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eee eee et dor americano Charles G. Leland Aradia, o Evangelho das Bruxas, é leitura indispensdvel Ere ee eee ne ca eee Ten | oe eee eee gura de Aradia, a filha de Diana que desce dos céus para redimir e vingar os pobres e oprimidos — dentre SOUXNJIG.S0p.O4j95U009.0.01pPoOLW rgiemeeretre lc: ‘Eglteete. vector ener Pprree ys ~The” ALEMDALENBA orev cme ele Pax Libris 9295 7457 Cireule Pago @ groupl45Z22@groupsim.com Aradia O Evangelho das Bruxas nas eT ee Cope naar © Outras Palavras Producées Editoriais e Comércio Lida, Todos os direitos reservados, Proibida a reproducéo total ‘ou parcial sem a expressa autorizacdo dos editores. Fotocomposicdo: Outras Palavras Capa ¢ Projeto Gréfico: Alexandre Rampazo Colegdo Outras Palavras/Alemdalenda Série “TODA MAGIA” Dados Internacionais de Catalogagio na Publicagdo (C1P) rin Coctia Candelaa CRE 8/2888 ‘Leland, Chaves 6. ‘Arado ovangeha das bnuxas/ Chavos G. Leland ‘Tradugso © comontéres Claudio Grow Gunna. - See Paulo: (Gutras Palaras, 2000 (Colopée Outras Palavras / ‘Nardelenda Séw:Toda Magis} Biblogratia, IseN 85-66900:15.0 | 1 Rauals pagdos -2. Magia -2. Mos 4. Lendas | Tho | sere | Du 2013 Outras Palavras Producaes Editoriais ¢ Comércio Ltda. Rua Santo Egidio, 709, cj. 141 (2461-011 - Sao Paulo - SP Telefax: (Oxx11) 6959-4523 e-mail: reginama@uol.com.br Indice Prefacio 4 Edigdo Brasileira ; Sobre o Autor 13 Sobre a Stregheria 15 Stregheria: as Origens da Wicca? 7 ARADIA, O EVANGELHO DAS BRUXAS Preficio de Charles G. Leland 23 Comentarios ao Capitulo 1 29 Capitulo 1 — Como Diana Deu & Luz Aradia (Herodius) 31 Comentarios ao Capitulo 2 35 Capitulo 2 - O Sabbat, Treguenda ou Encontro de Bruxos. Como Consagrar a Refeigao 37 5 Comentarios a0 Capitulo 3 Capitulo 3 — Como Diana Criou as Estrelas a Chuva Comentirios ao Capitulo 4 Capitulo 4 - O Encantamento das Pedras Consagradas a Diana Comentarios a0 Capitulo 5 Capftulo 5— A Conjuraciio do Limo e dos Alfinetes Comentarios ao Capitulo 6 Capitulo 6—Um Encantamento para Conquistar um Amor Comentarios ao Capitulo 7 Capitulo 7 - Para Encontrar ou Comprar Algo ou para Atrair Boa Sorte Comentirios ao Capitulo 8 Capitulo 8— Para Obter Vinho Bom e Vinho Muito Bom com o Auxilio de Diana Comentarios ao Capitulo 9 Capftulo 9 - Tanae Danamone ou Diana e Endymion Comentrios a0 Capitulo 10 Capitulo 10 - Madona Diana Comentarios ao Capitulo 11 Capitulo 11 — A Casa do Vento Comentarios ao Capitulo 12 Capftulo 12 - Tana, a Deusa da Lua Comentarios a0 Capitulo 13 Capitulo 13 - Diana e as Criangas Comentarios 20 Capitulo 14 Capitulo 14— Os Mensageiros Gnomos de Diana e Merctri Comentarios ao Capitulo 15 Capitulo 15 -Laverna 43 45 49 53 37 59 6 65 a 15 71 81 83 OL 93 105 107 113 15 121 123 127 129 Apéndice As Criangas de Diana ou Como Nasceram as Fadas Notas Apéndices a Edigio Brasielira: Apéndice A — Elementos de Crenga da Stregheria Apéndice B - Os Dons de Aradia Apéndice C — Deidades do Pantedo Strega Apéndice D — Os Rituais Treguendas Referéncias: Para Saber Mais 139 151 154 157 159 161 165 167 Prefécio a Edigao Brasileira Quando, em 1899, Charles G. Leland publicou pela primeira vez.Aradia: Evangelho das Bruxas, seguramente no poderia antever a importéncia que sua obra teria para as futuras geraghes de estudiosos e praticantes da Bruxaria, bem como de historiadores ¢ folcloristas. Aradia foi apresentado por Leland como o resultado de anos de pesquisa e contato com legitimas representantes da Stregheria, a bruxaria italiana. Essas mulheres, co- nhecidas como Streghe (singular, Strega), concordaram em Ihe fornecer textos e lendas acerca de suas crengas e préticas, as quais permaneceram por longo tempo afastadas dos cireulos literrios académicos por varios motivos: em primeiro lugar, porque eram tradigGes pertencentes aos 9 Charles G. Leland camponeses simples e incultos, muitos dos quais absolu- tamente iletrados; em segundo, porque formavam um con- junto de tradigGes orais transmitidas apenas dentro de uma linhagem familiar. Por tltimo ~ e talvez principalmente-, porque poucos dentre seus praticantes se arriscariam a revelar suas crengas publicamente; afinal, a Italia havi muito deixara de ser pagi, e passara a abrigar a sede da Igreja Crista, que tanto fez e tem feito para difamar e distorcer os antigos Cultos da Terra—a Vecchia Religione, ou Antiga Religidio dos pagios, hoje conhecida em diversas vertentes, dentre elas a Stregheria modema e a Wicca. Os textos aqui apresentados so, por vezes, de uma rudeza impar, 0 que pode chocar 0 leitor, Hé momentos, em alguns rituais, nos quais a Strega ameaca literalmente Diana, sua principal deidade, caso nau obtenta a raga solicitada. Leland afirma que essa visio das divindades ‘como seres migicos, porém passivos de punicao pelas maos humanas, confirma a antigiiidade das praticas descritas ~ se assim 6, podemos atribuir a origem desses mitos a um perfodo da hist6ria da humanidade na qual os deuses viviam em contato intimo com os homens. E justamente essa proximidade que caracteriza também mitologias como a celta, na qual humanos e deidades interagem livremente. Ressalie-se, porém, que os mitos contidos em Aradia nao s&o de origem celta, mas sim greco-romana e, principalmente, etrusca. A propria Diana, principal divin- dade da Stregheria, é comparada a uma ainda obscura dei- dade etrusca chamada Tana, que seria como que uma ge- nitora de deuses e homens, o prinefpio eriador bésico, de onde surge toda a vida. Aradia, a muther divina que dé nome a este livro, énaverdade afilha de Diana, e representa a figura messia- 10 Aradia, O Evangetho das Bruxas nica feminina que desce dos céus para redimir e vingar os pobres ¢ 0s oprimidos —dentre eles, obviamente, a mulher. Esse aspecto “feminista’” de Aradia pode ser facilmente atribuido a um resgate da religido matrifocal primitiva, suplantada pelo surgimento e ascensdo do patnarcado judaico-cristo. Mas foi tamhém interpretado sociologica- ‘mente séculos depois, durante a popularizacao da Wicca nos Estados Unidos, na década de 60, em plena revolugao sexual, com o surgimento das tradigdes Wiecanas ditas Dianicas, como ade Z. Budapest. Se esta tltima tinha co- nhecimento dos textos de Leland ou se foi mera coincidén- cia é uma questo que pertence ao campo da especulagio. ‘Ao lermos os mitos lendas contidos em Aradia, temos que levar em consideragio que Leland os teria apenas compilado e traduzido para o inglés, alterando pouco ou nada de seu contetido, textos que Ihe foram transmitidos pela tradieao oral ou através de manuscritos obtidos de diversas streghe com quem manteve contato enquanto moraya na Itilia, nos extertores do século XIX. Por este motivo, os textos sfio por vezes atemporais € certamente representam versdes relativamente modernas das Iendas originais— podemos imaginar que até os mitos cristos contidos na Biblia teriam sofiido modemnizagées com 0 passar dos anos, caso nao tivessem sido cui- dadosamente escritos e editados pelos Hderes do clern cristo, que assim criaram a versio oficial e inquestionayel de seus textos mitol6gicos. Para tomar a leitura mais ficil, optamos por fazer um breve comentirio no inicio de cada capitulo iden- tificados em itélico, explicando 03 mitos e rituais apre- sentados; sempre que necessério, procuramos estabelecer um paralelo entre o material recolhido e transcrito por Wy Charles G, Leland Leland e 0 contexto atual, na intengdo de possibilitar ao Ieitor uma comparagao entre o momento hist6rico e cul- tural da época retratada e os dias de hoje. As tradigdes apresentadas em Aradia so, sem d- vida, de vital importéncia para aqueles que estudam o paganismo em geral, pois travamos aqui contato direto com mitos classicos, como Vénus, Baco e Jipiter, aborda- dos sob um ponto de vista basicamente popular, ¢ ndo académico, E também de igual valia aos estudiosos e seguidores da Religifo da Deusa, pois nele abundam ele- mentos do Sagrado Feminino que, nf fosse o diletantismo de Leland, teriam sido irremediavelmente destrufdos pelo zcloso clero cristo, como aconteceu com incontaveis ou- tras lendas e costumes paga Charles Leland editou mais dois livros ~ “Etruscan Roman Remains” e “Legends of Florence”, nos quais apresenta mais mitos e lendas compilados entre os segui- dores da Stregheria, Neste livro, os praticantes da Wieea encontrariio as origens mais remotas de muitas de suas préticas e crengas —dos Esbats da Lua Cheia & nudez ritual a céu aberto, Por tudo isso, Aradia, 0 Evangelho das Bruxas & um precioso livro do ponto de vista hist6rico ¢ religioso, um excelente complemento aos estudos dos Mistérios Pagiios Ocidentais, como também uma 6tima introdugao a0 mundo do Paganismo da Deusa-Mae. Claudio Crow Quintino (gios Btrusco-Romanos" e“Lencas de Florengt” (Nota do Tractor) R Sobre o Autor ‘Nascido na Filadélfia a 15 de agosto de 1824, 0 fol- clorista Charles Godtrey Leland foi exposto ao oculto ea magia desde tenra idade, Sua propria mle afirmava possuir uma antepassada que havia se casado “na magia,” e que teria retomado na figura do jovem Charles. Some-se a isso seu contato com o mundo da mitologia celta, através dos criados irlandeses que trabalhavam em sua casa, bem como com o Vodu, introduzido pelas cozinheiras negras, € podemos entender porque Leland, desde cedo, dedicou toda uma vida 4 compreensto do ocultismo e da magia. Por volta dos quarenta anos, Leland mudou-se para a Inglaterra, onde aprofundou seus conhecimentos sobre a cultura cigana, a ponto de ser admitido pelo “Rei dos 2B Charles G, Leland Ciganos” da Inglaterra como um deles, Leland, sempre vido por novos conhecimentos, acabou se mucando, em 1888, para Florenca, na Itilia, onde permanecen até o fim de seus dias. Justamente ali ele trava contato com uma cartomante vidente italiana chamada Maddalena Zaleni, que teria coneordado em compilar e transmitir a Leland o maximo de informagdes que pudesse recolher (e que lhe fosse per- mitido transmitir) sobre suas crengas —a Stregheria. Maddalena forneceu, durante anos a fio, incontéveis textos e encantamentos que formariam 0 conjunto da obra de Leland. Ele admite, a certa altura, questionar a origem ea autenticidade dos textos; mas, pouco depois, parece convencer-se de sua veracidade e os publica. Apesar de nunca ter declarado abertamente, muitas sa0 as evidéncias de que Leland era, cle proprio, um Stregone. ‘Ha quem afirme que ele, na verdade, nunca admitiu serum praticante da Stregheria porque temia as eriticas & represélias do clero e da sociedade italiana, que tolerava ‘mas marginalizava as Streghe. Charles Leland faleceuem 1903, antes de concluir a publicacdo de muitos de seus manuscritos e documentos, De qualquer forma, deixou um legado de inquestionvel importncia para o Ocultismo eo Paganismo. cca. 4 Sobre a Stregheria A Stregheria, ou Bruxaria Italiana, é apresentada na obra de Leland como um ancestral culto pagio cujas ori- gens remontam Acivilizacdo etrusca, portanto pré-romana, Por se tratar de uma tradigdo familiar, a Stregheria € uma vertente extremamente hermética do paganismo, e seus mitos so transmitidos oralmente gerago apés geragao, dentro de uma mesma familia, Chegoua gozar de tamanha importancia no sul da Itélia que, em determinado perfodo era tio ou mais influente que a Camorra, a méfia Napolitana. De acordo com um desses mitos, uma jovem que vivera no século XIV teria sido a reponsével pelo resgate dessa tradigao antiqiiissima — seu nome era Aradia. Conta Is Charles G. Leland a lenda que Aradia era filha de Diana ~ a Bela Deusa, Rainha das Bruxas— com seu irmfo Lifcifer ~“O Portador da Luz,” que nada tem a ver com a imagem demonizada criada pelo cristianismo na Idade Média. Aradia teria sido enyiada & Terra por Diana, sua Mie, para ensinar os segredos € artes da Magia aos humanos Com a chegada da Inquisicio & Itilia, para fugir & perseguicao, a Stregheria teria sido dividida em trés cor- rentes independentes, mas complementares: + Fanarra, responsével pela preservacdo dos Mistérios da Terra; + Janarra, contendo os Mistérios Lunares; ¢ = Tanarra, guardidies dos Mistérios das Estrelas. Atualmente, o maior expoente da Stregheria €0 ame- ricano Raven Grimassi, autor de importantes livros sobre paganismo, Grimassi é responsivel pela criagdo de uma nova tradicfo strega, conhecida como Aridiana, a qual visa reunificar os conhecimentos das Triplices Tradigoes acima citadas. Em sua obra, Grimassi apresenta muitas tradigdes da Wicca como tendo origem na Stregheria, Seus simpa- tizantes, bem como alguns praticantes de Stregheria que vieram a piblico, afirmam que a Stregheria seria entao a origem da Wicca, e justificam as afirmagdes ao comparar as datas de publicago das obras de Leland, autor de Aradia, ¢ Gerald Gardner, considerado 0 “pai” da Wicca. De fato, como jé vimos, Aradia foi publicado pela primeira vez em 1899, praticamente meio século antes de Gardner comegara divulgar a Wicca abertamente. As semelhangas entre ambas as correntes pagas sao muitas, e valem uma anélise mais profunda, CCQ. 16 Stregheria: as Origens da Wicca? Apesar de, teoricamente, possustem origens distin- tas — a Wicca buscaria um resgate das antigas tradicdes celtas, enquanto que a Stregheria teria raizes romano- etruscas — tanto uma quanto a outra possuem muitas se- methangas; a comecar pelo culto central a uma Divindade maxima feminina (Diana; a Grande Deusa) e de seu consorte (Dianus/Lticifer; Cernunnos/Deus Comifero). Podemos ilustrar essa comparag%o com o exemplo a seguir. Na margem norte do Lago Nemi, ainda existem alguns poucos vestigios do antigo Templo de Diana. Ao redor desse templo, bem como de todo o lago, espalhava- se o Bosque Ariciano, consagrado a Diana, Esse bosque possuia um misterioso guardido, conhecido como Rex 7 Charles G. Leland Nemorensis, ou “O Rei dos Bosques.” Muitas so as semelhangas com as antigas Iendas celtas que sobreviveram na Gra-Bretanhae na Irlanda, como ade Heme, 0 Cagador da Floresta de Windsor, Gwynn ap Nudd, no Pais de Gales © 0 Green Man, entre outras. ‘Se analisarmos friamente tais lendas e mitos, con- frontando essas informagses com fatos hist6ricos, veremos que quase certamente tanto as tradigdes celtas das ilhas britdncias quanto as etruscas do norte da Tidlia sao variagdes diferentes de um mesmo tema, de uma suposta mitologia creligido indo-européia, ancestral comum a cel- tas e etruscos. Vale lembrar, ainda, que as mais recentes descobertas arqueolégicas do conta que etruscos e celtas possufam muito mais em comum do que suas origens indo curopéias ~afinal, os celtas deixaram vestigios arqueolé- gicos lingtlisticos de sua presenga no norte da Itdlia muito anteriores & invasto de Roma por Brenno, em 390 aC. Ironicamente, as tradigGes celtas e etruscas voltariam ase cruzar milénios depois, através da Wicca apresentada por Gardner e da Stregheria descoberta por Leland. E af que surge o debate: teria Gardner se inspirado nas des- cobertas de Leland para instituir a religiao da Wicca? ‘Veremos, no decorrer de Aradia, quais so os ele- mentos comuns a ambas tradigGes, para que o leitor possa, por si s6, chegar a alguma conclusdo. Esse, contudo, €0 ponto em questo, Seja como for, o mais importante é que tanto a Wicca quanto a Stregheria sao reflexos da marayilhosa e ancestral Religiao da Deusa, a primeira ma- nifestagdo espiritual do ser humano, que cultuaa Natureza ecelebra a Magia da Vida que esta & nossa volta, por toda parte, e, principalmente, em cada um de nds. ‘Nao importa quem teria originado quem; nao importa se quem veio primeiro foi o ovo ou a galinha. O que 18 Aradia, O Evangetho das Bruxas realmente conta aqui é que, tanto um caminho quanto © outro, levam a um objetivo tinico, que é a integragéo (ou seria melhor dizer “re-integragao”) do ser humano a0 Divino presente em toda a Natureza. Com respeito responsabilidade. cca. 19 Ao apresentar sua obra ao leitor, Leland nos oferece um pouco das origens e historia das prdticas da Stregheria. Informa-nos ainda sobre como teria obtido acesso a tais textos, e como eles foram preservados até os dias anuais. Fica muito claro que ele foi seletivo ao escolher os textos que comporiam Atadia, pois éo préprio Leland que afirma que “esse trabalho poderia ser estendido ad infinitum se acrescentiissemos as ceriménias ¢ encantamentos que fazem parte das Escrituras da Bruxaria...”. Isso nos leva a perceber que muito ainda haveria para ser publicado; mas ndo foi, talvez por decisdo das Streghe em néo revelar por completo seus conhecimentos, talvez porque Leland néio tenha vivido 0 bastante para organizar de forma satisfatéria a rica colecdo de mitos que the fo- ram entregues; talvez por ambos motives. Atadia é a ponta do iceberg do conhecimento sobre a misteriosa Stregheria. al Prefécio Se por acaso o leitor jé foi apresentado a obra do re- nomado folclorista G. Pitre, ou aos artigos de “Lady Vere dde Vere” na italiana Rivista, ou ainda 2os deJ. H. Andrews em Folk-Lore, saber que existem na Ita inimeras strege, adivinhas ou bruxas que fazem suas previsdes através de cearias, praticam estranhas cerimdnias nas quais 0 espiritos sio supostamente invocados, confeccionam e vendem amuletos e, na verdade, se comportam como conyém & sua classe de modo geral, sejam praticantes do Vodu, ou feiticeiros de qualquer espécie. Mas a strega, ou feiticeira italiana, 6, em muitos as- pectos, uma personagem diferente destes, Na maioria dos ‘casos, ela é oriunda de uma familia na qual sua arte vem 23 Charles G. Leland. sendo praticada ha muitas geragdes, Nao restam diividas de que, em certos casos, essa ancestralidade remonta a tempos medievais, romanos ou até mesmo etruscos. O resultado disso é, naturalmente, o actimulo de muita tradicdo entre essas familias. Mas, no norte da Itélia, como atesta a sua literatura, apesar de alguns contos de fadas ¢ superstigdes populares compilados por estudiosos, nunca houve o menor interesse pelo estranho conhecimento das bruxas, tampouco qualquer suspeita de que esses conhe- cimentos abarcavam uma incriyel quantidade de antigos mitos menores e lendas romanas, como as registradas por Ovidio, mas das quais muito escapou & sua atencio © dos outros escritores latinos. Essa ignorincia foi amplamente favorecida pelos pro- prios bruxos e bruxas, que fizeram de todas as suas tradi- Ges um grande segredo, movidos que foram ent&io pelo temor aos sacerdotes. Na verdade, estes tiltimos, incons- cientemente, contribuiram para o desaparecimento de tudo. No entanto, esse desaparecimento € lento, e mesmo hoje ainda existem pessoas de idade na Romagna do Norte que conhecem os nomes etruscos dos Doze Deuses e invo- cages a Baco, Jipiter, Venus e Merctirio e as Lares ou espiritos ancestrais; e nas cidades existem mulheres que confeccionam estranhos amuletos, sobre os quais murmu- ram encantamentos, todos eles conhecidos no antigo perio- do romano, ¢ que espantam até mesmo 0s peritos por suas Tendas dos deuses latinos, mescladas & sabedoria encon- trada em Catao ou Teécrito. ‘Travei intimo contato com uma destas mulheres em 1886, e desde entdo encarreguei-a especialmente de cole- tar, entre suas irmas do encantamento oculto, todas as an- tigas tradig6es de diversos lugares. E verdade que me vali 24 Aradia, O Evangetho das Brucas de outras fontes, mas essa mulher, por sua vasta prética, aprendeu perfeitamente o que poucos compreendem, ou, exatamente o que desejo, e como extrair esse conhecimen- to de entre seus semelhantes, Entre outras estranhas reliquias, ela conseguiu, apos muitos anos, o“Evangelho” que se segue, do qual possuo. ‘© manuscrito de seu préprio punho. Um relato completo de sua natureza, rico em detalhes, pode ser encontrado em um Apéndice. Nao sei ao certo se minha informante obteve parte destas tradigGes de fontes escritas ou de relatos orais, mas creio que sua origem é principalmente a tiltima, Contudo, hé algumas poucas bruxas que copiam ‘ou preservam documentos referentes a sua arte, Nunca mais vi minha informante desde que ela me enviou 0 “Evangelho.” Espero, no futuro, obter mais informagdes. Posso dizer, de modo geral, que a bruxaria é conhe- cida entre seus praticantes como “la vecchia religione”, ou aantiga religiao, da qual Diana é a Deusa, sendo sua filha Aradia (ou Heriodius) o Messias feminino, e que esta pequena obra determina como esta tiltima nasceu, desceu A terra, estabeleceu as bruxas e a bruxaria, para depois retornar aos céus, Esto inclusas as cerimdnias e invoca- -s ou encantamentos referentes a Diana e Aradia, 0 exo cismo de Caim, eos encantamentos da pedra-sagrada, arru- dae verbena, que constituem, segundo o texto, 0 servigo religioso regular, por assim dizer, que deve ser entoado ou pronunciado nos encontros de bruxas. Também esto inelusos 0s curiosos encantamentos ou bénedos do mel, alimento e sal, ou 0s bolos da refeigao das bruxas, os quais. (0 curiosainente clssicos, um resquicio evidente dos Mistérios Romanos. Este trabalho poderia ser estendido ad infinitum se ‘acrescentissemos as cerimGnias e encantamentos que na 25 Charles G. Leland vyerdade fazem parte das Escrituras da Bruxaria, mas uma ‘vez que quase todos — ou pelo menos um grande mimero destes — podem ser encontrados em minhas obras Etruscan-Roman Remains e Legends of Florence, decidi- ‘me por ndo compilar tal volume sem antes verificar se existe um mimero suficiente de leitores dispostos a adquirir essa obra. Desde que escrevi este texto, conheci e li uma rica e interessante obra entitulada Romanzo dei Settimani, de G. Cayagnari, 1889, na qual o autor, na forma de um ro- mance, descreve vividamente os modos, habitos de pensamento e especialmente a natureza da bruxaria, bem como as diversas supersti¢des hoje existentes entre os camponeses da Lombardia. Infelizmente, apesar de seu vvasto conhecimento da érea, aparentemente nunca ocorreu a0 narrador que essas tradigdes eram tudo menos tolices nfo cristas sem sentido, O fato de que elas contém reliquias maravilltosas de antigas mitologias e um valioso folclore, © qual € 0 verdadeiro cor cordium da hist6ria, Ihe passa to desapercebido quanto a um Zoccolone comum ou a um franciscano andarilho, Pode-se supor que um homem que conhecia uma bru- xa que havia planejado matar sete pessoas num rito ceri- ‘monial para obter o segredo da riqueza infinita suspeitava que tal feiticeira possusse uma gama de lendas fantasticas; mas disto no restam tracos, e fica evidente que nada po- deria estar mais afastado de sua mente do que a possibi- lidade de existir nisso tudo algo interessante de um ponto de vista mais elevado ou genial. Seu livro, por fim, pertence ao grande grupo de livros escritos sobre fantasmas © superstigdes desde que estas Ultimas cafram em descrédito, nos quais os autores se pres- 26 Aradia, O Evangetho das Bruxas tama uma satirica ridicularizagao que é segura, mas barata, daquilo que para eles é vulgar e falso. Assim como Sit Charles Coldstream, eles subiram a cratera do Vestivio aapés o fim de sua “erupcao” e disseram nd ter visto “coisa alguma lé.” Mas jé houve algo; ¢ o homem das ciéneias, diferente de Sir Charles, ainda encontra nos vestigios muito a ser explorado, como o antiquério em Pompéia ou Her- culano = diz-se que ainda ha sete cidades a serem desen- terradas. Fiz 0 pouco (pois realmente pouco é) que pude, para desvelar um pouco do vuledo adormecido que é a Bruxaria Italiana. Se este € 0 modo pelo qual a bruxaria italiana é tratada pelo mais inteligente autor a retraté-la, € aparentemente desnecessario dizer que ha realmente poucos que se importariam em atestar a existéncia de um verdadeiro Evangelho das Bruxas, aparentemente de extrema anti- giiidade, incorporando a crenga numa estranha contra- religiio que se manteve acesa desde 0 periodo pré-historico até 08 dias atuais. “A Bruxaria um grande lixo, ou algo ainda pior,” diziam os antigos eseritores, “e portanto todos 08 livros que dela tratam no séo melhores que isso.” Eu realmente espero, contudo, que estas paginas caiam nas mios de alguns poucos que farao melhor juizo delas. Devo, no entanto, ¢ fazendo justiga aos que realmente se importam com a explorago de sendas obscuras ¢ ma- ravilhosas, explicar claramente que a sabedoria das bru- xas esté oculta, sob os mais escrupulosos cuidados, de to- dos, com a excegao de uns poucos na Itélia, do mesmo modo como o esté entre 0s Medas de Chippeway ou no ‘Vodu Negro. No romance da vida de I Settimani, uma as- pirante é representada vivendo com uma bruxa e adqui rindo ou coletando arduamente, fragmento por fragmento, 27 Charles G. Leland seus encantamentos, dedicando anos & sua empreitada, Meu finado amigo M. Dragomanoff contou-me como um certo homem na Hungtia, sabendo que ele havia compilado varios encantamentos (os quais foram posteriormente Publicados em jornais de folclore), roubou-os, para que no ano seguinte, quando Dragomanoff retornou, encon- trasse o ladrdo em pleno exercicio, como um préspero mago. Certamente ele nao possufa muitos encantamentos, ‘apenas cerca de uma duizia, mas um pouco se torna bastante no comércio, eme arrisco a dizer que talvez nao haja uma ‘nica bruxa na Italia que saiba tanto quanto eu publiquei, ‘uma vez que meus encantamentos foram assiduamente Coletados de diversas fontes, portoda parte. Ademais, todos Os textos deste tipo so geralmente destruidos cui- dadosamente por sacerdotes ou penitentes, ou pelo grande niimero de pessoas que, por seus medos supersticiosos, temem até mesmo permanecer na mesma casa que abrigue tais documentos, de modo que considero o resgate do Vangelo algo, no minimo, digno de nota. Este capitulo trata das origens de Aradia, filha da deusa Diana com seu irmao, aqui chamado de Liicifer. Nunca é demais lembrar que a deidade em questo nada tem aver com a nocito crista de Licifer como sendo sind- nimo do diabo, do inimigo de Deus. Ele é, isso sim, “o deus do Sol e da Lua, 0 deus da Luz.” A luz simboliza 0 principio ativo masculino, representado por Liicifer, o qual {fertiliza sua irma Diana, que por sua vez representa 0 principio feminino, sutil. Da uniao desses opostos surge 0 equilibrio, na figura de Aradia, a filha de Diana e Litcifer Quando Aradia é instrutda por Diana, antes de sua descida & Terra (nosso mundo fisico), onde a sociedade de entdo atravessava um periodo de crimes desigual-dades (fa- miliar, ndio?), ela é alertada para que jamais seja “como afilha de Caim”, ou “como araga que porfim se tomou de- pravada e infame pelo softimento”; certamente o texto se refere aos povos que adotaram as religides que pregam 0 sofrimento e a peniténcia como forma de elevagdo 29 Charles G. Leland espiritual —notadamente as religides judaico-cristas. Para © pagao, o desrespeito as forcas da Natureza e a condenagao dos prazeres fisicos é a propria negacao do divino dom da Vida. Aradia recebe instrucdes claras de como deve agir para divulgar a bruxaria, para que, através dela, os campo- neses simples e oprimidos possam se rebelar contra a tirania de seus senhores; recebe ainda conselhos sobre como agir quando tiver de enfrentar 0 clero cristo, que tdo ferozmente combatia os ancestrais cultos Pagdos (do latim, paganus, significando “do campo”, ou seja, simples, da natureza). De acordo com seu papel de “Mesias” feminino, Aradia deve instruir os camponeses a resistir as im: bosicdes ¢ restricdes da Nova Religido —o cristianismo— € a lutar pela preservagdo de seus direitos @ liberdade econémica e religiosa, O capttulo se encerra com as instrucées finais de Aradia suas seguidoras para que, tanto homens quanto mulheres Tetinam-se em segredo para cultuar Diana na noite de Lua Cheia; um trago comum com as praticas da Wicca, que celebram os esbats a cada Lua Cheia. Por se reunirem despidos (a nudez ritual de algumas tradicoes Wiccanas), os celebrantes estao livres das ostentacdes sociais; mais do que isso, anudez reflete aqui o estado de espirito ideal em uma celebragéo com os antigos deuses pagiios, que é o de “inequivoca liberdade” — perante Diana, a Deusa, ninguém é superior ou inferior a ninguém, 30. Capitulo 1 Como Diana Deu a Luz Aradia (Herodius) “Diana! Vejam! Elacresce em Crescente.” (Endimion de Krats) “Que o crescente da Rainha das Estrelas seja ainda mais brilhante em sua noite de mtipcias.” (bid) Este é o Evangetho das Bruxas: Diana amava muito a seu irmao Lucifer, o deus do Sol eda Lua, o Deus da Luz (Esplendor) que, de tio orgu- Ihoso de sua beleza, foi expulso do Paraiso. Diana tivera uma filha de seu irmo, a quem deram 0 nome de Aradia (Herodius), 31 Charles G: Leland Naquela época havia na terra muitos ricos ¢ muitos pobres. Os ricos escravizavam os pobres. Havia, naqueles dias, muitos escravos, 0s quais eram cruelmente tratados; tortura em toda parte, prisioneiros em todo castelo, Muitos escravos escapavam. Eles fugiam para os campos; assim, tornaram-se bandidos e pessoas de mé indole. Ao invés de dormir A noite, eles tramavam fugas e roubavam de seus mestres, para depois maté-los. Viviam entio nas montanhas ¢ florestas como ladrdes assassinos, tudo para evitar a escravidao. Diana disse um dia a sua filha Aradi E certo que és um espirito, Mas foste gerada para voltar a ser ‘Um mortal; deves descer a terra E ser uma mestra de homens e mulheres Os quais, de bom grado, deve estudar bruxaria em tua escola, Mas, como a filha de Caim jamais deves ser ‘Tampouco como a raga que por fim se tornou Depravada e infame pelo sofrimento, Como os judeus e os errantes Zingari (Os quais sdo todos ladrdes ¢ vildes; como eles Nao deves set E deves ser a primeira das bruxas conhecidas; E deves ser a primeira de todas no mundo; E deves ensinar a arte do envenenamento, Do envenenamento daqueles que s40 os maiores dentre os senhores; ° © Ciganos (N. do) 22 radia, O Evangetho das Bruxas ‘Sim, deves fazer com que morram em seus palécios; E deves sujeitar a alma do opressor (pela forca); E quando encontrares um campénio que seja rico, Deves entdo ensinar & bruxa, sua pupila, como Arruinar suas colheitas com tempestades terriveis, Com o relmpago e 0 trovao (terriveis), Ecomo granizo eo vento.. E quando um padre causar-te mal Com suas béngios, deves imputar a ele Males duas vezes piores, ¢ fazei-o em nome De mim, Diana, a Rainha de Todas as Bruxas! E quando os sacerdotes da nobreza Disserem que deves depositar sua f& No Pai, No Filho e em Maria, respondei ento; “Vosso Deus, O Pai e Maria sio Trés Dem@nios...” *Pois o verdadeiro Deus Pai nao & vosso; Pois vim para varrer 0 mal Os homens malignos destruirei a todos!” “Ves que sois pobres e sofrem com a fome, E labutam em miséria, sofrendo também Constantemente com a prisdo; Ainda assim Tendes uma alma, e por vosso sofrimento Sereis felizes no outro mundo, Mas negativo € 0 destino de todos 0s que vos causam mal!” Entio quando Aradia foi ensinada a operar a bruxaria, a como destruir a raga maligna (de opressores), ela (transmitiu a suas pupilas) e Ihes disse: 33 Charles G. Leland Quando eu tiver partido deste mundo, ‘Sempre que precisardes de algo, Uma vez por més, quando a lua estiver plena, Reuni-vos em algum local deserto, Quem assembléia num bosque Para adorar o poderoso espfrito de sua rainha, Minha mie, a grande Diana. Aquela que de bom grado Aprender toda a magia, mas que ainda nfo domina Seus mais profundos segredos, minha mie ir Ensinar, na verdade, todas as coisas ainda desconhecidas, E sereis libertos de qualquer escravidao, E sereis livres para qualquer coisa; E como sinal de sua inequivoca liberdade, Deveis comparecer desnudos em seus ritos, tanto homens ‘Quanto mulheres: isto deve perdurar até ‘Que morta o tiltimo de seus opressores; E deveis jogar 0 jogo de Benevento Apagando as chamas, para em seguida Desfrutar de sua refeigao da seguinte forma: 34. Os praticantes e estudiosos da Bruxaria moderna, em es- pecial da Wicca, conhecem a imporidncia da refeicao ritual que se segue aos Sabbats (grandes Festivais), chamados de Treguendas pela Stregheria, e Esbats (celebracées da Lua Cheia). Essa refeigdo, tradicionalmente conhecida como “pio e vinho” ou “po ¢ cerveja,” é abordada neste capitulo. Mais importante, porém, é a grande simbologia contida nas Conjuragoes (Invocacaes) do Trigo, do Sal, de Caim ede Diana. Cabe a cada leitor, no entanto, amparado em seus conhecimentos e sua percepedo, analisar os mitos abordados em cada conjuracdo, pois & essa andlise intima e pessoal que, em ultima instancia, leva & compreensio e ao entendimento do simbolismo contido. Alguns detalhes, contudo, saltam aos othos. Na Conjura- gio do Trigo, por exemplo, vemtos claramente a percepedo de que o trigo, o alimento por exceléncia, a primeira ma- téria-prima a ter sido transformada em produto pelo ho- 35 Charles G. Leland ‘mem primitivo, representa o precioso dom da vida, sem o qual tudo 0 mais fenece, e que s6 é fertilizado pela pre- senga dos‘“vaga-lumes que pertencem ao sol”, dos princt- pios ativos masculinos de que falamos na introdugdo. Na conjuragdo de Diana, o praticante a ameaca até que sua graga seja concedida, Caso isso ocorra, porém, segue sé uma grande celebracdo orgiaca, onde os celebrantes “se amario livremente”. Isto nos remete a outros ritos de fertilidade, onde 0 sexo era praticado de forma ritual ¢ mdgica, onde cada homem e cada muther simbolizavam um deus e uma Deusa, capazes de gerar vida, A sociedade moderna, com seu rango moralista judaico- cristdo, ndo admite mais esse tipo de comportamento. Doengas sexualmente transmissiveis também inibem essas praticas. Como tudo nas tradicdes antigas, no entanto, devemos avaliar tais tradicdes buscando 0 contexto tempo-espaco na qual eram praticadas. Nos dias de hoje, muitas tradigdes Wiccanas optaram por usar uma simbologia para o conhecido “Grande Rito” de unio entre 0 Deus ¢ a Deusa; 0 atame (punhal ritual) mergulhado no céllice é apenas uma delas. Aqueles que seguiam o que thes fora determinado, Diana concedia poderes magicos de béngdo e maldigiio, contato como Outro Mundo, resgate das tradigdes, compreensdo dos fendmenos naturais, habilidades de cura e de pre- digdes. Sao os presentes de Aradia para a humanidade. Por fim, hd uma bela e significativa Invocacdo a Aradia, a filha de Diana ¢ “Mesias” feminina. Apesar de seu inegdvel cardter divino, Aradia ndo estd livre de ameacas, apresentadas nos tiltimos versos da invocacdo... Sem divida, os deuses estavam muito mais proximos de nds. 36 . Capitulo 2 O Sabbat, Treguenda ou Encontro de Bruxos Como Consagrar a Refeicao ‘Segue abaixo arefeicdo, do que deve estaconsistir,e 0 que deve ser dito e feito para consagré-laa Diana. Sfio necessdrios trigo, sal, mel e 4gua; pratique este encantamento’ A Conjuragao do Trigo Eu te conjuro, 6 Trigo! Tu que és sem diivida nosso corpo, uma vez que sem ti Nao podemos viver, tu que (a principio como semente) Antes de florescer mergulhaste na terra, Onde se ocultam os profundos segredos, c enti, quando moido En Charles G. Leland Dangaste como pé ao vento, ¢ ainda assim Portavas contigo fugazmente, estranhos segredos! E entéo, quando estavas preso a haste, Na forma de um brilhante grao (dourado), Os vaga-lumes vinham lanear a ti sua luz Para auxiliar teu crescimento, pois sem sua ajuda Nao poderias crescer, e tampouco te tornares tio belo; Assim, pertences a raga Das bruxas ou fadas, ¢ porque Os vaga-lumes pertencem ao sol... Rainha dos Vaga-lumes! Apressa-te, Vem # mim como que numa carreira, Arreia teu cavalo enquanto me ouves cantar! Acteia, arreia o filho do rei! ‘Vem mui lesta, e traga-o a mim! O filho do rei em breve te libertara! E por ser para sempre brilhante e belo, Sob um vidro eu te preservarei, enquanto Que com uma lente estudo os segredos em ti ocultos, ‘Até que todos os mistérios brilhantes sejam por fim revelados, Sim, ¢ todo o maravilhoso conhecimento desconcertante Desta vida de nossa cruz.e da préxima, Assim, todos os mistérios hei de conhecer, Mesmo os tiltimos encerrados no gro; E quando por fim a todos realmente dominar, Vaga-lume, tua liberdade irei restaurar! Quando os segredos obscuros da terra forem por mim conhecidos, Langarei sobre ti finalmente minhas béngaos! 38 Aradia, O Evangetho das Bruxas (Segue-se a Conjuragio do Sal) Conjuragéo do Sal Bu te conjuro, Sal, veja! Cé ao meio-dia Exatamente no meio de um ribeiro ‘Tomo meu posto ¢ observo a égua a meu redor, Bem como 0 sol, ¢ ndo penso em mais nada Enquanto aqui, proximo a égua c ao sol; Pois toda a minha alma esté realmente voltada a eles; Nao desejo realmente nenhum outro pensamento, Almejo saber a propria verdade das verdades, Pois ha muito sofro com o desejo De conhecer meu futuro ou meu destino vindouro, Se o bem ou o mal nele prevalecera Agua e sol, sejam ternos comigo! (Scgue-se a Conjuragao de A Conjuragao de Caim Eu te conjuro, 6 Caim, pois jamais podes Descansar ou ter paz até que sejas liberto Do sol onde jazes cativo, e deves Bater suas maos enquanto corres em yelocidade: Peco-te, mostra-me meu destino; E se for maligno, muda seu curso por mim! Seme concedes esta graca, serei capaz de vé-lo claramente Nas Aguas e no esplendor do sol; E ty, Caim, deves propagar com tuas palavras O que quer que meu destino venha a ser. E anno ser que me concedas isto, ‘Que jamais tu possas ter paz. ou alegria! 39. Charles G. Leland (Segue-se entéo a Conjuragio de Diana) Conjuragdo de Diana Devem ser confeccionados bolos de trigo, vinho, sal, ¢ mel, na forma de uma lua ~ crescente ou chifruda ~, os quais devem ser postos para assar, enquanto se diz: ‘Nao asso 0 pao, nem com ele o sal, Nem cozinho o mel com o vinho; ‘Asso 0 corpo e o sangue e a alma, A alma da (grande) Diana, para que ela Nao tenha descanso nem paz, ¢ esteja sempre Em grande sofrimento, até que conceda Aquilo que pego, aquilo que mais desejo, Peco isto a ela, do fundo do meu coraczo! F caso a graga seja atendida, 6 Diana! Em tua honra celebrarei este banquete, Festejarei e secarei por completo 0 célice, Dangaremos e saltaremos animadamente, E se me concedes a graga que tanto desejo, Entdo, quando a danga atingir seu apogeu, todas as luzes Serio apagadas, © nos amaremos livremente! E assim deve ser feito: todos devem se sentar paraa refeigdio desnudos, homens e mulheres, e ap6s o banquete, devem dancar, cantar, tocar mtisica e em seguida amar na escuridao, com todas as luzes apagadas; pois € 0 Espirito de Diana que as apaga, e assim eles dancarfo e tocaraio misica em sua honra. E ocorreu que Diana, apés sua filha ter cumprido sua missdo ou ter passado seu tempo na terra entre os (mortais) vivos, chamou-a de volta, e The concedeu o poder 40. Aradia, O Byangetho das Bras para que, quando inyocada, tendo praticado algum bem, pudesse agraciar aqueles que a conjuraram com sucesso no amor: Para abengoar ou amaldigoar com poderes amigos ou inimigos (para praticar o bem ou o mal). Para interagir com os espfritos. Para encontrar tesouros ocultos em antigas rufnas. Para reunir os espiritos dos sacerdotes que morreram tendo deixado tesouros. Para compreender a voz do vento. Para transformar 4gua em vinho. Para fazer previsdes através das cartas. Para conhecer os segredos das maos (quiromancia) Para curar males. Para tornar belos os que sao feios. Para domar feras selvagens. E 0 que quer que fosse solicitado ao espitito de Aradia, seria concedido aiqueles que merecessem seus favores. E desta forma ela deve ser invocada: Assimeu busco por Aradia! Aradia! Aradia! A meia-noite, & meia-noite eu me dirijo a um campo, e comigo le-vo gua, vinho e sal, trago agua, vinho e sal e meu talisma ~ meu talismd, meu talisma e uma pequena bolsa vermelha sempre em minha mao ~ “con dentro, con dentro, sale,” com sal, dentro dela, dentro dela. Com agua e vinho eu me abengdo, me abeng6o com devocao para implorar um favor de Aradia, Aradia, (Enfase as repetig6es).. 4 Charles G. Leland (Segue-se a Invocagto a Aradia) Invocagao a Aradia Aradia! Minha Aradia! ‘Tu és minha filha daquele que era O mais maligno dos espiritos, que ha muito A.um tempo reinow no inferno apés ser expulso do parafso, Que através de sua irma tornou-se seu mestre, Mas assim como sua mae se arrependeu de seu pecado,, E desejou unir-te a um espirito que Fosse benevolente, Endo maléfico! Aradia! Aradia! Eu imploro elo amor que ela nutria por ti! E pelo amor que também eu nutro por ti! Rogo-te, conceda-me a graca que desejo! E uma ver, satisfeito este desejo, que ‘Um dos trés sinais inequivocos se me apresente: Ossibilar de uma serpente, ‘A luz de um vaga-lume, O coaxar de um Sapo! Mas se me recusas este favor, entio Que no futuro nao tenhas paz ou prazer, E que sejas obrigada a me buscar a distancia, Até que venhas a conceder-me meu desejo, O quanto antes, e entdo poderis retornar novamente A teu destino, Assim seja, Amém! 2 Comum a todas as vertentes da Religido da Deusa so os mitos nos quais 0 Deus é, a unt 36 tempo, filho e amante da Deusa. O chamado “incesto sagrado” ocorre aqui quando Diana, a criadora e criatura bdsica, 0 princtpio elementar da vida, se parte nos opostos luz.e escuridao, Ao perceber quido bela era a luz que emanava de Litcifer, seu irmiio (posto que nascido da mesma divisio basica) ¢ filho (uma vez que foi da propria Diana que ele se originou), ela 0 deseja com grande ardor e paixdo; essa paixdo se materializa na forma da aurora, um dos mais belos e representativos fendmenos da natureza, simboli- zando o ponto de equilibrio entre as trevas da noite — os dominios da Lua, representacao de Diana — e 0 poder do Sol — 0 esplendor de seu irmao Lucifer. Exsa simbologia é encontrada em intimeros outros mitos, onde as polaridades masculina e feminina, de luz e excu- riddo, ativa e passiva, buscam ardentemente a unido dos ‘opostos que gera.o equilibrio basico presente no momento B Charles G. Leland da criagéo, permitindo, assim a evolugdo. Estabelece- se, desta forma, a eterna busca pelo equilibrio ~ assim como Diana busca sua metade luz em seu irméoffilho Litcifer, cada um de nds busca 0 conhecimento absoluto que vem do equilibrio das polaridades. A principio, a Luz fugia de Diana “qual o rato que se oculta do gato”. Desesperada, Diana busca 0 consetho dos “pais e mies do Inicio”, ou seja, as forcas primordiais do universo. Temos aqui um confuso mas importante elemento, no qual percebemos que, apesar de Diana nos ser apresentada como a forca criadora bdsica, que ao se dividir, deu origem aos opostos luz e trevas, ela propria havia sido criada por outra fonte criadora de maior mag- nitude, como no caso do demiurgo dos conhecimentos gndsticos, De onde podemos depreender o mito da eterna criacdo — cada um de nds é, por si 6, criador e criatura. Essa forea criadora bésica afirma a Diana que, para po- der ser “a mestta das deusas”, ela deve cair para depois se reerguer — devemos antes compreender o mais basico dos mistérios antes de irem busca de ideais mais elevados, Em sua queda, Diana desce a Terra, onde cria a magia, sendo responsdvel pela origem de toda sorte de seres: as bruxas, seres humanos capazes de praticar magia; as fa- das, seres espirituais elevados; e os gnomos, seres elemen- tais que habitam e dao vida a todas as formas de criagao. Através de um truque de magia, Diana se une a seu irmdo, e dessa unido surge Aradia, Somente apds sua queda Diana desenvolve seus grandes poderes mdgicos para criar 0 céu eas estrelas. Ao ver tio maravilhoso feito, as bruxas a aclamam como sua Rainha. E assim comeca seu longo reinado. 44 Capitulo 1H Como Diana Criou as Estrelas e a Chuva ‘Diana foi a primeiraa sercriada antes de toda acria nela estayam todas as coisas; a partir dela mesma, a escuridao. primordial, ela se dividiu: em luz e trevas ela foi dividida. Licifer, seu irmao e filho, ela mesmae sua outra metade, era aluz. E quando Diana viu o quo bela era luz, aluz queera sua outra metade, seu irmao Licifer, ela cobigou-0 com grande desejo, Desejosa de receber novamente a luz em sua escuridao, de engoli-la em éxtase e prazer, cla tremeu de desejo, Este desejo foi a aurora, ‘Mas Licifer, aluz, fugia dela, endo cedia a seus desejos, ‘quala luz que se refugia nas partes mais distantes do infinito, qual o rato que se oculta do gato, 45 Charles G, Leland Entdo, Diana foi ter coms pais do Infcio, com as mies, ‘com os espiritos que existiam antes do primeiro espirito, ¢ Jamentou a eles que no podia controlar Liicifer. E eles enalteceram sua coragem; disseram-Ihe que, para poder se cergucr, cla deveria air; para se tomar a mestra das deusas, ela deveria antes se tornar mortal E, com opassar das eras e do tempo, quando o mundo foi feito, Diana desceu & Terra, assim como Liicifer, que havia caido, e Diana ensinou magia e feiticaria, de onde se originaram as bruxas, as fadas ¢ os gnomos ~ tudo o que se assemelha ao homem mas que no é mortal. E foi assim que Diana assumiu a forma de um gato. Seu irmao possufa um gato ao qual amava acima de todas as outras criaturas, e o gato dormia toda noite em sua cama, um gato mais belo que qualquer outra criatura, uma fada; ele nfo sabia disso. Diana convenceu 0 gato a trocar de formas com ela; assim, ela se deitou com seu irmao, e na escuridao ela assumiu sua propria forma, e de Lifcifer concebeu Aradia, Mas pela manhé, quando descobriu que estava deitado a0 lado de sua irma, e que a luz havia sido conquistada pelas trevas, Lttcifer ficou extremamente irado; mas Diana, através de sua magia, encantou-o de tal forma que ele cedeu ao amor dela. Esta foi a primeira fascinagdo; ela murmurou a canedo, que era como o zumbir de abelhas (ou o girar de um tear), um tear que tecia vida. Ela teceu a vida de todos os homens; todas as coisas foram tramacias pela roda de Diana. Lucifer movia a roda. Diana nao era conhecida pelas bruxas e pelos espf- ritos, as fadas e elfos que habitavam nos locais desertos, e ‘0s gnomos, como mie deles: ela humildemente se ocultou na forma de uma mortal, mas por seu desejo ela novamente 46 Aradia, O Evangelho das Bruxas se elevou acima de todos. Ela possufa uma paixio pela bruxaria, e se tornou téo poderosa que sua grandiosidade nao mais podia ser oculta. E assim foi que uma noite, no encontro de todas as feiticeiras ¢ fadas, ela declarou que escureceria 08 céus € transformaria todas as estrelas em ratos. Todos os presentes disseram: “Se podes efetuar feito assim estranho, se possuis tio elevado poder, deves ser nossa rain.” Diana saiu & rua; ela apanhou a bexiga de um boi e um pedago de dinheiro-das-bruxas, o qual possui a ponta cde uma faca - com tal dinheiro as bruxas cortam a terra de sob as pegadas de um homem - eela cortou a terra, e com ela © muitos ratos ela preencheu a bexiga, ¢ assoprou a bexiga até que esta estourasse. A partir dali surgiu uma grande marayilha, pois a terra que estava no interior da bexiga se tomnou 0 curvo firmamento acima de nés, e por trés dias houve grande chuva; 0s ratos se transformaram em estrelas ou chuva. E por ter criado as estrelas e a chuva, Diana se tornou a Rainha das Bruxas; ela era 0 gato que regia as estrelas rato, os céus ea chuva Ea No capitulo seguinte, travamos contato com trés impor- tantes amuletos da Siregheria: as ervas verbena e arruda, associadas, em intimeras tradigdes, & protegdo; e uma pedra com um furo natural no meio. Desde tempos imemoriais, atribui-se a essas pedras, normalmente encontradas no leito de rios ou em praias de seixos, propriedades magicas. A simbologia é obvia: uma pedra, um fragmento do solo que, emiiltima andlise, €o proprio corpo da Grande Mae, com um furo, ou seja, a repre- sentacao da Vagina da Terra, de onde advém toda vida, Na Irlanda, ainda vive a tradigdo de passar uma erianga recém-nascida pelo vao esculpido pela erosdo em uma grande rocha, para que essa crianca seja purificada protegida. Hoje associada ao cristianismo, essa crenga indubitavelmente possui ratzes no paganismo celta. Na segunda conjuracdo, 0 “Encantamento da Pedra Redonda”, nos deparamos com o espirito que reside na pedra sagrada, aqui chamado de “o Gnomo Vermelho”. 9 Charles G. Leland Ele representa a prépria energia da terra, contida na pedra furada, e seu cardter material (elemento Terra) ‘fica claro na sua utilidade: ele é invocado ou para cobrar dividas de maus pagadores, ou para atrair a pessoa amada para a cama daquele que o invoca. Deidades basicas, mais uma vez, para atender necessidades basicas... todavia, é importante ressaltar que a ética da bruxaria moderna, em especial a da Wicca, no admite que encantamentos desse tipo sejam laneados, pois ferem 6 livre arbitrio da outra pessoa, desrespeitando, assim, a conhecida lei Wiccana que reza: “Se mal nenhum causar, faca o que desejar.” Apesar de nao conter uma lei semelhante, veremos no Apéndice A que os Elementos da Crenca da Stregheria também fazem com que cada Strega seja responsdvel pelos seus atos, pois segundo esses Elementos cada Strega ou Stregone acredita “na Lei de Ago e Reagio, ¢ que 0 que fazemos afeta os outros, assim como 0 que os outros fazem ‘nos afeta.” Esse é um dos grandes diferenciais do paganismo mo- derno: cada individuo & 0 tinico responsdvel por seus atos € consegiléncias, 0 que faz com que cada um desses in- dividuos tenha ciéncia de sua responsabilidade perante ssi € perante os demais — sejam eles pessoas, animais, vegetais ou o proprio planeta Terra. E é justamente por isso que temos, entre os membros da comunidade paga atual, tantas pessoas envolvidas com causas ecoldgicas € que buscam desenvolver uma maior consciéncia am- biental nas pessoas e na sociedade como um todo. Afinal, 0 paganismo nao admite a idéia de que o homem é superior as demais espécies, podendo assim fazer o que quiser com elas, nem que elas foram criadas para nos 50 Aradia, O Evangetho das Bruxas servir; também ndo admite a suposicdo de que sé temos esta vida para viver, nem que ao fim dela iremos para 0 paraiso eterno ou para a tortura eterna. Essas crencas, difundidas pelo patriarcado judaico cristo, deram origem a devastacdo desenfreada dos recursos de nosso planeta, assim como ao materialismo gerado pela presunedo do homem em se dizer senhor do planeta. Somos todos iguais perante a Deusa ~ tanto humanos como animais, vegetais ¢ até mesmo os minerais sao igualmente sagrados, pois todos fazem parte da grande teia césmica que é a vida existente neste planeta. Se rompemos um fio da teia, comprometemos toda essa estrutura, Esté mais do que na hora de tomarmos consciéncia disso, e fazermos algo por nosso planeta. Enquanto é tempo. St Capitulo 1V O Encantamento das Pedras Consagradas a Diana Encontrar uma pedra com um buraco no meio é um, sinal especial dos favores de Diana, Aquele que assim 0 faz deve apanhé-la, e repetir o que se segue, observando a ceriménia do modo devido Invocagao da Pedra Sagrada Encontrei uma pedra sagrada no solo, Destino! Agradego por este feliz achado. ‘Também ao espfrito que sobre esta estrada A deu para mim; E que seja para meu real bem E minha boa sorte! 53 Charles G. Leland Levanto-me pela manhi, no inicio da aurora, E prossigo a caminhar por (prazerosos) vales, Por todas as montanhas ou pelos belos prados, Buscando por sorte enquanto adiante avango, Buscando pela arruda e pela verbena docemente perfumadas, ois elas trazem fortuna a todos. Mantenho-as em seguranga em meu peito, Para que ninguém saiba - é uma coisa secreta, E sagrada também, ¢ assim pronuncio 0 encantamento: “O verbena! sejas sempre benéfica, E que tuas béncfos jorrem sobre a bruxa_ Oua fada que te deu a mim!” Foi Diana que veioamim, A noite, durante um sonho, e me disse: ‘Se mantiveres todas as pessoas més & distincia, Entio tenhas sempre a verbena e a arruda Seguramente a teu lado!” Grande Diana! Tu Que és a rainha dos céus ¢ da terra, E das terras infernais - sim, és A protetara de todos os homens desafortunados, Dos ladrdes e assassinos, e das mulheres, também Que levam uma vida torpe, e tu sabes Que a natureza deles nao é maligna, tu, Diana, Conferiste a eles um pouco de alegria em suas vidas. Ou posso realmente em outra hora Conjurar-te assim, para que nio tenhas paz Nem felicidade, pois deves sempre estar Sofrendo até que me concedas 0 que Te peco, em extrema fé em ti! 54 Aradia, O Evangetho das Brussas (Aqui temos novamente a ameaga & Deidade, exata- mente como no xamanismo esquimé ou em qualquer outro, xamanismo, a qual representa a mais rude forma primitiva de conjuracao, quando os espiritos sto ameacados. Tragos desta prética sao encontrados entre os catélicos romanos rudes. Assim sendo, quando S. Bruno, alguns anos atras, numa cidade da Romagna, nao atendeu aos pedidos de seus devotos por chuva, eles prenderam sua imagem no, fundo de um rio, com a cabega voltada para baixo. Seguiu- se imediatamente a chuva, ¢ 0 santo foi restitufdo honro- samente a seu local na igreja...) O Encantamento ou Conjuracdo da Pedra Redonda Encontrar uma pedra redonda, seja grande ou pe- quena, é um bom sinal, mas jamais ela deve ser presenteada, pois nesse caso aquele que a recebe também recebe a boa sorte, e algum tipo de desastre atinge a quem a deu. Quando encontrar uma pedra redonda, erga aos céus os seus olhos, langando a pedra para cima trés vezes (sem- pre a apanhando), e diga: Espftito de bom press4gio, Quea mim vieste em auxilio, Acredite, muito eu necessitava de Espirito do Gnomo Vermelho, ‘Uma vez que vieste em meu auxilio, Rogo-te, nao me abandones; Peco-te para que ingresses nesta pedra, Para que em meu bolso eu possa levar-te, E assim, sempre que eu tiver necessidade, 35 Charles @. Leland Ecomoaunilioda bela Diana Pego por sorte antes de deixar esta casa! Primeiro, com trés gotas de dleo euremovo Toda a influéncia maligna, e humildemente peco, Bela Diana, ati, Que tire-a de sobre mim, Enyiando-a a meu pior inimigo! Quando 0 azar Forde mim afastado, Eu o langarei no meio da rua, E se me concedes este favor, Obela Diana, Todos os sinos de minha casa soarao alegremente! Entiio, satisfeito, Seguirei em frente, Pois estarei seguro que com teu auxilio Acharei antes de retornar Belos e antigos livros, E a um prego médico, B tu achards o homem, Aquele que possui o livro, E ids em pessoa Para por em sua mente, Levando-o a saber O que deves encontrar E faz com que ele faga Tudo o que pedires. Ouse um mannscrito Escrito em dias longinquos, Tu o obterés do mesmo modo, 2 ee paseo Aradia, O Evangetho das Bruxas Ble viréati, ‘Também com prego baixo. Comprarés o que desejas Com o auxilio da grande Diana. O texto acima foi obtido, ap6s alguma demora, em. resposta a um pedido de qual conjuragiio seria necesséria antes de partir, para assegurar que alguém encontrasse ‘um livro raro, ou outro objeto desejado, a um prego bem moderado, Assim, ainvocagdo foi elaborada adequadamente, para que fosse empregue em achados literdtios; mas aqueles desejosos de adquirir qualquer coisa em termos igualmente favoraveis deve tio somente alterar o pedido. mantendo a introdugao, na qual esta a virtude magica. Nao posso, contudo, resistir & conviegdio de que isto € mais indicado, ¢ trara melhores resultados, em buscas por objetos de antigiiidade, estudos ¢ arte, e deve ser adequadamente implantado firmemente na meméria de cada cagador de quinquilharias e biblidgrafo, Devemos observar, honestamente, que a oragao, ao inyés de ser atendida, tomar-se-4 negativa ou de mé sorte, a nao ser que aquele que a proferir o faga em plena fé, ¢ isto néo pode ser obtido apenas ao dizer a si mesmo, “cu acredito.” Pois para atingir f€ verdadeira em qualquer coisa, pre- cisamos de longa e séria disciplina mental, nao existindo, em realidade, nenhum assunto do qual se fale tanto e se compreenda to pouco. Falo, aqui, seriamente, pois o homem que pode treinar sua fé para realmente erer e cul- tivar ou desenyolver sua vontade pode realmente operur o ‘que o mundo, por consentimento geral, considera milagres, Viré o dia em que este principio formaré no s6 a buse de 73 Charles G. Leland toda educago, mas também de toda amoral e cultura social. Expus, acredito, completamente este prin-cipio numa obra entitulada “Have You a Strong Will?” ou “How to Develop It or Any Other Faculty or Attribute of the Mind, and Render It Habitual,” ". Contudo, o leitor de f€ devotada pode, como decla- ram as bruxas, usar este encantamento diariamente antes de partir na busca e obtengdo de quaisquer tipos de bar- ganas em lojas, ou encontrar objetos perdidos, ou, na verdade, achados de qualquer espécie. Se inclinado beleza em forma feminina, ele terd boa sorte; se homem de negécios, serdo suas as boas oportunidades. O boténico que o profere antes de partir rumo aos campos prova- vyelmente descobriré uma nova planta, e 0 astrGnomo & noite pode ter quase certeza de encontrar um novo planeta, ‘ou ao menos um asterdide. Deve ser repetido antes de ir 4s corridas, visitar amigos, locais de diversao, negécios, pronunciamentos, e especialmente antes de cagadas ou excurs0es noturmas, uma vez que Diana é a deusa da cacae danoite. Mas, ai daquele que o fizer por gracejo! 1 Voce Tem Forea de Vontatle?” ou “Como Desenvolvé-la ou Qualquer ‘Outra Capacidade ou Atributo da Mente e Torné-1os Habitus” Londres, George Redway (N. do") um O encantamento abaixo visa, a principio, a atender wna necessidade basica: a de garantir ao vinicultor uma boa safra, garantindo-the, dessa forma, bons lucros para sua subsisténcia. Esconde, porém, temas de grande profundidade nos Mistérios da Magia. O primeiro, como observado por Leland em seus comentarios, é a “ligacdo de Diana, a Lua, com Baco,” 0 deus romano do vinho. Isto pode nos remeter a antigos cultos extdticos de Dioniso, o Baco grego, que em illtima andlise éassociado @ Cernunnos, 0 Deus Cornifero das tradigées celtas. Através desta associagdo, vemos um interessante equilibrio entre as polaridades sutile ativa, ou feminina e masculina, Outro ponto fundamental, que aparentemente passou desapercebido a Leland, é a figura ancestral do sagrado sacrificio ritual aqui sutilmente representado pelo vinho tratado como 0 sangue de Diana —o préprio sangue da Desa, 0 fluido energético vital que, quando corretamente 75 Charles G. Leland invocado ¢ lancado sobre as plantagées, garante o sucesso da safra. Imimeros sdo os relatos que dao conta de sacrificios rituais visando colheitas bem sucedidas, em tradigdes tao distantes no tempo e no espaco como as, Celtas ¢ as Maias. O ritual que veremos simboliza justamente esse sacrifi Leland observou ainda que a proibicdo da antiga tradigao de se lancar um beijo & Lua, ou melhor, sua condenagao pelo biblico J6, atesta a antigitidade desta pratica que, sem diivida, precede os cultos judaico-cristaos. Mais interessante ainda é 0 reconhecimento de Jé de que ele proprio poderia ficar “secretamente excitado” ao “con- templar a lua em seu caminho brilhante”... mais uma prova, de que certamente a Antiga Religido buscara se perpetuar, apesar dos esforcos do patriarcado judaico-cristio em suprimi-la.. 6 Capitulo VHT Para Obter Vinho Bom e Vinho Muito Bom com o Auxilio de Diana Aquele que desejar obter uma boa safra de vinho fino, deve apanhar um chifre pleno de vinho ecom ele ditigr-se aos viinhedosou fazendas onde cresgamas vinhase, bebendo o vinho, dizer: Bebo, mas nfo € vinho o que bebo. Bebo do sangue de Diana, Pois o vinho se transformou em seu sangue, E se espalhou por fodas as minhas videiras em crescimento, O que me trard bom retorno em vinho, E mesmo que uma boa safra se me apresente, Estarei dispensado de maiores cuidados, pois se acaso ‘Asuvas amadurecessem na lua minguante, Entao todo o vinho azedaria, mas ” Charles G. Leland Se ao beber desta taga bebo do sangue - Do sangue da grande Diana - com seu auxilio- Se lango um beijo a lua nova, Rogando a Rainha para que guarde minhas uvas, No proprio instante em que o broto nasce Até que seja uma uva madura e perfeita, Bem seguida a safra e por fim Até que 0 vinho seja feito - que seja bom! E que ocorra que eu dele Obtenha bons lucros quando por fim o vender, E assim a boa fortuna é langada sobre minbas vinhas, E por todas as minhas terras, sejam lé onde forem! Mas, caso minhas vinhas nfo sejam a contento, Apanharei meu chifre langando-o vigorosamente Ao tonel das vinhas, & meia-noite, e farei Barulho tao forte e terrivel Que tu, bela Diana, no importa quao longe Estejas, ouvira o chamado, E abrindo a porta ou a janela, Virds a um s6 tempo sobre os ventos sibilantes, Encontrar-me e salvar-me -ou seja, salvar minhas vinhas, O que serd salvar-me de grandes infortinios; Pois se as perco, perco a mim mesmo, Mas com seu auxflio, Diana serei salvo, Esta € uma tradieZo e uma invocaga0 muito inte- ressante, provavelmente de grande antigiiidade segundo intrigantes evidéncias intrinsecas, Pois ¢, a princfpi dedicada a um t6pico que recebe pouca atengao a ligagao de Diana, como a Lua, com Baco, apesar de 0 grande 2 Aradia, O Evangelho das Bruxas Dizionario Storico Mitologico, de Pozzoli et al, afirmar expressamente que, na Grécia, seu culto estava associado-ao de Baco, Esculapio ¢ Apolo. O elo de ligagao € o chifre. ‘Numa medalha de Alexandre Severus, Diana de Efeso se- gura a comucépia da fartura. Este € 0 chifre, ou chifre da Lua Nova, sagrado a Diana, De acordo com Callimachus, © proprio Apolo erguet um altar totalmente feito de chifres aDiana. A ligago do chifre com o vinho € 6byia. Era cos- tume entre os antigos eslavdnios que o sacerdote de Svantevit, o deus Solar, cheeasse que o chifre na mao do fdolo estivesse cheio de vinho, para assegurar uma boa colheita no ano vindouro, Se estivesse cheio, tudo estava bem; caso contrério, ele encheria o chifre, beberia dele e substituiria 0 chifre na mao do fdolo, prevendo que tudo acabaria por correr bem. E impossivel que o leitor nao perceba a estranha semelhanga com a invocacio italiana, sendo a tinica diferenga o fato de que em uma o Sol € invocado enquanto que na outra é a Lua, para assegurar uma boa colheita. Enire as lendas de Florenea, temos ada Via del Corno, ng qual o heréi, caindo em uma grande tina de vinho, € salvo do afogamento ao soprar um chifre com tremenda forea. Ao ouvir o som, que percorre uma incrivel distinc, alcangando até mesmo terras desconhecidas, todos partem apressados, como que encantados para salv4-lo, Nesta con- juraeo, Diana, nas profundezas do parafso, é apresentada correndo ao som do chifre, ¢ saltando por portas ¢ janclas para salvar a safra daquele que sopra. H4 uma certa afi- nidade singular entre essas historias. Na hist6ria da Via del Como, o her6i € salvo pelo Gnomo Vermelho, ou Robin Goodfellow, o qual the dé um ~ chifre, ¢ este 6 0 mesmo duende que surge na conjuragao da Pedra Redonda, a qual é sagrada a Diana, Isto porque 0 espirito € noctivago, e €um servidor de Diana-Titania, Langar um beijo a Lua Nova é uma ceriménia de remota antigitidade, e J6, mesmo em sua época, a consi-derava paga © proibida —o que sempre quer dizer antiquada e fora de moda — como quando ele declara (XXXI, 26, 27) “Se ao eontemplar a lua em seu caminho brilhante... meu coragio ficarsecretamente excitado ou minha boca beijar minha mio, também isto serd uma inighiidade a ser punida pelo Juiz, pois eu terei negado o Deus acima de nés.” Disso podemos ou devemos inferir que J6 ndo achava que Deus tivesse criado a Lua estivesse presente em to-das as Suas obras, ou ainda que ele realmente acreditasse que a Lua era uma deidade independente. De qualquer forma, é interessante ver que 0 antigo rito proibido ainda vive, herético como sempre. A tradicio, como me foi transmitida, omite clara-mente uma parte da ceriménia, a qual pode ser fornecida por ‘autoridades cldssicas. Quando o camponés praticao rito, ele no pode fazé-lo como 0 fez um africano, 0 qual era empregado de um amigo meu. A fungao do homem era a cada manha derramar uma libagdo derum sobre um amuleto =e ele a derramava em sua propria garganta. O camponés devia também espargir as vinhas, assim como 0s fazendeiros de Devonshire, os quais observavam todas as ceriménias Natalinas, espargiam, também de um chifre, suas macieiras.. Diana, a Grande Deusa, é aqui apresentada em sua verso etrusca, Tana; apaixonada por um belo jovem chamado Endamone (Endymion), ela se vé ds voltas com uma vingativa e invejosa bruxa com que tem que competir pelo amor de Endamone. Apesar de “muito mais poderosa,” Diana ndo consegue desfazer 0 sortilégio lancado pela bruxa, através do qual Endamone fora condenado a dormir eternamente, desejando Tana em seus sonhos. Para burlar esse encantamento, Tana entra em contato com Endamone justamente através de seus sonhos. O tema aqui, como observado por Leland, é 0 do Irméo Sol/Irma Lua, ou dos amantes condenados a uma eterna e inatingivel busca um pelo outro ~ como 0 dia e a noite, como Diana e Apolo. 81 1 i l Capitulo IX Tana e Endamone, ou Diana e Endymion “Agora 6 sabido que Endymion, admitido no Olimpo, de onde havia sido expulso por desrespeito a Juno, foi banido por trinta anos, os quais passou na Terra. E porter podido dormir durante esse perfodo numa caverna no Monte Latmos, Diana, encantada com sua beleza, visitava- 0 todas as noites, até que tivesse dele gerado cingiienta, filhas e um filho. E apés isto, Endymion foi reconvocado, 40 Olimpo.” Dizionario Storico Mitologico A lenda que se segue, bem como os encantamentos, foram fornecidos sob o nome ou titulo de TANA. Este era © antigo nome etrusco de Diana, ainda hoje preservado 83 Charles G. Leland na Romagna Toscana, Encontrei, em mais de uma obraitaliana e francesa, algum registro ou lenda de como uma bruxa eneantou uma garota para que dormisse para um amante, mas esta € a Gnica explicagio de toda a ceriménia que conhego. A Lenda de Tana Tana é uma bela deusa, e ela amava um jovem mara- vilhosamente belo chamado Endamone; mas seu amor ha- via sido cruzado por uma bruxa sua rival, apesar de En- damone ndo se importar com a tltima, ‘Mas a bruxa estava resoluta em conquisté-lo, esti- vesse ele interessado ou no, e com este intuito ele induziu ‘ servente de Endamone a deix4-la passar a noite nos apo- sentos deste tiltimo. Lé estando, ela assumiu a aparéncia de Tana, a quem ele amava, para que ele se deliciasse ao contemplé-la, como ele cria, enquanto dava-lhe as boas vindas com apaixonados abragos. Isto o pds sob os poderes dela, pois permitiu que ela praticasse um certo encanta- mento magico ao cortar-Ihe um cacho de cabelos A seguir, ela partiu para casa, e com um pedago de intestino de ovelha, formou uma bolsa, na qual depositou © que hayia obtido, com uma fita preta e outra vermelha atadas em conjunto, com uma pena, ¢ pimenta e sal, e em seguida, cantou uma canedo. Esta é a letra, uma cangio de bruxaria de grande antigiiidade. Esta bolsa para Endamon criei, Eminha vinganga pelo amor, Pelo profundo amor que por ti nutri, qual nao has de me retornar, 34 Aradia, O Evangetho das Bruxas Mas, sim, derramar ao seio de Tana, E Tana jamais ha de ser tua! ‘Agora, todas as noites, em agonia, Por mim seras oprimido! Dia ap6s dia, hora apés hora, Farei com que sintas 0 poder da bruxa; ‘Com a paixao serds atormentado, Ecom prazer jamais satisfeito; Enyolto em sono deves jazer, Para saberes que tua amante est por perto, E, sempre a morrer, jamais morreré, Sem as forgas para pronunciar palavra, Nem a voz dela poderas ouvir; Atormentado pela agonia do amor, Nao haverd alivio para ti! Pois meu forte sortilégio nao podes quebrar, E.de tal sono jamais deves despertar; Ponco a pouco, deves fenecer, Qual vela sobre a brasa. Pouco a pouco, deves morrer, E em vida eterna, jazer torturado, Ardendo de desejo, mas sempre fraco, Sem forgas para se mover ou falar, Com todo o amor que nutro por ti, Deves ser atormentado, Pois todo 0 amor que recentemente nutri Sentiris como fosse ddio ardente, Curvado para sempre sob a tua tortura, Estou vingada e assim satisfeita. Mas Tana, que era muito mais poderosa que a bruxa, apesar de incapaz de quebrar 0 encantamento pelo qual ele foi levado a dormir, afastou-o de toda a dor (ela a 85

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