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(Elia) Obra-prima de José Lins do Rego, esse romance regionalista mostra o declinio dos engenhos de cana-de-acucar nordestinos e traga amplo perfil das figuras decadentes que giravam em torno dessa atividade econdmica. Primeira parte: “O mestre José Amaro” Seleiro renomado da regiao, Mestre José Amaro vive nas terras pertencentes ao Seu Lula. A dedicagao do homem ao oficio consome a satide, conferindo-lhe um aspecto doentio. Mora inicialmente com a filha Marta, uma solteirona que acaba enlouquecendo, e com a mulher, Sinha. José Amaro reside na beira da estrada, localizagao que favorece 0 contato com varios personagens que passam pelo caminho. Entre as principais figuras com as quais desenvolve suas conversas estao 0 Capitao Vitorino Carneiro da Cunha, de quem se apieda pelo modo como é tratado pelo povo da regiao; 0 cego Torquato e Alipio, mensageiros do Capitao Antdénio Silvino, cangaceiro temido da regido. O mestre admira e respeita o cangaceiro, por considera-lo 0 vingador dos pobres e explorados. Em certo momento, Marta tem um forte ataque de convulsao nervosa e José Amaro a espanca no intuito de cura-la. Em virtude de seu semblante doentio e da insonia, que o leva a vagar pelas madrugadas nas ermas estradas da regido, José Amaro é amaldicoado pelo povo, que o acusa de ser um lobisomem. Homem orgulhoso, que sempre se gabava de trabalhar apenas para quem Ihe aprouvesse, o mestre se indispde com o dono da terra em que vivia, de onde acaba sendo expulso. A tragédia do personagem se completa com a internacao da filha, que enlouquece, e com a fuga da mulher, que teme sua figura doentia e vai aos poucos acreditando nas historias do povo, até enxergar no marido a figura maldita do lobisomem. Seu fim tragico so sera revelado na terceira parte do livro: entregue a propria sorte, José Amaro é preso e humilhado pela tropa do Tenente Mauricio, acusado de colaborar com o Capitao Antonio Silvino. Perdido irremediavelmente o orgulho, unico bem que possuia, o mestre se suicida. (Esdras) Segunda parte: “O Engenho do Seu Lula” Para contar a historia do personagem Luis César de Holanda Chacon (Seu Lula), o narrador promove um recuo temporal rumo a época da construgao do Engenho de Santa Fé. 0 fundador do engenho fora o capitao Tomas Cabral de Melo, que chegou a regido, um sitio proximo ao engenho Santa Rosa, e criou um dos maiores engenhos do local, conquistando o respeito e a admiracao de todos. Homem sério e trabalhador, o capitao trouxera para a regido gado de primeira ordem, escravos e a familia. Construido seu imenso patrimonio, faltava a ele uma Unica realizagao: casar a filha — que tocava piano e havia estudado no Recife — com um homem digno de sua educagao. Rejeitando todos os pretendentes da regiao, por nao terem os requisitos necessarios, 0 capitao comeca a se preocupar com a idade da filha e com sua condigao de solteira. E quando chega de Pernambuco 0 filho de Anténio Chacon, homem de coragem e muito admirado pelo capitao. O nome do rapaz é Luis César de Holanda Chacon. Fino e estudado, é considerado pelo capitao Tomas um otimo partido para a filha e para suas ambigdes. Depois de casado, 0 capitao percebe que 0 genro nao se interessa pelo trabalho do engenho e passa a considera-lo um leseira (pessoa tola ou preguigosa) para os negocios. Apos a morte do capitao, essas suspeitas se confirmam. Seu Lula, como passou a ser chamado, mostra-se um senhor de engenho autoritario, que imp6e severos castigos aos escravos e lidera sua familia e o engenho sem o talento nem o trabalho do capitao Tomas. Dessa forma, o engenho entra em decadéncia e, apos a abolicdo da escravatura, os escravos debandam e o engenho deixa de produzir agucar (torna-se “fogo morto”). Comandando tudo de forma autoritaria, Seu Lula proibe sua filha Neném de namorar um mocgo de origem humilde e a moga acaba virando motivo de chacota na cidade. Apo6s um ataque epilético, Seu Lula passa a se entregar a religido sob influéncia do negro Floripes. Por fim, acaba gastando todo o dinheiro que havia recebido de seu sogro como heranga. Esta parte do livro se encerra com a famosa frase “Acabara- se o Santa Fé”. (Caique) Terceira parte: “O Capitao Vitorino” Capitao Vitorino 6 uma personagem que perambula pelas estradas, como um cavaleiro errante, ostentando um poder e uma dignidade que esta longe de possuir, sendo uma parddia de Dom Quixote de La Mancha. O capitao vive, assim como Mestre José Amaro e Seu Lula, em uma realidade muito diferente da que tenta aparentar. Certo dia, o capitao Antdnio Silvino invade o engenho Santa Fé apos saquear a cidade do Pilar. Ao tentar defender o engenho, Capitao Vitorino é agredido. Porém, ele é salvo com a intervencao de José Paulino. Com a chegada da policia, todos so presos. Apos ser liberado, Vitorino pensa em seguir carreira politica na regiao. (Caique) Personagens Mestre José Amaro: é branco e sente-se orgulhoso por isso. E explorado por seu patrao, mas sabe que nao tem outra alternativa. Trabalhador livre, tem coragem e apoio do cangaco. Seu Lula (LUis César de Holanda Chacon): preguigoso e autoritario, acaba perdendo toda a heranga que recebeu e arruinando 0 Engenho Santa Fé. Apos perder tudo, refugia-se na religiao. Capitao Vitorino Carneiro da Cunha (Papa-Rabo): é o defensor dos mais pobres e dos oprimidos. Embora plebeu, por ter parentesco com o Coronel José Paulino, diz-se capitao. Coronel José Paulino: poderoso senhor de engenho. Sinha e Marta: respectivamente mulher e filha do Mestre José Amaro. Amélia: esposa do coronel Lula. Adriana: esposa do Capitao Vitorino. Capitao Antdnio Silvino: chefe dos jaguncos que atemorizam os senhores de engenho e politicos da regiao, lembra a figura do lendario Lampiao. Tenente Mauricio: chefe das tropas do governo, é antagonista do Capitao Antonio Silvino. (Elia) Sobre José Lins do Rego José Lins do Rego nasceu no engenho Corredor, em Pilar (Paraiba), no dia 3 de junho de 1901. Foi criado no engenho de seu av6 materno, uma vez que seu pai era muito ausente e ele era orfao de mae. Formou-se em 1923 na Faculdade de Direito do Recife, Pernambuco. Durante sua época de estudante comecou a escrever contos e artigos com tematica politica, vindo a manter amizade com diversos escritores e intelectuais importantes da época. Dentre eles, destaca-se 0 socidlogo e escritor Gilberto Freyre, uma de suas maiores influéncias. (Esdras) Casa-se em 1924 com Philomena Massa, com quem tera trés filhas. No ano seguinte, torna-se promotor publico em Minas Gerais, mas transfere-se em 1926 para Maceié (Alagoas). Em Maceid, José Lins do Rego ira conviver com o meio literario formado por Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Jorge de Lima e outros, vindo a formar sua consciéncia regionalista. Sua obra de estreia, “Menino de Engenho", foi publicada em 1932 e recebeu o prémio da Fundagao Graga Aranha. (Caique) Em 1935, muda-se para o Rio de Janeiro, onde passa o restante de sua vida. Em 15 de setembro de 1955 é eleito para a Academia Brasileira de Letras. Dois anos depois, em 12 de setembro de 1957, falece no Rio de Janeiro. Suas principais obras sao: “Menino de Engenho” (1932), “Doidinho” (1933), “Bangiié” (1934), “Usina” (1936), “Riacho Doce” (1939) e “Fogo Morto” (1943). Elia Resenha do livro: Ha um episodio da vida do escritor paraibano José Lins do Rego (1901 - 1957) que ilustra o seu temperamento e a forma como via 0 mundo. Em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras (ABL), em 1955, ao falar sobre Ataulfo de Paiva, seu antecessor na Cadeira n° 25, foi pouco diplomatico: "Chegou ao Supremo Tribunal Federal sem ter sido um juiz sabio e a Academia sem nunca ter gostado de um poema’. A partir desse fato, foi instituida na ABL a censura prévia aos discursos de posse. Publicado em 1943, "Fogo Morto", 6 uma contundente visao do processo de mudangas sociais e econédmicas do Nordeste brasileiro. O titulo refere-se a transformagao do Engenho Santa Fé, localizado na zona da mata da Paraiba, de nucleo de poder econémico a pdlo de miséria, com o apagar definitivo de suas fornalhas. "Fogo morto’ é a expressao utilizada no Nordeste para denunciar a inatividade de um engenho. A forma como José Lins conta esse processo ultrapassa a mera classificagao geralmente dada ao livro de romance regionalista e o insere na tradicao brasileira, que inclui "O Cortico’, de Aluisio de Azevedo, como narrativa que toma como protagonista nao um personagem isolado, mas um local, no caso, o engenho decadente. Caique Estilo do autor Marcado por frases curtas, pela espontaneidade e oralidade, prdprias do cotidiano, 0 estilo do autor ja se faz presente em "Menino de Engenho’, seu primeiro romance, de 1932, que lhe rendeu o Prémio da Fundagao Graga Aranha. Esse livro ja integra o seu ciclo da cana-de-acucar, completado ainda por "Doidinho' (1933), "Bangué" (1934), "O Moleque Ricardo" (1935), "Usina" (1936) e o proprio "Fogo Morto" (1943). O ultimo romance dessa saga nordestina é dividido em trés partes: "Mestre José Amaro’, "O Engenho de Seu Lula" e "“Capitao Vitorino Carneiro da Cunha’. A primeira trata especificamente do seleiro homdénimo. Cada vez mais ensimesmado e agressivo, 6 abandonado pela esposa, vé a filha enlouquecer e perde o emprego com a progressiva crise econémica. Solitario, suicida-se. Esdras Engenho em declinio A segunda focaliza o proprio Engenho Santa Fé. Inicialmente, ha a prosperidade levada adiante pelo fundador, 0 capitao Tomas Cabral de Melo. Ja 0 seu genro, Luis César de Holanda Chacon, o Seu Lula, mais aristocratico, religioso e extremamente preconceituoso em relagdo aos negros, conduz o empreendimento ao declinio. O Capitao Vitorino é 0 centro das atengées na parte final. Compadre de mestre Amaro e ironizado até a segunda parte do livro, torna-se, no Ultimo tergo, um Dom Quixote (alusao ao personagem de Miguel de Cervantes) do sertao nordestino, com todo um discurso em prol da justiga e da igualdade social, que desafia 0 poder dos latifundiarios. Sonhava entdo em atingir o poder politico e, mesmo sem possibilidades concretas de tornar esse desejo realidade, imagina-se em postos de comando, escolhendo assessores e recebendo aclamagées da populagao. Temos assim, a narrativa de trés fracassos: o seleiro que da fim a sua existéncia isolado, o engenho cujo fogo nao é mais aceso eo sonhador que vive mergulhado em suas fantasias de atingir uma posigao social que esta, na pratica, bem distante dele. Essas derrotas sao narradas com vigor por um escritor que, como mostrou seu discurso de posse na ABL, nunca se preocupou em agradar ao poder, seja na esfera literaria, econdmica ou politica.

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