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CapiTuLo 8 O Tipo DE InjJusto DoLoso DE AcAo L. Introdugao Os crimes dolosos representam o segmento principal da cri- minalidade: compreendem a violéncia pessoal, patrimonial ¢ sexual ea fraude em geral, que exprimem a imagem estereotipada de crime da psicologia social — as formas de comportamentos imprudentes e omissivos nao impressionam o sentimento popular e, afinal, sto pu- nidos por excecao. O tipo de injusto doloso é estudado nas categorias de tipo ob- jetivo e de tipo subjetivo, introduzidas pelo finalismo na estrutura do fato punivel. Do ponto de vista da génese da a¢ao tipica, esse estudo deveria comegar pelo tipo subjetivo porque o dolo representaa energia psiquica produtora da a¢4o incriminada — portanto, o tipo subjetivo precede funcional e logicamente o tipo objetivo. Contudo, porque o crime manifesta sua existéncia como realidade objetivada, cuja con- figuracao concreta é 0 ponto de partida da pesquisa empirica do fato criminoso, o tipo objetivo constitui a base do processo analitico de (re)construgao do conceito de crime'. ' Ver JAKOBS, Stra; 1969, p. 63. ‘cht, 1993, 7/1, p. 183; também, WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 115 Teoria do Fato Punivel Capitulo 8 II. Tipo objetivo Nos tipos dolosos de resultado, a atribuicao do tipo objetivo pressupée dois momentos essenciais: a causagdo do resultado, explicada pela légica da determinacdo causal, e a imputagdo do resultado, funda- da no critério da realizagao do risco. No tipo objetivo, a reconstrug4o analitica tem por objeto o seguinte: primeiro, determinar a relagao de causalidade entre agao e resultado; segundo, definir 0 resultado como realiza¢éo do risco criado pelo autor — portanto, imputavel ao autor como obra dele’. Nos tipos dolosos de simples atividade, como a viola¢ao de domicilio, por exemplo, a tarefa de atribuicao do tipo objetivo exaure-se na subsungo da agao no tipo legal: nao existe re- sultado exterior determinado pela causalidade. Hoje, nao parece possivel confundir questées de causalidade e€ questées de imputagdo do resultado: a distingao entre causagdo do resultado (processos naturais de determinagao causal) e imputagao do resultado (processos valorativos de atribui¢ao tipica) esta incorporada ao sistema conceitual da dogmatica penal contemporanea. A imputagdo do resultado, fundada no critétio da realizagéo do risco, segue os postu- lados da teoria da elevagao do risco (Risikoerhéhungslehre) de ROXIN?, cada vez mais difundida na moderna literatura juridico-penal como critério de atribuicao do tipo objetivo‘. N, Serafrecht, 1997, § 11, n. 1, p. 291; JAKOBS, Strafrecht, 1993, 7/46, p. 185. > ROXIN, Sirafrecht, 1997, § 11, n. 39-136, p. 310 s.; do mesmo, Gedanken zur Problematik der Zurechnung im Strafrecht, Honig-FS, 1970; Pflichtwidrigkeit und Erfolg bei fahrlassigen Delikten, ZSOW, 74, 1962. “ Ver, entre outros, BURGSTALLER, Das Fabrldssigheitselike im Strafrecht, 1974; OTTO, Grundkurs Strafrecht, 1996, § 6, p. 52 s; RUDOLPHI, Vorhersehbarkeit und Schutzzweck der Norm in der strafrechtlichen Fabrlissigheitlehre, JuS, 1969; SCHUNEMANN, Moderne Tendenzen in der Dogmatik der Fahrlasigheits und Gefilrdungidelikte, JA, 1975; STRATENWERTH, Bemerkungen zum Prinzip der Risikoerhohung, Gallas-FS, 1973; WOLTER, Objektive und personale Zurechnung von 116 Capitulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Agao 1. Causagao do resultado O conceito de causalidade foi abalado pela fisica gudntica, ao demonstrar que a emissao de elétrons no interior do atomo nao é determinada por leis causais, mas por leis estatisticas de natureza pro- babilistica, pondo em xeque o conhecimento cientifico sobre relagées de causa e efeito dos fendmenos naturais, assim como a concep¢4o filos6fica kantiana, pela qual a causalidade nao seria mera determinagao empirica do ser, mas categoria aprioristica do pensamento®. Todavia, a controvérsia sobre leis causais ou probabilisticas da fisica nuclear nao parece reduzir 0 poder explicativo do conceito de causalidade, como categoria filoséfica ¢ cientifica necessdria para compreender os fatos da vida didria®, No Direito Penal, a teoria da equivaléncia das condigées é0 principal método para determinar relag6es causais, mas um segmento da literatura adota a teoria da adequagao, ambas a seguir descritas. 1.1. Teoria da equivaléncia das condigées 1.1.1. Conceitos centrais. A teoria da equivaléncia das condi¢ées’, dominante na literatura e jurisprudéncia contempordneas, pode ser reduzida a dois conceitos centrais: a) todas as condi¢ées determinantes Verhalten, Gefabr und Verletzung in einem funktionalen Straftatsyystem, 1981; FRISCH, Tatbestand smassiges Verhalten und Zurechnung des Erfolgs, 1988; no Brasil, TAVARES, As controversias em torno dos crimes omissivos, 1996, p. 57-59. * Ver a monografia classica de WERNER HEISENBERG, Quantentheorie und Philosophie, 1979, p. 63-64; também, TAVARES, As controvérsias em torno dos crimes omissivos, 1996, p. 15-18 ® Instrutivo, ROXIN, Strafrecht, 1997, § 11, n. 3, p. 292. ’ Fundada por JULIUS GLASER, Abhandlungen aus dem Osterreichischen Strafrecht, 1858 e desenvolvida por MAXIMILIAN VON BURI, Uber Causalitét und deren Verantwortung, 1873. No Brasil, ver a excelente exposicao de TAVARES, Teoria do injusto penal, 2002, p. 256-268. 117 Teoria do Fato Punivel Capitulo 8 de um resultado sao necessdrias— por isso, sto equivalentes no processo causal; b) causa é a condigao que nao pode ser excluida hipoteticamente sem excluir 0 resultado® — ou seja, causa ¢ a conditio sine qua non do resultado ou a condi¢éo sem a qual o resultado nao pode existir: se A entregou a B o veneno para matar C, entao as agdes de A e de B sao causas da morte de C (em fatos dolosos); se um motorista embriagado dirige na contramao e provoca uma colisio, a ingestéo de dlcool deve ser definida como causa do acidente, pois, excluida mentalmente essa condi¢4o, 0 motorista teria dirigido na correta mao de diregdo, e 0 acidente nao teria ocorrido (em fatos imprudentes). 1.1.2. Criticas ao método. A teoria da equivaléncia das condigées sofreu criticas contundentes, mas sobreviveu a todas. Primeiro, o critério da exclusdo hipotética seria excessivo, produzindo um regresso ao infinito: no exemplo referido também seriam definiveis como causas do acidente a vitima, o fabricante ¢ o comerciante do veneno, os pais dos protagonistas etc., porque, excluidas essas condigées, o resultado tam- bém seria excluido’. Segundo, o método conduziria a erro em situagdes de causalidades hipotéticas ou de causalidades alternativas, conforme exemplos histéricos: a) em causalidades hipotéticas, 0 argumento de médicos acusados da morte de doentes mentais, em cumprimento de ordens superiores do regime nazista, de que na hipétese de recusa pessoal de cumprir tais ordens outros médicos as teriam cumprido do mesmo modo, conduziria a conclusées absurdas: excluida a agdo dos médicos acusados, o resultado permaneceria igual pela agao hipotética dos médicos substitutos — logo, o comportamento daqueles nao seria causa do resultado; por outro lado, como a a¢ao hipotética dos mé- dicos substitutos nao teria sido causa de nenhum resultado, a morte das vitimas teria sido sem causa; b) em causalidades alternativas, se A ¢ B adicionam, independentemente um do outro, doses igualmente ® Ver, por todos, KUHL, Strafrechr, 1997, § 4, n. 9, p. 25. > Mais detalhes, ROXIN, Straffecht, 1997, § 11, n. 5, p. 293. No Brasil, ver TAVARES, Teoria do injusto penal, 2002, p. 23. 118 Capitulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ago mortais de veneno na bebida de C, o resultado nao desaparece com a exclusdo alternativa daquelas a¢ées: as doses individuais de veneno teriam eficdcia real e, isoladamente, determinariam o resultado". Terceiro, a teoria seria inuitil para pesquisa da causalidade, porque pressup6e precisamente o que deveria demonstrar: para saber, por exemplo, se o calmante Contergan (ou Talidomida), tomado durante a gravidez, teria causado deformagées no feto, seria intitil excluir hi- poteticamente a ingestao do medicamento, e perguntar se o resultado, entéo, desapareceria; para responder essa pergunta seria preciso saber se o medicamento é causador de deformagées no feto e, se jé existe esse conhecimento, a pergunta seria ociosa: assim, a formula da ex- clusao hipotética parece pressupor o que somente através dela deveria ser pesquisado'’. 1.1.3. Refutagao das criticas. A critica de ser excessiva, originando um regresso ao infinito, ou de ser insuficiente, no caso das causalidades hipotéticas, foram refutadas por SPENDEL” e por WELZEL", ao mostrarem que a teoria trabalha somente com condig6es concretamente realizadas’ — nunca com hipéteses: 0 resultado aparece como produto concreto de condigées reais — ¢ nao de condig6es hipotéticas posstveis ou provdveis, que nao sdo agées reais, nem integram processos histéricos concretos; seja como for, a alteragao de qualquer condi¢ao implicaria mudanga do resultado concreto, que jamais seria igual, como observa SCHLUCHTER’ sobre 0 exemplo de ENGISCH: B utilizaria a arma © Ver ROXIN, Sirafrecht, 1997, § 11, n. 12, p. 296, 1 OXIN, Strafrecht, 197, § 11, n. 11, p. 295-296, que, na drea da causalidade, trabalha com a teoria da equivaléncia; TAVARES, As controvérsias em torno dos crimes omissivos, 1996, p. 53-54 12 SPENDEL, Die Kausalitdtsformel des Bedingungitheorie fur die Handlungsdelikee, 1948, p. 38 13 WELZEL, Das Deutsche Strafiecht, 1969, § 9, p. 44. 1 SPENDEL, Die Kausalitdtsformel des Bedingungstheorie fur die Handlungsdelikte, 1948, p. 38, 'S- SCHLUCHTER, Grundfille zur Lehre von der Kausalitét, 1976, p. 518. 119 Teoria do Fato Punivel Capitulo 8 de A, se nao tivesse utilizado a arma fornecida por C, para agredir D. Por outro lado, a formula aperfeigoada da teoria resolve o problema das causalidades alternativas, como demonstrou também WELZEL": se o resultado nao desaparece com a exclusao alternativa, mas desaparece com a exclusio cumulativa das condi¢ées, entao ambas as condigées si0 causas do resultado. Finalmente, a critica de ser inutil para pesquisa da causalidade € equivocada: para demonstrar se determinado fator pode ser considerado causa concreta de um resultado, é indispensavel prévio conhecimento abstrato da eficdcia causal geral desse fator de- terminado, pressuposto ldgico da formula de pesquisa causal da teoria da equivaléncia, que nao se confunde com pesquisa de propriedades fisicas ou quimicas de elementos naturais. 1.1.4. O critério na lei penal brasileira. Na lei penal brasileira, a formula da excluséo hipotética da condi¢ao para determinar a relacao de causalidade — embora critérios cientificos nao devam ser fixados na lei — esta inscrita no art. 13, CP: Art. 13. O resultado, de que depende a existéncia do crime, somente é imputdvel a quem lhe deu causa. Considera-se causa a agao ou omisséo sem a qual o resultado néo teria ocorrido. A moderna distingao entre causagdo do resultado e imputagao do resultado, correspondente aos processos de determinagao causal e de imputasao pessoal do resultado, além de ajudar a resolver velhos problemas da teoria da equivaléncia das condigées, é inteiramente compativel com a legislacao brasileira, observados os seguintes principios: 1) O resultado é 0 produto real de todos os fatores que o constituem: no limite, aagao do médico que protela a morte inevitavel do paciente écondicao do resultado de morte deste, porque influi na existéncia real © WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, § 9, p. 45. No Brasil, ver TAVARES, Téoria do injusto penal, 2000, p. 211-212. 120 Capitulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Agéo do acontecimento concreto; mas como a causalidade nao € 0 unico critétio de atribuicao do resultado, a mera relacdo de causalidade nao permite atribuir 0 resultado de morte ao médico”. 2) A relagdo de causalidade somente é interrompida por curso causal posterior absolutamente independente, que produz diretamente o re- sultado, anulando ou destruindo os efeitos do curso causal anterior: antes de qualquer acao do veneno colocado por A na comida de B, este morre em acidente de transito ao sair do restaurante ou varado pelo projétil disparado pela arma de C. Essa independéncia do novo curso causal deve ser absoluta, nao basta independéncia relativa: se o acidente ocorre por causa do mal-estar produzido pela acao do veneno, entao aacao de A é fator constitutivo do resultado concreto e, desse modo, causa do resultado. Essa consequéncia decorre da separacao entre cau- sa¢do e imputagao do resultado, que permite admitir, sem necessidade de disfarces ou razées artificiosas, relagdes causais realmente existentes — como € 0 caso das hipéteses da chamada independéncia relativa —, deixando a questéo da atribuicdo do resultado para ser decidida por outros critérios'®. E importante notar que a lei brasileira considera a independéncia relativa do novo curso causal como excludente da imputagao do resultado — e nao como excludente da relagao de cau- salidade, admitindo, portanto, a moderna disting4o entre causagéo e imputagao do resultad Art. 13, § 1°. A superveniéncia de causa relativamente independente exclui a imputagao quando, por si sé, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou. 3) Se aimputacao do resultado depende da definicao como realizagaéo do risco criado, entao pode-se reconhecer relagao de causalidade nas seguintes hipoteses: 7 Parauma anilise abrangente, ROXIN, Strafvecht, 1997, § 11, n. 20, p. 301 “© Instrutivo, ROXIN, Strafrecht, 1997, § 11, n. 29, p. 305. 121 Teoria do Fato Punivel Capitulo 8 a) por encadeamentos anormais ou incomuns de condigées: 1) A fere B, que morre no hospital por causa da anestesia, de erro médico ou intoxicado pela fumaga de incéndio no hospital; 2) A dé um murro em B, que morre ao bater a cabega, fortuitamente, contra o meio-fio do passeio; 3) A produz pequeno ferimento em B, que morre por efeito de condigao preexistente (hemofilia) ou posterior (gangrena, negligéncia da vitima)”; b) por acées dolosas ou imprudentes de terceiros entre a a¢ao ¢ o resul- tad aacao dolosa daquele nao interrompe a relagao de causalidade entre aacao da amante ea morte da esposa, mesmo que aquela desconhega a finalidade do veneno; 2) se o héspede entrega a0 camareiro casaco com revélver no bolso, e este mata o colega de servico ao pressionar, por brincadeira, o gatilho da arma em direcao deste, a aco imprudente do camareiro nao interrompe a relacao de causalidade entre a ago do héspede e a morte da vitima”; ) se o marido mata a mulher com veneno entregue pela amante, c) por mediagao do psiquismo de outrem entre ago ¢ resultado, como indicamas hipéteses de instigacdo ou de leséo patrimonial fraudulenta por erro da vitima, independentemente do ponto de vista sobre determinagao ou liberdade dos atos psiquicos: a possibilidade de outra decis4o, que poderia ter existido, mas que nAo existiu, nao exclui a causalidade porque a decisao concreta é sempre motivada por este ou por aquele fator”’. Essa reformulac¢ao da teoria da equivaléncia das condigées, & luz da disting4o entre causagdo e imputagao do resultado, conduz, na pratica, a solugées semelhantes As da teoria seguida em texto anterior”, mas sob nova linguagem e com argumentos mais convincentes. ROXIN, Strafrecht, 1997, § 11, n. 26, p. 303-304 ?® Mais exemplos, ROXIN, Strafrecht, 1997, § 11, n. 27-28, p. 304. 2 ROXIN, Strafrecht, 1997, § 11, n. 30, p. 305, 2 Ver, por exemplo, CIRINO DOS SANTOS, Teoria do Crime, 1993, p. 31-32, que resolve esses problemas no ambito do dolo, como € préprio do finalismo. 122 Capitulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Acao 1.2. Teoria da adequagao A teoria da adequagdo” considera causa a conduta adequada para produzir o resultado tipico, excluindo condutas que produzem o resultado por acidente. A condicao adequada eleva a possibilidade de produgao do resultado, segundo uma prognose objetiva posterior, do ponto de vista de um observador inteligente colocado antes do fato, com os conhecimentos gerais de um homem informado pertencente ao circulo social do autor, além dos conhecimentos especiais deste: persuadir alguém a uma viagem de avido, que cai no mar pela explosao de uma bomba, nAo constitui condi¢ao ade- quada para a morte da vitima, porque um observador inteligente consideraria esse evento, antes da viagem, como inteiramente im- provavel — exceto se tivesse conhecimento da existéncia da bomba”s. Contudo, se causa é condigéo adequada para produzir o re- sultado tipico, entao a teoria da adequacao pretenderia resolver, simultancamente, questées de causalidade e questées de imputa- sao: afinal, identificar a causa adequada para o resultado tipico é, também, identificar o fundamento da atribuig4o do resultado ao autor, como obra dele. Como nota ROXIN”, a teoria da adequacao seria mais do que uma teoria da causalidade, mas nao constitui, ainda, uma teoria da imputagao tipica. * Fundada por] OHANNES VON KRIES, Die Prinzipien der Warscheinlichkeitsrechnung, 1886, muito influente no Direito Civil; no Direito Penal, seguida por autores importantes, como ENGISCH, Die Kausalitét als Merkmal der strafrechilichen Tatbestiinde, e MAURACHIZIPR, Strafrecht, 1992, § 18, p. 240-263. ™ ROXIN, Straffecht, 1997, § 11, n. 34-35, p. 308-309; WESSELS/BEULKE, Strafrecht, 1998, n. 169, p. 52. 25 Mais detalhes em ROXIN, Strafrecht, 1997, § 11, n. 36-38, p. 309-310 123 Teoria do Fato Punivel Capitulo 8 2. Imputagao (objetiva) do resultado A imputagao do resultado constitui juizo de valoracao realizado em dois niveis, segundo critérios distintos: primeiro, a atribuigao 0b- jetiva do resultado, conforme o critério da realizagao do risco; segundo, a atribuicdo subjetiva do resultado, conforme o critério da realizagao do plano — especialmente relevante em rela¢aéo aos desvios causais”® (cf. Atribuigao subjetiva em desvios causais, adiante). A imputacao odjetiva do resultado consiste na atribuicao do resultado de lesio do bem jurfdico ao autor, como obra dele. A impu- tag4o (objetiva) do resultado é analisada em dois momentos: primeiro, a criagdo de risco para o bem juridico pela ago do autor; segundo, a realizagdo do risco criado pela agéo do autor no resultado de lesio do bem juridico. Em regra, a relacéo de causalidade entre aco e resultado representa realizagao do risco criado pela agao do autor e constitui fun- damento suficiente para atribuir o resultado ao autor, como obra dele; o resultado também € atribuido ao autor na hipétese de desvios causais acidentais que, na verdade, ampliam o tisco de lesio do bem juridico: a) a vitima é langada do alto da ponte para se afogar nas 4guas do rio, mas jé morte ao esfacelar a cabeca no pilar da ponte; b) a vitima néo morte por efeito dos disparos de arma de fogo, mas por infeccdo determinada pela assepsia inadequada dos ferimentos. Nessas hipéteses, o resultado nao é um produto acidental — apenas o desvio é acidental —, mas a realizagio normal do petigo criado pelo autor, definivel como obra dele e, portanto, imputivel””. 2 ROXIN, Strafrecht, 1997, § 11, . 6, p. 365-366 ¢ § 12, n. 144-145, p, 434-435; JAKOBS, Strafiecht, 1993, 7/4a, p. 184, No Brasil, TAVARES, Teoria do injusto penal, 2002, p. 252-254. 2” ROXIN, Strafrecht, 2006, § 11. No Brasil, ver TAVARES, Teoria do injusto penal, 2002, p. 279. 124 Capitulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Agao A imputacdo do resultado como realizagdo de risco criado pelo autor tem a sua contrapartida teérica: se a acao do autor ndo cria risco do resultado, ou se 0 risco criado pela acao do autor ndo se realiza no resultado, entao o resultado nao pode ser imputado ao autor. 2.1. A ago do autor nao cria risco do resultado Ahipotese de auséncia de risco do resultado abrange as situagdes em que a acao do autor ndo cria risco do resultado ou reduz o risco preexistente de resultado, assim exemplificadas: a) a acao do autor do cria risco do resultado: A convence B a passear na praia deserta durante tempestade, na esperanca de que um raio o fulmine: a casual ocorréncia do resultado nao é definivel como risco criado pelo autor, porque acontecimentos casuais estao fora de controle humano — portanto, o resultado nao é atribuivel ao autor como obra dele (embora causalmente relacionado & sua a¢ao)"§; b) a acdo do autor reduz o risco do resultado: B consegue des- viar da cabega para o ombro de A viga que despenca da parede de uma construg4o: a a¢ao do autor reduz o preexistente risco para a vitima — portanto, o resultado também nao pode ser atribuido ao autor como obra dele (embora causalmente relacionado & sua a¢4o) Segundo a literatura, situages de redugdo de risco também podem ser resolvidas no Ambito da antijuridicidade, justificadas pelo estado de necessidade ou pelo consentimento presumido do ofendido, mas esse procedimento pressupée definir como tipicas agées que melhoram a situago do bem juridico protegido, o que parece impréprio. Hi- poteses de redugdo do risco nos limites entre exclusao da atribui¢éo tpica e agao justificada aparecem nas situagées de substituicao de um perigo por outro menos danoso para a vitima: o bombeiro langa a * ROXIN, Strafrecht, 2006, § 11, n. 55-57. 125 Teoria do Fato Punivel Capitulo 8 crianga da janela superior da casa em chamas, ferindo-a gravemente, mas salvando-a de morte certa pelo fogo”. 2.2. O risco criado pela agao n4o se realiza no resultado Se a acao do autor cria risco do resultado, mas o risco criado nao se realiza no resultado, entéo o resultado concreto nao pode ser imputado ao autor (embora exista relagdo de causalidade entre aco € resultado). A literatura distingue duas situagées principais: a) o resultado é produto de determinagao diferente: se A fere B com dolo de homicidio, que morre em incéndio no hospital apés bem sucedida intervengao cirtirgica, entéo o resultado nao pode ser atri- buido ao autor como obra dele, porque o risco criado pela aca ndo se realizou no resultado — afinal, como diz ROXIN, a hipétese contraria indicaria que o ferimento da vitima teria aumentado 0 risco de morte em incéndio, 0 que seria absurdo®; b) 0 resultado é produto de substituigdo de um risco por outro, ou seja, um risco posterior substitui ou desloca o risco anterior: 1) a vitima ferida pelo autor com dolo de homicidio morre com 0 cra- nio esmagado no célebre acidente de transito da ambulancia que o transporta para o hospital; 2) a vitima ferida com dolo de homicidio morte por erro médico na cirurgia (hemorragia por incisdo inadvertida de artéria, administracao de medicamento contraindicado, parada cardiaca determinada pela anestesia etc.); em casos de erro médico, é preciso distinguir: a) se o resultado é produto exclusivo do risco poste- rior, entao é atribufdo ao autor do risco posterior — 0 responsavel pela falha médica, por exemplo; b) se o resultado é produto combinado de ambos os riscos (as lesdes da vitima e a falha médica), ent4o pode ser ® ROXIN, Strafrecht, 2006, § 11, n. 53-57, p. 314-315 »® ROXIN, Strafrecht, 1997, § 11, ns. 39-42, p. 310-312, en. 60, p. 320. 126 Capitulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Agdo atribuido aos respectivos autores, embora sob rubricas diversas: dolo e imprudéncia”. Finalmente, hipéteses de contribuigaéo da vitima para o resultado sao assim resolvidas pela teoria: a) se o resultado é realizacao exclusiva de risco criado pela vitima, entao é atribuivel somente 4 vitima (por exemplo, resultado produzido pela troca despercebida de medicamen- to); b) se o resultado é produto do desenvolvimento do risco criado pelo autor (gangrena do ferimento, por exemplo), entao é atribuivel ao autor — exceto em caso de conduta inteiramente irresponsdvel da vitima (no caso da gangrena, se a vitima recusa socorro médico, apesar da evidéncia dos sintomas). Na hipotese de resultado nao definivel como realizagdo do risco criado pelo autor subsiste a responsabilidade penal por tentativa do resultado. III. Tipo subjetivo O elemento subjetivo geral dos tipos dolosos € 0 dolo, a energia psfquica produtora da a¢4o incriminada®’, que normalmente preenche todo o tipo subjetivo; as vezes aparece, ao lado do dolo, elementos subjetivos especiais, sob a forma de intengées ou de tendéncias especiais ou de atitudes pessoais necessdrias pata precisar a imagem do crime ou para qualificar ou privilegiar certas formas basicas de comportamentos criminosos, que também integram o tipo subjetivo*. O estudo do tipo ® ROXIN, Strafrecht, 1997, § 11, n. 113, p. 348. 2% ROXIN, Strafiecht, 1997, § 11, ns. 115-117, p. 349. 33. MAURACHIZIPE, Srrafrecht I, 1992, n. 51, p. 317 ™ JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Strafrechts, 1996, § 30, I-III, p. 316-321; MAURACHIZIPF, Strafrecht, 1992, § 22, ns. 51-56, p. 317-319; WELZEL, Das 127 Teoria do Fato Punivel Capitulo 8 subjetivo dos crimes dolosos tem por objeto o dolo (elemento subjetivo geral), eas inteng6es, tendéncias ou atitudes pessoais (elementos subjetivos especiais), existentes em conjunto com o dolo em determinados delitos. 1. Dolo O dolo é a vontade consciente de realizar um crime ou — mais tecnicamente — a vontade consciente de realizar 0 tipo objetivo de um crime, também defin{vel como saber e querer em relagao as circuns- tancias de fato do tipo legal. Assim, o dolo é composto de um elemento intelectual (consciéncia, ou representagdo psiquica) e de um elemento volitivo (vontade, ou energia psfquica), como fatores formadores da aco tipica dolosa®. a) Elemento intelectual. O componente intelectual do dolo consiste no conhecimento atual das circunstancias de fato do tipo objetivo, como representa¢do ou percepgao real da a¢ao t{pica: nao basta conhecimento potencial ou capaz de ser atualizado, mas também nio se exige um conhecimento refletido, no sentido de conhecimento verbalizado*’. Esse elemento intelectual do dolo pode ser deduzido da regra sobre o erro de tipo: se 0 erro sobre os elementos objetivos do tipo legal exclui o dolo, entéo o conhecimento das circunstancias objetivas do Deutsche Strafrecht, 1969, § 13, p. 77-80; também, CIRINO DOS SANTOS, Teoria do Crime, 1993, p. 23. % Ver, como representantes da teoria dominante, JESCHECK/WEIGEND, Lehrbuch des Straftechts, 1996, § 29, II 2, p. 293; ROXIN, Strafrecht, 1997, § 12, n. 4 p. 364; WELZEL, Das Deutsche Strafrecht, 1969, § 13, p. 64; WESSELS/BEULKE, Strafrecht, 1998, n. 203, p. 64. 3 ROXIN, Strafrecht, 1997, § 12, n. 111, p. 418; WELZ 1969, § 13, p. 65. , Das Deutsche Serafrecht, 128

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