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O QUE E O ALFABETO ‘Antes de chegarmos a aprendizagem da let ver o queé o.alfabetoe 0 ele repr Qualquer trabalhador manual sabe que, para trabalhar essen 8 suas propr © mesmo ocorre com os materials “mentals’, Quem ensina ta. a ler em um sister bético de escrita precisa saber 0 0. Mas esse ¢ um conhecimente ial, mecanizado. Quem ensina a ler deve ter um muito mais profundo do alfabeto, porque vai ter ce explicitar& crianca, ede algum modo levé-la a compreender cer aspectos desse conhecimento profundo, OS VARIOS SISTEMAS DE ESCRITA E 0 NOSSO SISTEMA ALFABETICO Osistema alfabético n 060 inico sist je escrita, Entre atualn ite mais utilizados, ha aqi rrepresentam morfemas" (pequenas unidades de s se representam pequenas unidades de sorn ~ corresponden- do a uma vogal ou a uma sflaba feita de consoante e vogal, ou A nasal “n’ -, que duram mais ou menos o mesmo tempo (sao as “mora’). Dizemos isso apenas para mostrar que hd diversas solugées para representar a fala por escrito € que ‘mutta gente é letrada —I6 ¢ escreve - sem ser alfabetizada, © alfabeto, cuja caracteristica principal é de representar 4s consoantes, teve sua origem nas civilizagbes semiticas. Posteriormente, os fentclos iniciaram a representago das vogais, que se consolicou com os gregos. 0 alfabeto tem apro- ‘ximadamente trés mil anos ~ uma ninharial ~ comparado coma histéria da humanidade e, em particular,com historia, dalinguagem falada, Além disso, alfabetos tém havido multos, algumas centenas, muitos j4 desapareceram e alguns foram criados hé menos de um século. As formas dos caracteres -as letras — so muito diferentes entre as muitas escritas alfabe- ticas, mas o que nos interessa sobretudo & 0 chamado alfabe- tolatino, o nosso. © alfabeto latino é utilizado por muitas comunidades linguisticas. Mas, em parte, justamente porque as linguas sao diferentes, 0 mimero de letras ndo ¢ sempre 0 mesmo. NOs, ‘os mais velhos, aprendemos 23 letras, mas atualmente se ensinam também ok’ 0“w" eo"y’,que fazem parte do novo cédigo ortografico e que sio muita frequentes, por exemplo, ‘em inglés. Ha pafses em que as letras so utllizadas juntando diacritics algumas delas Os diacriticos sao pequenos sinais, ‘que geralmente servem para determinar de modo mais, preciso a prontincia da vogal ou da consoante. Em portugués, por exemplo, ninguém tem diividas em como pronunciar“¢, rninguém pronuncia “caca’ como “caca’ 20 ‘Antes de aprofundarmos mais a relacdo, que no é es nem direta, entre as letras e os sons, falernos da sua importincia na letura.As letras s40 0 material escrito debase, € elas formam os grafernas (vide a seguir), que sto as unidades menores que servem para distinguir 0 significado entre as, palavras na escrita. Eimposstvel ler uma frase sem ler as pala- ‘vras que ela contém,e também é impossivel reconhecer ou. ‘dentificar uma palavra escrita sem “wratar, “processar” de algum modo as letras que formam as palavras escritas PARA ALEM DAS LETRAS, OS GRAFEMAS, OS QUAIS REPRESENTAM FONEMAS Na realidade, o mecanismo de processamento das letras que temos no cérebro nao se contenta em analisar esses carac- 705, jest anal. teres; ainda no acabou de analisar as sando os grafemas’. Grafemas séo aquelas letras simples ~ falamos entéo de ‘grafemas simples - ou aqueles grupos de letras (em porte- gues no mais do que duas) - falamos entao de grafernas complexos ~ que se pronunciam como um ‘som’ elementar. Assim, na palavra “casa’, cada letra é também um grafema; elas correspondem sucessivamente aos sons de “K’,'a", “2” a’, portanto, temos quatro letras e quatro grafemas; mas em “cha, temos primetro duas letras (‘ch’), que tém o som inictal do nome da letra x’, depois “a”, que tem o som de “a, portanto, trés letras mas so dots grafemas. ‘Eimportante ter conscléncia de que o tal “som elementar ho é um som, e que oseu nome, consagrado na linguistica, 6 fonema’. Grafemas sio, portanto, mais exatamente, as letras; ‘ou grupos de letras que correspondem a um fonema, 21 Acrescentemos que 0 mecanismo cerebral que analisa, 6s constituintes das palavras escritas ndo se contenta em extrair os grafemas da sequéncia de letras; extrai grupos de letras, como grupas de consoantes - por exemplo, “br” em “branco” ~ e ditongos ~ por exemplo, do" em “nacio" —; cextra{ unidades ainda maiores, como as sflabas, por exemplo em “na¢iio" extrai “na’ e “go” Em nivel morfolégico, extrai também, por exemplo, os prefixos e os sufixas. A fungéio de todas essas operagdes ¢ tornar disponivel a informagio suficiente para que, no nosso léxico mental* ~ {sto é, 0 conjunto das palavras que conhecemos, registradas ‘em nossa memoria -, sejam selecionadas as representacoes ortografica e fonolégica que correspondem, por exemplo, & sequéncia de letras “nacio’ Representacdo ortogréfica e representagio fonolégica: 6 leitor talver saiba o que essas expresses significam. Mas ‘no vamos em frente sem verificarmos se todos sabem. O que ambos os tipos de representagéo tém em comum é serem representagies deum contetido absiratoendo concret, fisico REPRESENTACAO ORTOGRAFICA E REPRESENTACKO FONOLOGICA Comecemos pela representactio ortogrifica. Ha uma diferenga de abstragéo entre grafia e ortografia’, Se escrevermos CRIANGA, crianca, crian so todas reelizagées erdficas diferentes, formas visualmente diferentes, E, no entanto, sabemos muito bem que se referem @ mesma palavra. & isso a representagio ortografica’: nio importa se no, em outra fonte ov em outro tamanho. nga, CRANGA, em maiisculas ou mindsculas,e 22 Em portugués, hd algumas centenas de mihares de pala- ‘ras diferentes, por isso precisamas de um mecanisto répico e ‘utomético para que o reconhecimento de cada palavra em tum texto tenha lugar em dois ou trés décimos de segundos. Se ndo calculéssemos representagbes ortograficas e apenas percebéssemos representagoes gréficas, terfamos de reco- mhecer entre milhées de milhées de milhOes de formas possivels, uma infinidade, a leitura seria imposstvell Ea representaciofonoldgica? O principio é o mesmo, Cada pessoa que diz “palavra" em voz. alta a pronuncia diferente- ‘mente, porquetemosvozes diferentes, manetras ligetramente diferentes de falar, mais depressa ou mais devager, com ‘mais ou menos forga e segundo o sotaque regional. Assim, 0 carioca pronuncia 0°s" de “Iépis" como 0 int Tetra"X",enquanto os outros o pronunctam como na letra ‘S' € muitos gatichos prontnciam o ‘r” de “roda” enrolando a lingua,enquanto os outros o fazem guturalmente, S30 formas aciisticas e até fonéticas” diferentes, que percebemos como diferentes. De novo, estamos perante milhdes de milhoes de milhdes, uma infinidade de formas (prontincias) possiveis. Para percebermws e produzirmos a fala, ¢ para a repre- sentarmos graficamente, precisamas reduzir toda essa varie- dade a formas abstratas — as tais representagbes fonol6gicas, nas quais as nossas maneiras diferentes de pronunciar 0 “:" de “roda’ ja nfo_ so representadas. Sabemas que o nosso ccérebro dispde de tais representacdes, e que elas participam, do reconhecimento das palavras escritas Depois desta breve digresstio por tals mecanismos, vol temos as letras, mas agora em relagdo & aprendizagem dateitura, do nome da 23 a adam 8] OS FONEMAS NAO SkO SONS JA dissemos anteriormente que cada letra ou, em alguns ‘casos, um pequeno grupo de letras, representa um fonema, um “som' elementar, que, na realidade, ndo é um som: é antes ‘uma abstragdo do som. Essa nogo de fonema ¢ diffell de entender, eas criangas, antes de aprenderema ler, nao tém a menor intuigao do que seja.E se um adulto que nfo estudou fonologia’ nao tem muita dificuldade em compreender 0 que é 0 fonema é justamente porque aprenden a ler no siste~ ma alfabético. Como “fonema’ é uma palavra técnica, tal como séo ‘técnicas as palavras “atomo’,“elétron’, ‘gene’, “aminodcldo’, etc. - sua compreensio depende de conhecimentos cienti- ficos -, as pessoas ficam surpresas ao ouvirem dizer que as letras representam fonemas. Leram por acaso a primeira estrofe do poema portugues Balada da neve, de Augusto Gil? Batem teve,levemente, Como quem chara por mim. Serd chuva, serd gente? Gente no ¢,certamente E achuvando bate asim 0 fonema também bate de algum modo, mas ao “ouvido da mente’, Comecemos por ouvir a primeira palavra: "Bate Ela tem duas emissGes dle voz, duas unidades sonoras, duas sflabas (desculpe-nos a falta de poesia da analise formal... A primeira silaba é “ba’, ¢ escreve-se com um “b” e um “a’, uma consoante e uma vogal. Se quisermos dizer apenas a 24 vogal, nao ha qualquer difculdade: “a’ Allés, acabamos de dizer (escrever) “ha, Podemos dizer um “a” mais curto, dizer uum ‘aaa’ mais longo e continuo, sempre em um s6 episécio de emissio de vor. Mas se quisermos dizer apenas a consoante, af comega a dificuldade; na realidade, ¢ impossivel, Podemos comecar, “b.., e no terminar a silaba Porém, no ¢ sé “b." 0 que dizemos. Narealidade ¢ /bey, mas no procure ler este sfmbolo/9/, que faz parte do Alfabeto Fonético Internacional (AFD¥ e designa uma vogal central semifechada. comoum’é reduzido, que se pronuncia quase sem abrir os labios. Para ter uma ideia do que ele representa, comece a pronunciaro“b-" da palavra “besta’, mas j4 nfo o*-es", como se tivesse se dada conta que era melhor ficar calado, Pormais que tentemos cortarcedoa silaba, por mais forte que seja.a nossa impressdo de dizermos 56"b.”,ainda dizemas uma vogal muito répida, muito ténue, Confirmando essa ideta, foram fettas experiéncias com ravadas, 8s quais se ia cortando pedaci- nhosdesorma partir doinicloe sem surpresa,acertaalturas6 ficou /a; mas quando se fazta 0 contrario,isto é, comecava, ‘a cortar a partir do fim, pedacinho por pedacinho, quando se deixou de ouvir ‘ba/ com um fa/ muito breve, também ja info se ouvia a consoante /bi,mmas um som estranho que no sflabas como /ba/ 2. Ossimboles do AF sio spresentads entre linhesobliquas,geralment® das para indicer representaghes fonologicas abstratas (fonemas ou sequencias nétieat no Gloss) sioindicados entre parénteses nets. Porsimpliicacho, no fares aqut essa distingao. fonemnas) enquanto os segmentosfoneticos ou fanes (ver fo parecia ser fala, O que isso quer dizer? Que nds percebemos que no inicio de /ba/, bu’, /bi, bel, etc, ha qualquer coisa que é sempre a mesma, uma coisa que designamos por "b’, wio existe isoladamente. Eos adultos que nunca aprenderam a ler e escrever em uma escrita alfa- Dética nao conseguirdo dizer que no inicio de “ba’ ‘bu’, “bi, etc, ha um °b" Apenas serio capazes de achar que tém um, ar familiar Portanto, nossa certeza de que todas essas silabas come- am pelo mesmo “som’, um *b’, é uma impressio de pessoa alfabetizada. Ao comecarmos, quando criangas, a aprender as letras e a fazé-las corresponder a pequenas unidades abstratas na fala, para podermos representar por escrito sflabas como /bal, criamos essa falsa impressdo de que /bat ‘mas na realidade este’ so dois sons. ‘Vocé, leitor, nos diré: muito bem, "b" no é som, mas alguma coisa ha de ser. OS GRAFEMAS REPRESENTAM FONEMAS E OS FONEMAS REPRESENTAM MOVIMENTOS ARTICULATORIOS COMPLEXOS O letor tem razéo: alguma coisa é, ou melhor, “b” corres- ponde a alguma coisa. Corresponde ao conjanto de movi- jos que sfo efetuados quando dizemos oat, ou, (bil, etc. Que o leltor diga enttio essas silabas, agora ‘mesmo, enquanto Ié este trecho, Reparou no que fez. com a boca? Seatinha aberta, fechou-a. Eonde é que a fechou? Nos libios. Para pronunclar cada uma das sflabas, deve até ter tido a impressio de que empurrou a boca para a frente com, © ar que vinha de seus pulmdes, £ isso, 0 tal /b/ produz-se 26 fechando os labios, por isso se diz que éuma oclustva labial. E agora diga /da/, dul, fal. Nesses trés casos também obstruiu, a boca, mas mais atrés, nos dentes, e quando os abriu para deixar passar o ar, isso produziu 0 que se chama uma ociu- siva dental Nés, letrados lfabetizados, transformamos em um conceito, em um *som" e até em uma coisa o que, na reali- dade, apenas uma maneira particular de produzir fala. Aina se esses movimentos articulatérios pudessem acontecer sozinhos, independentemente do resto... Mas no, no se poclem separar dos outros gestos que permite pronunciar a vogal. Por qué? Porque, antes de abrir a boca, a lingua, rela~ tivamente ao palato, nfo est4 na mesma posicéo quando se diz Mba, bu, iY. A consoante é exatamente isto quea palavra diz: ela acompanha uma soante, A consoante no gosta de ‘iver sozinha, gosta demats das vogals Ou, ent, é a vogal que munca detxa a consoante ir a lado algum sem ela, Por vveres, hd outra consoante que se mete pel “brat de"bravo", mas sempre hd uma vogal Para crianga que ainda néo aprendeu aler, falar de /b9.J. Dizerthe que as letras “b" ea" juntas fazer “ba” é dizer qualquer coisa de incompreensivel, poraue fbe! ei alguém ajuizaclo, nao faz (bal, faz /b8-al,e por mais que tente colar uma & outra, dizé-las sem intervalo, o mais depressa possivel, faz sempre fbga/, Para essa crianga, D9) + fa! 36 fara Iba/ quando ela compreender que em fba/ ndo esta (b8/, © que esta em fal, em /bu/,em (bY no é um som, é uma unidacle abstrata dat estrutura da fata (/b), que esti em todas elas Ela vé a letra “b" antes doa’ do" d ronunciar essas sflabas, procura entender suas explicagbes, 7 ové apontar para “bo" e, em algum momento, tudo se passa como se dissesse para consigo: —Pois é, esse tal 28" com “o" nfo pode dar "b9-6": Com’ "eno "9" ~ curso, quase nao ‘coisa que também digo em “be” em “bu; em “bi" Como agora ele me mostra ‘bo’ ¢ jé me disse que “o" 66", se digo "b8-6, vou exrar de novo. 0"b" do "bo" deve ser essa coisa que sinto nos meus labios e que ‘ougo na minha cabega quando digo “bat "bu "bi An, entgo ~ digo para mim mesmo ~ é capaz de ser "bd", Olho para (070%, amedondo os labios e baixo a lingua como se fosse para dizer "6", mas asseguro-me que, antes do “o' a vigit- slo, esté ob" earrisco: bo" Olha agora a cara dele: — Muito bem, parabénsi, diz-me, todo excitado, E eu, que satisfac ‘a minhal Parece que compreendi alguma coisa. Ele agora ‘estico os léblos, mas sel que 1ndo 6 56, que ndio posso dize 1ébios como fiz para *bo",e de rey mostra-me ‘br’ Penso no sem primeiro fechar os igo: bil E essa crianga, que acaba de inferir de algum modo o que ¢ fonema, comeca a acreditar, ela também, erradamente como muitos adultos alfabetizados, que 0 fonema (‘be", como ela diz e muitos de nés dizemos), representado peta letra “b’, € um som. Essa ¢ uma crenga que resulta da nossa tendéncia de transformar em unidades concretas, em coisas, aquilo que sé existe como representaco abstrata de um padrao articulatério, comum a um determinado conjunto de sflabas, 28 Pouco importa que a crianga consitlere como um som o Jol de“ba’,“bu’, “bi ete, o que importa é que ela ndo como um som, porque, se 0 fizesse, continuaria a nao saber Ierem um sistema alfabético de escrita. Néo se pretende que ela se forme em linguistica aos seis anos; 0 que se quer € queaprenda a ler, epara isso que se torne capaz de representar me poder lé-las nas suas diferentes combinacGes sil lize mente as diferentes consoantes e vogais de maneira a ANOGAO DE FONEMA, UMA PROEZA DE INTROSPECGAQ NO FUNCIONAMENTO. DA LINGUAGEM Como é que a crianga pré-alfabetizada poderia pensar que @ fala é uma sequéncic organizada de pequenas unidades ~ @ que cchamamos fonemas ~ se nunca teve necessidade de repre- que cada uma dessas palavras é constituida por duuas unidades. Na realldade, a representacdo que nés, adultos alfabe- tizados, temos da fala nao 6 inteiramente correta. Temos tendéncia a pensar que em “ra e “le" ha primeiro uma con- soante e depois uma vogal, coma se pronuncigssemos primetro uma e depois a outra. Essa impresséo resulta de escrevermos primeiro @ consoante e depois a vogal (2) Porém, na fala, isso no acontece. Se quiséssemos que a nossa boca tomassea configuracso necesséria para primeiro produzir a consoante ¢ depois a vogal, na realidade pro duziriamos “re-8'. Para produzirmas “ra, quando a boca: se abre, ela jé esta configurada para produzir tanto a con- soamte como a vogal. Por isso dizemos que, na fal, os foriemas flo coarticulados. E é assim que a nossa escrita, sendo alta- mente analitica, transforma em sequéncia estrita aquilo que na fala ndo 6 estritamente sequencial Ao aprendermos a ler, aprendemos que hé letras que representam consoantes e outras que representam vogais, ‘Aprendemos que ha letras de vogais que por si sé represen- tam palavras ~“a’,‘e',’0"~, mas que as consoantes nunca se escrevem isoladamente. E damo-nos conta de que as fron- telras entre as sflabas geralmente so indicadas por con- soantes (p. ex, em “boneco’, “carta’). Porém, hé diferencas funcionals importantes entre as consoantes e as vogats de que niio nos apercebemos ao aprencdermos a ler ¢ escrever. As vvarlagdes de consoante permitem gerar um niimero enorme de palavras com significados muito diferentes. Por exemplo, partir da bas jola”, muddando a consoante inictal, encon- a variagdo de vogal multas vezes serve para indicar uma variag2o morfoldgica ow sintéxica; por exemplo, “a}col colo’ "(que eu/elafele) cole”. Assitn, embora a escritaalfabética nos dé alguns indfcios sobre a estrutura fonolégica da fala, ela ni nos revela essas fungdes das consoantes e das vogais, Acontece frequentemente na histéria da humanidade que todas as potencialidades de uma capacidade nao sejam imediatamente concretizadas e suas propriedades, com- preendidas. Fo! o caso da escrita em geral e da escrita alfa~ bética em particular. $6é muttos mihares de anos depois de s seres humanos terem comecado a se comunicar pela 30 fala, eles elaboraram um instrumento, a escrita alfabética, que representa a propriedade ndo aparente, escondida, da fala, que € 0 fato de nos sons que produzimos haver vogais ¢ consoantes e de todas elas poderem ser representadas por sinais graficos distintos. E essa proeza cultural dos se- res humanos mais recentes (hd trés mil anos apenas!) que cada uma das nossas criangas tem de refazer por sua vez. Como alguém pode imaginar que seja féell e muito menos espontineo? Nao énem parao adult. Como alguém pode imaginar que basta colocar 0 aprendiz do atfabeto diante de textos ou mesmo de palavras escritas isoladas e esperar que ele descubra por si sé a chave o enigma? E dificil compreender que haja quem defenda ‘quea aprendizagem da leitura no necessita de ensino, argu- ‘mentando que a crianga, senhora de uma inteligencia ativa, construtora de hipéteses, rapidamente descobre, sem ajuda deprofessor, qual éo elo queliga oalfabeto’ fala. Naverdade, esse elo € altamente abstrato, As letras do alfabeta representam a dindmica prépria da fala, a estrutura do seu movimento, Nao representam coisas nem sons, Os fonemas s80 como os flocos de neve do poema, “Batemn leve, levernente.", Nao é chuvva, néo é gente: eles cae e,ao cafrem na neve jd formada no solo, fundem-se nela € deixam de ter existéncia prépria, Ouvir a neve a cair exige um coracao de poeta. Ouvir 08 fonemas a pulsarem na fala exige uma crianca e um adulto a auscultarem juntos as mais apropriadas combinagées de letras. O principio alfabético* é 0 principio de correspondén- cia entre os fonemas e os grafemas. Descobri-lo requer um estetoscépio muito especial. al Na literatura de cordel, feita pelo povo e para 0 povo (parafraseando Lincoln, poderiamos dizer “ crética’), mais precisamente em um folheto intitulado A gramdtica em cordel, de José Maria do Ceara, pode seguinte poema: sratura demo- As letras trazem fonemas. Epara mais claro car, (0s foneras sa0 0s sons (Que usamos pra falar. Onde esté oerro e ondeestaaverdadenesse poema? Quando José Maria do Ceard escreveu “As letras trazem fonemas’, 0 “trazem’ exprime muito bem a fungio das letras. Mas quando escreven “Os fonemas stio os sons.” retomou uma velha crenca, Na verdade, é necessdrio termos presente, nds que queremos ensinar a leitura as nossas eriangas, que fonemas nao so sons. 32 RECOMENDACOES AOS PROFESSORES O professor deve estar consciente de que néo é fécll, para fa crianca, compreender 0 que representam as letras € os grafemas.E deve refletir ele priprio sobre essa questo. Para, escolher corretamente os exercicios que permitem essa compreensio ~ dos quais veremos ulteriormente alguns cexemplos — avaliar as dificuldades de cada crlanca que esto aparentes nas suas respostas e procurar a melhor manelza de contornélas, ¢ muito ttl que o professor lela esta ou aquela obra acessivel sobre o papel da fonologia na letura e na ‘aprenciangem da leitura (uma lista bibliogréfica 6 apresentada, no fim do livro), Essa leitura deve ser completada por discus- 80es coletivas na escola entre professores tanto sobre os princt- pias tebricns como sobre sttuagdes vividas e casos ce alunos ‘que reagem bem out mal As atividades destinadas & tomada NOTA DO AUTOR livro tem causa remota no fa le uma editora francesa 0, a escrever ter me convidado, no inicio da década de 1 uma obra de divulgagdo sobn da leitura, Lort 194 € traduzido no a ter efeitos inespe- ‘ado em Paris em abril de em Portugal e na Espanha, vei rados, Em 1995, 0 ministro francés da Educagio criou 0 Observatoire National de la Lecture, Dele durante 42 anos e fui respons 1g98) que influenciou consideravelm clais eas prticas 3 fiz parte de um grupo de e Comisséo de Educagao e Cultura da Camara dos Deputados 2.0 relatério Alfebetizactio infant Desde entao, tenho falado ensino daleitura na Franca. Em. 1e apresentou. (5 noves ct a milhares de professores, em. muitas cidades ies, sobre 0 ensino ea aprendizagem daleitura, ho de 2006, a Comissaria do Plano itura, Dra. Isabel Alcada, convidou-me, assim.

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