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ESTADO DO CEARÁ
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
GABINETE DESEMBARGADORA FRANCISCA ADELINEIDE VIANA

Processo: 0636970-73.2021.8.06.0000 - Habeas Corpus Criminal


Impetrante: W. T. de S.
Pacientes: W. O. da S. , T. D. de C. e S. T. B.

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por FRANCISCA ADELINEIDE VIANA, liberado nos autos em 24/11/2021 às 13:02 .
Impetrado: G. de T. C. da P. G. de J. do E. do C.

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjce.jus.br/esaj, informe o processo 0636970-73.2021.8.06.0000 e código 22A826F.
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
Trata-se dos autos de habeas corpus, com pedido de
concessão de liminar, impetrado por Willer Tomaz de Souza em favor de
Wesley Oliveira da Silva, Thyane Dantas de Carvalho e Sabrina Tavares
Brandão, apontando-se como autoridades coatoras os Promotores de Justiça
integrantes do Grupo de Trabalho Covid-19 da Procuradoria Geral de Justiça
do Estado do Ceará.

Em síntese, o writ objetiva o trancamento de Procedimento


Investigatório Criminal (PIC) conduzido pelas autoridades apontadas como
coatoras para apurar supostas irregularidades em relação à vacinação dos
pacientes contra a Covid-19, alegando-se abuso no exercício da pretensão
executória em razão da atipicidade dos fatos e da ausência de justa causa
para a investigação.

Afirma o impetrante que os fatos em apuração pelo Ministério


Público seriam o de que os pacientes Wesley e Sabrina teriam tomado vacina
em local diverso do que previamente agendado, e Thyane o teria feito sem
agendamento prévio, imputando-lhes a prática dos delitos descritos no arts.
312 e 268 do Código Penal.

Narra que, em audiência, o Parquet propôs aos pacientes


Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) em patamares desproporcionais,
com solicitação de aproximadamente um milhão de reais, a ensejar indevido
constrangimento ilegal, especialmente por se tratar de inquérito que apura
fatos atípicos.

Aduz que a atipicidade advém da “inexistência de tipo próprio


que proíba o cidadão de modificar seu local de vacinação”, assim como da
pretensa conduta de “furar fila”, esta, inclusive, objeto de projeto de lei com
vistas a criminalizá-la. Por outro lado, reputa ausentes as elementares típicas
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do peculato, pois “não há a figura do funcionário público que desvia bem


público”, por se tratarem os pacientes de particulares. Ainda, defende que não
houve infração à medida sanitária preventiva, na medida em que não

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desobedeceram a nenhuma norma destinada a impedir a propagação do
coronavírus, apenas a ato administrativo que organiza os locais de vacinação,
recebendo imunizante destinado à população geral, dentro de suas faixas

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etárias.

Conclui postulando a concessão da ordem liminarmente com


vistas a determinar a suspensão dos procedimentos promovidos em desfavor
dos pacientes (PIC nº 06.2021.00001661 5), sobretudo considerando que,
após a rejeição dos ANPPs, o Ministério Público está na iminência de
promover denúncia. No mérito, requer a confirmação da medida, com o
respectivo trancamento do procedimento investigatório diante da ofensa aos
princípios da legalidade e da tipicidade.

Documentos acostados à inicial às fls. 21/182.

Autos distribuídos por sorteio, consoante termo de fl. 177.

Por despacho de fl. 185 foi deferida a tramitação do feito em


regime de segredo de justiça.

É o sucinto relatório. Decido.

O pedido liminar em habeas corpus é medida desprovida de


previsão legal, tratando-se de uma criação jurisprudencial voltada ao combate
imediato de ato indevido de constrangimento ou ameaça ao direito à liberdade
de locomoção, devendo ser concedido apenas em casos nos quais a urgência,
a necessidade e a relevância da medida se evidenciem de forma incontroversa
na própria impetração e nos elementos de prova a ela colacionados.

Numa análise perfunctória dos fólios, verifico que, embora o


pedido liminar restrinja-se à suspensão de Procedimento Investigatório
Criminal, sua análise está diretamente ligada à apreciação da própria questão
de fundo do habeas corpus, vez que o fundamento a amparar a urgência é o
mesmo que dá suporte ao mérito da impetração, situação que recomenda uma
análise mais detida dos argumentos postos à apreciação, ainda que
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superficialmente.

Senão vejamos.

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De início, é de se registrar que, conforme art. 19, I, “b”, do
RITJCE, compete às Câmaras Criminais processar e julgar habeas corpus

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quando a autoridade coatora for membro do Ministério Público do Estado do
Ceará, exceto quando se tratar do Procurador Geral de Justiça, não sendo
esse o caso.

Por outro lado, no que concerne ao pleito de trancamento


prematuro de inquérito policial, importa salientar que o deferimento de tal
pedido por meio de habeas corpus “é medida excepcional, que somente deve
ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da
conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de
indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito” (STJ, HC
444.293/DF, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em
03/12/2019, DJe 13/12/2019).

Deveras, a singela instauração de procedimento investigatório


para apurar fatos que, em tese, constituam elementos de tipo penal não
caracteriza constrangimento ilegal, especialmente quando sequer ofertada
denúncia em desfavor dos pacientes, não se podendo cercear precocemente o
jus accusationis do Estado, pois, “embora não se admita a instauração de
processos temerários e levianos ou despidos de qualquer sustentáculo
probatório, nessa fase processual deve ser privilegiado o princípio do in dubio
pro societate, [sendo] certo que, para o oferecimento da denúncia, não se
exige prova conclusiva acerca da autoria delitiva, mas apenas indícios desta”
(TJCE, HC 0620099-65.2021.8.06.0000 Relator: FRANCISCO CARNEIRO
LIMA; Órgão julgador: 1ª Câmara Criminal; Data do julgamento: 02/03/2021;
Data de registro: 03/03/2021).

De fato, a avaliação mais acurada e aprofundada dos


elementos indiciários e dos fatos narrados, especialmente em momento tão
precoce, não seria admissível na estreita via do writ, sobretudo porque
significaria o prejulgamento de pedido contido em futura ação de
conhecimento, o que é vedado, já que invadiria, indevidamente, o poder
jurisdicional de outro órgão judicante.
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Doutra banda, é cabível a atuação desta corte quando, no


curso de inquérito policial, os elementos até então colhidos revelem, de plano

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e sem a necessidade de qualquer apreciação probatória, a falta de justa causa
para a continuidade do procedimento investigativo decorrente de flagrante
ilegalidade e abuso de poder.

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Estabelecidas essas premissas, é de se constatar que, na
hipótese em debate, o procedimento combatido iniciou-se pela instauração da
notícia de fato n. 01.2021.00018179-1, conforme termo de fls. 26/28, “a partir
das informações contidas em vídeos que circulam nas redes sociais, os quais
dão conta de possíveis irregularidades na aplicação de vacinas para SARS-
COV-2, popularmente chamado 'novo coronavírus', em Wesley Oliveira Da
Silva e Thyane Dantas de Carvalho”, sendo incluída posteriormente a pessoa
de Sabrina Tavares Brandão, funcionária do cantor.

Empós, o feito foi convertido em Procedimento Investigatório


Criminal (PIC), sob o n. 06.2021.00001661 5, nos moldes da Resolução nº.
181/2017, CNMP, conforme portaria de instauração de fls. 47/50.

Foram ouvidas, no bojo da investigação, as pessoas de: Ana


Paula Brandão da Silva Farias, vereadora do Município de Fortaleza; Danilo
Fernandes da Silva, servidor da SMS, Supervisor da Equipe de Coordenação
da regional de Saúde III; Anna Luíza da Silva Costa, servidora da SMS,
responsável pelo registro das vacinas aplicadas; Luana Barbosa de Sousa,
servidora da SMS, responsável pela aplicação das vacinas aplicadas; e
Erlemus Ponte Soares, servidor da SMS de Fortaleza, todas no dia 12 de
agosto de 2021.

Em 18 de agosto seguinte, foram ouvidos os três pacientes,


além das pessoas de Marcelo da Silva Matos; Maria Aurilene de Melo e Jorge
Luis Alves de Freitas, estes dois últimos servidores públicos da SMS que se
encontravam na função de triagem na data dos fatos.

Foi encaminhada ao PIC cópia integral do procedimento de


sindicância interna (SPU nº P193652/2021), instaurado no âmbito da Prefeitura
de Fortaleza (cf. fls. 111 e ss), o qual, contudo, não se encontra disponível nos
presentes autos.
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Em nova audiência aos 20 de setembro, restaram oitivadas as


pessoas de Elleem Cristina Oliveira da Silva, Jeanine Maria Oliveira e Silva e

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Antonio Carlos Cavalcanti Maia. Ressalte-se que, embora todas as oitivas
tenham sido tomadas em meio digital, não se encontram disponíveis nos
presentes autos ou em consulta pública ao PIC-MP.

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Empós, foi proferido o despacho ministerial (fls. 129/133) em
que o Parquet resume o estado das investigações, expondo os fatos apurados
e, ao final, concluindo pela existência de fortes indícios da prática dos delitos
de peculato (art. 312, CPB) e infração de medida sanitária preventiva (art. 268,
CPB), sendo oportuno colacionar a sua íntegra, in verbis (destaquei)

(...) Conforme amplamente divulgado não apenas pela imprensa, mas


sobretudo por diversas redes sociais, Wesley Oliveira da Silva,
Thyane Dantas Oliveira e Sabrina Tavares Brandão
desrespeitaram normas e condições estabelecidas pela
Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza/CE quanto à ordem
de vacinação e tipo de imunizante relacionados à pandemia do
COVID-19.

De início, foram juntados aos autos dados extraídos do sistema


VACINE JÁ dos três indivíduos acima mencionados (fls. 47/63 e
193/204). Outros documentos e informações fornecidas pela
Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza também foram anexados
aos autos, tais como escala dos funcionários deslocados para
atuarem na vacinação a ser realizada no North Shopping Joquei no
dia 08/07/2021 (fls. 64 e s.s.) e a confirmação da vacinação de
Wesley Oliveira da Silva em local diferente do agendado, bem como a
vacinação de Thyane Dantas Oliveira no mesmo dia e local, sendo
que sequer estava agendada no sistema VACINE JÁ (fls. 82/87).

Quanto a Sabrina Tavares Brandão, à semelhança do que ocorreu


com Wesley, verificou-se que a mesma, em que pese estar agendada
para aquele dia 08/07, foi vacinada em local diverso do programado, a
saber, North Shopping Joquei (fls. 193/204).

Neste ponto, cumpre ressaltar que tanto Wesley como Sabrina


estavam agendados para a vacinação no Centro de Eventos, onde
estava sendo aplicado o imunizante ASTRAZENECA/COVISHIELD.
No entanto, dirigiram-se ao North Shopping Joquei e ali foram
vacinados com outro tipo de imunizante (JANSSEN), em
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circunstâncias absurdamente estranhas e violadoras das normas


pertinentes à vacinação.

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Às fls. 208/209 foram enviadas a este Grupo de Trabalho as imagens
de vídeo relacionadas ao local de vacinação no North Shopping
Joquei, especificamente na manhã do dia 08/07/2021, oportunidade
em que Wesley Oliveira da Silva, Thyane Dantas Oliveira e Sabrina

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Tavares Brandão foram ali vacinados de maneira ilegal, imoral e
criminosa, conforme revelaram as investigações.

Com efeito, após análise detida e atenciosa das imagens enviadas,


bem como dos documentos e depoimentos colhidos nos autos,
percebe-se claramente que Marcelo da Silva Matos (“Marcelo
Tchela”), ex funcionário e amigo de “Wesley Safadão”, ao tomar
ciência da necessidade do cantor, de sua esposa Thyane e da
assessora Sabrina de se vacinarem com imunizante amplamente
aceito no exterior, em especial no México e nos Estados Unidos, onde
o cantor fará shows nos meses de outubro de novembro deste ano,
conforme publicamente anunciado em suas redes sociais, decidiu
intervir nesse processo, de forma a viabilizar a aplicação naqueles da
vacina JANSSEN/ Johnson & Johnson, dose única.

Neste ponto, cumpre ressaltar que a vacina aplicada no Centro de


Eventos no dia 08/07/2021 - local para onde estavam agendados
Wesley e Sabrina - naquele período ainda não era amplamente aceita
no exterior. Tratava-se da ASTRAZENECA/COVISHIELD,
desenvolvida pela Universidade de Oxford em parceria com o
laboratório AstraZeneca, porém importada do Instituto Serum, da
Índia, e entregues pela Fiocruz ao Programa Nacional de Imunizações
(PNI) do Ministério da Saúde (MS). Ainda naquele tempo, a Agência
Europeia de Medicamentos ainda não havia aprovado o imunizante
em razão de ainda não ter sido avaliado, à época, para uso na União
Europeia. No entanto, os países da Europa, aos poucos, vêm
reconhecendo a eficácia da vacina e, por conseqüência, permitindo a
entrada de brasileiros imunizados com a chamada Covishield.

Buscando, porém, garantir a imunização de Wesley, sua esposa


Thyane e a assessora Sabrina com imunizante amplamente aceito no
exterior, em especial a JANSSEN, Marcelo Tchela, considerando a
agenda de shows marcados para o final do segundo semestre de
2021, mobilizou-se para assegurar a vacinação do trio no North
Shopping Joquei, porquanto ali, naquele dia 08/07/2021, estavam
ministrando a dose única da JANSSEN/Johnson & Johnson. Para
tanto, entrou em contato com Elleen Cristina Oliveira da Silva,
sabedor dos contatos e influência que esta mantinha na rede
municipal de saúde do município de Fortaleza.
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Ora, Elleen havia trabalhado para Marcelo na campanha deste para o


cargo de vereador de Fortaleza nas eleições municipais de 2020, daí

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a relação próxima entre ambos. Ademais, Marcelo tinha pleno
conhecimento do bom trânsito político de Ellen: assessora da
Secretaria Municipal de Saúde de Nova Russas/Ce, cuja Prefeita,
Sra. Giordana Mano, é esposa do Dep. Federal Júnior Mano; já

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trabalhou no IPEM juntamente com Jorge Luís Alves de Freitas, onde
também trabalha a esposa deste último e que hoje tem como
superintendente o advogado João Marcelo Ferreira Facundo, que já
foi Diretor Administrativo da Secretaria Executiva Regional III, órgão
ao qual se acha subordinado o Posto de Vacinação situado na praça
de alimentação do North Shopping Joquei, lembrando ainda que João
Marcelo também já exerceu o cargo de assessor parlamentar no
gabinete do Dep. Federal Júnior Mano, acima mencionado.

Uma vez tendo Marcelo Tchela estabelecido contato com Elleen, esta,
por sua vez, acionou a servidora Jeanine Maria Oliveira e Silva, com
atribuições no setor de logística de vacinas da SER III. Jeaninne,
então, ligou para Joge Luís, que naquele dia 08/07/2021 estava em
serviço no Posto de Vacinação do North Shopping Joquei, e o
informou de que ELLEM iria àquele local levando três pessoas para
serem ali vacinadas, a saber, Wesley Oliveira da Silva, Thyane
Dantas e Sabrina Tavares Brandão.

Assim é que, uma vez estabelecida a conexão entre os envolvidos,


Marcelo Tchela se dirigiu ao North Shopping Joquei juntamente com o
trio a ser beneficiado pela vacinação irregular. ELLEEM, no entanto,
chegou antes e permaneceu aguardando a chegada de TCHELA, o
que ocorreu cerca de 25 minutos depois. Neste ponto, cumpre
ressaltar que Marcelo Tchela, de início, se dirigiu para o local onde
estava montado o Posto de Vacinação do North Shoppinh Joquei
acompanhado apenas por Sabrina, ao passo em que Wesley e
Thyane permaneceram no estacionamento do estabelecimento,
dentro do veículo, aguardando o “sinal verde”.

Tchela, ao adentrar na praça de alimentação na companhia de


Sabrina, logo liga para Elleen, que atende, visualiza-o e vai ao seu
encontro. Após breve conversa entre ambos (não captada pelas
imagens - “ponto cego”), Tchela sai apressadamente da praça de
alimentação em direção aos elevadores, dirigindo-se ao
estacionamento do Shopping, chamando o casal Wesley e Thyane,
porquanto havia recebido o já esperado e previamente planejado
“sinal verde”.

Neste ínterim, Sabrina foi encaminhada por Jorge Luís e Danilo


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Fernandes da Silva, este último supervisor daquele Posto de


Vacinação, diretamente para o setor de registro, sem passar pela
triagem e sem conferência de documentos.

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Em seguida, Tchela retorna ao local de vacinação, desta feita na
companhia do casal Wesley e Thyane, os quais foram recebidos por
Elleen e, após, de igual forma encaminhados por Jorge Luís e Danilo

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Fernandes da Silva diretamente para o setor de registro, sem passar
pela triagem e sem conferência de documentos, tendo sido os três,
Wesley Oliveira da Silva, Thyane Dantas Oliveira e Sabrina Tavares
Brandão, irregularmente vacinados naquele momento.

Expostos, em resumo, os fatos tratados nestes autos


investigatórios, não restam dúvidas sobre a existência de fortes
indícios da prática dos delitos de peculato (art. 312, CPB) e
infração de medida sanitária preventiva (art. 268, CPB),
atribuídos a Wesley Oliveira da Silva, Thyane Dantas Oliveira,
Sabrina Tavares Brandão, Marcelo da Silva Matos (“Marcelo
Tchela”), Elleen Cristina Oliveira da Silva, Jeanine Maria Oliveira
e Silva, Jorge Luís Alves de Freitas e Danilo Fernandes da Silva,
cada um na medida de sua culpabilidade.

Os pacientes, então, foram intimados para tomar


conhecimento das imputações e apresentar esclarecimentos por escrito, as
quais não constam, à primeira vista, nos autos.

Em 28 de outubro de 2021 foi realizada audiência com os


pacientes, oportunidade em que lhes foi ofertada proposta de Acordo de Não
Persecução Penal, “consistente no pagamento de Prestação Pecuniária nos
seguintes termos: 360 salários mínimos para o Sr. Wesley Oliveira da Silva;
360 salários mínimos para a Sra. Thyane Dantas Oliveira; e 25 salários
mínimos para a Sra. Sabrina Tavares Brandão”, que restou recusada.

Na ocasião, constou no termo de audiência que fora “levada


em consideração, ainda, a natureza dos fatos ora investigados, cuja tipicidade,
em tese, encontra respaldo nos arts. 268, 312 e 317, par. 2o, do CPB”.

Em consulta pública aos autos do PIC n. 06.2021.00001661-5,


não se verifica outras movimentações relevantes após, havendo informações,
contudo, da existência de audiência agendada para o dia 25 de novembro de
2021 para possibilidade de celebração de ANPP com as pessoas de Marcelo
da Silva Matos, Ellen Cristina Oliveira da Silva, Jeanine Maria Oliveira e Silva,
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Danilo Fernandes da Silva e Jorge Luis Alves de Freitas.

Pois bem.

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Como relatado, em despacho de fls. 129/133, o Ministério
Público manifesta vislumbrar indícios da prática dos delitos de peculato (art.

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312, CPB) e infração de medida sanitária preventiva (art. 268, CPB), e, em
audiência para oferta de ANPP, consignou que os fatos apurados possuíam
moldura típica, em tese, atribuível ainda ao delito previsto no art. 317, par. 2o,
do Código Penal.

Nesse passo, vejamos a redação dada aos tipos penais


apontados pelo legislador pátrio, verbis:

Infração de medida sanitária preventiva

Art. 268 - Infringir determinação do poder público, destinada a impedir


introdução ou propagação de doença contagiosa:

Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se o agente é


funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico,
farmacêutico, dentista ou enfermeiro.

(...)

Peculato

Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou


qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse
em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não


tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para
que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de
facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

(...)
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Corrupção passiva

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Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou
indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas
em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal

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vantagem:

Pena reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em conseqüência da


vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar
qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de


ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou
influência de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Desse modo, entende-se que, à primeira vista, que os fatos em


apuração seriam a participação dos pacientes em peculato-desvio de bem
móvel, no caso, doses de vacina, supostamente praticados por servidores de
ente municipal que tinham acesso às mesmas em razão do cargo em proveito
alheio. Assim, como de corrupção em sua figura privilegiada, pela prática de
ato de ofício com infração de dever funcional, cedendo a pedido (solicitação)
ou por influência de outrem (prestígio ou inspiração).

Ora, da leitura dos tipos penais em questão de logo se verifica


que os tipos penais dos arts. 312 e 317 se inserem no capítulo I do título XI do
Código Penal, ou seja, nos crimes praticados por funcionário público contra a
Administração em geral.

Nessa perspectiva, como bem argumentou o impetrante na


inicial, em relação a esta espécie de delito o sujeito ativo, via de regra, de ser
funcionário público, por se tratar de crime próprio.

Todavia, em tese, o particular poderá ser sujeito ativo do crime


de peculato se, agindo em concurso de pessoas, ficar comprovado que tinha
conhecimento da qualidade funcional do agente.
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Nesse sentido, embora se cuide de crime próprio, como a


qualidade de funcionário público é elementar do delito em questão, comunica-

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se aos coautores estranhos aos quadros do funcionalismo, desde que tenham
ciência da especial condição dos coautores, na forma do art. 30 do Código
Penal.

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Assim, “mesmo tratando-se de crime próprio, nada impede que
um sujeito que não tenha a qualidade de funcionário público (assim
considerado pelo art. 327 do CP) seja por ele responsabilizado, como coautor
ou partícipe” (STF, HC 201860, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Publicação:
18/05/2021, Decisão monocrática).

Não se divisa, assim, manifesta atipicidade em relação ao


delito previsto no art. 312 do Código Penal.

Em relação aos delitos de corrupção, como se sabe, “não há


bilateralidade entre os crimes de corrupção passiva e ativa, uma vez que estão
previstos em tipos penais distintos e autônomos, são independentes e a
comprovação de um deles não pressupõe a do outro.” (STJ, HC
306397/DF,Rel. Ministro Gurgel de Faria, Quinta Turma, Julgado em
24/02/2015,DJE 06/04/2015).

No caso, em se tratando de corrupção ativa em sua figura


privilegiada (art. 317, § 2º, CP), de fato não se entrevê figura típica imputável
aos pacientes, especialmente no presente caso, onde se observa a
inexistência notícia de oferecimento ou promessa de vantagem indevida, mas
supostamente mero pedido.

Nesse esteio, “contrastando este tipo penal do art. 317 com a


descrição típica feita no art. 333, nota-se que existe possibilidade de se
configurar a corrupção passiva, sem que haja a corrupção ativa. Afinal, esta
demanda o oferecimento ou a promessa de vantagem indevida para que o
funcionário faça ou deixe de fazer algo” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código
Penal Comentado. 2019, p. 1.151).

Doutro giro, quanto à infração de medida sanitária preventiva,


a discussão toma contornos mais complexos, por se tratar de norma penal em
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branco. Não obstante, é de se comentar que o tipo penal tem como objeto
medida sanitária destinada a impedir “introdução ou propagação” de doença
contagiosa, sendo relevantes os argumentos apresentados pelo impetrante de

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que as normas administrativas supostamente infringidas (ordem ou local de
vacinação) não possuiriam tal fim.

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjce.jus.br/esaj, informe o processo 0636970-73.2021.8.06.0000 e código 22A826F.
Com efeito, o impetrante trouxe à discussão a existência do
Projeto de Lei n° 25, de 2021, atualmente em tramitação no Senado Federal,
com objetivo de “tipificar as condutas de infração de plano de imunização e de
corrupção em plano de imunização”.

A proposta torna crime a conduta de “infringir a ordem de


prioridade de vacinação ou afrontar, por qualquer meio, a operacionalização de
plano federal, estadual, distrital ou municipal de imunização”, tipo penal que,
em tese, melhor se subsumiria a supostas condutas em apuração nos autos
investigatórios em debate, o que apenas reforça, a priori, o argumento pela
atipicidade da conduta em concreto em relação ao tipo previsto art. 268 do
Código Penal, embora reste induvidoso que afronte a moralidade e a conduta
ética a se esperar de qualquer cidadão, em especial tratando-se de pessoas
com carreira artística e de grande conhecimento da população, cuja vida
pública pode se convolar em modelo de conduta para o público em geral,
como sói se observar nos dias atuais.

Diante de todo o exposto, é certo que a impetração traz em


seu bojo relevantes argumentos, que merecem serem propriamente discutidos,
de forma minuciosa e detalhada, quando do julgamento definitivo e colegiado
da ordem, após a manifestação do Parquet, sendo certo que o provimento
liminar objetivado no caso não é o trancamento do procedimento investigatório
(caso contrário, confundir-se-ia com o próprio mérito da impetração), mas a
suspensão do mesmo, em razão de, não tendo sido aceita a proposta de
ANPP, ser iminente a oferta de denúncia em desfavor dos pacientes.

Tal situação levaria induvidosamente à perda superveniente do


objeto do writ, uma vez que “com o oferecimento da denúncia em desfavor do
paciente, resta superada a questão atinente ao pedido de trancamento do
inquérito formulado nesta instância” (TJCE, HC 0626608-46.2020.8.06.0000,
Rel. Des. Francisco Carneiro Lima, 1ª Câmara Criminal, data do julgamento:
28/07/2020). Por outro lado, a possível retomada do inquérito, após a
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discussão por esta 2ª Câmara Criminal da presente impetração, não traria


qualquer prejuízo à eventual persecução penal pelo órgão acusatório.

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Desse modo, diante da relevância das questões levantadas
pelo impetrante, tenho que prudente deferira medida liminar para,
cautelarmente, suspender a tramitação do Procedimento Investigatório

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjce.jus.br/esaj, informe o processo 0636970-73.2021.8.06.0000 e código 22A826F.
Criminal em relação aos mesmos até a regular apreciação meritória quando do
julgamento colegiado e definitivo da ordem.

Nessa ordem de ideias, tem-se por bem ressaltar que nesta


instância, vigora o princípio da colegialidade, o qual proporciona a discussão
de teses e contraposição de ideias entre os magistrados integrantes do órgão
jurisdicional com o fim de chegar-se a uma conclusão mais qualificada e
adequada acerca das questões postas à apreciação.

Doutro giro, é de se ressaltar que o procedimento


investigatório em curso possui diz respeito também a outros investigados, em
especial funcionários públicos ou colaboradores envolvidos nos fatos e outros
particulares, sendo contrário ao interesse público a paralisação das
investigações, especialmente quando há audiências designadas para tentativa
de celebração de acordos de não persecução penal em relação aos demais
investigados.

Dessa forma, deve se explicitar que a presente medida é


deferida apenas em relação aos ora pacientes, devendo o Parquet tão
somente se eximir de praticar atos persecutórios em relação aos mesmos que,
neste momento processual, inviabilizem a discussão a ser empreendida pelo
órgão colegiado, esvaziando o objeto da impetração.

Ante o exposto, diante da relevância dos argumentos e por


vislumbrar presente o periculum in mora, tenho por bem DEFERIR o pleito
liminar, para determinar a suspensão parcial do PIC n. 06.2021.00001661 5,
ou seja, tão somente no se refere aos pacientes, determinando que as
autoridades impetradas se eximam de praticar atos persecutórios em relação
aos mesmos que inviabilizem a discussão a ser empreendida pelo órgão
colegiado e esvaziem o objeto da presente impetração.

Oficie-se ao Grupo de Trabalho Covid-19 da Procuradoria


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Geral de Justiça do Estado do Ceará, na figura dos Promotores de Justiça dele


integrantes, para que, tomem ciência da presente decisão e apresentem, no
prazo impreterível de 10 (dez) dias, as informações que julgarem necessárias

Este documento é cópia do original, assinado digitalmente por FRANCISCA ADELINEIDE VIANA, liberado nos autos em 24/11/2021 às 13:02 .
para o pleno esclarecimento do objeto da impetração, inclusive franqueando
pleno acesso desta Corte aos autos do procedimento em debate.

Para conferir o original, acesse o site https://esaj.tjce.jus.br/esaj, informe o processo 0636970-73.2021.8.06.0000 e código 22A826F.
Após resposta ao ofício, abra-se vista à Procuradoria-Geral de
Justiça, para a necessária manifestação.

Publique-se. Intime-se.

Expedientes necessários, com urgência.

Fortaleza, data constante no sistema.

FRANCISCA ADELINEIDE VIANA


Relatora

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