You are on page 1of 10
CAMARA DOs DEFUTADOS PARECER Interpretagio do art. 142 da Constituigto Federal Papel das Forgas Armadas num Estado Denocritico ide Direito, Principio constitucional da sepavagdo de Poderes e seu signifieado no equacionamento de confltos entre as autoridades méximas da Repiiblica 1 ideia de “intervencado militar consttucional”: sua ‘nadequagao e inviabilidede & luz do oréenamento ‘constitucional brasileiro. Excelentissimo Senhor Presidente, “Trate-se de consulta acerca da corretaexegese do at. 142 da Constituigdo Federal, bem como suas implicagdes para 0 equacionamento de conflites entre as autoridades méximas da Repiblica, Algumas observagdes preliminares sio importantes paa situaro problema ste ndo é um debate novo no constitucionalismo brasileiro, em especial iante da extensiva paricipagio dos militares na vida politica do pais, notadamente ‘no periodo republicano.E importante registrar que o proprio texto da Constiuigdo Ge 1988 fo forjado em meio tensGes pontuais entre autoridades militares ecivs, como se vin em fins de marga de 1988, quando a Assembleia defini o regime presidencial com mandato de cinco anos', ou is vésperas da votagio em segundo tuo do art. 142. Como recentemente relatado por Felipe Bichiold, 0 General LLednidas Pires Gongalves, entio Ministro do Exército, afirmou que eaberia as Forgas Armadas, entre outras coisas, “defender a sociedade de eventuais agressdes cestrangeiras © do jugo das paixdes internas". A frase gerou desconiorto entre alguns Constituintes e alimentau as desconfiancas dos que se posicionavam de forma critica ao regime militar. texto que restou aprovado pelo Poder Constitute Originrio foi, enim, © que ainda hoje esti vigente, ¢ diz, em seu caput: TA propio, foods is Crna na eral do Bras de 2431988 p.2 (exo) Mig Pepe Reg Cony 4 Ano) e suna J Cros Calo Bax ius "A Mise Gale Stel lone atone ign ‘fap Boca “resto mir geo sro vago da Conscious jem tos iter" “fap wc ade 30 Spr sae Se Argo aged uv X \ CAMARA DOS DEPUTADOS SECRETARA-GERALOA MESA [Ant 142, As Forgas Armadas,constiudas pela Marinha, pelo Bxércitoe pele Acrondutice, so insiuigdes nacionais permanentes e regulars, ‘ongunigadas com base na hierarquia © na disciplina sob a autoridade supreme do Presidente da Repiblia,¢ destinam-se & defesa ca Patria, & {gatantia dos poderesconstitucionise, por inciativa de qualquer deste, ‘alec da ordem 0 receio em tomo desse formulago era compreensivel luz daexperiéneia autortira de mais de duas décadas, entlo recente para os Constituintes, em 1988, (© nov texto consttucional praticamente reproduzia o art. 2° do Esiatuto dos Miltares, 8 vigente desde 1980 (Lei n. 6.880, de 9 de dezembro de 1980) ecoava trechos de dispostivos mais antigos (contidos na Constituigdo de 1967 © ne Emenda Constitucional n. 1, de 1969, por exemple). Ao fazé-lo, porém, abandonava a expressio “seguranga nacional” ao descrever a missio cas Forgas Armadas, ‘Tal receio, contudo, nfo far sentido algum a partir de ura leitura sistemtica do texto Constitucional promulgado em 1988, e nem a parir de uma Anise da pratica institucional ou das decisdes legislativas subsequentes, que Supremo ‘Tribunal Federal, naturalmente. Esta Casa mesmo jé o fez por mais ce uma vez, CAMARA DOS DEPUTADOS ‘em controvérsas sobre temas constitutivos do Poder Legislativo, comoo mandato parlamentar eas prerrogativas insta ele, sem que se tena cogitado en qualquer ‘momento envolver as Forgas Armadas na questio®. Pode-sectiticar 0 Tribunal, que, como toda institugdo politica, estéfadado a errr e, em seu caso, por vezes, exrar por iim. Desobedecer as decisdes do Tribunal, contudo, equvaie a sabotar 8 dinimica institucional adotada pela Consttuigio e abrir caminho para 0 arbitrio «a injustia, essas sim, verdadeiras ameagas liberdade das pessoas. [Nao existe pais democritico do mundo em que o direto tenha deixado as Forgas Armadas a fungio de mediar confitos entre os Poderes Constitucionais ot {de dara dima palavra sobre o significado do texto constitucional”. Por essas razdes, naturalmente 0 artigo 142 da Consttuigdo Federal nto permite “interven¢do militar constitucional", seja em cariter permanente ou ppontual. Interpretar esse dispositive no sentido de conferie As Forgas Armadas 0 poder de sobrepor-se a devisdes de representantes cleitos pelo Povo ou de ‘uaisquer ouiras autoridades constitucionais a pretexto de “restaurar a ordem" ccomsiste em perpetrar verdadeira fraude ao texto consttucional. Implica em tenativa de insrumentalizar a Carta da Republica ede eapturar uma institu de Estado da envergadura das Foreas Armadas por interestes govemamenta passageiros Conctusio: PPor fim, 4 guisa de conclusio, importa fisar que o surgimento de conflitos & aomesmo tempo, naturale inevitvel no regime democrtico, O maisimportante que nfo nos afastemos da Consttuigéo para resolvé-los, mas que sta solugao sitva para fortalecer e amadurecer nossa instituigBes. ‘A Consitugio € uma obra humana. Ela no paraisa histéria ou garante as conguistas enunciadas em seu texto, Quando muito, a ConstituigGo é uma ferramenta para isso. Ela tampouco tem 0 poder de, por si s6, nos livar da violéncia institucional. Mas, certamente, impede que a violéncia institucional busque haurir no direto sua legitimidade, ou, ao menos, que busque fazé-l0 de forma erivel A ate propio vde» Argun de Descunpeient de Peso Fandaetl m1, sda vo Stan Tribal Feral popes de tel de ped mana de Depo Feel em 0 condo ot stens minal ns om lado Vide, sit 8 Ena de Dro {hosts Ato Dic de oconmincinniode 336 "Rept amp lear oto roti cr ds loge itiainsissipesete no nats fs algun a orden rico compe = slr das Foe Amr come tmcnismo J sks de oases ements quasar inaesnt da Cosi or tio Less Fisher. Continonal alguer~ ntpeeonar pla! pres. Pace, Ni — : / % é CAMARA DOS DEPUTADOS ‘Um dette histérico € revelador, a propdsito da polémica sobre» atual art. 142 da Constituigdo Federal. A Consttuigao de 1946, em seu art. 177, também previa, deforma praticamente idéntica ao texto atal, competir as Forgas Armadas “a garantia dos poderes constiucionais, {e da] Iei'e (dJa ordem”. Contudo, se compulsarmos o Ato Institucional n. 1, de 9 de abril de 1964, lavrado porFranciseo Campos e Carlos Medeiros Silva, ou mesmo os documentos do autointitulado “Comando Supremo da Revolugio”, no encontraremos neles qualquer referéncia 1 este dispositivo consitucional como fundamento para a derrubada do governo dde Joio Goulart ou pata a instituigéo do regime que se seguit. O que, inevitavelmente, leva-nos a perguntar se o texto do caput ar. 142 da Canstituicio Federal (que é, em parte a0 menos, muito mais antigo do que a Consituigdo de 1988) seria de fato o problema, ou se o problema seria 8 persisténca de uma interpretagdo que resise o principio basico do constitucionalismo: a limitagdo do poder politico por meio de freiose contrapesos. Em sintese: (I)A Constituigdo de 1988 esté explicitamente comprometida com um sistema de separagio entre o poder civil eo poder militar. A prevaléneia do poder civil sobre 0 poder militar e a insercao plena das Forgas ‘Armadas num ambiente institucional demoeritien foram consolidadas durante ot mais de trinta anos de vigéncia da Constituigdo de 1988 2 partir de virias iniciativas, como a eriagao do Ministério da Defesa e do cargo de Ministro de Estado da Defesa, © 0 cestabelecimento da Politica de Defesa Nacional, da Estratégis Nacional de Defesa ¢ do Livro Branco de Defesa Nacional, formulados com a participagio do Poder Legslativo. 2)O art. 142 da Constituigio mio autoriza a realizagie de uma “intervengZo militar constitucional”, ainda que de earster pontual. Como insliwigdes permanentes ¢ regulares, as forgas amadss se organizam de form independente em relaglo a0 governo e funcionam mesmo em contextos excepeionsis. A “autoridade suprema” do Presidente da Replblica em relagio as forgas armadas signifiea simplesmente que a diregio do Chefe do Poder Executivo nio pode ser contrastada por qualquer autridade militar, o que mais uma vez revela 1 prevaléncia do Poder Civil G) Nenhum dispositive constituctonal e legal faz qualquer referéncia & suposta atribuigdo das Forcas Armadas para o arbitramento de feonflites. entre poderes. No papel de garantia dos poderes cconstitucionais, o Presidente da Repiblica apenas deve, em ato vinculado, atender a requisigio dos Presidentes dos demas poderes, CAMARA 905 DEPUTADOS ‘aso haja ameagas exdgenas, advindas de facgdes ou grupos fora do aparato estatal, que, pelo emprego atval ou iminente de meios violentos, possam colacar em risco, de forma concreta, © regular exercicio das Fungdes constitucionais de cada um dos Poderes da Repiblics (4) Eventuais confitos entre os Poderes devem ser resolvidos pelos mecanismos de freios © contrapesos existentes 0 texto ‘constitucional, a0 estabelecer controles reefprocos entre eles. Sio ‘esses. mecanismes que fomecem os instrumentos necessirios & resolugdo de conflites, tanto em tempos de normalidade como em situagiesextremadas, que ameacem a prépria sobrevivencia do regime

You might also like