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Uma jomatta vaca Uma novela teoldgica Richard P. Belcher Editora Fiel Uma Jornada na Graca Uma novela teoldgica Traduzido do original em inglés: A Journey in Grace A Theological Novel Copyright © Richard P. Belcher Primeira edigdo em portugués — 2002 Todos os direitos reservados. E proibida a reproducao deste livro, no todo ou em parte, sem a permissdo escrita dos Editores. Editora Fiel da Missao Evangélica Literdria Caixa Postal 81 Sao José dos Campos, SP 12201-970 wp ananrone 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19, 20. 21, indice Jovem, vocé é um calvinista? ... Alguém pode me dizer o que é um calvinista? ...... 1 Todos odeiam o calvinismo?.... Todos os calvinistas sao hipercalvinistas? O que é a depravacao total? .... O que significa a eleigdo incondicional?............ 40 O que significa a expiacdo limitada? ...........000+ 45 O que é a graca irresistivel? ..... 50 O que é a perseveranca dos SANOS? «0... 54 Como encontrar tempo para este estudo? 59 Os primeiros batistas eram calvinistas? 64 Ser calvinista hoje é heresia para um batista? 71 Vocé quer casar comigo?....... 17 Vocé sera nosso pastor?. 80 A depravacdo total é biblica? .. 83 A eleigao incondicional é biblica? 88 Por favor, seja 0 nosso pastoi 95, A eleigdo incondicional torna Deus injusto? 99 Vocés nao sabem que este homem é um calvinista?..... 102 Por quem Cristo morreu? ... . 107 Cristo fez ou ndo uma expiagdo pelo pecado?... 22. 23. 24, 25. 26. 27. 28. 29, 30. 31. 32. 33, 34, 35. 36. 37. 38. 39, 40. 41. 42. 43. 44. O calvinismo nega a necessidade de oracdo?.. . 118 O calvinismo é a cura para todos os males da igreja? ... 122 125 Que diferenca faz se eu sou um calvinista? .... .. 129 O vocdbulo "todos" sempre significa "todos" na Biblia? . 134 Cristo é 0 Salvador do mundo?.... Como os batistas cairam em tal desordem?. 141 Cristo provou a morte por todos os homens ou por todas as coisas?. . 146 Deus é realmente soberano nos afazeres di vida? ..... Vocé pregard no culto finebre dele? Onde ele esta obtendo estas idéias: Como 2 Pedro 3.9 se harmoniza com a expiacdo limitada? Onde encontrarei um calvinista equilibrado? Como 2 Pedro 2.1 se harmoniza com a expiacdo limitada? Vocé é um verdadeiro calvinista O que é a graca irresistivel? .. Vocé se lembra de miml......... Vocé me ajudara? A graca de Deus € irresistivel? . O que é a perseveranca dos santos? A doutrina da perseveranca dos santos é biblica? . Moga, vocé é calvinistaP Vocé pode responder estas perguntas? . Vocé recebe esta mulher...? ... 1 Jovem, vocé é um calvinista? jo dia 15 de outubro de 1970, deparei-me com a pers- pectiva de realizar um sonho de dois anos: a possi- bilidade de me tornar um pastor em poucos dias. O que estava acontecendo nao era que uma igreja ja me havia chamado para assumir seu pastorado, nem mesmo que eu havia pregado um sermao de avaliagado. Mas uma igreja que estava sem pastor havia entrado em contato comigo e desejava que conversassemos sobre a possibilidade de que eu me tornasse seu proximo pastor. Em certo sentido, a igreja nado era grande — apenas cinquenta ou sessenta pessoas freqtientavam a Escola Dominical, aos domingos pela manha. O salario (embora eu nao soubesse o montante, na ocasido) certamente nao era algo a respeito do que eu deva escrever. A igreja nao se localizava em uma grande cidade, tampouco em uma cidade de Area rural importante. Era uma igreja do interior, localizada no meio de quase nada, assistida por pessoas simples, de condicées e habitos humildes. Estes fatos nado inquietaram um jovem pregador que era um estudante de teologia, cursando o segundo ano, na Faculdade Batista de sua cidade. Eu havia pregado talvez apenas umas doze vezes, desde que me convertera, quando ainda era um adolescente e cursava o ensino médio. O pensamento de pregar toda semana, de ter a minha propria 6 Uma Jornapa NA GRACA igreja, meu proprio povo e meu préprio pulpito era quase irresistivel. Muitas dessas igrejas de areas rurais, dentro de um raio de cem quilémetros, dependiam da Faculdade Batista de nossa cidade para suprir-lhes pastores e pregadores ao longo dos anos de estudo dos jovens. Este arranjo nao so- mente supria a necessidade das igrejas, mas também for- necia dinheiro para jovens que procuravam custear sua educagao e alguma experiéncia pratica no processo educa- cional. Vocé pode imaginar minha alegria e meu entusiasmo, quando uma dessas igrejas me contatou, desejando uma entrevista, para determinar se eu seria um possivel can- didato para ser o novo pastor deles. A data da entrevista foi estabelecida em 15 de outubro de 1970, uma semana depois de eles haverem conversado comigo por telefone. Pareceu interminavel aquela semana entre a chamada telef6nica e a conversa face a face — aquele dia nao chegaria? Eu pensava assim nao porque nada tivesse para ocupar meus pensamentos; tinha sim! Desejando causar a melhor impressao possivel ao “comité de entrevistas”, procurci antecipar todos os aspectos ou diregdes que o encontro vin- douro poderia tomar. O que eles me perguntariam sobre doutrina? Tentei ampliar meus conhecimentos mediante a leitura de um livro sobre a doutrina batista, procurando até memorizar alguns versiculos-chaves em cada area doutrinaria. Naquilo que eles me perguntassem, decidi que minha voz soaria com autoridade, teria uma postura confiante e seria rapido em apresentar a resposta. Nao entraria em assuntos que eu sabia seriam controversos ou que eu poderia considerar como minha area de fraqueza. O que eles me perguntariam sobre a denominagao? Eu nao era um batista auténtico, nem tivera um pai que houvesse sido um pregador ou um diacono batista. Eu nao tinha qualquer prémio por freqténcia perfeita A Escola Biblica Dominical; tampouco possuia certificados de Escola Biblica de Férias para apresentar-lhes, nem quaisquer troféus ou prémios conquistados para mostrar-lhes, nada... Antes de minha conversao, durante o ensino médio, eu nao era nada. Talvez isso despertaria da parte deles mais simpatia e mais compreensdo do que se eu fosse algum Jovem, vocé é um calvinista? 7 inimigo da denominacao. Conclui que eu nao somente deveria mostrar-me confiante e portar-me com autoridade, mas que também deveria ser humilde e ensinavel, se surgissem assuntos da vida denominacional. Fiz algum esforco para ocultar minha ignorancia neste assunto — li uma pequena histéria da denominagcao e procurei recordar alguns homens, datas e acontecimentos importantes. Sera que me perguntariam sobre uma esposa? Eu nem tinha esposa, nem estava realmente pensando em uma esposa. Eu lhes diria que nao seria contrario a este assunto, se uma moca aparecesse em meu caminho. Assim, com muito cuidado, eu me preparei para a hora daquela entrevista. Finalmente, o dia chegou! Viajei quase sessenta quilometros desde 0 campus da faculdade até a area rural onde estava a igreja, planejando chegar bem antes da hora agendada e mesmo antecipando qualquer possivel emergéncia em meu carro de oito anos. Nao seria bom chegar atrasado para aquele momento importante da hist6ria. Eu quase nao observei o declinar do dia e o romper da noite, enquanto seguia meu caminho por aquela estrada cheia de curvas. Aquela era uma noite comum para qualquer outra pessoa das que residiam a margem da estrada, quando as familias chegavam em casa, vindas de seu trabalho diario, assentavam-se a mesa para jantar e se levantavam para assistir televisdo, 4 noite. Para mim, porém, aquele era o dia de minha vida! Considerando assim, o que aconteceria nas préximas horas poderia significar uma diferenga entre eu ter uma igreja para pas- torear e continuar sendo um “jovem pregador”. Continuei a aprofundar em minha mente este pensamento: tenho de ser confiante e mostrar autoridade, quando eles me perguntarem algo, mas também tenho de ser humilde e en- sinavel. O comité de entrevista era composto de seis membros — quatro homens e duas mulheres. Eles se mostraram extremamente amaveis e pareciam mais ansiosos do que eu mesmo, as vezes, parecia ser. Talvez eles néo sabiam mais do que eu mesmo a respeito do que estavam fazendo. Isso me confortou e intensificou minha determinacdo de ser confiante e portar-me com autoridade. 8 Usa JoRNADA WA GRACA Eles comecaram perguntando-me sobre minha vida anterior e minha conversdo. Respondi como um vencedor, enquanto lhes dizia que nao tivera o privilégio de ser criado em um lar evangélico ou batista e que, ao invés disso, havia crescido em uma familia perdida. Contei-lhes em detalhes a minha experiéncia de salvacéo, bem confiante de poder falar a respeito deste acontecimento. Eles se comoveram, e pude observar lagrimas nos olhos de uma das senhoras do comité. Contei-lhes a verdade, com sinceridade e fervor. Sem que eles me perguntassem, continuei falando-lhes sobre aqueles que eu havia ganhado para Cristo, desde a minha conversao. Eles pareceram regozijar-se muito comigo. Estavamos em um grande comego! Eu desejava que o resto da entrevista continuasse tao bem. Em seguida, eles me perguntaram sobre doutrina; descobri que meu estudo me recompensou esplendi- damente. Vocé cré na Biblia? “Sim”, eu respondi, citando completamente 2 Timoteo 3.16-4.4. Vocé cré na salvagao exclusivamente pela fé? “Absolutamente”, afirmei, citando novamente as Escrituras e acrescentando: “Em grande parte, esta é a razdo por que me tornei um batista”. Con- tinuamos conversando sobre diversos assuntos, tais como o batismo, a ceia do Senhor, a segunda vinda de Cristo. As minhas respostas pareceram satisfazé-los; a minha confiancga e a minha autoridade cresceram. Depois de terminarmos as perguntas sobre doutrina, senti-me muito confiante, quando, conforme eu havia antecipado, eles me perguntaram a respeito da denomi- nagao. Eu confiava nos programas da denominacao? Estava comprometido com o programa missionario da denomi- nacgao? Novamente, a leitura do livro fez a sua parte, e fui capaz de citar alguns nomes, datas e acontecimentos que nem mesmo eles sabiam. Novamente, a minha confianca aumentou! Por fim, chegamos naquele ponto em que pensei a en- trevista acabaria. Eu havia respondido com habilidade e quietude cada pergunta. Minha confianga e autoridade cres- ceram a cada resposta. Apesar disso, eu mantive uma atitude de humildade em toda a entrevista. Eu me com- portara exatamente como havia planejado. Parecia que ja havia marcado o gol da vitoria, quando o moderador indagou Jovem, vocé é um calvinista? 9 se eles tinham qualquer outra pergunta que desejavam fazer-me; houve um longo periodo de siléncio. Eu estava esperando que ele convidaria os demais a declararem o fim da reuniao, quando repentinamente um dos homens le- vantou a sua voz. Ele tinham permanecido calado, escu- tando, enquanto os outros participavam da entrevista. Ago- ra, ele tinha uma pergunta a fazer ao “jovem pregador”, expressao que ele proferiu com o que parecia um olhar de sarcasmo e insignificancia. “Jovem”, perguntou ele, “vocé é um calvinista?” Ele me pegou completamente desprotegido. Eu nao sabia o que era um calvinista; nunca havia escutado esta palavra. Pelo tom da voz e do espirito abrasivo daquele ho- mem, eu poderia dizer que ele nao era um calvinista (o que quer que isto significasse) e que isto tinha de ser algo repugnante — “alguma coisa” que a igreja nunca deveria chamar para ser seu pastor. Logo percebi que tinha um problema. Eu queria dizer- lhes que nao era um calvinista, pois obviamente esta era a resposta desejada. Mas como poderia dizer-Ihes que nao era algo que eu nem mesmo sabia definir? Se eu admitisse que nao sabia o que era um calvinista, eles pensariam que estava doutrinariamente mal informado para ser o pastor deles? Pela aparéncia dos rostos deles, enquanto esperavam minha resposta, estava claro para mim que “calvinismo” (nao importando o que isto significava) havia causado algum transtorno ou problema para a igreja deles, em algum tempo passado. Talvez tivesse sido um grande problema e, agora, eles estavam procurando alguém com muito conhecimento do assunto, para conduzir a igreja na diregao correta. Eles chamariam um homem que desconhecia totalmente aquele assunto que havia causado a maior divisao na comunhao de sua igreja? Suponha que eu dissesse “nao” a pergunta, e eles quisessem discutir mais o assunto, isto me forcaria a trair nado somente a minha ignorancia, mas também meu erro em responder a pergunta. Tinha de decidir imediatamente. Resolvi seguir meu plano inicial de responder com confianga e autoridade. Com temor e hesitagdo intima, mas com um ar exterior de uma pessoa experiente no assunto, eu respondi: “Nao, senhor, absolutamente nao! Eu nao encontro nenhuma autorida- 10 Uma Jornada NA GRACA de nas Escrituras para alguém ser um calvinistal!” A resposta pareceu satisfazé-los e, assim, o momento de tensAo foi quebrado por minha resposta. Todos nés rela- xamos novamente. E, diplomaticamente, declarei que tinha uma agenda de tarefas me esperando de volta na faculdade. Eles me agradeceram por ter separado um tempo de meus estudos para ir 4 entrevista; nés oramos, e eu retornei a faculdade. Surpreendentemente, enquanto eu fazia minha viagem de volta, dirigindo por aquelas estradas sinuosas, na es- curidao da noite, minha mente no estava centralizada no pensamento de que eles me convidariam ou nao para ser 0 pastor. Meus pensamentos se focalizaram na pergunta: “Jovem, vocé € um calvinista?”, conservando-me na me- ditagéo de minha resposta, na qual eu havia declarado: “Nao, senhor, absolutamente n4o! Eu nao encontro nenhu- ma autoridade nas Escrituras para alguém ser um cal- vinistal” Teria eu mentido para o comité? A minha resposta negativa era correta, eu raciocinei. Como eu podia ser aquilo que eu nao conseguia definir no momento? A minha resposta de nao achar autoridade nas Escrituras para alguém ser um calvinista também era correta. Eu nao conhecia nada nas Escrituras que autorizasse alguém a ser um calvinista. Mas, por outro lado, eu poderia ser um calvinista e nao o sabia? Se isto era verdade, entdo, eu havia mentido. E, talvez, encontraria nas Escrituras bases que tornariam alguém um calvinista, mas eu simplesmente néo o sabia, porque na realidade eu nao sabia o que significava ser um calvinista. Enquanto 0 meu Valiant 62 penetrava na noite, deter- minei em meu coragéo que encontraria a resposta para aquela pergunta: “Jovem, vocé € um calvinista?” Na proxima vez que alguém me perguntasse, eu estaria pronto para respondé-la, 2 Alguém pode me dizer o que é um calvinista? ( om ardente determinacao, cheguei de volta ao campus naquela noite de 15 de outubro de 1970. Enquanto dirigia pela escuridao, decidi que comecaria minha investigacao antes de ir para cama, naquela noite. Pensei que o dormitorio da faculdade estava cheio de “jovens pregadores” batistas. Com certeza, ali haveria pelo menos um que sabia o que é um calvinista. Procuraria aqueles que estavam mais préximos de mim e lhes faria a mesma pergunta que me fizera o carrancudo membro do comité — “Voce é um calvinista?” E logico que minha investigacao deveria comecar com Todd Shelton, meu colega de quarto. Falando o minimo, ele era um individuo excéntrico! Ele era alguns anos mais velho do que eu e havia (conforme ele mesmo gostava de contar) sido um esbanjador antes de sua conversdo. Todd era um pregador muito procurado, talvez por causa de suas historias a respeito de sua vida antes da convers4o; suas historias impressionavam muito as pessoas, especialmente os jovens. Todd também se interessava pelas mogas, 0 que as vezes me inquietava. Nunca esquecerei a noite em que ele pediu emprestado 0 meu carro para um encontro, Co- 12 UMA JORNADA WA GRACA nhecendo a sua reputacao e seus habitos, emprestei-lhe o carro na condicgao de que ele nao ficasse no Parque Lakeview, o lugar dos enamorados. Penso que eu realmente nao deveria ter me sentido surpreso, quando, por volta das dez e meia daquela noite, alguns rapazes do dormitorio me procuraram, batendo na porta, rindo e falando alto que me haviam apanhado no Parque Lakeview e que eu havia corrido, quando eles se aproximaram do meu carro. Daquela experiéncia, aprendi que a palavra de Todd nao era muito firme; também lhe dei uma boa repreensao, quando ele trouxe de volta meu carro, por haver quebrado a sua palavra e injuriado a minha reputagao. No entanto, ele me deu apenas seu sorriso largo de rapazinho do interior e nado admitiu que estivera no parque. Quando entrei em nosso quarto naquela noite, pro- penso a fazer-lhe minha pergunta, ele estava deitado na cama inferior do beliche, lendo uma revista de historia em quadrinhos. Este era seu passatempo favorito, ao qual preferia antes mesmo da leitura da Biblia e das tarefas de casa. Ele me olhou com seu sorriso largo e transparente, dizendo-me: “Ola!” e retornando, em seguida, a sua leitura. Depois de retirar meu casaco e pendura-lo no guarda-roupa, eu disse: “Todd, quero fazer-Ihe uma pergunta’”. “Isto parece sério!”, ele respondeu, talvez admirado pensando que eu iria reprova-lo novamente. Eu nao conhecia outra maneira de obter aquela resposta e realmente desejava entender aquele assunto; por isso, perguntei grosseiramente: “Todd, vocé é um calvinista?” “Eu, nao!” — ele me respondeu imediata e confi- antemente. Pensando que provavelmente ele estava blefando, tal como eu o fizera antes para o comité, perguntei mais: “O que é um calvinista?” Percebi que aquele poderia ser o momento em que eu receberia uma resposta fraudulenta, pois este era o estilo de Todd — saber tudo a respeito de tudo que cle mesmo nao sabia. Reconhecendo o quanto esta caracteristica de Todd me irritara as vezes, fiquei envergonhado de utilizar essa mesma atitude diante do comité de avaliagao, quando me perguntaram a respeito do calvinismo. Sem pensar por um momento e quase nao retirando Alguém pode me dizer o que é um calvinista? 13 seus olhos da revista em quadrinhos, Todd respondeu que um calvinista era um presbiteriano, porque este nome viera de Joao Calvino, o fundador da denominagao presbiteriana. Quando eu perguntei: “Porque muitos créem que o calvinista pode ser tao ofensivo aos batistas?”, Todd me assegurou que isto se devia ao fato de que os presbiterianos acreditam no batismo infantil, assim como os catélicos romanos. “Isto é tudo?”, eu perguntei, sentindo que tinha de haver algo mais e nao muito convicto de que Todd estava lidando honestamente comigo. “Isto é tudo”, ele respondeu. Tenho de admitir que me senti melhor no que se referia a minha entrevista com o comité da igreja; se Todd estava certo, eu havia respondido a pergunta deles sobre o batismo utilizando o ponto de vista batista sobre este assunto. Mas, se o batismo infantil era o ponto crucial do calvinismo, por que este assunto foi levantado na reunido? Antes daquela pergunta sobre o calvinismo, eu ja havia examinado com cuidado e profundidade o ponto de vista dos batistas a respeito do batismo. Por causa disso, em meu intimo, suspeitava que havia mais coisas envolvidas neste assunto, especialmente a luz do que eu sabia a respeito de Todd. Decidi percorrer o corredor do dormitério e verificar se alguém tinha algo mais a oferecer-me sobre o assunto. Quando sai ao corredor, para comecar minha in- vestigacao com outros jovens tedlogos, quase me choquei com Marvin Simpson. Com educacao, eu lhe perguntei: “Marvin, vocé tem um minuto disponivel? “Certamente, Ira. O que vocé deseja?” — ele me respondeu. Marvin era um rapaz excelente! Ele era espiritual; e, provavelmente, era considerado por muitos como o crente mais espiritual do campus. Ele tinha uma vida de oragao incomparavel. Era um fato reconhecido que ele passava horas em oracdo e que alguém poderia encontrar Marvin, por acaso, em um lugar incomum no campus, em uma hora anormal, de joelhos em oragao. Havia até uma brincadeira que circulava no campus dizendo que um dia um funcionario da faculdade nao péde entrar no banheiro, no piso inferior 14 Uma Jorwaba NA GRACA do dormitério dos homens, por duas horas. Cada vez que ele tentava entrar no banheiro, a porta estava fechadaea luz, apagada. Depois de uma verificagao, descobriu-se que Marvin estava ali, orando com a porta fechada e as luzes apagadas. Nunca tive coragem para perguntar-lhe se a historia era verdadeira ou falsa. “Marvin, vocé € um calvinista?”, perguntei mansa- mente, nao desejando que todo o dormitdrio de estudantes ouvisse a minha pergunta. “Tra”, respondeu Marvin, com sua voz calorosa e es- piritual, “esta parece uma questao doutrinaria para mim, e realmente nao sei muito a respeito de assuntos doutrinarios. O que eu desejo é amar € servir a Jesus, ajudando os outros a fazerem 0 mesmo”. Eu tentei novamente: “Vocé ja ouviu a palavra cal- vinista antes?” “Bem, eu suponho que sim”, ele disse com relutancia. “Mas nao posso recordar exatamente onde e quando. Penso que é melhor vocé buscar ao Senhor do que a estes assuntos teolégicos. Mas, se vocé insiste em sua busca, por que nao procura Ron Masters”, ele sugeriu. “O pai dele € um pastor e, provavelmente, sabera responder-lhe”. Apos agradecer a Marvin por sua ajuda, caminhei até ao final do corredor, dirigindo-me ao quarto de Ron Masters. Na verdade, o pai de Ron era um pregador; todavia, eu nunca tivera confianca na chamada de Ron para o ministério. Ele era um 6timo rapaz, mas parecia ser um peixe fora d’agua como estudante para o ministério. Seu verdadeiro interesse era anatomia do corpo humano e medicina. Nas prateleiras da estante de seu quarto, ele tinha muitos livros que tratavam destes assuntos. Estavamos todos convictos de que ele poderia citar o nome de cada osso do corpo humano. Havia uma brincadeira dizendo que ele sabia mais a respeito do corpo humano e de medicina do que 0 médico da fa- culdade, que muitos consideravam um charlatao e vendedor de remédios. Eu mesmo questionava se Ron nado havia escolhido o ministério tao-somente para agradar seu pai. Eu o encontrei, conforme seu costume, lendo um de seus jornais de medicina. Ele estava sozinho no quarto, pelo que me alegrei, pois nao desejava conversar com duas pessoas ao mesmo tempo sobre meu delicado assunto. Alguém pode me dizer o que é um calvinista? 15 Apresentei-lhe minha pergunta com poucas palavras de introdugao. Eu lhe disse: “Ron, seu pai é um pregador, e vocé tem bastante experiéncia na igreja local. Vocé chamaria asi mesmo de calvinista?” Ele respondeu com muita cautela, dizendo: “Bem, eu realmente nunca fiz um estudo sobre este assunto; mas do que tenho ouvido de meu pai, quando ele fala sobre teologia (Ron sempre falava no plural, apresentando a opiniao de seu pai ec a dele mesmo como uma s6), nado devemos ser calvinistas”. “Por que nao?” — eu perguntei. “Bem, do que me recordo”, ele respondeu, obviamente esquadrinhando toda a sua capacidade de memorizacao, “os calvinistas nao créem no evangelismo, em missdes, nem mesmo em fazer apelos publicos para alguém vir a Cristo”. “Por que naéo?”, eu perguntei novamente. “Bem”, ele disse com hesitac¢do, “isto esta de alguma maneira relacionado com a opiniao dos calvinistas a respeito da predestinacgdo e da eleig¢do; contudo, nao estou exa- tamente certo de que maneira. Por que vocé nao pergunta isto a Charley Hester? Ele deve saber”. Charley Hester era o cérebro do campus. Era um concludente, que sempre esteve em primeiro lugar nas listas dos professores e nunca havia obtido nota menor do que A, em qualquer de suas matérias, enquanto estivera na faculdade. Sem duvida, algum dia, ele avangaria e chegaria a ser professor — ele tinha muita inteligéncia. Mas, se qualquer aluno sentia-se intimidado quando por acaso en- trava na discussao de algum assunto com ele, quanto mais por bater na porta de seu quarto, para provoca-lo a uma discussao. Nesta altura, eu estava desesperado. Ja ouvira que 0 calvinismo era o presbiterianismo, especialmente no que se refere ao batismo infantil. Havia escutado que era melhor orar e procurar ser espiritual do que fazer perguntas sobre doutrina. Contaram-me que os calvinistas nado créem em miss6es, evangelismo ou convite ptiblico de vir a Cristo, por causa da opinido calvinista sobre a predestinacao e a eleicao. Eu me sentia como se tivesse sido colocado entre trés homens cegos que tentavam descrever um elefante a partir de sua simples perspectiva de observacdo. De alguma 16 Uma JoRNADA NA GRACA maneira, eu estava convencido de que ainda nao chegara ao Amago de assunto, no que dizia respeito 4 definic&ao do calvinismo. Com hesitacao, bati na porta do quarto de Char- ley Hester, nado desejando perturba-lo, se estivesse dor- mindo. A porta se abriu a um cémodo mal iluminado. A Unica luz era uma la4mpada acesa na escrivaninha de Charley. Era 6bvio que ele estava estudando (0 que mais ele fazia, alem de estudar?), enquanto livros e papéis estavam amontoados em varios lugares do quarto. Ele me convidou a entrar, com um olhar e um tom de voz que disse: “Nao se demore muito”. Eu pedi desculpas pela intrusao, mas assegurei-lhe que tinha uma pergunta que ninguém no dormitério fora capaz de responder e que ele era meu Ultimo recurso. Ele nem mesmo me convidou para sentar, o que era um indicio de que desejava que eu me retirasse tao breve quanto possivel. Assim, com um profundo suspiro e com a convic¢ao de que a pergunta nao poderia esperar até a manha do outro dia, eu lhe perguntei: “Charley, vocé € um calvinista? Sua resposta foi direta e rapida: “E claro que nao!” Enquanto ele falava, nao tive qualquer preocupacgao em pensar que ele estivesse me dando uma resposta vazia, como o fizera Todd. Quando Charley falava, os alunos aceitavam a sua palavra como o evangelho. Nao sabendo por quanto tempo eu poderia extrair res- postas, antes que ele me convidasse a deixar 0 quarto, para que ele retornasse aos seus estudos, eu falei rapidamente: “Por que nao?” “O calvinismo, fundamentado em sua opiniao restrita a respeito da predestinagao e da eleicao, afirma que Deus supostamente decidiu salvar apenas algumas pessoas esco- lhidas e também decretou as demais, os nao-eleitos, 4 con- denacéo do inferno; isto rouba do homem a sua decisao pessoal por Cristo e sua liberdade de escolha. Esta opiniao torpedeia imediatamente a obra de evangelismo e miss6es da Igreja”. Aafirmacao de Charley foi um choque em minha mente. Como poderia alguém crer nistoP? Nao é admiravel que o membro do comité, durante a entrevista, me tenha feito a pergunta com um olhar carrancudo! Quao feliz eu estava por haver apresentado a minha resposta com tanta conviccao. Alguém pode me dizer o que é um calvinista? 17 Era Obvio que estava no momento de eu sair do quarto de Charley. No entanto, quao surpreso eu fiquei, quando, ao invés de mandar-me embora, ele me ofereceu mais informagées sobre aquele assunto. Ele me disse que havia um acrostico para sintetizar o ponto de vista calvinista. O calvinismo usava a palavra TULIP. A letra “T” representava “depravacao total”; a letra “U”, “eleigdo incondicional”; a letra “L”, “expiacao limitada’; a letra “I”, “graca irresistivel”; ea letra “P” significava “perseveranca dos santos”. Convencido de que eu estava finalmente comecando a entender algo a respeito deste assunto, embora nao concordasse com este ponto de vista, escrevi 0 acréstico em um pedago de papel rasgado, assim: Total Depravity (Depravagao Total) Unconditional Election (Elei¢ao incondicional) Limited Atonement (Expiagao Limitada) Irresistible Grace (Graga Irresistivel) Perseverance of the saints (Perseveranca dos Santos) Charley me disse que nao tinha tempo para me explicar mais completamente essas Areas de doutrina, mas ofereceu- se para fazer isso em algum tempo futuro. Essa foi a maneira mais amavel que Charley ja me havia tratado. Talvez ele tivesse ficado feliz em ver um colega de segundo ano se interessar por questdes teolégicas ou, pelo menos, estar preocupado com mais do que mogas e revistas em quadrinhos. Voltei ao meu quarto sentindo que havia feito algam progresso, mas nao muito. Desejando nao esquecer minha “investigacao” daquela noite, fiz algumas anotacdes sobre o calvinismo. Havia aprendido o seguinte: 1. Todos os calvinistas sao presbiterianos; 2. Todos os calvinistas créem no batismo infantil; 3. Todos os calvinistas créem na predestinacao e na eleicdo de alguns poucos para a vida eterna; 4. Todos os calvinistas créem na predestinacao de todos os outros para a morte eterna; 5. Todos os calvinistas negam a liberdade de escolha do homem; 18 Uma JorNaDA NA GRACA 6. Todos os calvinistas roubam do homem a decisaéo pessoal por Cristo; 7. Todos os calvinistas negam a obra de evangelismo e missées da Igreja; 8. Todos os calvinistas nao creem em um apelo publico; 9. Todos os calvinistas créem na depravacao total (nao importando o que ela significa); 10. Todos os calvinistas créem na eleicaéo incondicional (novamente, nao importando o que ela significa); 11. Todos os calvinistas créem na expiacgdo limitada {novamente, nao importando o que ela significa); 12. Todos os calvinistas créem na gragca irresistivel (novamente, nao importando o que ela significa); 13. Todos os calvinistas créem na perseveranca dos santos (novamente, nado importando o que cla significa). Quando fiquei pronto para dormir (ja era quase meia- noite, e meu corpo estava bastante cansado — havia sido um dia longo), minha mente manteve-se pensando sobre estes assuntos. Eu nao estava satisfeito com o fato de que havia realmente encontrado a resposta para a minha pergunta. De fato, eu nem mesmo entendia 0 que me havia sido dito naqucla noite a respeito do calvinismo. O que significa depravagao total? Eleigao incondicional, o que é isto? Entao, quando me dirigi para a cama e apaguci a luz, minha mente comecou a formular planos para investigar meu assunto. Meu proximo passo seria consultar alguns dos professores de minha faculdade batista. Com certeza, estes homens de erudicaéo e conhecimento poderiam me dizer o que € um calvinista. Minha mente comecou a formular perguntas para fazer, quando eu os consultasse. £ verdade que todos os calvinistas sao presbiterianos? E verdade que todos os calvinistas créem no batismo infantil? E verdade que.....22222222222222! 3 Todos odeiam o calvinismo? u nao sai da cama, como um foguete, na manha do dia seguinte. De fato, acho que minha mente chegou a plataforma de lancamento antes de meu corpo. As vezes, tenho desejado estar tao animado na manha do dia seguinte quanto estava quando fui para a cama na noite anterior e vice-versa. Apesar disso, levantei antes que muitos de meus colegas, inclusive Todd. Depois de tomar o café, apressei-me para a minha primeira aula, a das oito horas, que todos gostavam de ter em sua agenda (pois assim o seu dia de aula acabaria mais rapidamente), mas que poucos desejavam assistir. Parecia que nesta manha o Dr. Amber falaria monotonamente para sempre. Minha caneta fazia as anotacdes, mas 0 meu coragao estava em outros lugares. Apos esta aula, eu tinha uma hora livre e planejei passar em cada escritorio dos professores, para agendar uma conversa com eles tao logo quanto possivel. Quando a aula finalmente terminou, dirigi-me a um dos escritérios mais préximos, o do Dr. Lollar, um dos quatro homens com os quais eu desejava conversar. Estava bem ao lado da sala de aula da qual eu acabara de sair. O Dr. Lollar ensinava algumas das matérias para os alunos novatos. Portanto, eu o conhecia do ano anterior e esperava que ele também se lembrasse de mim. Além disso, ele era 20 UMA JORNADA NA GRACA gentil, amavel, bondoso e sensivel as necessidades dos alunos, sempre disposto a gastar tempo com eles. Que excelente lugar para eu comecar minha investigagao com os professores a respeito do meu assunto! Quando bati levemente na porta, fui recebido com um amavel “Entre!”. Disse-Ihe que gostaria de ter uma entrevista com ele, para conversarmos sobre um importante assunto que inesperadamente surgira em minha vida. Para minha surpresa, ele respondeu: “E por que nao agora mesmo? Nao. ha ocasiao melhor do que esta!” Eu havia planejado ver cada professor mais tarde, durante a semana, e preparar uma estratégia cautelosa para a conversa. Assim, quando o Dr. Lollar me disse que estava disponivel naquele momento, gaguejei por um instante, nado sabendo por onde comegar. Por fim, dirigi-lhe a pergunta que o membro do comité havia lancado sobre mim: “Dr. Lollar, o senhor é um calvinista?” Um sorriso amigavel arqueou-se em sua face. Pelo menos, ele nao ficou furioso com esta pergunta. No entanto, nao me ajudou muito, quando respondeu: “Rapaz, isto é dificil de responder. Suponho que algumas pessoas diriam que eu sou calvinista, e outras, que eu nao o sou”. Na ocasiao, fiquei questionando que tipo de resposta era aquela. O calvinismo era tao evasivo em sua definigdo, que ninguém poderia saber quem e 0 que era um calvinista? Entao, por que toda aquela confusao sobre a pergunta “o que é um calvinista”? Eu estava para lhe fazer outra pergunta e levar avante o assunto, a fim de obter esclarecimento mais consistente, quando o Dr. Lollar continuou espontaneamente. “Nao gosto do uso de termos teolégicos para me definir, bem como nao aprecio o atribui-los a outras pessoas. Oh! Quantas expressées utilizamos hoje — calvinismo, arminianismo, dispensacionalismo, modernismo, libera- lismo, fundamentalismo, conservadorismo, evangelicalismo, pré-milenismo, pds-milenismo, amilenismo, pré-tribu- lacionismo! Preciso dizer mais alguma? Estas séo expresses e referem-se a sistemas criados pelos homens. Nao associarci meu nome com qualquer outra coisa, exceto com aquilo que esta ensinado nas Escrituras.” “Sim”, repliquci, “mas esses termos nao nos ajudam a Todos odeiam o calvinismo? 21 afirmar em resumo o que cremos ser ensinado pelas Escrituras?” “Bem, isto poderia ser verdade”, ele explicou, se todos empregassem os termos com as mesmas definicgdes. Mas, quando vocé se refere a mim utilizando um de scus termos, ele pode ser verdadeiro somente se cu e vocé o definirmos da mesma maneira. Se vocé transmite uma idéia por meio daquele termo, e eu quero dizer algo mais com o mesmo termo, entao, ndo sou aquilo que vocé afirma que eu sou. E, se classifico a mim mesmo com um desses vocabulos, e vocé tem uma definicao diferente para o seu significado, entao, aos seus olhos, eu nao sou aquilo que estou dizendo que sou. Por conseguinte, o uso de termos teolégicos se torna bastante confuso”. Eu estava realmente confuso agora. Por isso, perguntei: “Se alguém me perguntar se sou um calvinista ou qualquer outra coisa de acordo com esses vocabulos teolégicos, o que devo responder?” “Apenas diga-lhe que vocé cré na Biblia — ela € a sua autoridade; e, se a Biblia ensina algo, vocé cré nisso. Se a Biblia nao o ensina, vocé nao da crédito a tal ensino. E muito simples!” Talvez parecia simples para ele, mas nao para mim. Estava mais confuso agora do que antes. Reconhecendo que nao estava chegando a lugar algum e nao desejando ofendé-lo com mais perguntas investigativas, agradeci ao Dr. Lollar por seu tempo e lhe pedi desculpas. De volta ao dormitério, pensei em varias indagacdes que poderia ter feito ao Dr. Lollar. Se alguém nao pode usar termos para se referir as suas crencas e somente dizer que cré na Biblia, coma podemos nés utilizar o vocabulo “batista” para nos re- ferirmos ands mesmos como um grupo? Este vocabulo naa se refere a algumas crengas teologicas? Além disso, pessoas diferentes ndo dizem que a Biblia ensina coisas diferentes? Como podemos distinguir entre a falsa e a verdadeira doutrina, se ndo empregamos termos teologicos para sintetizar convenientemente nossa posicaa doutrinaria? Por fim, se nado podemos empregar vocabulos teold- gicos, nao podemos utilizar quaisquer termos, inclusive os 22 Uma Jornapa NA GRACA termos biblicos como justificagao, reden¢ao, santificacgao, etc., para que outra pessoa nao tenha um conceito diferente a respeito desses termos. Alguém poderia apenas dizer: “Se a Biblia ensina tal doutrina, eu creio nessa doutrina!”; mas nunca poderia dizer: “Eu crcio na justificacao”, por causa do temor de que alguém poderia defini-la de maneira diferente. Esta logica destruiria completamente a propria comunicagao. Afinal de contas, as palavras simbolizam conceitos; e, se alguém nado pode empregar qualquer palavra como simbolo de um conceito, por temer que sera mal compreendido, entao, ele nado pode nem mesmo falar, nem pregar. Por que eu nao pensei nestes argumentos quando estava no escritorio do Dr. Lollar? Esta € a maneira como as coisas acontecem em todas as minhas discussdes e debates teologicos: eu penso em todas as respostas depois que o debate acabou. Apesar disso, ainda penso que é melhor pensar nelas depois do debate do que nao pensar de maneira alguma. Quando eu caminhava de volta para o quarto, no dormitério, Todd me encontrou na porta com um grande sorriso e exclamou: “Adivinha!” “Vocé resolveu ficar noivo mais uma vez?, falei com rapidez, pronto para apresentar-lhe congratulacées. Falando a verdade, perdi a conta das vezes em que ele havia assumido os compromissos de noivado, quando cursava 0 primeiro ano; por isso, eu nao podia me mostrar muito entusiasmado com mais um destes noivados, especialmente agora, quando eu ja havia me preparado para a surpresa do primeiro noivado em seu segundo ano na faculdade. “Nao!”, ele disse com as sobrancelhas franzidas. A igreja telefonou para vocé e quer seu retorno no que diz respeitoa agendar um sermao de avaliacao. “Um sermao de avaliacdo? Eu, pregar um sermao de avaliacao! Uau!” A data estabelecida para o sermdo foi o Ultimo domingo de outubro. Na realidade, seriam dois sermées de avaliacao, pois eu pregaria pela manha e a noite. Depois disso, eles votariam, a fim de decidir se me convidariam para ser 0 Todos odeiam o calvinismo? 23 pastor deles. Sera que eu estava apenas a alguns dias de me tornar pastor? Agora eu tinha duas coisas sobre as quais deveria pensar: os sermées de avaliacdo e a resposta para a pergunta “Vocé é um calvinista?” Minha préxima conversa com um dos professores da faculdade aconteceu varios dias depois da conversa inicial. Sai para encontrar o Dr. Sisk, em seu escritério As 16 h daquele dia. Ele ensinava Historia da Igreja e parecia ser um homem muito instruido e muito solicito com os alunos, No intervalo entre estas duas entrevistas, eu havia decidido nao seguir na segunda o mesmo procedimento que utilizara com o Dr. Lollar. Ao invés de perguntar: “Vocé é um calvinista?”, eu seria mais sutil. Parecia que esta pergunta colocava as pessoas imediatamente na defensiva. Assim, eu comecei de maneira diferente a conversa com o Dr, Sisk. Eu lhe disse: “Dr. Sisk, numa igreja local, estou me deparando com uma situacao em que tenho de, se possivel, conhecer a definigao de um calvinista. O senhor poderia me ajudar?” Tive o cuidado de acrescentar “se possivel”, no caso de ele me responder de maneira semelhante a do Dr. Lollar. Quao feliz e surpreso eu fiquei, quando ele disse: “Vejamos se eu posso ajuda-lo”. Ele prosseguiu: “O calvinismo é um sistema de teologia que tem sido muito influente na Historia desde os dias da Reforma. Ele recebe este nome por causa de seu fundador, Joao Calvino, que também foi o fundador do movimento presbiteriano; mas o calvinismo nao esta, de modo algum, confinado aos presbiterianos. Ora, alguns dos mais importantes batistas do passado eram calvinistas. Na verdade, os primeiros movimentos batistas, na Inglaterra e nos Estados Unidos, eram fortemente calvinistas”. Isto era novidade para mim! E o seria também para Todd, o fanfarrao, que me dissera que todos os presbi- terianos eram calvinistas. Estas palavras do Dr. Sisk significavam que, se os batistas eram calvinistas, o batismo infantil ndo era o centro e o Amago do calvinismo. Meu colega Todd estava errado novamente. Dr. Sisk prosseguiu: “Que tal eu sugerir alguns livros para a sua leitura sobre este assunto? Quando vocé os tiver 24 Uma JoRNADA NA GRACA terminado, podemos reunir-nos e conversar sobre o que vocé descobriu”. Aceitei com alegria a sua lista, que incluia Sermées Sobre a Soberania de Deus, escrito por Charles Haddon Spurgeon, Deus é Soberano', escrito por A. W. Pink, e A Doutrina Reformada da Predestinacdo, escrito por Loraine Boettner. Reconheci o nome de Spurgeon, o maior pregador ba- tista dos tempos modermos. Entao, perguntei: “Spurgeon era um calvisnista?” “Absolutamente!” — ele respondeu. “Um calvinista dos cinco pontos?”, eu Ihe perguntei (satisfeito porque Charley me havia dado o acréstico). “Duas vezes absolutamente!” — Dr. Sisk respondeu enfaticamente, Apreciei muito a ajuda do Dr. Sisk, porém tinha ne- cessidade de fazer-lhe mais duas perguntas, antes de retirar-me para ler um pouco. “O ponto de vista dos calvinistas a respeito da pre- destinagao e da elei¢ao torpedeia (eu utilizei a expresso de Charley) o evangelismo e missdes?” Perguntei isto a luz do calvinismo de Spurgeon. Nao parecia ser consistente o fato de que Spurgeon era calvinista, se aquele ponto de vista destruia o evangelismo e misses. “Necessariamente, nao” — ele respondeu. “Alguns calvinistas que chamamos de ‘hiper’ tem se mostrado extremistas em suas opinides e perderam seu amor pelo mundo perdido. Alguns dos calvinistas moderados, como Spurgeon, George Whitefield e outros, tém sido os maiores ganhadores de almas da Historia da Igreja.” “Somente mais uma pergunta, Dr. Sisk. O senhor é um calvinista?” Ele sorriu e gargalhou um pouco. “Nao, eu diria que sou um calvinista de trés ou quatro pontos. Tenho difi- culdades com a expiac¢ao limitada e a graca irresistivel.” Deixei 0 escritério do Dr. Sisk muito mais satisfeito do que fiquei depois da conversa com o Dr. Lollar. Eu tinha uma lista de trés livros para ler e me encontrava agora um pouco mais sabio. Havia aprendido que nem todos os calvinistas eram presbiterianos; que o batismo infantil nao é uma parte do calvinismo; que alguns dos grandes batistas Todos odeiam o calvinismo? 25 da Historia haviam sido calvinistas; que o calvinismo nao necessariamente aniquila o evangelismo e missdes; que ha calvinistas moderados e calvinistas exagerados. Aprendi também que as pessoas comuns, incluindo os jovens pre- gadores com os quais eu conversara na noite anterior, re- almente nado sabem muito a respeito do calvinismo; e que minha investigagao estava apenas comecando. Antes de comegar minha leitura, decidi realizar minha ultima conversa com os professores. Essa entrevista final aconteceu com o Dr. Bloom, que ensinava teologia. Ele era um homem brilhante, tao brilhante que muitos dos estu- dantes nao tinham a menor idéia do que ele estava dizendo em classe. Se um estudante parasse a aula do Dr. Bloom, para fazer uma pergunta, ele ficaria bastante desconcertado. Entao, 4 medida que ele respondia a pergunta, podiamos entender o que ele estava dizendo; 0 unico problema, porém, era que ele respondia tais perguntas meio irritado. E, se alguém discordasse de sua opiniao, ele ficava muito agitado e castigava quem havia feito a pergunta. Alguns dias mais tarde, eu entrei em seu escritério no horario marcado. Fiquei sentado durante quase cinco minutos (esta era sua pratica habitual — muitos diziam que ele fazia isso para humilhar o aluno e mostrar-Ihe quao importante o professor era). Pensei que ele me havia esquecido. Finalmente, ele olhou para mim, sem qualquer sorriso, e perguntou o que eu desejava. Comecei com bastante cuidado. “Senhor, eu tenho me deparado com um problema, em minha igreja local, o qual exige que eu compreenda o que significa o calvinismo. O senhor poderia me ajudar?” Bem, eu devo ter lhe causado uma crise nervosa, porque sua voz soou como uma explosdo: “Eu nao sei porque alguém deseja estudar o calvinismo, que é 0 mais absurdo sistema de teologia que ja existiu! Eu nao sei como alguém pode crer que, na eternidade, Deus assentou-se em seu trono de tirano e, contemplando toda a raga humana diante de seus pensamentos, resolveu de maneira ditatorial salvar alguns e condenar outros”. Em seguida, ele recitou um pequeno poema apre- sentando palavras que Deus falou supostamente na eter- nidade, quando Ele escolheu os eleitos e decidiu qualquer

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