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UM PASSO DEPOIS DE OUTRO PASSO... £ QUASE COMO ANDAR! ainda ndio é ler, Depcis, aprender, pois o alfatet COMO COMEGAR? ‘Acescolha da letra “f para ilustrar 0 primeiro passo (no tem necessariamente de ser “P) néo fol acidental, fonema /f faz, parte das consoantes que se convertem facilmente em som, {sto € que pocem ser realizadas sem vogal, que podemos prolongar, estender no tempo. Pode-se fazer 0 mesmo com as outras consoantes fricativas surdas,/s/, que graficamente representamos coma letras" (ou "ss", ou“) €/ff, que repre: sentamos com o digrafo “ch (grafema complexo, porque & constituido por duas letras) e com as fricativas sonoras Iv, 2! e/3/,representadas na nossa escrita pelas letras‘, se distinguem das surdas pela vibragio das pregas verbais. Talvez o leitor nao saiba o que é uma fricativa e quetra saber. E uma consoante que se produz mediante uma ligeira friegdo na cavidade oral, € por isso essa friccto pode ser mantida durante algum tempo (pelo menos até nos cansarmos: “HITIEHIE.”, ufa, néio aguentamos mais) Fechemos o paréntese. Ent, as fricativas ff /¥/, que no s6 podem ser reali- zadas sem vogal neutra mas também tém correspondéncia biunivoca com um determinado grafema simples (consti- tuido por apenas uma letra), sdo fonemas a partir das quais é ‘bom comecar a atividade de andlise da fala que conduz & desco- berta do prinefpio alfabético. Prolongando-os, fornecemos a crianga pistas audhitivas e articulatérias, mostramos a exis téncia deumaunidade antes da vogal de certo modo estamos segmentando a fala: oa, toda a dificuldade da andlise foné- ‘mica’ esta justamente em poder mostrar crianga queosom de uma sflaba CV contém duas unidades fonol6gicas que podem ser postas em correspondéncia com duas letras, 584 DO MAIS SUPERFICIAL AO MAIS ABSTRATO, DO MAIS SIMPLES AO MAIS COMPLEXO As realizacdes de /r/ na palavra “carta” por um carioca, por um falante do dialeto caipira, por um paulita ow or um gaticho séo totalmente diferentes e so percebi- das como distintas, mas. correspondem ao mesmo fone- ‘ma, porque nfo conduzem a uma alteragio de significado, Arepresentacio fonética’, ow fone, émais superficial, menos abstrata, do que o fonema. Noinicio das suas atividades de andlise interna dassflabas da fala, a crianca presta atencdo ao que ¢ perceptivamente dije- rente, Por conseguinte, aquilo que ela val fazer cocrespondet as letras so representacSes de segmentos fonéticos. Nessa fase, a consciéncia dos segmentos menores da fala ainda néo 6, para sermos precisos, uma consciéncia cle fonemas, Porém, pouco a pouco, com a aprencizagem de outros Contextos que fazem com que diferentes segmentos fon& ticos possam aparecer associados & mesma letra, a ctianca omega a associar &s letras representagdes mais abstratas (os tais “fonemas’ isto 6, classes de segmentos fonéticos ~ em alguns casos reduzidos 8 unidade - que téma mesma funco na lingua). Nessa fase um pouico mais avancada, de consol dagio da descoberta do principio alfabétic, ainda pode haver vantagem em reservar a ilustragdo das correspondéncias grafema-fonema aos grafemas simples (ceduzidos 2 uma letra), evitando, portanto, os grafemas complexos como ch’, DO PRINCIPIO ALFABETICO AO CODIGO ORTOGRAFICO Logo depois, vird a incursdo em outro territério, o do eédigo ortografico da lingua’, 55 ( que é 0 cédigo ortogréfico? £ 0 conjunto das regras de corespondéncia grofema-fonema, que governam a leitura, e dasregras de correspondéncia fonema-grafema,que governam aescrita,Algumas regras so biunfvocas: em portugues, a letra (grafema) “b” 1é-se sempre /b/ e este escreve-se sempre com um “b” Mas ha muitas regras que dependem da posigto do ‘grafema ou fonema na patavra (‘mdo"—"amam'} ou do context, ca" ~“acento’). ‘Aaprendizagem da leitura ¢ uma sucesséo de aventuras, A crianga descobriré, dirigida pela sua mao, que ha letras ‘que se pronunciam de manetra diferente segundo 0 contexto (c” isto é, dos grafemasifonemas adjacentes ( antes de “a’,‘o', “u's “c" antes de "e" ; e "c" antes de “h’s “a” precedido de “n” na mesma sflaba; a" seguida de “n = con- soante") e fonemas que podem ser escritos de mais de uma ‘maneira (0 2/ em “casa” e“azat”; 0 fu! em “tu’, "pato’) Nao nos compete estabelecer aqui a ordem mats apro- priada dessas aquisiobes; basta lembrar uma regra de ouro ‘que é, sem prejuizo de priorizar as fricativas relativamente as oclusivas, a de avangar em cada uma dessas classes dos _g7aemas mais simples para os mais complexos e das grafias (de fonemas) mais frequentes para as menos frequentes. Se a descoberta do prinefpio alfabético pode estar prati- camente consumada em duas ou trés semanas, 0 conheci- mento dos grafemas complexos (que pode, como no caso do “nem fim de sflaba, pressupor uma andlise da palavra escrita hos seus constituintes silébicos) néo deveria requerer mais do que trés ou quatro meses de encontros com eles, convenien- temente preparados pelo professor. Repare 0 leitor que, em um estudo realizado em Kngua portuguesa, as palavras que contém grafemas complexos 56 continuam a ser lidas pfor do que as palavras que sé contém grafemas simples, mesmo no fim do primeiro ano. Normalmente, em meados desse ano, as criangas deveriam ler to bem um quanto 0 outro tipo de palavras. Este, alias, é © caso das criangas francesas. Ora, o cédigo do francés tem grafemas mais complexos do que 0 do portugués. Temos, portanto, tendénciaa acreditar que esse atraso no dominio dos grafemas complexos deve-se a uma pritica insufciente ou inapropriad lo ensino da decodificacao. Quanto as regres contextuats de prontincia(p. ex. 2 do“ mas como /3/ antes dee" e"t' ot entre “g”e “e’ ou devem ser assimiladas, em sua matoria, de seis a oito meses depois do inicio daaprendizagem, De maneira geral, no fim do primeiro ano de escolaridact, elas podem & (08 alunos devem ser capazes de ler corretumente quase todas 4 palayras, assim como as nd palavras cuja pronincia, obedece as regras do cédigo ortografico do portugués (no jargo dos psicolinguistas, essas nao palavras sao chamadas de pseudopalavras’ ~ por favor, recorde-se desse termo, ) que serd utilizado mais adiat © CODIGO oRTOGRAFICO DO PORTUGUES 0 cédigo ortogratico do portugués é muito menos opaco do que 0 do inglés e menos tansparente (ortografia transpa- rente versus opaca’) do que 0 do espanol, do alemo ou da finlandés. Que quer dizer opaco? Quer dizer que nfo deixa ver através dele. Nao ¢ fécil “ver" « proniincia na eserita ou a escrita na pronuincia quando nao ha regras simples ~ ou nao. 1d tegras em muitos casos ~ para converter uma na outta 87 No cddigo ortografico do inglés, ha tantas palavras ditas ire- gulares (palavra irregular’) ou de excegGa, isto 6, excecdo as rregras, que acaba por ser um eufemismo traté-las assim. Que quer dizer transparente? Que se deixa ver distin: tamente através de si. Quer dizer que, nesse tipa de cédigo, ‘hd sempre ou quase sempre uma regra que permite saber como escrever uma palavra ¢ como pronuncié-la a partir de sua forma escrita, Entretanto, como as superficies, que deixam pasar mais ou menos luz, 0 cédigo ortogra- fico também pode ser mais ou menos opaco, mats ou menos transparente. Suponhamos uma versio livre da histéria de Adio e Eva em que Adio diz & Eva, depois de ter provado o fruto proibido: "Eu gosto do gosto desta magé". A mesma palavra escritarecebe duas prontincias diferentes em funcio deuma rregra que leva em conta a fungio gramatical da palavra: a jostat” Ié-se com um “o" bem aberto, ¥¢ como se teria pronunctado “6” (gratia que lis, jéexistiu para essa palavra e que ainda existe para outras palavras, como “p6s"). Esse tipo de regra leva em conta 0 contexto da frase em que a palavra se encontra, Em portugues, nfo ha muitos casos desse tipo. Hi outras regras que levam em conta o contexto grafé- ‘ico dentro da prépria palavra ~ sao as chamadas "regras, is" - ou, ainda, a posiggo do grafema na palavra - sdo as “regras posicionais" Relativamente as regras simples (aletra“b's6 tem uma promtincia posstvel eo fonema/b! s6se escreve com “b’), as Tegras contextuais e posicionais deixam, por assim dizer, passar menos luz, claro, para a crianga que cont ainda no aprendeu a lidar com essas sutilezas. 58 ‘As regras posicionais podem ser facilmente ilustradas pela prontincia da letra‘ Esta Ié-se diferentemente em*rato” ecm ‘caro’. Em portugués, o fonema que corresponde a letra “v" entre vogais nao é aceitavel em posicao inicial da palavra, entre vogais,o fonema /R/ tem de escrever-se “rr. As regras contextuals nZo sto todas do mesmo grau de complexidade, Ndo é muito complicadla saber como se deve pronunciar a lema “g" seguidla de “e" ou “t pronuncia-se coma se fosse al tra letra governada por regra simples), seguidade" ccomona palavra “gato” Sem querermos ccair em paradoxos, é uma regra complexa (porque contextual) bbem simples (porque em um caso isto, em outro caso aquilo},¢ todos nés que aprendemos a ler e a escrever provavelmente ‘nos lembramos que nos ensinaram explicitamente essa regra, Hia outras regras contextuais mais complexas. Por exemplo, ppara além dos casos em que a leitura da letra “x” no obedece a nenhuma regra, em outros existe uma regra que é tia ccomplexa que paucss pessoas letradas tém consciéncia dela, O°" entre vogats lé-se de maneira diferente em “téxi ‘puxa” € ‘maximo’ No entanto, a prontincia do “x” de “méximo’, que é precedido e seguiclo pelas mesmas vogais que na palavra “taxi obedece a uma regraquetem de levar em contao contexto ssubsequente. Assim, quando ao "x se segue “ime por exemplo} ou um derivado (‘proximamente’), cle sempre 6 lido como /sl Portanto, ha regra, mas no é nada simples, Pensamos que procurar ensiné-la & crlanga seria uma tortura inuti, suscetivel de fazé-la odiar a leitura para sempre. Ela acabaré por conhecé-ia sem ter conscncia dela e por utlizé-la Um cédigo opaco no constitui um problema sério para o leitor competente, mas, para o aprendiz de leitor, é 59 ne fonte de grandes diffculdades, o que faz com que, relativa- mente & habilidade de identificagdo das palavras escritas, 6 xno terceiro ano de escolaridade o aluno briténico consiga alcanear 0 aluno alemao do primeira ano. A esse respeito, as, nossas criancas no so td favorecidas como as alemas, mas nao podem se quefxar mutt, Acescrita do portugués é muito mais complexa do que a sua lettura.Iss0 porque, enquanto sequéncias diferentes de letras podem ser lidas da mesma maneira (p. ex, “nds” € “caza'’e “casa’), nesses casos, que no stio poucos na lingua, tals sequéncias ou correspondem a palavras diferentes (caso de “nds ¢ “noz’), ou s6 uma delas ¢ palavra (‘casa’, mas nao “caza’). De qualquer modo, quer para a leitura, quer para a escrita, ¢ dever do professor ter um conhectmento completo e preciso des regras do céidigo ortognfico da sua lingua, N&o basta saber escrever corretamente. Muitas pes- soas escrevem sem cometer erros de ortografia e, no entanto, ‘go sabem explicar por que escolheram uma maneira de escrever e néo outra isto é, em que regra se apoiaram. Porém, para quem ensina a escrever, o no conhecer as regcas nao Ihe permite nem organizar adequadamente os exercicios ie aprendizagem nem fornecer uma explicacéo (corregSo inteli- gente) ao aluno que escreve com erros. Como estévamos considerando a aprendizagem da leitura e, em particular, seus primeiros pasos, deixemos Por ora aescrita e consideremos um efeito importante que a transparéncia/opacidade do cédigo ortogrdfico tem nos processos de leitura, Quando 0 cédigo é opacn,o leitor tem tendéncia a repre- sentar a palavra escrita em termos de unidades mais extensas 60 do que quando 0 cédigo & transparente. Mostrou-se, por exemplo, que 0 leitor de aleméo tende a identificar as pala- vras escritas com base em unidades correspondentes &s letras e aos grafemas, ao passo que 0 leltor de ingles tendea, faz8-lo com base em unidades como a rima (lembrames que, por defini¢do,arima é4a parte final dasflabaa partir donticleo ‘vocalico), por exemplo, o“-ight" de “right, “might, ight’ ete. Essas caracteristicas do processo de identificagao das palavras escritas, que depenciem do grat de transparéncia ou de opacidade do cédigo, influenciam a aprendizagem da leitura desde os primeiros meses, Infelizmente, ainda sabemos pouco sobre a estrutura das representagées utii- zadas em portugués, quer no leitor hébil, quer durante a aprendizagem. No entanto, hé razdes tedricas e algunsresul- tados experimentais que permitem pensar que, no nosso caso, as unidades elementares so as letras eos grafemese que, ‘com a continua da aprendizagem, o aluno comega a basear~ -se em unidacdes matores como a rimae a sflaba PRATICAR A LEITURA E ESSENCIAL PARA APRENDER A UTILIZAR PLENAMENTE 0 CODIGO ORTOGRAFICO ‘Aassimilacao das regras ortograficas pode ser feita de forma consclente ou inconsciente, Certas regras podem e devem ser explictadas pelo professor, no decurso de exercicios de leitura. Outras sao deduzidas pela propria crianga. Acontece dea crianga fazer um comentario que confirma essa deducio, Porém, em muitos casos, ela ndo toma consciéncia da regra, que a adquiriu incons- fade que as criangas tem mas mostra, pela maneira como cientemente. Isso resulta da sensi (assim como os bebés e os animais) as probabilidades das sequéncias de elementos ou acontecimentos, ds chamadas o-ocorréncias contextual. Essa capacidade, chamada de aprendizagem implicit’, € muito forte e intervém abundantemente na aprendiza- gem da leitura. E por ser t4o poderosa que, depois de os fun- damentos do c6digo ortogratico terem sido aprendidos,a pra- tica intensiva da leitura habil’. Essa pratica pode ~e deve ~ passar pelal as diversificadas de rentes textos para que a crianga possa consolidar @ apren- dizagem de padrOes ortogréficos. Mais adiante, sero expas- tos, embora sucintamente, os mecanismos que permitem & crianca aproximar-se da leitura fiuente, competente ira de textos é a melhor via para a cura repetida do mesmo texto e por: RECOMENDAGOES AOS PROFESSORES mais facil para a crianca entrar na leitura pelas consoantes mais acessvels@ consciéncia, como as fricativas.O aliuno que sse mostra capaz de ler sflabas em que figura uma dessas consoantes passaré mais facilmente A leitura de silabas que incluem uma oclusiva. Os grafemas simples, constitul- dos por uma sé letra, também devem ser trabalhados an- tes dos grafemas complexos Ha, portanto, uma dupla ordem a respeitar na aprendizagem do cédigo, uma respeitante aos fonemas ¢ a outra respeitante aos grafemas, sempre do mais ‘para. o menos acessivel ou aparente ‘As regras bésicas do cédigo podem ¢ devem ser ens- ‘nada, em particular, as correspondéncias biunfvocas e as mais ccorrentes correspondéncias submetidas a dependléncias contex 62 tuois.Também é melhor dar prioriade as grafts majertérias dos fonemas retativamente &s minoritaras. De qualquer modo, a partir do momento que a crianca compreendeu o principio alfabético ¢ conhece um niimero razodvel de correspondéncias, ela deve set levada a ler pequenes textos que Ihe permitam exercer seus conheci- ‘mentos e inferis outros por aprendizagem implicita. A fim de ‘que essa atividade de leitura seja a mais produtiva possivel em termos de dominio progressivo do cédigo, é importante que 0 professor controle sua exatido, para poder assim avaliar esse dominio {A fungao do professor ndo é apenas ajudar o aluno, Seria tum erro deixi-lo diright sua prdpria progresséo na leitura (0 professor deve organizar essa progress segundo os princi- pos enunciados anteriormente, o que implica que ele possa bosear-se em manuals elaborados em conformidade e que tenbra refleto sobre seus fundamentos e sobre as vantagens eas possiveisfraquezas do que eles propsem. Tal reflexso s6 pode ser fecunda quando o professor tem ‘um conhecimento. preciso profundo do cédigo artogréfico do portugues. & importante que, nessas situagdes, 0 professor cormija os erros de leitura ¢ trabalhe de novo esses casos especificas de conversio grafofonolégica. No inicio da aprendizagem do procedimento de deco- dificagao, 0 professor deve incentivar o recurso & segmen- {ago em pequenas unidades do tipo grafema, nao se detendo na letra, mas evitando as tentativas da cxlanca de passar @ ‘unidacles mais largas se ela ainda néo domina as primeltas manifestamente 63

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