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Revista de Economia Politica, vol. 10, DOLARIZACAO PIERRE SALAMA 258), abril-junho/ 1990 POSFACIO DE LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA SAO PAULO, EDITORA NOBEL, 1989 Todo o processo de ajustamento externo das nagdes em desenvolvimento acabou por conduzir A redugdo do alcance dos instru: mentos de politica econémica, Isto parece quase Sbvio ¢ passivel de ser verificado nos casos recentes de hiperinflagio ou pré-hipe- rinflaggo em toda a América Latina. O que ndo fica transparente & a trajetdria deste processo, examinado de forma teSrica, qua- se que exclusivamente na éptica dos limites dos instrumentos de intervengéo pdblica. Em particular, no caso brasileiro onde histo- ricamente sempre foi exemplar a capacida- de de formulagéo de politicas piblicas, constata-se, ainda que num processo mais moroso do que nos demais paises em de- senvolvimento afetados pelo ajustamento brutal do balango de pagamentes, uma per- da quase que total ou desfiguragao dos ins- trumentos de politicas piblicas. que tenta mostrar o professor Salama em seu livro Dolarizagao & justamente a co- nexao entre o ajustamento extcrno, a perda de alcance dos instrumentos de politica econémica e o avanco das teses ultralibe- rais como resposta, aparentemente inexord- vel, a todos estes impasses. A idéia de do- larizag&o proposta por Salama refere-se ao proceso que configura a perda da sobera- nia monetéria entendida como forma feno- menal do ajustamento a que se submeterem paises como o Brasil. Perda de soberania monetéria analisada nfo como mais uma generalidade carregada de ideologia, mas como decorréncia, quase que inevitével, do tipo de ajuste realizado, impactando sobre as fungdes da moeda. O impacto da perda de soberania sobre a dinémica produtiva e suas implicagdes com telagéo & consolidagdo da democracia sio examinadas com a visio distanciada que falta a todos que geralmente so reféns de um desgastante acompanhamento conjun- tural. O que dé originalidade a0 tratamento de questdes tao cotidianas a possibilidade de entender que a dolarizagio, vista como proceso de redugdo da soberania moneté- ria, leva, naturalmente, ou melhor, sem que este seja o princfpio que norteia o ajuste- mento implementado, & liberalizagio pro- aressiva dos controles de cémbio nos paises em desenvolvimento, até a liberalizacao total. ‘A experiéncia do Uruguai, da Bolivia, mais recentemente da Argentina com a cria- a0 dos “austrais” conversiveis ¢ lastreados em délar, e possivelmente do Brasil que po- deré conhecer num futuro no muito dis- tante, algum grau de flutuagao do cimbio é um indicative que confere com as anélises do livro em resenha: de um processo de perda de alcance dos instrumentos de poli- tica econémica e de politicas de desenvolvi- mento os paises nesta situago estio a um asso de abrir mao completamente de uma série de instrumentos pablicos num cami- mho sem volta que o tipo de ajustamento externo experimentado tracou. Em outras palavras, a tendéncia a libera- lizagao do cémbio é resultante natural da crise fiscal de um modelo de intervencéo 155 publica que assegurou 0 desenvolvimento em “marcha forcada”, para se referir a0 caso brasileiro, Nao € decorréncia de uma estratégia de politica econémica visando a melhor integrar internacionalmente a eco- nomia nacional em vérias dimensdes. A pergunta que cabe, e que indiret mente € colocada no livro Dolarizagao, seria: em que medida economias como a brasileira e argentina, em processos de pro- funda instabilidade financeira, devem su- cumbir aos argumentos neoliberais ¢ abrir mao, no atual estégio de desenvolvimento em que se encontram, do poderoso instru- mento de politica econémica e de desenvol- vimento que € a politica cambial? Além disso, se em tese a liberalizagio cambial facilita a captagio de recursos externos, ela néo chega propriamente a promové-la, ain- da mais em se fratando de economias desor- ganizadas ¢ estagnadas. Assim, i liberaliza- ‘go do cambio pode estimular ainda mais a “fuga de capitais” e aquilo que o autor qua- lifica de “financeirizagao”, fato que ocorre quando natureza financeira sobredeter- mina a dimensio produtiva, ou também quando as atividades financeiras se redu- zem quase que exclusivamente a mecanis- mos de precaugiio e especulacao dos agentes mais bem posicionados. Tendo o proprio processo de ajustamen- to provocado 0 desgaste dos instrumentos de politica econdmica, o fim do cambio administrado implica néo mais o desgaste destes instrumentos, mas a pura e simples eliminagéo do poder de fogo dos mesmos. Politica monetéria, politica industrial © tec- nolégica, politica tarifaria, entre outras, perdem sentido, H& economias em desen- yolvimento que talvez néo tenham muito a perder, entretanto, no caso de economias como a brasileira, que se industrializaram em “marcha forgada” gracas a utilizagéo de politicas piblicas centralizadores, puxar © tapete do controle de cémbio, na ctenga de que seja este o prego de uma estabili- zaso (alinhamento com os pregos nos EUA) talvez seja uma safda ingénua que destrua grande parte do que se construiu, indepen- dentemente da relagéo custo/beneficio que este processo de industrializaggo tenha pro- porcionado, Uma industrializagio construl- da e financiada por mecanismos que néo mais prevalecem hoje néo autoriza, segundo © autor, a simplesmente se abdicar da busca de “sintonias finas", num ajustamento mais responsavel. Os requerimentos de uma nova ¢ ne- cesséria internacionalizagdo da economia brasileira decerto exigem um maior “are- jamento” e exposigdo internacional de se- tores industriais que operam em condigées oligopolisticas, e, conseqiientemente, algu- ma flexibilidade nos controles de cémbio. Porém, se esta abertura ndo se der estrate- gicamente, podese colocar a perder, em nome da racionalidade fria dos mecanis- mos do cimbio livre, tal como na Argenti- na, parte do que foi construido ainda que em “marcha forcada”. De uma maneira geral, 0 que 0 professor Salama questiona é 0 futuro da interven- 80 do Estado frente & onda neoliberal sub- jacente a0 ajustamento dos anos 80 © os riscos politicos deste proceso. Octavio de Barros Professor do Instituto de Economia da Unicamp IMPACTOS SOCIAIS DA AUTOMACAO: O CASO DO JAPAO HENRIQUE RATTNER SAO PAULO, EDITORA NOBEL, 1988, 122 PP. A viagem realizada pelo professor Henri- que Rattner ao Japo, em 1986, pode ser com- parada, guardadas as devidas proporgées, & Jornada de Marco Polo ao Oriente. Polo 136 trouxe para © Ocidente alguns inventos ¢ conhecimentos orientais que revolucionaram a @strutura tecnol6gica entio vigente, con! rindo novo dinamismo as relagdes econdr cas, politicas e militares entre as nagdes em formacao. Rattner trouxe observagées cientf- ficas e sociais que, em que pesem as gritan- tes diferencas hist6ricas ¢ culturais entre Brasil ¢ Japfo, podem ser aproveitadas por nossos estudiosos, instituigses e governo para melhorar a conflituosa arena das rela- ges entre capital e trabalho, entre os adep- tos da integrago tecnolégica mundial ¢ os defensores do avango tecnolégico autéctone e entre Estado e sociedade. Logo que retornou ao Brasil, 0 incansé- vel pesquisador (que realiza anualmente intimeras conferéncias nacionais ¢ interna- cionais, ministra cursos regulares especiais na USP e outros centros e possui uma pro- dugo intelectual invejével) passou a apre- sentar os resultados de sua viagem através de relatérios ¢ resumos, em salas de aula e seminérios, iniciando um saudével debate que 0 levaria a escrever esta obra. Sua verificago imediata é a de que o avango tecnolégico é inevitével, seja para as nagdes desenvolvidas seja para as nacdes periféricas, seguindo os ciclos econémicos marcados por fases ascendentes ¢ descen- dentes. Esse avango, entretanto, pode ¢

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