brigas, namoro e igo de morte, medo, , servigos piblicos, 0 cri- bros da comunidade, esportes etc. O sucesso da apl dos médulos poderé variar para cada comunidade de ou mesmo para cada i A seguir toed werk. parte do médulo “Perigo de mor- te”, que provou ser o mais eficaz durante a coleta de nar- rativas de adolescentes negros do Harlem, gueto de Nova Torque. O médulo, tal como apresentado aqui, foi con- cebido por Laboy e seu grupo de pesquisadores com base em ingmeras aplicagdes com posteriores aperfeicoamentos. Médulo: Perigo de morte Pergunta 1: Vocé jé esteve alguma vez em uma situagao ‘em que estivesse correndo sério risco de vida (uma situa- do em que tenha dito a vocé mesmo: “Chegou a minha oral”? Pergunta 2: O que aconteceu? Pergunta 3: Numa situacdo dessas algumas pessoas dizem: (0 que Deus quiser!”. © que voeé acha? E assim por diante. Esse médulo tem sido usado com bastante sucesso por sociolinguistas brasileiros e, além da tradugdo sugerida acima, varias outras adaptagdes podem set feitas em fungéo do grupo estudado. Passemos agora a definigdo de narrativa segundo o modelo proposto por Labov. A narrativa ‘A narrativa de experiéneia pessoal é a mina de ouro que o pesquisador-sociolinguista procura. Ao narrar suas experiéneias pessoais mais envolventes, a0 colocé-las_no ‘género narrativa, o informante desvencilha-se praticamente de qualquer preocupagio com a forma. A desatencdo a forma, no entanto, vem sempre embutida numa linha de relato, a que chamaremos “estrutura narrativa” Na estrutura narrativa Labov salientou as seguintes partes: resumo, orientago, complicacao da acéo, resolu- ‘cdo da agdo, avaliagdo © coda, definidas a seguir. Cada uma dessas subpartes é composta de unidades minimas de narragao, denominadas “oragées narrativas”. Especialmen- te na complicacao e na resolugdo da aco a ordem dessas es narrativas ndo pode ser alterada, pois é sua se~ quéncia que marca a ordenagao dos eventos, ¢ no qual- quer trago morfolégico no verbo. Por exemplo: a. Ai o Zé deu um murro na cara do Tido, b. que caiu no chio. ¢, Entéo a mulher do Tido chamou a poli 4. E ela chamou mesmo! la Nesse exemplo de complicagdo e de resolugio da agiio de uma narrativa, a ordem das oragdes ndo pode ser alterada, pois o passado simples perpassa as quatro, isto é a morfologia do verbo por si s6 nao resolveria questdes de anterioridade e de posterioridade dos acon- tecimentos narrados. O elemento desencadeador e compli- cador da agéo € 0 fato de Zé ter esmurrado a cara de Tido (evento 1), 0 qual em seguida caiu ao chao (evento 2), tendo sua mulher chamado a policia (evento 3). E ela realmente o fez (evento 4), como nos informa © nar- rador. Qualquer alteracdo feita a essas quatro oracdes nar- rativas acarretaria a dissolugdo do encadeamento légico proposto pelo informante, Nas outras subpartes da narrativa a ordem das ora- Ses ndo é tdo rigida, Na orientagao, por exemplo, que consiste na introdugao das personagens, do local e do tempo de acdo, a ordem das oragées narrativas pode ser alterada, Assim também na avaliagao. No resumo ¢ na coda — o primeiro introduzindo as linhas gerais da aco, € a segunda, a marcagao final do tempo da narrativa —, € comum ser a ordem das oragdes mais fixa. A avaliacdo € a parte da narrativa através da qual 0 narrador procura motivar 0 destinatério (0 ouvinte de seu relato) a valorizar 0 pretende com essa pa de (e nao se si célebre ¢ frustrante pergunta: “E dai experigncia em narrar garante-nos que uma 6 recompensada por in! A uma est6ria interesse para o um desconcertan Cabe, portanto, ao narrador, uma vez iniciado um relato, evitar que sua narrativa seja mal rece Nao ha ordem fixa para 0 aparecimento da avaliagao. Em geral, essa parte segue-se & complicagio e precede a resolugio. Mas & também comum a avaliacdo se- guir a orientacao, antes mesmo da complicacao da aco. Esse fato pode ser explicado precisamente pela intengdo do falante de motivar seu ouvinte a reagit positivamente & sua narrativa. Talvez também a ele se prenda a opcio- nalidade de aparecimento do resumo. Mas vejamos agora um exemplo de uma narrativa de um adolescente nascido em Sao Paulo, carregador de pa- cotes em um grande supermercado e morador de uma das favelas da cidade. O médulo que provocou essa narrativa formante € uma combinacdo de fant com outros membros da comunidade € . Tudu barracu qui meu padastru tinha alugadu. 1. Entio um cumecé num pagé, atrasé clu alugué, wiz nem nada. ‘dis qui vai pagé, tudu g. Af cumecaru a num pagé tamém, h, Um pagé, u otru num pagé, i, Af u meu pi i cort6. j. Num pag6 tamém na lait, k. Af cortara |. Af ficamu sem liz dipois, né. De acordo com 0 modelo de narrativa apresentado nesta seco, pode-se facilmente identificar as partes que compem 0 relato do informante adolescente paulistano. © resumo é a primeira oragio narrativa; as de letra (b) € (€) constituem a orientagdo; da oragao (d) a (f) surge © elemento complicador da agio, que se resolve nas ora- ‘Bes (g) a (kk); a coda aparece na oragéo narrativa (1). Para finalizar esta seco do capitulo apresentamos 0 diagrama que resume os componentes da narrativa se- gundo © modelo laboviano. FIGURA 1 — Diagrama dos componentes da narrativa (Lasov, 1972b, p. 369) ‘A comunidade e a selego de informantes ‘Que tipo de comunidade estudar? Pequenas ou gran- des? Rurais ou urbanas? Industrializadas ou no? Quais informantes selecionar e quentos? Como entrar na comu- nidade e fazer os primeiros contatos com os informantes? Essas sdo algumas das muitas perguntas que vocé cer- tamente se faré no inicio de sua pesquisa, Com o grava- dor a tiracolo, e uma pequena receita em mente de como realizar um projeto de pesquisa, voc’, mesmo assim, se sentir perdido e teré a impressio de estar pisando em easeas de ovos. Aqui vao, porém, alguns conselhos de ‘quem jé intimeras vezes se sentiu to desamparado quanto voc# neste momento, a7 1. Seja qual for a comunidade, seja qual for o grupo, jamais deixe claro que seu objetivo é estudar a lingua tal como é usada pela comunidade ou grupo. Se vocé inadver- tidamente o fizer, ou, mais grave ainda, se 0 fizer conscien- temente, € muito provavel que 0 comportamento de seus informantes — j4 prejudicado pelo uso do gravador e por sua preset is, e a pesquisa, conse- smente, se torne ainda mais enviesada. Procure, por- sendo a lingua propriedade do grupo estudado, seus mantes poderao se sentir ameacados ¢ embaracados. 2. Esclareca sempre a0 informante que a fita gra- vada contendo informagoes até de natureza pessoal poderd ser inutilizada a pedido do entrevistado, na presenga do mesmo. 3. Procure acomodar seu comportamento social guistico ao do grupo ou da comunidade entrevistada, isto & tente minimizar o efeito negativo de sua presenga sobre ‘0 comportamento sociolinguistico natural da comunidade. 4, Procure entrar na comunidade através de tercei- 105, ou seja, de pessoas jé devidamente aceitas pela comu- nidade, biisico para a selecdo stragem aleat6ria, Tal critério deverd ser usado especialmente no caso de a comunidade estudada ser um grande centro urbano. A amostragem aleat6ria Ihe dard a certeza de que voct ao menos tenha dado a chance a todos os membros da comunidade de serem entrevista- dos. A consulta ao censo da comunidade é imprescindi- vel, bem como reflexio cuidadosa sobre os critérios de classificagio dos informantes em grupos socioeconémicos. 6. Nos estudos de comunidade estabelega parémetros rigidos para a selecdo de informantes, como, por exemplo: somente scrdo entrevistados aqueles individuos que ou te- nham nascido na comunidade em questo ou a ela tenhs ‘08 5 anos de idade. Com isso voce e em uma outra cor sua interacdo com falantes de outro centro até a adolescéncia tenham reflexo sobre a marca do grupo estudado. guistica da varivel a ser estudada. Uma varidvel fonol ica, por exemplo, € bastante recorrente na fal: varidvel sintética ocorre com menos frequéncia, exigindo, portanto, uma amostragem maior, bem como estratégi especiais para fazé-la ocorrer. Mas passemos agora ao mimero de informantes Quantos devem ser e como organizé-los? As células sociais Ao se decidir teoria da variacdo com a riqueza dos dad inleressante que voce se i ‘© méximo possivel ¢ a propor projetos de dimensdes astro- némicas. Tome cuidado! Certas medidas séo necessdrias para que vocé possa, por exemplo, afirmar que uma deter- minada variante € uma marca social de um grupo menos privilegiado economicamente. Vejamos entdo algumas situagbes i wudos da Iingua falada e pela Nesse caso vocé terd duas células da varidvel grupo socio- econémico e duas da variavel sexo, Vej Grupo sociceconémico: A e B (2 células); Sexo: Masculino ¢ Feminino (2 células). Para tornar sua amostragem represent de quatro combinagées diferentes: iva, vocé precisara Grupo 3: de 46 a 60 anos. Acrescentando faixa etéria as duas outras células so vocé teré doze possiveis combinagées, a saber: 29 45 60 29 45 60 29 45 60 15 a 29 30 a 45 46 2 60 15 30 2 PEEPS wena a> F s 12. Feminino anos anos anos anos ‘anos anos anos anos anos anos anos anos Para cada uma das doze células vocé necessitaré de um minimo de 5 informantes de modo a garantir a represen- tatividade da amostra. Se vocé in fir somente a varidvel grupo socioeconémico, ira necessitar de um minimo de 10 informantes, 5 para cada grupo. Se as duas células — grupo socioeconémico © sexo — forem incluidas como parimetros externos aos dados, serio necessérios 20 in- formantes; se voce decidir que tanto grupo socioeconémico Fao ser entrevistados. Como vocé vé, 0 trabalho é arduo! A medida de 5 ‘mente. Afine-se com a comunidade o méximo possi acomode-se sociolinguisticamente a ela! Vocé somente teré @ ganhar em riqueza de dados sobre as variantes que se propés a estudar. © dado no natural Uma vez que a conquista do verndculo nio € tao i fazer com 0 material que nao represente mo definido neste capitulo? Devers identemente o aproveitamento desses ois eles poderio inspirar novos obje- natural) a casual (natural). Obviamente ope- racionalizar essas dimensdes € um processo complicado, 3 mas seu conhecimento dos dados ¢ dos informantes Ihe forneceré caminhos. Para que esse conhecimento de seus dados e de seus informantes seja completo, € recomendavel diagramar a entrevista. A diagramagdo consistiré em recortes da entre- vista em termos de: 1. dado-resposta a pergunta do entre~ vvistador vs. dado espontaneo do entrevistado; 2. narrativas provocadas por médulos vs. narrativas espontaneas; 3. rniimero de intervengdes do entrevistador; 4, narrativas subsequentes, provocadas ou espontaneas, etc. A diagra- macdo € uma forma mais prética de comparar @ natura- lidade dos dados de duas ou mais entrevistas. Fazendo essa comparacdo para um mesmo informante entrevistado mais de uma vez, vocé observaré que a sltima entrevista sempre contém mais 0 vernéculo que as anteriores. Além do dado nao natural que forcosamente estaré gravado em sua fita cassete, vocé poderd elaborar testes mante que o teste & pliado a dimensao ao informante que preste muita atencao a questdes guagem. Essa situacao ex refletiré a avaliagao dada pelo informante as cestigmatizada vs, de prestigio. A coleta de dados: conclusdo selhos soam imperativos, © 0s cuidados a se tomar so € que a anilise til © gratificante, furalmente dos dados coletados, 3 A variagao linguistica: primeira instancia © envelope de variagéo Nao hé loteria sem apostadores; futebol, sem adver- sfrios; guerra, sem soldados, nem tampouco “‘caos” lin- guistico, sem variantes! Em todas essas situagies de com- um mediador faz-se necesséria para Como pesquisador-sociolinguista, sua missio é anali ituagdo de conflito , com base em sélidos ¢ firmes argumentos, desmascarar a assistema- Para alcancar esse objetivo é necessério um conheci- mento acurado das adversérias. Enfim, para que voce seja ‘um excelente juiz e mediador dessa batalha, é imprescindi- vel que, em primeiro lugar, apresente, defina e caracterize detalhadamente cada uma dessas concorrentes, E somente a partir do perfil individual das variantes que vocé poderé explorar as armas de que cada uma dispde, bem como avaliar os contextos mais favordveis A derrota de uma € A vit6ria de outra. A essa descrigo detalhada das va~ riantes daremos o nome de envelope de variagdo. O enve~ em estudos anteriores. No apresentado 0 envelope d marcago do plural no SN no portugues falado do Brasil. Como vimos, a variével de marcagao do plural correspondem duas variantes: a presenca do segmento ({s]) e sua auséncia Observamos também que, como em portugués, a marcagao do plural & variavel no espanhol panamenho ¢ porto-riquenho (entre outros dialetos), A iinica diferenga apontada para as duas linguas foi o fato de trés adversi- Flas se encontrarem no campo de batalha espanhol. Ao [s] ¢ ao [4] do sistema portugués foi acrescentada a va- riante fricativa aspirada [h]. Os dois exemplos acima sto casos de variagio fono- I6gica. Ainda no nivel fonolégico vocé poderia acrescentar ido de variacdo em que se encontra 0 /r/ em portu- és, em nomes (posicdo final de palavra, como em “can- tera, travando lural, ou seja, as adverséti auséncia do. segmento f6ni mente, voce pode comecar a pensar em outros segmentos, em geral em posicfo final de palavra, que apresentam va- riagio, exatamente devido ao potencial enfraquecimento dessa posicio. Por exemplo, reflita um pouco sobre a questo da nasalidade em portugués e atente para o fend- meno varidvel da desnasaliza¢ao: “falaram” ou “falaru”? Todos esses casos de variagao fonolégica comecaram a ser estudados a partir dos trabalhos sobre simplificagao do grupo consonantal em inglés. A variével no inglés ¢ o precedido de consoant : missed (= per- dev, perdido) © kept (= guardou, guardado). Nos estu- 44> foram incluidos dois grupos principais de palavras em que 0 carrega uma marca como no passado dos verbos; d> nao desempenha funcéo gramatical, como a palavra seré denominada no caso de nenhuma marca gra- set expressa pelo segmento , a palavra seré monomorfémica ([list}). Pois bem, a fungéo grama- tical exercida pelo segmento no passado dos verbos deveria, em io, retardar o apagamento da variavel. Em contrapartida, a presenca do em palavras mo- nomorfémicas no é tao necesséria e, portanto, sua inci- déncia deve ser menos frequente. No caso da marcagdo de plural em portugués ¢ em espanhol também pode ser feita a divisio das palavras em ‘monomorfémicas € bimorfémicas. (Isto é, se 0 tiver fungao gramatical, a palavra seré bimorfémica; caso con- “menos” tem-se uma palavra mo- nomorfémica. A mesma hip6tese sobre 0 apagamento ou retengio do deve ser levantada: monomorfémicas favorecem o apagamento do segmento: dicionam sua retengao. Como foi sugerido no ca " soa até redundante, promisso com 0 aspecto social da linguagem é, no entanto, imperative, Tal como proposto por Labov, a concepeao € 0 alcance do modelo socio! ico so a um s6 tempo (0 a variagio (situago lin- devem ser estudadas. Ao compararmos, portanto, va- Fiantes de mesma natureza em linguas diferentes, temos um objetivo duplo em mente: 1. descrever, analisar ¢ sis- tematizar o envelope de variagao em cada uma das lin- {guas; 2. comparar os resultados das andlises com vistas & projecao de possiveis rumos que as variantes tomarao. ‘A comparagio dos resultados das anélises visa, em especial, a relacionar as armas semelhantes que as varian- {es usam em combate, em cada uma das linguas. Resta- nos, por conseguinte, comecar a especular sobre tais armas; como 0 pesquisador-detetive que em nés desvenda as artimanhas de que disp6em as variantes a fim de se implementarem no sistema de lingua falada? As armas e as artimanhas das variantes: fatores condicionadores A sistematizagio do “eaos” lingufstico demonstra, em seus resultados, que a cada vatiante correspondem certos contextos que a favorecem. A esses contextos dare- ‘mos 0 nome de “fatores condicionadores”. Um grupo de fatores é 0 conjunto total de possiveis armas usadas pelas variantes durante a batalha, Nossas hipéteses de trabalho a famento de todos 0s contextos ou fatores que potencialmente variével, de uma ou de outra forma, O 4 em vocé obviamente dispoe de farto mater culagdo: lembre-se de que nesse momento de sua pesquisa voct jd teré defi rizado com seu objeto de estudo. péteses, dos grupos de fatores condicionadores, decorrerd, consequentemente, de seu trabalho com as inémeras horas de gravacfo feitas com seus informantes. a7 Mas voltemos a variével e suas duas variantes, {s] ¢ [¢], para levantar as hipéteses de trabalho: os possfveis condicionadores linguisticos que regem o uso dessas variantes. Vocé observ: tencdo do pode estar condicionada & posicao da va- riavel no SN, isto é, no determinante, no nome-niicleo ou no adjetivo modificador. Uma primeira inspecdo do corpus aponta-lhe que a primeira posigo do SN parece favorecer ngio do . Voce entdo separard essa hipstese: a posicéo da varidvel no SN! A motivagio para essa hipd- tese encontra respaldo na redundéncia da marcagio do plural no SN em portugués. Veja que vocé nao esté esta- lecendo um grupo de fatores com base no aspecto mor- fol6gico da palavra em questo (isto é com base nas classes gramaticais a que a palavra pertenca). Nao se trata, portanto, da verificagio da maior incidéncia de no determinante (posi¢ao geralmente preenchida pelo artigo). Trata-se, sim, da observancia do uso (ou ndo) de com relagio A posicdo da palavra no SN: primeira vs. segunda, segunda vs. terceira etc. A diferenca apontada acima pode, consequentemente, evar vocé ao estabelecimento de uma nova hipstese de trabalho relacionada a classe das palavras pela regra varidvel de apagamento do plur do da palavra no SN vocé pode ‘as casas” teré como contrapartida “as casa” ¢ “casas pe pequena”. Se este grupo de fatores realmente for significativo a0 uso das variantes, a primeira posi¢io do SN deve ser a grande arma da variante [s] e as outras posigées devem ser artimanhas utilizadas pela variante [4] para se implementar no sistema linguistico. Isso em relagdo & posigo da palavra no SN! Se vocé especular a hipétese sobre classes de palavras, € evidente que 0s determinantes fortaleceréo a variante (s], enquanto substantivos e adjetivos dardo vida A variante [4]. Essas duas armas de que dispSe cada uma das variantes parecem, ‘no entanto, complementares, para ndo dizer redundantes. Vocé poder entio verificar o efeito de cada arma fazendo lum cruzamento entre elas. Por exemplo, vocé somente poder afirmar que substantivos e uso de [g], se a frequéncia de adjetivos na segunda (ou terceira) posico do SN corres- ponder uma igual frequéncia em posigéo inicial. ‘Temos, portanto, até agora, dois grupos de fatores. © que mais voce poderia estabelecer com base em seus dados? Por se tratar de uma varidvel fonolégica é pro- vvavel que algum tipo de condicionamento fonolégico esteja exercendo influéncia no uso das variantes. Por exemplo, segue-se variével em questo uma consoante ou uma vogal? E que motivagio teria uma hipétese de tal natu- reza? Suponhamos que um informante seu tenha, a0 narrar uma estéria, usado os seguintes plurais: “as casas amarcla” © “as casa pequena”. iltimo exemplo voce poderia facilmente explicar através do grupo de fatores sobre posi¢ao no SN: estando “casa” em segunda posicao, © tendo sido o plural marcado na primeira posicao de determinante, a variante [¢] € justificavel em “casa”. Mas © 0 caso de “as casas amarela”? Aqui também a palavra “easas” se encontra nia posicdo dois, a qual no favorece a retencdo do [s]. A explicagdo € simples ¢ objetiva: 0 , consoante-vogal (CV). Ei de “casas” & seguido de uma vogal, o [a] em “amarelas”, formando com ele a estru- ‘a basica do portugués: CV. Portanto, apesar dois do SN favorecer a variante [9], @ va- recobrara suas forcas, caso a posicéio da varid- inte de uma vogal. que voce poderia Ievantar diz “o [ol sendo apagado, som de plural (cu seja, em palavras nido anteriormente), ou 0 morfémicas também estaré sendo sera a retengao do [3] quando comparado a fe enquanto marcador jorfémicas, como defi- quentemente retido em & palavras monomortémi da_ vari (“hotéis”, “ovos”, “coragdes”) também favorecem a for- ma [¢]. ‘Como trabalhar com essas hipéteses? A operacionalizagéo do modelo tro grupos de fatores foram levantados como pos- subfatores. Para cada subfator vocé deverd atribuir um representado por letra ou ntimero, Isso f quantificagao posterior dos dados. Por exempl Grupo 1: O contexto fonolégico posterior C (= consoante) V (= vogal) Grupo 2: A posigao da variével no SN 1 (= primeira posicao) 2 (= segunda posicéo) 3 (= tereeira posicao) Grupo 3: A classe morfolégica da palavra contendo a varidvel D (= determinante) N (=nome) A (= adjetivo) Grupo 4: 0 estatuto morfolégico da palavra que comiém a varidvel M (= monomorfémico) B (= bimorfémico) Evite a repetico de letras ou niimeros dentro de um mesmo fator. Isso s6 vai confundi-lo no momento de quantificar os dados. A esses quatro meiro da valor para {s] um valor para [ binéria, atribua o valor zero a variante [ a variante [4]. Dessa maneira vocé estard tratando esse ‘caso de variagdo como um fenémeno de apagamento ou de cancelamento de uma forma subjacente do portugués: a marcagao do plural através de {s}. Isso significa que a aplicagao dessa regra variével r4 0 apagamento da forma-padrao de se expressar pluralidade. ‘Vejamos como vocé deverd organizar seu material de ‘andlise para posterior quantificagdo dos dados. Suponha- mos que a pluralidade esteja sendo analisada a partir do seguinte trecho de um de seus informantes: “Bu gosto de casas grande. As casa pequena sfio como barracos hor gosta de casas mais pequena”. Analisando: “Casas” (em “casas grand , a regra de apagamento no fungdo do [s} subjacente & palav casa pequena”): ¢CIDB casa pequena”): 1C2NB Vocé deve ter notado que dois simbolos novos foram introduzidos: Q ¢ X. O primeiro para indicar pausa, ex- pressa pelo final do perfodo; o segundo para indicar outra classe morfolbgica que nao determinante, nome ou adje- tivo. O acréscimo de novos sfmbolos, isto é, de novos subfatores, é prética comum quando se trabalha com dados Por mais que seu projeto-piloto inicial tente esgotar izadas pelas variantes, no de- vocé frequentemente se de- frontaré com novas dimensdes dos fetores, Nao desanime! Ao fazer esse ti do a frequéncia € a distribuigio das variantes [s] para cada falante e, conseque mente 0 plural, ele somente o fez 25 vezes. sso que esse falante ito. mai [4] para a marcagdo do plural. Essa ser passo seguinte na anélise seré determinar quais os gru- pos de fatores que correspondem a cada uma das duas variantes. Desse exame detalhado vocé chegard a resul- em contrapartida, inibe seu uso, Em ou- @ variante [4] tem, em sua luta contra a variante-padrao [s], a presenca da consoante seguinte a seu favor. © encaixamento linguistico da variavel Por encaixamento linguistico da variavel voce deve sto das hipéteses, dos grupos de hd trés possiveis respostas em portugués: 1. Eu 0 conheco; 2. Eu conheco dle; © 3, Eu conheco. Ou seja, nessa batalha sintética entre pronomes em fungao de objeto trés variantes se de- frontam: a padréo 0 (e por extensio, a, 05, as) € as duas formas nao padrao, ele (ela, eles, elas) e uma forma zero (doravante denominada “anéfora zero”): 0 verbo nao apresenta objeto pronominal expresso. Tal esquem: iagio também ocorre quando 0 SN referente “Voce comprou aquele carro? ibém se pode respon- der de trés maneiras diferentes: 1. Eu 0 comprei; 2. Eu comprei ele; € 3. Eu comprei. O sistema gramatical do portugués, ino entanto, rege o fenémeno da pronominaliza- io através de um cruzamento semantico com 0 traco [+ animado] do SN referente. Em outras palavras, SNs refe- rentes de natureza animada favorecem sua posterior pro- nominalizacao na fala. Levando-se esse fator em conside- ragéo, uma primeira hipétese de trabalho é levantada: a andfora zero deve estar sendo acelerada quando o SN refe- rente for inanimado. Uma vez que os pronomes-objeto se sm em fase de extingio no portugués falado do |, a Tuta acaba sendo travada entre as duas formas dro. Das duas a anéfora zero carrega estigma so- 05, ua falada favorece a anéfora zero, acelerando ainda implementacao no sistema quando © SN pronominalizével (isto é aquele jé usado anterior mente € que deveria retornar como pronome) for inani- mado. jamos um outro exemplo de encaixamento linguis- , ainda dentro do sistema pronominal. Em linhas ge- rais, a retengdo (0 pronome expresso) ou apagamento (0 pronome nao expresso; a forma zero) de pronomes nao é fenémeno observével somente na fungéo de objeto. Iss0 quer dizer que também em posigio de sujeito hé uma alternancia entre sujeito pronominal expresso ¢ sujeito zero. © mesmo ocorre quando um SN referente € reto- mado no discurso imediatamente seguinte com funcdo de serd também entre forma pro- nominal expressa ¢ anéfora zero. ‘Uma vez estabelecido esse fendmeno, vocé poderé pensar em outra parte da gramdtica que processe sistemas referenciais: oragdes relativas. Essas oragdes (na gram- h4 um SN correferente ao SN presente na oracao pal. Outra vez vocé se vé diante de um fato de prono- minalizacéo: 0 SN da principal — na realidade, ma-micleo da relativa —, a0 seguir @ norma-padrai receré na relativa sob forma zero; a forma nao padrao surgiré consequentemente, quando uma forma pronominal correferente ao SN da principal for usada na relativa. ‘Vejamos alguns exemplos: Relates pede: Eu tenho uma amiga que ¢ é stima, 2 objeto direto: Aquele meu amigo que vocé vé # muito no bar € étimo. Jo indreto: Aquele amigo de quem voot Nao se assuste se as relativas nao padrio apresenta- das the parecerem estranhas. Especialmente a funcao de ‘objeto direto Ihe soaré impossi puistico Ihe dard, entio, a resposta desejada: & exata- ‘mente em objeto direto que a andfora zero mais di vamente vence a forma pronominal no sistema ge referéncia: sobre o i fala) ¢ & forma nominativa ele, a andfora zero assume a ideranga absoluta (obviamente nao categérica). bém no ambito da variagio em relativas vocé encontraré estes resultados: a forma nao padrao, expressa por pro- nome, em relativa com correferente objeto direto € a ‘menos frequente da escala sintética. Seu convivio com 0 ‘no entanto, pensar em um terceiro tipo de relativa em que ocorre @ fungéo de objeto “Aquele amigo que vocé gosta muito é 6ti dessa relativa todo 0 tagma preposicional : dele, Haverd para tico: uma situagdo de variagio (as relativas) causada por outro sistema de variagio (anéfora nas oragdes de- clarativas). Obviamente 0 encaixamento de uma variével nao de volta ao sistema gramatical padrao. O contato com o dado bruto e sua experiéncia com 0 modelo de anélise o ajudardo no estabelecimento de outras € novas hipéteses de trabalho, Por exemplo, no ser o uso da forma pronominal nao padrao em rela- tivas causado por uma dificuldade no processamento das mesmas? Em outras palavras, néo afetard 0 uso da forma no padrdo a distincia existente entre o SN referente © a Imagine os dois exemplos seguintes, 0 primeiro 1. “Eu tenho uma amiga que 9 € étima.” 4s 2. “Bu tenho uma amiga 14 do interior, sabe, aquela prima do Jodo, que ela adora ficar em casa vendo televisao.” Como nova hipétese de trabalho vocé poderé estabelecer a distancia entre o SN referente (no caso acima, uma amiga) ¢ a relativa como um grupo de fatores com dois, subfatores: com e sem distincia, E assim por diante, Desenvolva o detetive que hé em vocé! Use e abuse armas e artimanhas para desmascarar ‘Na caminhada pelo corpus procure concen- nas variantes! Respostas chegaréo vocé naturalmente ¢ suas atividades de investigador/de tive Ihe parecerao, a cada novo fato desvendado, mais esti- mulantes. Os fatores extralinguisticos Tudo aquilo que servir de pretexto € cotexto a varié- vel (isto é tudo aquilo que nao for estritamente linguis- tico) poderd ser relevante para a resolugdo de seu “caso”, A formalidade vs, a informalidade do discurso, 0 socioecondmico do falante, sua escolaridade, faixa sexo poderdo ser considerados como pos jonadores. Esses pardmetros nao so, no en- anterior, quanto mais fatores externos sobre os informan- tes vocé incluir em sua anélise, maior quantidade de dados sera necessdria a fim de garantir a representatividade da mostra. (© Ievantamento desses fatores deverd partir de sua propria intuigao como falante ou conhecedor da comut dade. Mesmo que vocé inclua outros fatores, a respe dos quais sua intuigdo nada de especi bard concluindo que os parimetros externos No caso de vocé prever um caso de projete uma mudanca dentro do sistema, 0 bilidade de fazer um estudo longitudinal (um acompanha- mento dos falantes desde a adolescéncia até a idade ma- dura) sobre a varidvel, a amostragem da comunidade em grupos etérios diferentes the daré a dimenséo procurada. Em variaveis fonolégicas e sintéticas 0 fator sexo néo tem demonstrado ser muito significativo. A variagao encontra- da em formas de tratamento (vocé vs. o senhor/a senhora) & na maioria das vezes, afetada pelo sexo Por outro lado, em uma sociedade tao estr tanto, através de sua intuigdo como membro da comunida- de, sentir e apreciar a rea de atuagio das variantes no meio social e organizar os grupos de fatores extralinguis- ticos. No caso de um fator externo demonstrar ser ivos em relacio a determinada variével. Além disso, os trés grupos socioecondmicos estudados também apresentaram relevancia na utilizagéo das varian- tes. A que conclusio chegar? Haverd nessa comunidade irés sistemas diferentes de fala? Ou seré 0 caso de hete- rogeneidade da fala dentro de um mesmo sistema que permite aos grupos socioeconémicos optarem por uma ou outra variante? de como atingir essa dimensio na anélise, Em seu estudo sobre a centralizaga0 dos ditongos em Martha's Vineyard (Ver capitulo 1 deste volume) Labov entrevistou 69 infor- mantes, classificados segundo distribuicdo geogréfica na itha (parte superior, zona rural, vs. inferior, zona urbana), ‘ocupagdo (pescadores, agricultores etc.) ¢ faixa etéria (acima de 60, 46 2 60, 31 a 45, abaixo de 30), Os resul- tados da andlise demonstraram que a zona rural, os pesca- dores, € a faixa etdria de 31 a 45 favorecem a centrali- zaco do ditongo, ou seja, a forma nfo padrio. Das areas compreendidas na zona rural — Oak Bluffs, N. Tisbury, ou os mente, Chilmark & a i basicamente a pesca. Além disso, 45 representa uma parte da populacao qu: com um proceso de recessio econdmica na assim decidiu permanecer na érea. Esses trés resultados parecem estar relacionados entre si, Algum motivo ulterior, mais potente, porém, deve reger tais resultados. Tornou-se claro, durante as entrevistas, Em outras palavras, a julgar os contextos em que ocorrer, 0 fato de os falantes centralizarem os ditongos /ay/ @ /aw/ parece revelar um sentimento positive em a relago iha. Cada um dos trés fatores acima mencio- ‘nados aponta para estes grupos: zona rural, pescadores € faixa etéria de 31 a 45 anos. Resta saber se o sentimento positive é a tal forca ulterior e tinica, responsével pelos altos indices de centralizagio. Se isso for confirmado, seré consequentemente demonstrada a interdependéncia entre os trés fatores. segundo a avaliagao por eles dada a, neutra ou negativa? Explicitando: desejo de viver no continente. Dos 65 falantes entrevi dos, 40 se expressaram positivamente em relagio a il 19 assumiram uma atitude neutra; e 6 afirmaram que pre- feririam nao residir na ilha. Fazendo-se uma média dos indices de centralizagio de cada falante, Labov chegou ‘aos seguintes resultados, apresentados na Tabela 1. TABELA 1 — Gentralizagéo © sentimento ‘em relacio a Martha's Vineyard Falantos Avaliagao deyh 0 Positi SB 0 6 3d|8 3 (Lanov, 1972a, p. 39) Em suma, os falantes que se expressam positivamente fem relagio a0 meio social centralizam mais (63 e 62); os de atitude neutra o fazem de uma forma intermedidria (32 ¢ 42); e 0s de sentimento negativo rejeitam a norma local (09 e 08). Vejamos agora um outro exemplo que envolve uma avaliagdo socioestilistica da variével pelos informantes. A situagao de teste: estilo e classe social Na exposi¢io da metodologia feita no capitulo 2 foi dada muita énfase & coleta do verndculo: situagdes natu- ais de comunicagao. Foram apresentadas estratégias que possibilitem 20 pesquisador minimizar 0 efeito negativo causado por sua participacio nna interagao com o informante. Apesar dessas estratégias € de todo 0 esforgo do pesquisador por conseguir que 0 informante se con- centre em 0 que fala (e nfo no como), matcarao pre- senga em seu material partes do corpus que nao represen- tam 0 vernéculo. Como entio deverd proceder 0 pesqui- sador? Uma primeira tentativa seré contrastar 0 vernéculo com esse outro material € observar a diferenga no desem- penho dos falantes, A parte do verndculo daremos o nome de estilo espontineo; ao material ndo verndculo, estilo de entrevista, Se a escolha entre variantes for da natureza estigmatizada ou de prestigio, o estilo enirevisia bloquearé fa variante supostamente estigmatizada, Vejamos alguns resultados sobre 0 uso (isto 6, 0 uso “inde referencial ao SN niicleo da data & estigmatizacao sociolin ‘guir: “Tem uma amiga minha que ela adora ficar em casa”. Essa variante ser contrastada com a relativa-padrio, de prestigio, em que 0 pronome-lembrete nao aparece, Ob- serve 0 resultados expostos na Tabela 2. TABELA 2 — Efeito estilistico sobre 0 uso de relativas com pronome-lembrete Espontineo | Entrevista | Total “+ Pronomelembrete (€stigmatizada) 6 162 % 25%) = Pronome-lembrere (De prestigio) 22 1358 Total 228 1700, (Tanatio, 1983, p. 134) Fica claro, portanto, que a relativa nao padréo com pro- nome-lembrete 6, de certa forma, evitada no estilo enire- vista, © préximo paso que vocé deverd tomar é verificar se essa diferenca estilfstica € obedecida pelos grupos socio- econdmicos incluidos em sua amostra. O mesmo estudo sobre relativas no portugués falado de Sao Paulo aponta para as seguintes percentagens de uso de pronome-lem- brete ao se cruzarem, no campo de batalha, estilo © classe social: TABELA 3 — Percentagem de uso de pronome-embrete de acordo com estilo ¢ classe social Esponténeo Entrevista Classe baika 12.2% 20% Classe média 8.9% 3.1%. Classe alte 7.6% 18% (Taratto, 1983, p. 134) Ou seja, quando lida verticalmente, essa tabela reflete 0 ‘uso social da variante: decrescentemente, a classe baixa horizontal- ilistica se favorece 0 uso da relativa nao padrio; li mente, a tabela demonstra que a diferenca ‘mantém nos trés grupos sociais, Além desses dois parametros ser levados em consideragio. V leré, por exemplo, submeter scus informantes a uma situacdo experimental: 20s. Isto é, ao seu estudo, tal como 16 © momento, vocé estard acres- centando a terceira dimensio: a avaliagao da_variante pelos informantes. A situagdo de testes the propiciaré um estilo ainda mais elaborado, mais refletido. Resumindo, seu projeto de pesquisa € tridimensional: 1. seu conheci- mento da comunidade e seu contato com os informantes levaré, ainda intuitivamente, ao estabelecimento das célu- las externas, dos fatores condicionadores nao linguisticos; 2. a partir da anélise de seu material, do contraste entie ‘yernéculo ¢ nao vernéculo gravado em suas fitas, vocé che- gard A segunda dimensdo: a primeira projecdo sociolin- guistica das variantes estudadas; 3. ao submeter seus infor- mantes a testes, vocé estard definitivamente embutindo as al em que elas coexistem. , outros podem variantes no meio Os testes diferirao segundo 2 natureza da variavel. jos de varidvel fonol6gica vocé poderé mont de pares minimos, ou mesmo de preenchi- Por exemplo, se vocé estudar a redugao jongos /ey/ /ow/ em portugués (fendmeno usual- mente denominado monotongacao), poderd pedir a seus informantes para lerem uma lista de palavras em que cons- derd estabelecer pares minimos, como “coro” € “couro”, por exemplo; ou ainda criar um texto com lacunas a serem preenchidas por palavras que contenham a varidvel estu- dada. Independentemente da forma dos testes, voc’ deverd pensar em monté-los com um duplo objetivo em mente: 195 testes serio ou de recepgio ou de produgéo. Vejamos © que distingue um do outro! Testes de percepgdo versus testes de produgao Como © préprio nome indica, no teste de percepeao voce solicitaré a seu informante que se manifeste em rela- cdo & aceitabilidade ou ndo de certas variantes. Exempl fiquemos esse teste com as relativas! Com base no en\ lope de variacdo voce criaré uma bateria de relativas-pa- dro © nao padrao. Ao listar estas sentencas, ndo siga qualquer ordem: evite que o informante reconheca a orga- nizagdo do teste. ire as variantes entre si! No teste, portanto, vocé incluiré: Relativas-padrao Eu tenho uma amiga que € dtima. Eu tenho uma amiga que vocé conhece. Eu tenho uma amiga com quem ele se encontrouw no Rio. Eu tenho uma amiga cujo marido se mudou para o Rio. Relativas nao padrao 1. Pronome-lembrete Eu tenho uma amiga que ela é dtima. Eu tenho uma amiga que vocé conhece ela. Eu tenho uma amiga que ele se encontrou com ela no Rio. Eu tenho uma amiga que 0 marido dela se mu- dou para 0 Rio. 2. Cortadora Eu tenho uma amiga que ele se encontrou no Rio. Eu tenho uma amiga que o marido se mudow para o Rio. Para cada tipo de relativa € para cada func&o sinté- tica desempenhada, vocé terd mais de um exemplo em sua ‘Até este momento da anélise espontineo com ent smonstraram que a classe média 0 de pronomes-lembretes. Na situagio de ‘apontam exatamente pi tivas-padrao a classe m 6 79,3%, enquanto a cl sequentemente, a classe 24, isto 6, 29,3% ‘A partir desses resultados brutos vocé poder ainda refinar sua anise, comparando, por exemple, qual des duas variantes no padrao € a mais estigmat ainda, voc’ podera aval i das relativas, & possivel que forma de pedantismo, conscientemente informantes. Mas passemos agora ao teste © teste de producéo consiste em mecanismos que levem 0 informante a construir a variével, Na tentativa de produgio da variével ele optaré por uma ou outra variante, E essa escolha de variante que vocé deveré com- parar com 0s resultados obtidos na anélise anterior: a fase que denominamos segunda dimensao, No caso de relativas vocé poderé propor a0 informante a seguinte situagdo: “Com as duas sentencas abaixo formule somente uma, fazendo as devidas alteragdes: Aquela menina é bonita. Aquela menina & de Séo Paulo. io de duas sentencas, 0 informante terd tivas-padréo (75,0% ) e a classe alta optou pela -padrdo 34 vezes, isto & 94,4%, 0 que confir mente os resultados obtidos na segunda fase da andilise ¢ nos testes de percepgio. Uma vez estabelecidos os parimetros de situagses naturais de comunicagdo vs. situagbes experimentais, vocé poderia ainda avaliar qual o tipo de valor atribufdo a essas variantes fora de seu material de andlise, Como esse esquema de variacio € normalizado dentro da comunidade € até que ponto a estandardizacao ocorre? Que forcas @ protegem? Vocé poderé acrescentar uma quarta dimensio a sua anélise. Vamos a cla! A variagéo e a normalizagao linguisticas lingua falada é, portanto, um sistema varidvel de regras. ‘Obviamente, a esse sistema de variacio devem correspon-

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