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Raymond Q LucVan Campenhoudt | _ MANUAL DE INVESTIGACAO __ [tt EM CIENCIAS — [3 Sh TRAJECTOS 1. ANTES bE SOcRATES — nvTRODUCKO, ‘RO ESTUDO DA FILOSOFIA GREGA ose inde Seats 2, HISTORIA DA FILOSOMTA — PeRioDo RISTAO, Fermin Van Stenberg 3, ACONDIGAOPGS.At0DERNA Jean-Poangols Lyotard 4. MErADIALOGOS Gregory Bateson 5. ELEMENIOS DE FILOSOFIA DACIENCIA, LLidovie Gepmosat {6 DO MUNDO FECHADO AO UNIVERSO INENITO ‘Nesanie Koyeé 17. GEOGRAFIA HUMANA —TEORIAS ESUAS APLICACOES MG. Blond © W. A Kent 1, OS GREGOS B0 IRRACIONAL. EAR Dalds 9, OCREPESCULD DA IDADEMEDIA EMPORTUGAL ‘Anni lost Sartre 10, ONASCIMENTO DE UMA NOVA SICA 1. Dees Coben 11, ASDEMOGRACIAS CONTEMPORANEAS ‘Arend Lipburt 12, ARAZAONAS COISAS HUMANAS eben Simon 13, PRE-ANBULOS — 08 PRIMEIROS ‘PASSOS DO HOMEM ‘Yees Coppent 14, OTOMISMO , Van Stoabergben 15, 0 L002 DA DESORDEM Reyes Bowdon 16, CONSENSO ECONPLITO Seymour Maria Lipset 17, MANUALDEINVESTIGAGRO IM CIENCIAS SOCTAIS ayomd Qnivy © Lie Van Campeniouit 18, NAQOES BNACIONALISMO nest Getiner 18, ANQUSTTA ECOLOGICA EO FUTURO aria Figucreio 20, REFLESOES SOBREA REVOLUGAO. NAEUROPA RAE Dasendoct 21, ASOMBRA—~ ESTUDO SOBRE ‘ACLANDESTINIDADE COMUNISTA Song Prcieco Pesca 22, DOSAAER AO FAzER: PORQUE ORGANIZARA CIENCIA Jato Carag 2. PARA UMA HISTORIA CULTURAL, EH Gombrich 24, AIDENTIDADEROUBADA Es 26, 28, 2. 30. 31 ‘3. a Sov Cron Gomes de Siva |AMETODOLOGIA DA ECONOMIA Mark Blea AVELMA BUROPA BA NOSSA Suoques Le Gott ACULTURADASUBTILEZA— ‘ASPECTOSDA FILOSOFIA ANALITICA MS, Loueeeo ‘CONDIGGES DA LIBERDADE, ese Celer ‘TELEVISAO, UM PERIGO PARA ADEMOCRACTA i Popper ¢ okn Condry RAWLS, UMA EORIA DAJUSTICA £08 SEs cRITICOs ‘Ghanian Kokathase Pall Pent [BEMOGRAF'A BDESENVOLVIMENTO: HLEMENTOS ASICOS ‘log Tomes ‘CREGRESSO DOPOLETTCO (Chantal Moet ‘AMUSA APRENDE.A BSCREVER Tie A, Havelock 24, NOVASREGRAS DO MAFODO 1%. 36. M. sci0L6cico Pataeny Oiddees 43 POLITICAS SOCIAIS EM PORTUGAL. Tlrcgne Medina Caria ECONOMIA PORTUGUESA DESDE 1960 {est a Siva Lopes IDENTIDADENACIONAL ‘shan D. Seis 38. COMOREALIZAR UM PROIECTO 4 DEINVESTIGAGAO, sth Bel ARQUBOLOGIA —UMA BREVE, ‘WeTRODUCAO Pret Bsn pRkricas EMérops DE [NVESTIGAGAOEM CIENCIAS SOCIAIS Ze Altrli, oie Digna, an Pere Siem, Cian Maroy, Dale Ruguoy « Pleme de Sst. Geovges | «REPUBLICA VELHA» (1910-1917) ERNSAI Vasco Plo Valen 08 NOVOS MEDIA EO RSPAGO POBLICD Rogéso Saets RAYMOND QUIVY LUC VAN CAMPENHOUDT MANUAL DE INVESTIGACAO EM CIENCIAS SOCIAIS ‘TRADUGAO, JOAO MINHOTO MARQUES, MARIA AMALIA MENDES E MARIA CARVALHO REVISKO CIENTIFICA RUI SANTOS DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA DA UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA gradiva EE UCU ‘Titulo original francés: Manuel de recherche en sciences sociales © Dunod, Patis, 1995 ‘Tradugio: Jodo Minhoto Marques, Maria Amalia Mendes ‘e Maria Carvalho Revisto cientifica: Rui Santos Capa: Armando Lopes Fotocomposigao: Gradiva Impressio e acabamento: Manuel Barbosa & Fillos, 1 Reservados 08 direitos pata Portugal por: Gradiva~ Publicagées, L® Rua Almeida ¢ Sousa, 21, r/e, esq, — 1599-041 Lisboa ‘Telefs. 21 397 40 67/8 — 21 397 13 57-21 395 3470 Fax 21 395 34 71 ~ Email: geral@gradivamail.pt URL: hitp://www gradiva pt 43 edigio: Outubro de 2005 Depésito legal n.° 233 090/2005 gradiva Editoc: Guitherme Valente Visite-nos‘na Internet Atty wi idiva.pt Indice Prefacio a 2.* edigio i OBKECTIVOS E PROCEDIMENTO 1. Os objectivos ... sssnesees ao 15 1.1, Objectivos gerais 1S 1.2. Concepglo didécticn ne. 7 1,3, alnvestigagdo» em aciéncias» sociais? 19 2. O procedimento sstensonsastanseoseasnssssucecsssnses - 20 2.1, Problemas de método (0 caos original... ou trés manciras de comegar mal) 20 2.2. As etapas do procedimento .. 24 Prine cag ‘APERGUNTIA DE PARTIDA Objectivos ........ seseee sien sesesanenneneeneennsecee 31 1. Uma boa forma de actuar 32 2. Os critérios de uma boa pergunta de partida 34 2.1. As qualidades de clareza 35, 2.2. As qualidades de exequibilidade. 37 2.3.As qualidades de pertinéncia + Resumo da primeira etapa... nt som 44 * Prnbatho de apleasto n° I: fru de wana prguta de pr sstnsssnnes sone AS 3. E se ainda tiver reticén Segunda eopa A EXPLORACAO ‘Objectivos 1, A leitura LALLA escotha e a organizagio das leituras .. + Trabatho de aplicagdo n° 2: escalha das primeiras leituras .. 1.2, Como Jer? .. + Trabalho de aplicagdo m* 3: Seitura de um texto com @ ajuda te | ‘ima grelha de leitur os I «+ Trabalho de aplieagio mn a: resamos do textos + Trabalho de aplicagdo n° 5: comparagio de textos 2, As entrevistas exploratérias 2.1. Com quem € ati ter uma entrevista? 2.2. Em que consistem as entrevistas © como realizi-t las? 23.A exploragio das entrevistas exploratérias.. + Trabalho de apteago 6 sina ¢ anise de eovises cexploratbrias 3. Métodes exploratérios complementares ... + Resumo da segunda tap vonon 1 Thatathe de apcngo n= 7 ‘fomnioto a rep “de cm tida ssn “ Tretratopa [APROBLEMATICA Objectives . 4. Dois exemplos de concepsio de uma problemtiea | 11,0 suiet 1.2.0 ensino 2. Os dois momentos de uma problemitica .. 2.1.0 primeiro momento: fazer o balango eeluciar as problem ' possiveis | 2.2.0 segundo momento: ‘iribuirse wma probl + Resumo da terceira etapa. ‘Trabalho de aplicagao v.* 8: 2 escolba © a xpi de uma problematica a 22 83 85 36 96 100 104 105 | Quarta etapa A CONSTRUCKO DO MOBELO DE ANALISE Objectives . 109 1, Dois exemplos de construgio do modelo de anilise ....... 110 1.1.0 suicidio.. 110 1.2. Marginalidade © delinquénitnssssesnsnnssnnnn Lis 2. Porqué as hipéteses? 119 3. Como proceder concretamente? 120 3.1.A construgo dos conceitos snuananenonononer DT 3.2. construgiio das bipdteses 135 + Resumo da quarta etapa . von snsnnne 150 + Trabatho de aplicagiio n. 9: definigao dos conceitos de base ¢ formulagio das principsis hipéteses da investigagao . 1st + Trabalho de aplicacdo n° 10: explictecéo do modelo de ané- His 131 Ouinta etapa A OBSERVAGAO Objectivos see 155 1. Observar 0 qué? A definigao dos dados pertinentes 155 2. Observar em quem? O campo de anillise ¢ a sélecgiio das unidades de obSerV8¢0. nnn we 1ST 2.1.0 campo de andlise.... 137 2.2. amostta on 159 3. Observar como? Os instrumentos de observagio e a reco- Tha dos dad0$ ...ecnnenn 163 21-8 eldborngfo dos sstrumenios de observagto 163 3.2.As trés operagdes da observacao .. i. 181 4, Panorama dos principais métodos de recolhia das informa- ses 186 4.1.0 inguérito por questionétio 188 42.A entrevista 191 4.3.A observagdo directa 196 4.4.4 recolh de dados preexistentes: didos secundirios ¢ dados documentais o uo + Resumo da quinta etapa 1 Teetetne de aplicagia n° Ti: consenglo da observesa0 205 Sexta excpa [AANALISE DAS INFORMACOES 2u 212 216 Ohbjectivos .. 1. Um exemplo: o fendmeno religioso 2. As trés operagies da andlise das informagies 2.1.A preparagio dos dados: deserever © agregar ag 2.2. anélise dus relagdes entre as varidveis. : 2.3. A comparagiio dos resultados observacos com os result rados © a interpretagao das diferengas ...-. 219 3. Panorama dos principals métodos de andlise das informa- shes 3.1.A analise estatistica dos dados 32.A anilise de contetido... 3.3. Limites e complementarida jplo da field research... 4.4.UUm eonirio de investigagio ni linear 3.5. Bxomplos de investigates que alist os ‘nétodos upresentee dos «. + Resumo da sexta etapa ym. 1 Trabalho de apiieagao no 12: aise das informssios 1s métodos especificos: 0 exem- Stina tape [AS CONCLUSOES, 243 Objectivos 0 1, Retrospectiva das grandes linhas do procedimento 243 2. Novos contributos para os conhecimentos 244 2.1. Novos conhecimentos relativos ao objecto de anélise 24 2.2, Novos conhecimentos teéricos 245 . 247 3. Perspectivas praticas UMA APLICAGAO DO PROCEDIMENTO Objectivos .. 251 1. A pergunta de partida 251 2. A exploragdo 0. se 252 2.1.As leitoras 2.2.As entrevistas exploratérias 3. A problemitica 287 3.1. Fuze © balanyD .senesnonen 237 3.2.Coneeber uma. problemitiea soe 258 4, A construgio do modelo de anilise senses 259 4.1, Modelo e hipdtese: 08 ctitérios de racionalidade 260 4.2. 0s indicadores 261 433.As relagies entre construgio © verifieagao... 262 4.4.A selecgio das unidades de observagio 263 5. A observagiio .. 264 5.1.0 instrumento de ob8etVagf0 wmnnnesnsnn 264 5.2.4 recolha dos dads... 267 6. Aan: 267 61.A MEKIEAO sono 268 6.2.A descrigio dos resultados 268 6.3. andlise das relagBes entre a taxa de presenga e a8 raz6es para ir as aulas.. 210 6.4. compuragio dos resultados observados com os resultados expe- rados a partir da hipétese e 0 exame das diferencas an 7. As conchusies .. oes 24 A hiipotese esquecid .. 215 RecapitulagHo das operages ...cccsemmanersnnenene 217 Bibliografia geral . 281 l Prefacio a 2.° edigdo Nesta 2.* edigo esforgémo-nos por nio alterar a concepedo didéctica da obra. O Manual de Investigagtio em Ciéncias Sociais permanece resolutamente pratico, Foram feitas muitas correcgées ¢ modificagées locais en todas as partes do livro. Algumas foram transformadas de alto a baixo. As principais alteragdes sito as se- guintes: + Primeira etapa: a pergunta de partida — supresséo de algu- mas passagens que podiam conduzir a mal-entendidos © nova redacgiio dos comentarios de determinadas questies (relagdes entre a investigagiio em cigncias sociais e a ética, entre a deserigdo ¢ a compreensito dos fenémenos sociais...); + Terceiva etapa: a problematica — capitulo quase inteira- mente recomposto tendo em conta os contributos de obras recentes sobre os modos de explicagiio dos fenémenos sociais; * Quarta etapa: a construgio do modelo de andlise — refor- mulagdo das dimensdes do conceito de actor social a partir de investigagées recentes; + Sexta etapa: a andlise das informagdes — acrescentos sobre a tipologia, a field research, a complementaridade entre | métodos diferentes ¢ um cendrio de investigagiio nfo li- | near; © Actualizagdo das diferentes bibliografias e integragdo das bibliografias especializadas nas apresentagdes dos métodos Ge recolha e de andlise das informagSes. Estas alteragdes deve muito a vérias pessoas, a quem queria~ ‘mos assegurar © nosso reconhecimento: Monique Tavernier, pela sua ajuda competente ¢ eficaz na preparagdo desta 2." edigao; Michel Hubert, Jean-Marie Lacrosse, Christian Maroy e Jean Nizet, pelas suas criticas © sugosiéea profissionais © amigiveis; Casimiro Marques Balsa, seus colegas da Universidade Nova de Lisboa ¢, em particular, Rui Santos, pelo seu exame pormenoriza- do da obra e pelo acolhimento que The foi dado em Portugal; os muitos professores, estudantes ¢ investigadotes de Franca, Suica, Quedeque, Senegal, Bélgica e de outros pases que nos deram a conhecer as suas reacgies ¢ estimulos. OBJECTIVOS E PROCEDIMENTO 1. OS OBJECTIVOS 1.1. OBJECTIVOS GERAIS A investigagdo em ciéncias sociais segue um procedimento andlogo ao do pesquisador de petrdleo. Nio € perfurando a0 acaso que este encontraré 0 que procura. Pelo contrario, o sucesso de um programa de pesquisa petrolifera depende do procedimento segui- do. Primeiro o estudo dos terrenos, depois a perfuragiio. Este pro cedimento implica a participagdo de numerosas competéncias dife- rentes. Os gedlogos irto determinar as zonas geogrificas onde & maior a probabilidade de encontrar petréleo; os engenheiros irio conceber processos de perfuracio apropriados, que irdo ser aplica- dos pelos técnicos. Nio pode exigir-se ao responsavel do projecto que domine minuciosamente todas as téonicas necessdrias. O seu papel espe- cifico seré o de conceber 0 conjunto do projecto e coordenar as operagdes com 0 maximo de coeréncia e eficdcia. Ei sobre ele que recairé a responsabilidade de levar a bom termo o dispositivo global de investigagao. No que respeita & investigago social, 0 proceso é compardvel. Importa, acima de tudo, que o investigador seja capaz, de conceber € de por em pritica um dispositivo para a elucidagdo do real, isto 6, no seu sentido mais lafo, um método de trabalho. Este nunca se apresentaré como uma simples soma de ténicas que se trataria de aplicar tal e qual se apresentam, mas sim como um percurso global do espitito que exige ser reinventado para cada trabalho. Quando, no decorrer de um trabalho de investigagio social, o seu autor se vé confroniado com problemas graves que comprometem © prosseguimento do project, raramente isso acontece por razdes de ‘ordem estritamente técnica, E possivel aprender variadissimas técni- cas de um modo bastante répido, essim como, de qualquer forma, solicitar a colaboraga0 ou, pelo mers, os conselhos de um especia- lista. Quando um investigador, profissional ou principiante, sente, ces dificuldades no seu trabalho, as mzbes sdo quase sempre de ordem ‘metodol6gica, no sentido que damos 20 termo, Ouvimnos ento expres ‘S6es invariavelmente idénticas: «Ii nfo sei em que ponto esto», ‘tenho a impresséo de j& nem sater o que procuro», «niio fago a minima ideia do que hei-de fazer para continuarn, «tenho muitos dados.,.. mas no sei o que fazer com eles», ou até mesmo, logo de inicio, «vio sei bem por onde comegar. Porém, ¢ paradoxalmente, as numerosas obras que so dizem meto~ dol6gicas nfo se preocupam muito com... o método, no seu sentido mais lato, Longe de contribuirem para formar os seus leitores mum procedimento global de investigacio, apresentam-se frequentemente como exposigies de téenicas particulares, isoladas da reflexio tedrica ‘eda concepgio de conjunto, sem as quais ¢ impossivel justificar a sua escolha ¢ dar-Ihes um sentido, Estas obras t8m, bem entendido, a sua ufilidade para o investigador, mas 96 depois da construgtio metodol6- gica, apés esta ter sido validamente encetada. sta obra foi concebida para gjudar todos os que, no ambito dos seus estudos, das suas responsabilidades profissionais ou sociais, desejem formar-se em investigacio social ou, mais precisamente, empreender com éxito um trabalno de fim de curso ou uma tese, trabalhos, andlises ou investigagtes cujo objectivo seja compreen- der mais profundamente ¢ interpretar mais acertadamente os fené- menos da vida colectiva com que se confrontam ou que, por qual- quer razo, os interpelam. Polos mativos acima expostos, pareccu-nos que esta obra s6 pode ria desempenhar esta fungi se fosse inteiramente concebida como um suporte de formagao metodol6gica, em sentido lato, isto &, como uma formago para conceber e aplicar um dispositivo de clucidago do real. Significa isto que abordaremos mum ordem légica temas como a formulago de um projecto de investigagio, o trabalho exploratorio, a consirugio de um plano de pesquisa ou os critérios para a escotha das técnica de recolha, tratamento e andlise dos dados, Deste modo, cada tum poderd, chegado 0 momento e com pleno conhecimento de causa, fazer sensatamente apelc a um ou a outro dos numerosos métodos ¢ técnicas ee ease em sentido restrito, para elaborar por si mes- ‘mo, a patirdeles, procedimentos de trabalho correcta fads mos apt de mente adapt 41.2, CONCEPCAO DIDACTICA No plano didéctico, esta obra & directamente utilizavel. Isto significa que o leitor que 0 deseje poderd, logo a partir das primet- ras piginas, aplicar a0 seu trabalho as recomendagées que Ihe sero propostas. Apresenta-se, pois, como um manual eujas dife- rentes partes podem se experimentadas, seja por investigadores principiantes isolados, seja em grupo ou na sala de aula, com o enquadramento crtieo de um docente formado em cigncias sociais, No entanto, recomenda-se uma primeira leitura integral antes de ina os bas de epliaso, de modo que a coréncin global procedimento seja bem apreendi Bes seh das de forma Nese, eon Cinventves ee eam am ‘Uma tal ambigio pode parecer uma aposta impossivel: como & Possivel propor um manual metodolégico num campo de investigagio ‘onde, como é sabido, os dispositivos de pesquisa variain consideravel- mente com as investigagdes? Nao existe aqui um enorme risco de impor uma imagem simplista © muito arbitrria da investigagao social? Por vita razes, pensamos que este risco 36 poderia resultar de uma Jeitura extremamente superficial ou parcial deste livro. Embora 0 conteiido desta obra seja directamente aplicavel, nio se apresenta, no entanto, como uma simples colecgao de receitas, mas como uma trama geral ¢ muito aberta, no Ambito da qual (¢ fora da qual!) podem pér-se em pritica os mais variados procedi- mentos coneretos. Se é verdade que contém mumerosas sugestées praticas e exercicios de aplicagéo, nem aquelas nem estes arrasta- Go 0 leitor para uma via metodolégica precisa e imevogivel. Este livro foi inteiramente redigido para ajudar o leitor a conceber por si proprio um processo de trabalho, ¢ néio para the impor um determinado processo a titulo de cAnone universal. Nao se trata, pois, de um «modo de emprego» que implique qualquer aplicagio Precanica das suas diferentes etapas. Propée pontos de referencia tio polivalentes quanto possivel para que cada um possa elaborar com lucider dispositivos metodolégicas proprios em fungzo dos seus objectives. ‘Com este propésito —c trata-se de uma segunda precaugo—. as piginas desta obra convidam constintemente_ a0 recuo xitico, de mrale que’o leitor seja regularmente lovado a reflectir com luck i . A medida que for progredindo. As Teflexdes que propomos ao leitor fundam-se na nossa experiéncia de investigadores em sociologia, de formadores de adultos ¢ de doventes, Sio, portanto, Forgosamente. subjectivas e inacabadas. Partimos do pressuposto de que oletor segun cu segue parafelamente uma forma- Go tebrica © goza da possibilidade de diseutir e ser avaliad por UM Tnvestigador ou ui docente formado em cigncias socials. Veremos, outro lado, no decurso deste obra, onde € como Os TEcUFSOS przticos intervém na elaboragao do dispositive metodol6gico. “Uma investigagio social nfo & pois, uma sucesso de métodos ¢ técnicas estereotipadas que bastaria aplicar tal e qual se apresen- fam, numa ordem imutével. A escolha, a elaboragfo ¢ a_organize: ‘edo dos processos de trabalho variam,com cada investigasao especi- fica, Por isso —e trata-se do uma ferceira precaugdo —. 8 ODF esta Claorada com base em mumercsos exemplos reais. Alguns deles Serko vérias vezes referidos, de modo a realcarem a coeréncia glo- bal de uma investigagéo. Néo constituem ideais a atingir, mas sim balizas, a partir das quais cada um poderd distanciar-se ¢ sitnar-se- Finalmente —iltima preccugio—, este livro apresenta-se, explicitamente, como um manual de formagio Esti construido em fangio de uma ideia de progressio na aprendizagem. Por conse- guinte, compreender-se-@ imediatamente que 0 significado ¢ 0 inte- veese destas diferentes elapas nfo podem ser correotamente avalia- os. se forem retiradas do seu contexto global. Umas sio mais tonieas, outras mais criticas. Algumas ideias, pouco aprofundadas no inicio da obra, so retomadas ¢ desenvolvidas posteriormente outros contextos, Certas passagens contém recomendagdes fun- dementadas; outras apresentarr. simples sugestdes ou um Teque de possibilidades. Nenhuma delas dé, por si 6, uma imagem do dis positivo global, mas cada uma ocupa nele um lugar necesito. 13. «INVESTIGAGAO» EM «CIENCIAS» SOCIAIS? No dominio que aqui nos ocupa uti temente u pa wtilizam-se somos fra inulnos neste ees — a palavnscimestgagion ou scigneia» com uma certa ligeireza Fidos mai ox clay com ua at igre noe Sxios mais ests. , plo, de «investigagao cientifica i sondagens de opinifo, os estudos d bigness ls : , je mercado ou os diagndsticos mai bv pment cs por um eng ou fa nso e investigagdo universiério, Dé-se a entender aos estudantes do pri meiro nivel do ensino superior, e mesmo aos dos tiltimos we ensino secundésio, que as sas alas de mélodos e nics de inves tigagio social os tomario aptos a adoplar um «procedimento cientifi- con e, desde logo, a praduzir um «conhecimento cientfico>, quando, mm verdade, 6 muito cifel, mesmo para um investisador profisions! e.com experigneia, produzir conhecimento verdadei @ faa poms a se disiina an que € que, na melhor das hipdteses, se : se aprende de fact fim dio que €geralnentequlficado como wabalo de inves. lgteo em cia socio? A compreenermelbor os signe Je um acontecimento ou de uma conduta, inteligente- 2 fazer inteligente- mente o pono da sito, eapar com moe porspicfein as ics de Functonamesto dé une ognizagfo, a ees aca mente sobre as implicagdes de uma decisio politi a ic isto politica, ou ainda compreender com mais nitidez como determinadas pes _ ieterminadas dem um problema isivei undamentos das dom um problema mavens dos fendamentos ds Tudo isto merece io isto merece que nos detenhamos ¢ que adquiram formagio; & principalmente a ela que 0 livo & consagrado, Mas raramente se trata de investigagSes que contibuam para fazer pro: apeios qi concep as ics sci os seus modelos de anise ov os seus dspositvs metoolgios, Hata de ests dos anise ov examcs, mis ov menos ber ealzados. console fonnogio © imgyniio do veigador eas pecaubes de aus se ode para ear cao as suas nvstigngbes. Este wabaho Pode ser proviso contribuir muito par Iu dos etoes fais acerca das préticas de que so autores, ou 0 5. ou sobre 05 a cimenios 6 os fenémenat que testemurtam, mas no se Move ithe um estatuto que ndo the 6 aprontiado, 4 hi Esta obra, embora possa apoiar determinados leitores empenha- dos em investigagdes de uma certa envergadura, visa sobretudo ajudar os que t&m ambigbes mais modestas, mas que, pelo menos, gato decididos a estudar os fenémenos sociais com uma preocu- pagio de autenticidade, de compreensdo ¢ de rigor metodol6gico. ‘Em ciéncias sociais temos d> nos proteger de dois dofeitos opostos: um cientismo ingénuo que consiste em crer na possibili- dade de estabelecer verdades definitivas e de adoptar um rigor anélogo ao dos fisicos ou dos bidlogos, ou, inversamente, um copticismo que negaria a propria pussibilidade de conecimento ‘cieatifico. Sabemos simultaneamente mais ¢ menos do que por veres deixamos entender, Os nossos conhecimentos constroem-se ‘com 0 apoio de quadros tedricos ¢ metodolégicos explicitos, len- tamente elaborados, que constituem um campo pelo menos par- cialmonte estruturado, © esses conhecimentos sio apoiados por ago dos factos concretos. ; oe oe squalidades de autenticidade, de curiosidade e de rigor que queremos dar relevo nesta obra. Se utilizamos os termos «in- vestigagion, «investigadom ¢ «ciéncias sociais» para falar tanto dos trabalhos mais modestos como dos mais ambiciosos, é por uma {questo de facilidade, porque nfo vemos outros mais convenientes, mas é também com a consciéneia de que sto frequentemente exces- sivos. 2. O PROCEDIMENTO 2.1, PROBLEMAS DE METODO (0 caos original... ow trés ‘maneiras de comegar mal} No inicio de uma investigagdo ou de um trabalho, o cenéirio é quase sempre idéntico. Sabemcs vagamente que queremos estudar tal ou tal problema — por exemplo, o desenvolvimento da nossa propria regifio, o funcionamento de uma empresa, a introduefio das novas tecnologias na escola, a emigragio ou as actividades de uma associagio que frequentamos —, mas nfo sabemos muito bem como abordar a questo. Desejamos que este trabalho seja ail ¢ resulte em proposigdes concretas, mas temos a sensagio de nos pordermos nele ainda astes de o termos realmente comegado. Bis aproximadamente a forma como comega a maior parte dos traba- Ihos de estudantes, mas também, por vezes, de investigadores, nos dominios que dizem respeito aquilo a que costumamos chamar as «ciéncias sociais. Este caos original no deve ser motivo de inquictag&o; pelo contrario, é a marca de um espirito que nao se alimenta de simplismos ¢ de certezas estabelecidas. problema consiste em sair dele sem demorar demasiado e em fazé-lo em nosso proveito. Para o conseguirmos, vejamos primeito aquilo que nio deve- mos de forma alguma fazer... mas que, infelizmente, fazemos com frequéneia: a fuga para a frente. Esta pode tomar varias formas, ddas quais 86 iremos agu: abordar as mais frequentes: a gula livresca ou estatistica, a «passagem as hipéteses e a énfase que obscurece, Se nos detemos aqui sobre 0 que mio devemos fazer, & por termos visto demasiados estudentes ¢ investigadores principiantes precipi- tarem-se desde o inicio para os piores caminhos. Ao dedicar alguns minutos a ler estas primeiras paginas, o leitor pouparé talvez algu- ‘mas semanas, ou mesmo alguns meses, de trabalho extenuante e, em grande parte, inti a) A gula livresca ou estatis Como o nome indica, a gula livresca ou estatfstica consiste em «encher a cabeca» com: int aande-quanidade de liveo de livros, artigos ‘ou dados numéricos, esperando encontrar ai, ao virar de um paré- rafo ou de uma curva, a luz. que permitira enfim precisar, corree- {mente c de forma satafaténa, 0 objestivo e o tema do tabalho que se deseja efectuar. Esta_afitude conduz invariavelmente ao desalento, dado que a abundancia de informagdes mal_integradas acaba por confundir as ideias Serd entéo necessério voltar atrés, reaprender a reflectir, em vez de devorar, a ler em profundidade poucos textos cuidadosamente escolhidos e a interpretar judiciosamente alguns dados estatisticos patticularmente eloquentes. A fuga para a frente no s6 é inutil, ‘mas também prejudicial, Muitos estudantes abandonam os seus ———————_- °°” projectos de trabalho de fim de curso ou de tese por os terem iniciado desse modo. ; ; & muito mais gratificante ver as coisas de outra forma ¢ consi- derar que, bem compreendida, a lei do menor esforgo € uma regra “eseencial do trubalho de investigacto. Consiste em procurar sempre tomar 0 caminho mais curto e mais simples para o melhor resul- ‘iado.-o que implica, nomeadamente, que nunca se inicie um traba- Tho importante sem antes teflectir sobre o que se procura saber € a. forma de 0 conseguiz. ‘Quem se sentir visado pot estas observagdes no deve descs- perar. Bastar-Ihe-& simplesmente descongestionar 0 oérebro ¢ dese- inaranhar 4 meada de néimeros ou de palavras que o asfixia e impede de funcionar de forma ordeneda e criativa, Pare de acumu- lar sem método informages mal assimiladas e preocupe-se primei- To com 0 seu procedimento. b) A «passagenm» As hipéteses Aqui esti uma outra forma diferente de fuga para a frente. Os jogadores de bridege sabem bem o que € uma «passagem>. Em vyez de jogar primeito 0 &s e assegurar assim a vaza, 0 terceiro jogador tenta ganhar 0 ponfo com a dama, esperando que {quarto no tenha o rei. Se a jogada resultar, 0 jogador ganha 8 -vaza e conserva o 4s. Uma tal anosta niio se _justifica em investi: gacdo, onde € absohitamente necessério assegurar_cada_ponto_¢ realiza® cuidadosamente as primeiras ctapas antes de pensar nas suintes, . eel apassagem» as hipbteses consiste precisamente em precipi- tarse sobre a recolha dos dados antes de ter formulado hipéteses de investigagio — voltaremos adiante a esta no¢fio— ¢ em preo- ccupar-se com a escolha ¢ a aplicacio pratica das técnicas de inves- tigagfio antes mesmo de saber exactamente aquilo que se procura a o que ito servi oo é taro ouvir um estudante declarar que tenciona fazer um snquérito por questionftio junto de uma dada populagio quando no tem nenhuma hipétese de trabalho e, para dizer a verdade, nem sequer sabe 0 que procura,.S6.é possivel escolher uma técnica de, pesquisa quando se tem uma ideia da natureza dos dados a_re- Esta forma de fuga para a frente é corrente, sendo encorajada pela crenga segundo a qual a utilizagao de técnicas de investigagiio consagradas determina o valor intelectual eo carfcter cientifico de um trabalho, Mas que utilidade tem a aplicagdo conecta de técni- cas experimentadas se estas estiverem ao servigo de um projecto vago e mal definido? Outros pensam que basta acumular um m: ximo de informagées sobre um assunto e submeté-las a varias técnicas de andlise estatfstica para descobrir a resposta As snas perguntas. Afundam-se, assim, numa armadilha cujas consequén- cias podem cobri-los ce ridiculo. Por exemplo, num trabalho de. fim de curso um estudante tentava descobrir quais os argumentos mais frequentemente empregues por um conselho de turma para avaliar a capacidade dos estudantes, Tinha gravado todas as discus- sdes dos docentes durente o conselho de turma de fim de ano e, apés ter introduzido tudo num ficheiro de computador, havia-o submetido a um programa de anélise de conteddo altamente sofis- ticado. Os resultados foram inesperados. Segundo o computador, ‘os termos mais empregues para julgar os alunos eram palavras Como 42>, der, ebm... ‘ . sect ou de trabalho: a ambigio desmedida e a mais completa confusio, Umas veres parece estar em causa a reestruturago industrial da sua regiflo; outras, o futuro do ensino; outras ainda 6 nada menos do que o destino do Terceiro Mundo que parece jogar-se nos seus poderosos cérebros. Estas declaragdes de intengdo exprimem-se numa giria, tio oca quanto enfittica, que mal esconde a auséncia de um projecto de ‘nvestigagiio claro ¢ interessante, A. primeira tarefa do orientador deste tipo de trabalho seré ajudar o seu autor a assentar os pés nia terra ¢ a mostrar mais simplicidade e clareza. Para voncer as suas is reti é necessirio pedir-l i defina todas as palavras que emprega e que explique todas as frasos ‘que formula, de modo que rapicamente se dé conta de_que cle ‘proprio nfio percebe nada da sua algaraviada. sta ae ‘pensa que estas consideragdes se the aplicam, esta tomada consigncia, por si, pblo-dino bom camino, dado que uma earac- teristica essencial — ¢ rara — de uma boa investigagio é a autentici- dade. Neste dominio que nos ocupa, mais do que em qualquer outro, nao hi bom trabalho que nfo seja una procura sincera da verdade, Nfio ‘a verdade absoluta, estabelecida de uma vez. por todas pelos dogmas, ‘mas aquela que se repde sempre emi questdo ¢ se aprofunda incessan- Temrentedevido a0 deseo 2 commend com Te ‘mais justeza a reali- dade em que vivemos e para cuja produgao contribuimos. Se, pelo contirio, pensa que mada isto the diz expo, fuss: -se,_mesmo_assim, 0 peaueno favor de explicar_claramente_as palavras e as frases que jA tenha eventualmente redigido sobre um ‘trabalho que in nisl: Pode honestamente afirmar quo se compreende ‘bem a si mesmo € que os seus textos niio contém expressGes imi- tadas e declaragdes ocas © presungosas? So assim é, se possui a autenticidade ¢ © sentido das proporgies, entio, e 86 ento, & pos- sivel que o seu trabalho venha a servir para alguma coisa. "Apés fermos examinado varias maneiras de comegar muito mal, Jvejamos agora como é possivel proceder de forma valida a um trabatho de investigagao e assegurar-Ihe um bom comego, Com a ajuda de esquemas, referiremos primeiro os principios mais impor- antes do procedimento cientifico ¢ apresentaremos as ctapas da sua aplicagio pritica, Fundamentalmente, 0 problema do conhecimento cientifico pée-se da mesma maneira para os fendmenos sociais e para os fendmenos naturais: em ambos os casos ha hipéteses tedricas que devem ser conftontadas com dados de observagio ou de experi- mentago. Toda a investigagio deve, portanto, responder a alguns princfpios estaveis e idénticos, ainda que varios percursos diferen- tes conduzam ao conhecimento cientifico, Um procedimento & uma forma de progredit em direcgo a um objectivo. Expor o procedimento cientifico consiste, portanto, em descrever os prineipios fandamentais a pér em pritica em qualquer trabalho de investigaséo. Os métodos niio so mais do que formalizagSes particularcs do procedimento, percursos diferentes coneebidos para estarem mais adaptados aos fenémenos ou domi- niios estudados. Mas esta adaptagio nfio dispensa a fidelidade do investigador aos princfpios fundamentais do procedimento cientifico. Ao dar mais relevo a0 procedimento do que aos méiodos par- ticulares, a nossa formulagao tem, assim, um aleance geral © pode aplicar-se a todo o tipo de trabalho cientifico em eiéneias sociais, Mas quais sio esses principios fundamentais que toda a investiga- gio deve respeitar? Gaston Bachelard resumiu_o 1ess0_cientifico em _algumas liavras:_€O facto cientifico € conquistado, co vetifi- ca —Conquistado sobre os preconceitos; —Construido pela razio; — Verificado nos factos, A mesma ideia estrutura toda a obra Le métier de sociologue, deP. Bourdieu, J.C, Chamboredon e J. C. Passeron (Paris, Mouton, Bordas, 1968). Nela os autores descrevem o procecimento como Jum processo em trés actos cuja ordem deve ser respeitada, F aquilo @ que chamam dhierarquia dos actos epistemolégicosy. Estes trés actos séo a ruptura, a corstrugao a verificagio (ou experimenta- 80). O objectivo deste manual é 0 de apresentat estes prineipios do procedimento cientifico em ciéncias sociais sob a forma de sete etapas a percorrer, Em cada uma delas so descritas as operagdes empreender para atingir a seguinte ¢ progredir de um acto para if © outro, Ou seja, este manual apresenta-se como uma pega de teatro cléssica, em trés actos e sete conas, O esquema da pagina seguinte mostra a correspondéncia entre a ctapa © os actos do procedimento, Por razées didécticas, os actos © as etapas so apresentados como operages sepatadas ¢ numa ‘ordem sequencial, Na realidade, uma investigacio ci iio mecfnica, pelo que introduzimos no_esquema_circuitos_de etroacelio para simbolizar as interaccdes que realmente existem entre as diferentes fases da inves:igagio. @) Os trés actos do procedimento Para compreender a articulago das etapas de uma investigagtio com 08 trés actos do procedimento cientifico € necessério dizer ptimeiro algumas palavras sobre os principios que estes trés actos encerram e sobre a l6gica que os une. A ruptura Em cigneias sociais, a nossa bagagem supostamente «te6rica» comporta numerosas armadilhas, dado que uma grande parte das nossas ideias se inspiram nas aparéneias imediatas ou em posigdes parciais. Frequentemente, nao mais do que ilusdes preconceitos. Construir sobre tais premissas equivale a consttuir sobre areia, Daf a importincia da ruptura, que consiste precisamente em romper com os preconceitos ¢ as falsas evidéncias, que somente nos dao a ilusdo de compreendermos as coisas, A ruptura & portanto, 0 pri- ‘meiro acto constitutive do procedimento cientifico. A construgio ‘Esta_ruptura_s6 pode ser efzctuada a partir de_um_sistema conceptual organizado, susceptivel de exprimir a lgica que o in- ‘vestigador supde estar na base do fendmeno. E gragas a esta teoria gue ele pode erguer as proposic®es explicativas do fenémeno_@ estudar e prever qual o plano de pesquisa a definir, as operacdes ‘a aplicat e as conseauéncias que logicamente devem esperar-se no AS ETAPAS DO PROCEDIMENTO Etapa 2—~ A exploragio As leituras >) As entrevistas cexploratérias RUPTURA Etapa 3 — A problemética constRugio Elapa 4— A construgio do modelo de andilise == | Etapa 6— A anilise das informagies VERIFICAGAO Btapa 7 ~~ As conclusées termo_da_observaciio. Sem esta construgio te6riea no haveria experimentagao valida. Nao pode haver, em ciéncias sociais, veri- ficacdo fiutuosa sem constracao de um quadro teérico de referén- ‘sia, Nao se submete uma proposigio qualquer ao teste dos factos. As proposigdes devem ser o produto de um trabalho racional, fundamentado na légica e numa bagagem conceptual validamente constituida (J.-M. Berthelot, L'Jntelligence du social, Paris, PU, 1990, p. 39). A verificagao Uma sigdo sé tem direito ao estatuto cientifico na medida ‘designado por verificagio ou experimentago. Corresponde ao ter ceiro acto do processo. 6) As sete etapas do procedimento Os trés actos do procedimento cientifico nfo sio independentes uns dos outros. Pelo contririo, constituem-se mutuamente, Assim, por exemplo, a ruptura nfo se realiza apenas no inicio da investi- gogo; completa-se na e pela construciio. Esta nflo pode, em contra- partida, passar sem as efapas iniciais, principalmente consagradas Eta Por sar tumioy# verifsegio vat buscar o seu valor a, Por seu tumo, a verifizacao vai buscar o seu valor & qualidade da construgio. No desenvolvimento conereto de uma investigago, os trés actos do procedimento cientifico sfio realizados ao longo de uma suces- sio de operagées, que aqui séo reagrupadas em sete etapas, Por sazGes diddcticas, o esquema anterior distingue de forma precisa as etapas umas das outras. No entanto, circuitos de retroacgao lem- brari-nos que estas diferentes etapas esto, na realidade, em perma- nente interacgfio. Nao deixaremos, aliés, de mostré-lo sempre que possivel, uma vez que este manual daré especial relevo ao encadea- mento das operagdes © A légica que as liga, PRIMEIRA ETAPA A PERGUNTA DE PARTIDA AS ETAPAS DO PROCEDIMENTO Etapa 2— A exploragio (| ‘As entrevistas| ures. As leitura ase Etapa 3 — A problemética Etapa 4— A consirucio do modelo de andlise Erapa 5— A observagio Fiapa 6 — A anélise das informacdes Etapa 7 — As conchusbes OBJECTIVOS O primeiro problema que se poe ao investigador é muito sim- plesmente o de saber como comegar bem o seu trepalho, De facto, nao € facil conseguir traduzir 0 que vulgarmente se apresenta como um foco de interesse ou uma preocupagio relativamente vaga num projecto de investigagio operacional. O receio de iniciar mal 0 trabalho pode levar algumas pessoas a andarem as voltas durante bastante (empo, @ procurarem uma seguranga ilusGria numa das formas de fuga para a frente que aborddmos, ou, ainda a renun- ciarem pura e simplesmente 20 projecto. Ao longo desta etapa ‘mostraremos que existe uma outra solugo para este problema do arranque do trabalho. A dificuldade de comegar de forma vilida um trabalho tem, frequentemente, origem numa preocupagao de fazé-lo demasiado bem ¢ de formular desde logo um projecto de investigagiio de forma totalmente satisfatéria, B um erro, Uma investigact definigiio, algo que se procura, E um caminhar para um melhor conhecimento ¢ deve ser aceite como tal, com todas as hesita- 6es,_desvios_e incertezas que isso implica. Muitos vivem esta realidade como uma angistia paralisante; outros, pelo contrétio, reconhecem-na como um fenémeno normal e, numa palavra, esti- mulante. Por conseguinte, o investigador deve obrigar-se a escolher rapi- damente um primeiro fo condutor tio claro quanto possivel, de forma que o seu trabalho possa iniciar-se sem demora ¢ estruti~ rar-se com coeréncia, Pouco importa que este ponto de partida pparega banal € que a reflexio do investigador no lhe parega ainda totalmente madura; pouco importa que, como é provvel, ele mude de perspectiva ao longo do caminho. Este ponto de partida & ape- nas provisério, como um_acampamento-base que os_alpinistas ‘constroem pata prepararem a escalada de um cume e_que ‘abandonaro por outros acampamentos mais avengados até inicia- eee tral Rese ae ‘0 assalto final. Resta saber como deve fer apreseniado este ‘prmeiro fio condutor ¢ que critérios deve preencher para desem- penhar 0 melhor possivel a fungio que dele se espera. E este 0 objecto desta primeira etapa. 1. UMA BOA FORMA DE ACTUAR Por varias razSes que progressivamente se tomardo evidentes, sugerimos a adopgZo de uma formula que a experiéncia revelou ser ‘muito eficaz. Consiste em_procurar eaunciar o projecto de inves- rigacto na forma de uma pergunta de partida, através da_quel © investigador tenta exprimir_o mais exactamente possivel_o que [procura saber, elucidar, compreender melhoc, Para desempenhar correctamente a sua fungdo, este exercicio deve, claro est, ser ‘efectuado segundo algumas regras que adiante serdo especificadas ¢ abundartemente ilustradas. ‘Sem divida, muitos leitores manifestardo desde logo algumas reticéncias em relagdo a urra tal proposta, mas gostariamos que cada um reservasse a sua opinido até ter apreendido bem a natu- reza e 0 alcance exacto do exercicio. | ‘Em primeiro lugar, néo é inatil assinalar que os autores mais ‘conceituados nao hesitam era enunciar os seus projectos de inves- tigago sob a forma de perguntas simples e claras, ainda que, na realidade, essas perguntas tenham subjacente uma s6lida re- flexdo teSrica. Eis trés.exemplos bem conhecidos dos soci6lo- gos: + Adesigualdade de oportunidades em relagao co ensino tem tendéncia ¢ diminuir nas sociedades industricis? 32 Esta pergunta ¢ feita por Raymond Boudon no inicio de uma investigagio cujos resultados foram publicados com o titulo L’Iné- galité des chances: la mobilité scciale dans les sociétés indus- trielles (Paris, Armand Colin, 1973). A esta primeira questio cen- tral acrescenta Raymond Boudon uma outra que tem por objectivo ‘ca incidéncia das desigualdades em relagdo a0 ensino na mobili- dade social». Mas a primeira pergunta citada constitui verdadeira- mente a interrogago de partida do seu trabalho e aquela que Ihe servird de primeiro eixo central. + A luta estudantil (em Franga) é apenas uma agitagdo em que se manifesta a crise da universidade, ou contém em si um movimerto social capaz de lutar em nome de objectivos gerais contra uma dominagéo social? Esta € a pergunta de partida posta por Alain Touraine na inves- tigagdo em que utiliza pela primeire vez 0 seu método de interven- ‘glo sociolégica, cujos relatérios © andlises foram publicados com otitulo Lutte étudiante (com F. Dubet, Z. Hegedus e M. Wieviorka, Paris, Seuil, 1978). + 0 que predispde algumas pessoas a frequentarem os mu- seus, a0 cortrério da grande maioria das que os ndo fre- quentam? Reconstituida segundo os termos dos autores, esta é a pergunta de partida da investigagao efectuada por Pierre Bourdieu ¢ Alain Darbel sobre o piblico dos museus de arte europeus, cujos resul- tados foram publicados com o titulo L'Amour de l'art (Paris, Editions de Minuit, 1969). Se os pilares da investigagdo social impdem a si mesmos o esforgo de precisarem 0 seu projecio de uma forma téo conscien- ciosa, ha que admitir que o investigador, principiante ou j4 com alguma pritica, amador ou profissioral, ocasional ou regular, nao pode dar-se ao luxo de omitir este exercicio, mesmo que as suas pretensdes te6ricas sejam infinitamente mais modestas ¢ 0 seu campo de pesquisa mais restrito. 33

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