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te | ae | SS ENN UILe oo ne eco CeTULrCoearty | Pentre een eee Oi etn CASOS CLINICOS o | Oren eer een tty Preece meat reed eS eco ee coat) Pie eo reer eure aa a Pent tie cic is . Bxaminadas em . rece) Perera ne etsy Sone pee ee eee eect nee oe) Pet et er eee pee eee eos Pee eee ent | i 5 i SUEUSH a CHRISTOPHE a BSED ET RTOAI EPRI RERTOCUISNSATTINEAUAY HIME STL ODI i \ PSICODINAMICA DOTRABALHO: CASOS CLINICOS SOBADIRESAODE CHRISTOPHE DEJOURS Copyright © PUF/Humensis, Observations cliniquesen psychopathologie du travail ConsELHO EprrontaL, Gustavo Faraon, Julia Dantas e Rodrigo Rosp PROJETO GRAFICO Bloco Grifleo |AssISTENTH DF DESIGN Stephanfe . Sh FOTO BO AUTOR Arquivo pessoal zevisao Fernanda Lisboa e Raquel Belisario ads Intetnaionas de Ctalogag na Plea rr) arp Bcjours, Christophe Paicodindiiea do tablho:catselnios}Chisiophe jours — orto alegre: Dubinense, 2017 sa pis 23em sam 9788589180906 1. Piologia Organizciona. 2. Sade Ment 4, Fag. 4. scopatolgla rab. Pca. copasso44 “Gtalogaeo a one Ginamir de Olea Lima(cxs 10/1208) ‘Todos os diteltos desta ediho reservados hEitora Dublinense Lada Av. Augusto Meyer, 163 sala 605, ‘usiliadora, Port Alegre, RS contatoepaublinense.com.br W by WW De eee eee eee PREFAGIO ‘APRESENTAGAO CAPITULO 1 . : LOUCURA E TRABALHO: DA ANALISE ETIOLGGICA As CONTRADIGOES TEORIGAS (ACERCA DE UMA CRISE ASMATICA) {CHRISTOPHE DEJOURS) capiruLo it ‘PORTE A PSICOPATOLOGIA DO TRABALHO ‘NO ESTUDO DE UM SURTO DELIRANTE AGUDO [He BENSATD] CAPITULO IH “DOUTOR, ALZHEIMER, WA MINHA IDADE, ISSO EXISTE?" ‘UMA ENIGMATICA ALTERAGAD DAS FUNGOES COGHITIVAS EM UMA PACIENTE DE QUARENTA ANOS (MARIE-PIERRE GUIHO-BAILLY/PATRICK LAFOND] CAPITULO IV CENTRALIDADE DO TRABALHO” E TEORIA DA SEXUALIDADE [CHRISTOPHE DEJOURS) caplTuLo v . (0 ASEDIO MORAL NO TRABALHO: PRIVAGAO DA LIBERDADE {MARIE GRENIER-PEZE] CAPITULO VI a NOVAS FORNAS De SERVIOAO E SUICIOID [CHRISTOPHE DEJOURS) rericio A psicopatologia do trabalho constitui apenas uma parte da psicodinamica do trabalho. Esta, na verdade, amplia sua in- vestigagao em um campo que tem se tornado cada vez mais, extenso nos tltimos tempos. A tese da “centralidade do tra- batho” abrange, hoje, cinco dimensdes: + Acentralidade do trabalho no que diz respeitoa satide mental. + Acentralidade do trabalho no que diz respeito as rela- (¢0es sociais entre homens e mulheres (0 género).. + Acentralidade do trabalho no que diz respeitoas trans: formagies da urbe. + A centralidade do trabalho no que diz respeito & + Acentralidade do trabalho no que diz respeito teoria do conhecimento (epistemologi: A psicodinamica do trabalho procura dar conta nao somente do sofrimento no trabalho e das patologias mentais a ele re- lacionadas, mas também das condigdes em que o trabalho 6 fonte de prazer, podendo desempenhar um papel na cons- trugdo da satide (sublimacio). Masa psicodinmica do trabalho nao éapenas uma teoria da relagao subjetiva como trabalho e de seus reflexos nas ou- tras disciplinas constitutivas das ciéncias humanas e sociais. ‘Trata-se também de uma pritica, Essa pritica se desenvolve principalmente em dois terrenos: + Noterreno das empresas, dos érgios administrativos ou das insticuigoes, com o objetivo de restaurar as condi- Bes de possibilidade de uma deliberacdo: dliberagio coletiva orientada para a busca de uma agao racional ca- paz de transformar a organizagio do trabalho para res tituirthe sua forga de mediadora na realizagao pessoal. + Noconsultério, em atendimento e acompanhamento de pacientes que sofrem de transtornos psicopatol6- gicos relacionados com o trabalho, No Brasil, so, sobretudo, os ergonomistas, engenheiros, psi- edlogos do trabalho, profissionais da satide (enfermagem), sindicatos e juristas que recorrem & psicodinamica do tra- balho como referéncia para pensar as transformacdes da “organizagao do trabalho. Por outro lado, a psi¢odinamica do trabalho usada como referéncia na pritica psicoterapeu- tica e psicanalitica é ainda mal conhecida nesse pais. Este € campo especifico da psicopatologia do trabalho, que, na Franca, contudo, tem se desenvolvido muito hd varios anos. 0 objetivo deste livro é por disposicao dos profissionais casos elinicos que ilustram a abordagem psicoterapéutica quando esta se preocupa especificamente com osefeitos dos constrangimentos engendrados pelo trabalho sobre o fun- cionamento psiquico dos individuos. Podemos considerar trés niveis de andlise: a clinica, ate- oria e a pritica. A eliniea é 0 corpus de conhecimentos volta os para a identificagao dos sintomas, das sindromes e das. oencas que um paciente apresenta e que permitem fazerum diagnéstico dos transtornos dos quais se queixa. Ateoria é0 conjunto de conceitos que possibilita compreender como a subjetividade ¢ mobilizada no trabalho, ou seja, 0 que per- tence & subjetividade, de um lado, na formaedo da inteligén- cia do individuo (engenhosidade) e, de outro, na inteligéncia coletiva (eooperacao). A teoria ¢ indispensével paraa compre- ensio do trabalho vivo e de seus efeitos benéficos ou nocivos para funcionamento psiquico de cada paciente, em particu- lar. Em compensagao, a teoria nao traz diretamente resposta nem solugio para tentar resolver 0s conflitos psiquicos que afligem um paciente. £ unicamente através de sua pritica ‘que o psicoterapeuta consegue encontrar ¢ inventar 0 cami- rho que dard ao paciente a possibilidade de elaborar novos ‘compromissos entre a organizacio psicossexual herdada da infancia e a organizacao do trabalho que Ihe ¢ imposta pela empresa ou pela instituiga0 onde trabalha. 0 instrumento essencial da pra -scutar para tentar compre- ender o que dize viveneia o paciente. Escutar ¢ buscar. Mas buscar compreender 0 qué? A aptido do psicanalista nao repousa apenas emtalentos individuais de sensibilidade, tato ou intuicéo. Ela resulta essencialmente dos conhecimentos teéricos de que dispoe o profissional. Se eu escutara musica de Schubert com base apenas em minha sensibilidade espon: tinea, poderei sentir algum prazer e adquirir algum conheci- ‘mento, mas se aprendia teoria do contraponto, da fuga ¢ da harmonia, entenderei certamente muito mais coisas nessa iisiea do que um leigo. Ese forem os Lieder de Schubert, en tenderei alguma coisa, é claro, mesmo desconhecendo a lin- gua alema, No entanto, se compreendo o texto do poema de amor de Goethe, com o qual Schubert trabalhou para escrever ‘sua miisica, ento, a0 escuts-la, posso ficar tio emocionado {que nfio consiga evitar derramar ligrimas. Minha sensibilidade, portanto, nao depende apenas de minha espontaneidade. A sensibilidade é conceitual, ¢ ‘quanto mais conhecimentos tedricos eu tiver, mais aumento minha sensibilidade &escuta. Os conceitos da psicodinémica do trabalho sao necessérios ao clinico para instrumentali- zar sua escuta e aumentar sua sensibilidade a fala do paci- ente quando este contar sua experiéncia do trabalho vivo. B ‘quanto mais conhecimentos se tem, maior éa curiosidadee mais se desenvolve o desejo de buscar e compreender -é 0 que Freud designa pelos termos Wisstrieb e Forschertrieb (pul- sto de saber, pulstio de investigar) em “Leonardo da Vinci e uma lembranga de sua infiincia". Quanto mais extensa for a capacidade de investigar do terapeuta, mais chances tem o paciente de compreender uma parte de saber sobre o seu préprio trabalho que, até entio, ignorava. Essa parte, que estava nele em estado de experiéncia vivida, torna-se entio ‘um conhecimento que poder ser usado pelo paciente para inventar novos caminhos para sua vida. E 0 que Freud deno- mina Durcharbeitung (elaboragao). A psicopatologia do trabalho nao seria possivel sem a metapsicologia freudiana, Em contrapartida, a escuta do trabalho vivo pode ser uma via para enriquecer a pratica ea teoria psicanaliticas. a se consideram os aportes da clinica eda psicopatologia do trabalho para a psicanslise em varias sociedades psicanaliticas mundo afora. Na América Latina, principalmente na Argentina, no Chile e no México, as dis- cussbes se desenrolam ha vérios anos. ‘Na Europa, varias sociedades comecaram a se debrucar sobre a clinica do trabalho, nao s6 na Franga, mas também, na Itdlia, em Portugal, na Espanha, na Bélgica e também na Alemanha, onde este livro foi traduzido" Na América do Norte, seminérios foram realizados na So- ciedade Psicanalitica de Montréal, €o livro, publicado em. inglés pela editora Karnac’, foi apresentado no Congresso da 1Pa em Boston, em 2015. Apesar disso, é muito modestoo 4 “revertonsmotocres pex anserr KlinicheFalstdien”. Brandes Apes! eri GmbH Fant M.(2012).Trad: Aci Ruse. 2 “revcoratHotocy oF wonx: Clinics Obeeratione”Kamac Books nied (2015) Transl: Careline Williamson, lugar que a comunidade psicanalitica internacional reserva clinica do trabalho. ‘O Brasil é provavelmente o pais do mundo onde a psicodi- namica do trabalho é mais bem conhecida e mais discutida. Paradoxalmente, as relagdes entre psicandlise e psicopatolo- gia do trabalho tém sido pouco debatidas nesse pais. Foi José Carlos Calich que tomouainiciativa de publicar Psicodindmica do trabalho: casos clinicos em portugues. Psicanalista ¢ bom co- nhecedorda psicanalise francesa, ele submete, assim, acritica de seus colegas brasileiros um material clinico reunido, na Franga, por especialistas. Por todas as razes que foram apre- sentadas neste preficio, desejo expressar-lhe minha gratidao, CHRISTOPHE DEJOURS Novembro de 2016 APRESENTAGAO Este livro tem por objetivo por disposicao dos psicopatolo- gistas “casos clinicos” da psicopatologia do trabalho, isto é, historias de pacientes cujos transtornos poem em xeque a situacdo de trabalho. Nao se trata, portanto, de um tratado, nem mesmo de uma introducao a psicopatologia do traba- Iho. Outras obras foram dedicadas a esse tema: Louis Le Guillant, Quelle psychiatrie pour notre temps? (Toulouse, Brés, 11985); Paul Sivadon, Adolfo Fernandez-Zoila, Temps de travail et temps de vivre Bruxelles, Pierre Mardaga, 1983; 6d. 1996); Isabelle Billiard, Santé mentale et travail. L’émergence de la psychopathologie du travail (Paris, La Dispute, 2001); Joseph ‘Torrente, Le psychiatrie et le travailleur (Paris, Doin, 2004); MarieClaire Carpentier Roy, Corps et dme: psychopatholo- sie du travail infirmier (Montréal, Liber, 1991; ré€d. 1995); Marie-Claire Carpentier-Roy, Michel Vézina, Le travail et ses ‘malentendus (Québec, Presses de l'Université Laval, et Tou- louse, Octarés, 2000); Pascale Molinier, Les enjeux psychiques du travail. Introduction é la psychodynamique du travail Patis, Payot, “Petite Bibliotheque Payot”, 2006; rééd. 2008); Chris- tophe Dejours, Travail, usure mentale (Paris, Bayard, 1980; nowy. ed. auugm. 2005). ‘A finalidade, aqui, ¢ principalmente o enfoque das ques: es que se apresentam ao profissional, em seu consult6ri uno hospital, quando atende um paciente que diz ndo con Jeguir mais suportar 0 trabalho. A queixa lo paciente reves sia uma sindrome de perseguic4o, dissimularia uma sin drome de fracasso, alimentaria um masoquismo que busca ‘uma testemunha complacente? F 0 que as vezes acontece, ¢ ‘trabalho, entdo, é apenas um cenério, enquanto a origem. do drama esta em outro lugar, numa histéria que comegou bem antes do desencadeamento da crise ‘Todavia, encontra-se também a conjuntura inversa: 0 paciente softe indiscutivelmente de uma descompensacéo psicopatolégica, mas 0 papel do trabalho nessa crise ¢ to ambfguo que escapa, as vezes, ao préprio paciente. Isso acon- tece nos dois primeiros casos apresentados neste livro. No primeiro caso, trata-se de uma descompensacio somitica sgrave, que leva o paciente a uma unidade de tratamento in- tensivo (por uma erise asmatica aguda). No segundo caso, re- Iatado por Annie Bensaid, 0 delitio de perseguicio que leva A hospitalizagdo néo apresenta questo profissional. Entio, nada na sintomatologia chama a atengao do elinieo para 0 trabalho. 1sso indiea que a psicopatologia do trabalho nem sempre se apresenta de imediato; 0 profissional, as vezes, precisa buseé-la intencionalmente, pois ela ndo viré até ele de maneira espontiinea. No terceiro caso clinico (apresentado por Marie-Pierre Guiho-Bailly ePatriek Lafond), em que érelatado um caso de estado confusional, percebe-se muito bem como otrabalho, em_um primeiro tempo, serviu de mediacdo efieaz a paciente para a recuperagiio de sua satide mental. F compreende-se ‘como, em um segundo tempo, sucedendo-se a uma transfor ‘macio da organizagao do trabalho, aatividade profissional tomna-se deletériae Teva a paciente a uma impressionante descompensacao psicopatolégica de aspecto demencial, ‘© quarto caso clinico traz uma jovem paciente que busca atendimento porapresentar transtornos que afetam sua vida sexual. A analise mostra que o trabalho é um poderoso me- diador de autorrealizagio, mas, ao mesmo tempo, a fonte de um conflito relativo a identidade sexual. Mais do que os anteriores, este caso mostra como a relagio com o trabalho intrinca-se com a economia sexual. A dimensio do género {jd estava presente nos dois primeiros casos sob a forma de ‘uma virilidade que, nas profissdes de risco (construgao civil), é posta a servico de estratégias coletivas de defesa, necessi- rias para vencer 0 medo e continuar a trabalhar. Porém, no {quarto caso, o género manifesta-se por um contflito entre vii- lidade e “muliebridade”, que acaba por gerar um verdadeiro transtomo da identidade sexual (a “muliebridade” —dolatim ‘muliebris ~ designa as formas de comportamento cuja arti- culagao caracteriza especificamente a condigdo feminina: discricio, servidao, submissao, rentincia, ete.) Encontraremos novamente o género no quinto caso eli- nico (relatado por Marie Grenier-Pezé), sob a forma de uma compulsio a “dessexualizagdo” em uma gestora que traba- Iha num ambiente masculino (senhora T.). Neste caso, 0 tra- balho aparece em primeito plano na queixa e nos sintomas {que levam a consultar, sob forma de assédio moral. Porém, avitima do assédio (Solange) vem consultar alguns meses antes de a senhora'T,,a executiva que exerceu o assédio con- tra Solange, adoecer e procurar a mesma médica, Esse caso especialmente interessante pelo fato de mostrar como a escuta especifica da relaco com o trabalho pos des- construir a légica do assédio moral, a qual nao poderia ser reduzida dle maneira simplista a uma istéria entre um per- verso e sua vitima. Com base nisso, pode-se analisare tratar ‘0s transtornos psicopatol6gicos, mas. elaboracio nao passa pelos caminhos comuns tomados na clinica convencional. ‘O sexto caso clinico refere-se & anélise de um caso de sui- cidio no trabalho. Nao ha duivida de que, aqui, a relago com o trabalho desempenha um papel na passagem ao ato sui ida, Porém, mesmo quando as injusticas e os maus-tratos estdio.em questo, 0 psicopatologista pode ter diividas sobre oque se deve especificamente ao trabalho e o que provém da propria personalidade ou da estrutura do paciente na génese da crise, 0 estado depressivo muito severo que antecede 0 suiefdio deve-se to somente, principalmente ou acessoria- ‘mente ao trabalho? Nao é facil avaliar esses diferentes graus de atribuigao da causa. No caso apresentado, 0s argumentos ddadiscussaio sao examinados um a um e dardio uma ideia das dificuldades que o clinico tem de enfrentar. Porfim, nesse ultimo caso, como nos cinco primeiros, per ceberemos que, para o profissional,o problema principal éa imentosem etiotogia, ou seja, a identificagao do processo em jogo na gé- nese da crise. ‘De fato, em funio do diagndstico etioldgico, a orientagao do atendimento pode mudar completamente. No entanto, & muitas vezes, impossivel fazer o diagndstico etiolégico em ‘uma tinica entrevista. Deve-se admitir, entao, que, num pri- ‘meiro tempo, na pritica, aatitude racional consiste em estabe- Tecer umaalianga com o paciente sobre um primeiro trabalho a realizar: médico e paciente devem procurar compreender juntos como sucederam os acontecimentos e, especialmente, ‘como os esforgos do paciente para resistira deseompensagio foram insuficientes. Depois,énecessario, muitas vezes, passar pela anaiise retrospectiva dos periodos anteriores, quando relacdio psiquica com o trabalho ainda era apropriadamente organizada, para trazer & tona os recursos € 0s talentos mobi- lizados pelo paciente para administrar sua relacao quando a situagao era mais favordvel. Na verdade, quando o trabalho ‘gera prazer, em regra, nao é somente asorte que esti em ques tio, Para aproveitar uma situacao de trabalho aceitivel ou fa- vorivel, ¢ preciso, também, bastante habilidade para dela se apropriar e nao comprometé-la nem desperdigé-la. ses casos clinicos foram escolhidos por mostrar de forma ba nvineente que, neste livr, ele também pode gerar 0 ce | Inver- samente, aqueles que sio privados de trabalho por causa do desemprego sao privados do direito de dar uma contribuicio empresa, a sociedade, até mesmoa cultura. E,em troca, so privados das gratificagdes maiores do reconhecimento, do qual a maior parte dos homens e das mulheres dificilmente preseinde para adquirir uma autoestima ou mesmo para A principal dificuldade, no plano da investigacao etiol6- gica, esté em conseguir fazer a distineo entre o que vem do trabalho eo que vem da esfera privada, ou mesmo intima, na etiologia de uma descompensacao. Essa questi jé foi abordada acima em relagio a0 caso linico n® 6, sobre o suicidio no trabalho. Mas vale retoma- la mesmo assim. Se essa distinedo ¢ tio dificil, ¢ porque as, categorias de trabalho ¢ extratrabalho opdem-se em relacao as caracteristicas materiais e espaciais. No entanto, essa se- paracao entre trabalho ¢ extratrabalho nao é pertinente para vida psiquica. Para resistir ao sofrimento gerado pelos constrangi- ‘mentos do trabalho pode ser necessdrio desenvolver defe- € sélidas, mas tais defesas comprometem toda a (petsORAlIaAME, Por isso, tém grandes reflexos nas condutas e atitudes na esfera privada, até mesmo na economia dos corpose nas relagdes amorosas. Se levarmos em conta, além disso, as relagdes de dominagao que os homens exercem so- bre as mulheres, isto é, de género, a intrincagdo entre traba- Tho eesfera privada toma-se ainda mais estreita ecomplicada, pois, ao trabalho na esfera da produgao soma-se a questo da diviséo do trabalho na esfera doméstica. E essa divisao na esfera privada nunca ¢ independente da relagio de cada homem ede cada mulher com o trabalho na esfera produtiva, ‘Quando a relagao com o trabalho desestabiliza-se sob 0 efeito de constrangimentos maiores, da sobrecarga, das in- justicas, do assédio, do medo ou da ameaga de demissiio, os ‘efeitos sobre a economia das relagées familiares, com 0 cOn- juge e com 05 filhos, sao consideraveis, Em outras palavras, {quandoa relagio com o trabalho torna-se patogénica, surgem frequentemente consequéncias deletérias no espaco privado, ‘soba forma de conflitos afetivos que se tornam entio “secun- dérios” A deterioragaio da situagao de trabalho. Atribuira des compensagao aos conilitos no espago privado ~ porque con- {Gitos familiares existem efetivamente ~é, 8s vezes, um erro de andlise em que se tomam as consequéncias pela causa. Inversamente, os conflitos graves e os sofrimentos que surgem no espago privado tem seguidamente efeitos dano- sos sobre a capacidade de trabalho e a aptidio para partici- par das relagdes a serem mantidas com os outros para que se possa dar uma contribuigdo pessoal a cooperagio dentro de uma equipe. Em compensagao, as vezes € gracas a um poderoso investimento no trabalho, até mesmo a um supe- rinvestimento transit6rio, que certos individuos conseguem combater os efeitos psiquicos danosos dle um luto ou da do- ‘enga de um ente querido. (0s elementos descritos nesta apresentagao sao fragmen- tos. Sao abordiados aqui para lembrar que a separagao entre trabalho e extratrabalho no é pertinente do ponto de vista do funcionamento psiquico. Tais elementos também foram reunidos para sugerirque a andlise da relagdo subjetivacom o trabalho deveria ser feita em todas as situagdes clinicas, mesmo quando a queixa néo se refere diretamente ao traba- ho, como mostram os quatro primeiros casos apresentados neste volume, Para sintetizar e concluir a apresentagao deste livro, dire- ‘mos que a psicopatologia do trabalho nao diz respeito ape- nas aos médicos do ¢rabatho aos psiedlogos do trabalho. Ela mereceria ser conhecida por todos os clinicos que trabalham na drea da psicopatologia, mesmo quando no se especiali- zam no campo do trabalho. objetivo deste livro ¢ sensibilizar para a psicopatologia do trabalho os profissionais que ainda nao a conhecem e de- talharsuficientemente essa clinica para forneceraqueles que ja conhecem um “material” que possibilite aprofundar os argumentos na discussio etioldgica. CHRISTOPHE DEJOURS 1N.B, Os casos clinicos aqui reunidos jé foram publicados em diversas obras ou revistas especializadas, Alguns sao anti {gose se tornaram praticamente inacessiveis. Outros, mais recentes, foram reformulados. As publicacées iniciais sio as seguintes: Capitulo 1 ~C. pejouRs, “Folie et travail: de l'analyse étio- logique aux contradictions théoriques”, Psychiatrie fran- enise, 1996, 2: 123-140. Capitulo 1t~ A. BENSAID, “Apport de la psychopatologie du travail A l'étude d'une bouffée délirante aigué", Archives des maladies profissionnelles, Paris, Masson, 1990, 52: 307-310. Capitulo 11-6, DONTOL-SHAW, M. P. GUIHO-BAILLY, “Emploi, conditions de travail et santé des employées dans les ser- vices", Cahiers du MAGE, 1996, 4: 15-23. Capitulo rv ~C. pxyours, “Centralité du travail et théorie de Ja sexualité”, Adolescence, 1996, 14: 9°27. Capitulov-M. oRENTER-Przé, "La fabrique des herceleurs”, iis ne mouraient pas tous mais tous étaient frappés. Journal de la consultation “Souffrance et Travail” 1997-2008, Pear son Education France, 2008, p. 11-32. Capitulo vt ~C. prJouRs, "Nouvelles formes de servitude et suicide”, Travailler, 2005, 13: 53-74. PTT LOUCURA E TRABALHO; DA ANALISE ETIOLGGICA 7 AS CONTRADICOES TEORICAS (ACERCA DE UMA CRISE ASMATICA) CHRISTOPHE DEJOURS CHRISTOPHE DEOURS exerceu a psiquiatria em meio hospt talar, € psicanalista e professor titular da cditedra Psicandlise- -Satide-Trabalho, no Conservatoire National des Arts et Métiers. rRoDugAO Agrade-nos ou nao, precisamos admitir que as quests clini ‘eas e tedricas levantadas pelo impacto dos constrangimentos {da vida profissional sobre a satide mental permanecem des- conhecidas pelos psiquiatras. Todo mundo sabe, vagamente, ‘que existe por ai uma corrente de pesquisa chamada de “ps copatologia do trabalho”. Mas sao poucos os que sabem mais do que isso. Quantos ouviram falar de Louis Le Guillant? Quem se lembra do contetido dos trabalhos da Liga Francesa de Higiene Mental? Quem leu as pesquisas de Claude Veil sobre o trabalho? Quem contiece as teorizagies dle Adolfo Fernandez-Zoila sobre a vivéncia do trabalho? Por outro lado, todos ouviram falar das pesquisas sobre o estresse no traba- Iho, o burn out. Mais pela mfdia e pelas revistas semanais de informagao do que pelas revistas cientificas, mas, de resto, no hé muito interesse porque essa corrente de pesquisa se desenvolve dentro de um marco behaviorista: aoaleance dos diretores de recursos humanose outros gestores,certamente, ‘mas um pouco sueinta e simplista demais parao profissional que se interessa pela discussdo psicopatologica e etiologica. Arelagdo subjetiva com o trabalho desempenha um papel primordial nos processos envolvidos tanto na construgio da satide quanto nas descompensacdes psiquidtricas e psicos- sométicas. 0 trabalho nao pode ser considerado apenas um dissabor gerado socialmente, origem de todas as afeegdes somiéticas (toxicologia médica) e mentais (alienacio) m: viciosas. Os danos mentais ocasionados pelo desemprego estio af para demonstrar o contrario, Porém, seria um erro servir-se dessa nova psicopatologia parajustificar uma apolo- gia tola ao labor, segundo a qual “o trabalho” seria “a satide”. ‘Todavia, as contradigdes com as quais se depara.a clinica das relagdes felizes infelizes com o trabalho nao deveriam desanimar 0 psicopatologista. Essas contradi¢des sao inteli- ‘iveis. Para alguns pesquisadores em psicologia, antropolo- sia, sociologia e economia, o trabalho ocupa um lugarcentral no funcionamento da sociedade, na produgao das riquezas enas economias nacionais, assim como no funcionamento psfquico e na construgao da identidade. A “centralidade do trabatho” é a expresso empregada na comunidade cient fica para designar a tese que defendem esses pesquisadores (Gacques de Bandt etal, 1995). ‘Apsicopatologia produ argumentos decisivos que cor- roboram essa tese. O trabalho esta longe de ser trocado por investimentos substitutivos. Aqueles que dispoem de tempo liberado tém, essencialmente, empregos temporirios e pre- crios, ou estdo desempregados, e nada evidencia que tirem dissovantagens substanciaisem relagao lta pela satide. Ao invés disso, parece que a escassez ou a privagio de atividade ‘eemprego remunerados os coloca em situagao de maior pre- cariedade em relagio a satide. ‘Nao concordamos de modo algum com as teses sobre 0 fim do trabalho, cujavalidade ndo é maior que a daquelas so- ‘bre o fim da histéria. No entanto, deverfamos reconhecer seu forte impacto sobre o Zeitgeist ea formacdo dos pontos de vista, ndo somente dos cidadtios, mas também dos préprios cientistas. A recusa social do trabatho, bastante difundida, acaba por ter um impacto sobre os proprios psiquiatras, que se vem um pouco desorientados diante da discrepaneia en- tre o que a clinica comum do desemprego, da pobreza, da precatiedade, ete. Ihes dé a vere 0 que Ihes prometeu o dis- curso triunfalista que considera “o fim do trabalho” como a entrada da civilizagao ocidental na “era da liberdade”. O interesse pifio que os psicopatologistas manifestam pela centralidade do trabalho tem certamente, também, outras causas jd sentidas antes da crise do emprego. Nao é possivel examiné-las no ambito deste artigo. Porém, se sua analise fosse conhecida pelos profissionais, o resultado seria, talver, um movimento de curiosidade pela psicopatologia pela psicodinamica do trabalho que poderia terimpactos sig- nificativos na prética da psiquiatria, A principal dificuldade, contudo, nao seré vencida tio logo. Bla reside no fato de que © trabalho é um enigma tao opaco quanto o inconsciente. ‘Assim como do inconsciente, todo psiquiatra tem do traba- Iho alguma experiéncia. Mas, entre experiéncia do incons- ciente ¢ elaboragdo dessa experiéncia, é preciso percorrera distancia de um paso, mas que pode custar varios anos de diva, Elaborara experiéneia do trabalho, que é,antes de tudo, experiéncia da sociedade, até mesmo nouso que ¢ feito de si mesmo ¢ de seu corpo, ¢ também uma questao dificil. E, no entanto, todos nés possuimos essa experiéncia, como sugere ateoria de Ignace Meyerson (1948), retomada e discutida por Fernandez-Zotla (1996), para quem o trabalho ¢ uma funcao psicoldgica. Existe uma mina clinica de inestimével riqueza, ‘mas que nao ¢ explorada pela psiquiatria corrente. Este texto destina-se a quem intui a “centralidade do tra- balho” e deseja ter uma ideia do que envolve a clinica da re- lagao subjetiva com ele. ara isso, um caso elinico nos servira de apoio. Embora se tratando de uma forma de descompensacio bem comum, sua discussao etiolégica é bastante complexa. Para poder abordé-la, mesmo de forma sintética, é necessério dispor, previamente, de alguns elementos conceituais de psicodina- ‘mica do trabalho, Em seguida, passaremos ao relato do.caso dosenhor A. Discutiremosa etiologia da descompensaciona perspectiva psicanalitica e psicossomatica. Por fim, esboca- Temos 0s efeitos das duas andlises etiolégicas sobre a con- ducio do tratamento, Disporemos, ento, de alguns elemen- tos para refletir sobre a seguinte questio: como duas teorias etiopatogénicas tao contrastadas, até mesmo contraditérias, podem ser simultaneamente pertinentes? OTRABALHO E 0 MEDO ‘© exemplo em que nos apoiaremos vem da construgio ci- vil. Uma das caracteristicas do trabalho nesse setor de ativi- dade, em relacio a outras situagdes de trabalho da induistria

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