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“Este livro focaliza um problema fundamental da sociedade brasi- leira das ultimas décadas. Examina a questéo camponesa em al- guns dos seus aspectos basicos: trabalho e propriedade da terra, organizacao e conscientizacao do trabalhador, reforma agraria, conquista da cidadania pelo trabalhador rural, Faz a histéria das li- gas, conforme se desenvolvem em ambito regional @ nacional. Es- ‘se movimento social surge como uma manifestagao marcante das lutas politicas que se acham em curso no Nordestee _outras partes, do Brasil agrario, Pode-se ver como ele atrai 05 partidos politicos de base urbana, que procuram influencié-lo, Ai desfilam Julido, Ar- raes, Furtado, Goulart, 0 populismo, 0 PC, a Igreja, o Estado. E colocam-se questées tedricas cléssicas: movimento social e parti do politico, classes sociais e lutas de classes, campo e cidade, re- gido e nagao, reforma e revolugao. Sob varios aspectos, a historia das ligas camponesas revela aspectos importantes do Estado na- cional, Pela qualidade intelectual das interpretagdes que apresen- ta, este é um livro fundamental sobre a questéo camponesa no Brasil”, Octavio lanni ‘A Auttora: Elide Rugai Bastos, sociéloga, mestre em Ciéncia Poli- tica pela Universidade de S, Paulo, em 1981. E professora na Ponti- ficia Universidade Catélica de Sao Paulo, onde leciona Sociologia Rural, Dedica-se ao estudo dos movimentos sociais no campo, as- sunto sobre 0 qual tem alguns trabalhos publicados. \ yours ATENDEMOS PELO REEMBOLSO POSTAL 19389 Se a 3 = v 9 2 |: ak soiseg 1e6ny epli3 33151630961 B32 x2 | ELIDE RUGAI BASTOS AS LIGAS CAMPONESAS Ccip-rast, Catalopacto-nafonte sindeato Wachonal dow ‘Bdtores de Liros, Ro son DSRS’ vig Camponesas / lide Ragas Basta, — © 1984, Editora Vozes Lida, SUMARIO Rua Frei Luis, 100 INTRODUGAO, 9 Capitulo 1 — OS “GALILEUS”, 17 35: 25600 Petr6polis, RJ Brasil © “Galileu” ¢ 0 seu Trabalho, 22 80025 75540 Diagramagao Valdecir Mello © “Galileu" € seu Projeto, 32 Conse’ ia de Privagao, 33 Conscigneia da Desigualdade, 36 A Definigéo do Adversério, 38 , Capitulo II — EXPANSAO REGIONAL DO MOVIMENTO tree — 1955-1961, 43 Base Social do Movimento, 49 ‘A Organizagio das “Ligas", 63 Tiiticas de Mobilizagio, 68 lo II — EXPANSAO NACIONAL DO MOVIMENTO — 1961-1963, 77 © Contraprojeto do Adversirio, 85 A Reforma Agriria, 87 © Estatuto do Trabalhador Rural, 89 Colonizagao © Cooperativismo, 93 Capitulo 1V — DESARTICULACAO DAS “LIGAS" E ELABORAGAO DE NOVO PROJETO, 99 Crise Interna, 100 Propostas de Reorganizacao —- O Novo Projeto, 105 Escalada da Repressio, 109 Capitulo V — AS LIGAS CAMPONESAS E O ESTADO NACIONAL, 113 Anexos, 119 Se venta no canaviat estendido sob 0 sol seu tecido inanimado faz-se sensivel lengol, se muda em bandeira viva, de cor verde sobre verde, com estrelas verdes que no verde nascem, se perdem. Nao lembra 0 canavial entiio, as pragas vazias: nao tem, como tém as pedras, disciplina de milicias. E solta sua simetria: como a das ondas na areia. ou as ondas da multidao Jutando na praca cheia. Entdo, é da praga cheia que 0 canavial é a imagem: véem-se as mesmas correntes que se fazem ¢ desfazem, voragens que se desatans, redemoinkos iguais, estrelas iguais équelas que 0 povo na praca faz. © vento no canavial (Fragmento) Joio Cabral de Melo Neto ! INTRODUCGAO Este trabalho nasceu do desafio que representa, para o estudioso de Ciéncias Sociais, principalmente para aqueles que se Preocupam com o mundo agrério, a existéncia, no campo brasileiro, de intimeros movimentos sociais que colocam em questio as condi- Ges de existéncia social dos trabalhadores rurais. Se considerarmos 0 conjunto de tensdes que se desenvol- vem no campo, no Brasil, tanto hoje como ha décadas passadas, percebemos que a luta pela terra ¢, indubitavelmente, a mais im- portante delas. Essa Iuta assume caracteristicas diferentes conforme se desenvolva em dreas de fronteiras ou em éreas mais antigas. Em ambos 0s casos, tem aparecido como uma forma de resisténcia a0 capital, na medida em que, ao se direcionar & posse da terra, di- rige-se diretamente contra o capitalismo, que no seu processo de expansio ao campo subordina a terra as suas necessidades. Por esse motivo, 0 marco tedrico mais geral desta anilise 6 a colocagio da_questio do desenvolvimento do capitalismo no campo, desen- volvimento esse que, no Brasil, tem acontecido sem que a estrutura agrétia seja tocada. Esse processo foi historicamente possfvel na medida em que puderam aliarse os interesses dos setores dominan- tes agrdrios ¢ ndo-agrérios, interesses esses que se expressam poli- ticamente através do bloco industrial-agrério. As Ligas Camponesas, no fim dos anos 50 e infcio dos anos 60, ao lado de outros movi- mentos sociais agrdrios, vém questionar essa alianga e, a0 fazt-lo, conquistam importante espago para as reivindicagSes dos trabalha- dores rur Se considerarmos 0 papel da mobilizagio camponesa do Nordeste por esse dngulo, colocamos uma nova questio para a com preensio do problema do rompimento daquele bloco de poder, que: to de carter geral 2 qual este trabalho pretende fornecer elemen- tos & discussio: qual o papel representado pelo campesinato no pro- cesso de transformagao da sociedade brasileira? Procurou-se, dentro dessa dtica, refletir sobre 0 significado politico das Ligas Campo- nnesas e como, a partir desse movimento, emerge a questo campo- nesa, Mais ainda, como esta entra no debate politico entre 195: © 1964, Buscou-se mostrar que, embora a questo camponesa se constituisse como fundamental naquele periodo, nio abriu, a0 cam- pesinato, espaco politico correspondente & sa importancia na co relagao de forgas entao existentes. Assim, por ter sido a priori ex- cluido do debate politico ou interpretado apenas como aliado pos- sivel, e/ou instrumento de pressio propicio @ deniincia da situagao agritia, o campesinato acaba por nao conseguir levar & frente, parado- xalmente, em nome de uma alianga dos trabalhadores, seu proprio projeto politico de transformagio de suas condigées sociais de exis- téncia Por esse motivo, uma das preocupagdes do trabalho reside nna definigéio do campesinato € seu papel no proceso de desenvol- vimento do capitalismo no campo. Como ji foi assinalado, um dos marcos principais do de- senvolvimento do capitalismo no campo € a erescente subordinacio da terra ao capital, 0 que provoca fendmenos aparentemente versos, mas indicativos de um tinico proceso: expulsio de foreiros, cujas terras sitio ocupadas pela produgdo capitalista; destituigio do “morador” das condigdes que Ihe permitem a producio de seus meios de vida; a extingdo de contratos de parceria; submissio da produgdo do pequeno proprietirio. E, nesse proceso de transfor- ‘magio, 0 capitalismo produz tensGes, manifestas na eclosio de mo- vimentos sociais, que séo expressdes da luta pela terra. Sendo a terra a principal condigao para que o camponés negue ao mercado a venda de sua forga de trabalho, tornase importante captar as formas dessa subordinagio e 0 modo pelo qual se alteram suas condigses de vida e sua insergdo no processo produtivo, para que possamos qualificar essa Tuta. 10 Além da subordinagao crescente da terra, a expansio do capitalismo na agricultura produz e é produto de uma crescente “diferenciagdo do campesinato”. Essa diferenciagio teré como re- sultado, de’ um tado, a concentrago da propriedade dos meios de producao transformados em capital e, de outro, um proceso de expropriagio da maioria da populagao agréria, transformando-a_no contingente de forga de trabalho assalariada subordinada ao capital. Essas transformagdes, que ndo se dio bruscamente, permi- tem a reprodugio de relagdes de produgao nao-capitalistas em de- terminadas dreas ou setores. Assim, 0 desenvolvimento do capitalis- mo no campo, apesar de acarretar radicais. transformag trutura de produgo agréria, nao resultou no desaparecimento do campesinato, isto é, de certas relagdes sociais de produgdo nio-ca- a. Pelo contrério, a produgo camponesa foi recriada. Isto se constitui numa valvula de escape as tensdes sociais decorrentes da inabsorgaio dos excedentes de forca de trabalho cm regides de ‘ccupagio antiga. Doutro lado, em outro momento de sua expansio, © capitalismo precisa destruir esse mesmo campesinato por ele re- criado. Surgem, entio, tensdes que podem traduzir-se em conflitos, expressos em movimentos sociais. sna es Nesse sentido, podemos considerar que, no conjunto das lutas sociais no campo, no Brasil, a mobilizag3o camponesa do Nor- deste dos anos 50-60 assume especial importancia, na medida em que encaminha discussio de temas fundamentais, dos quais os prin- cipais so, sem diivida, o da posse da terra e 0 da destruigéo do campesinato, Essa importincia se evidencia tanto pela radicalizagao da ago das bases do movimento, quanto pela posigao assumida pelas classes dominantes face aos problemas sociais levantados. Pre- cisar 0 papel dos agentes dessa mobilizecdo € também objetivo deste trabalho. Um segundo niicleo de indagagao levantado pelo trabalho diz respeito & questo do significado dos movimentos sociais e da constituigao do projeto politico no processo de transformagdo da sociedade. Os clementos apresentados no decorrer do estudo ‘permi- tem algumas reflexdes sobre a formula crises de Gramsci: serio as tGricas fundamentais determinadas imediatamente pelas cri- ses econdmicas? Em outros termos, serdo es condigdes de real em- Pobrecimento do trabalhador rural — arrendatério, parceiro, pos- seiro, “morador”, assalariado — as causas imediatas da luta? Ou Possibilitardo apenas a criagéo de terreno favordvel a difusdo de

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