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1. DO BOM USO DA CLINICA A fungao imaginaria da davida na neurose obsessiva Eu ndo saberia Ihes dizer,' apesar de uma tentativa de analise, por que mecanismos de censura, deslocamento, inversio ou regressio meu tema se tomou, nas miios do tipégrafo de L‘Evolution: “A fungo ont ca na psiconeurose reativa.” Entrego esse fendmeno a reflexdo de vo- és, lembrando-Ihes que meu titulo verdadeiro é: “A fungao imaginéria da diivida na neurose obsessiva.” Mas é notavel que uma tinica palavra, apenas uma, tenha resistido ‘0 trabalho da censura, Ea palavra funedo. Dow alguma importancia a elae é por isso que vou introduzir minha fala com um breve comentario sobre essa palavra, pois ela pode situar a perspectiva da minha exposi- ‘io, assim como pode sittar 0 campo da psicandlise (© que temos em vista nessa disciplina nao é, como alguns querem acreditar, uma dissecgdo, ou até mesmo uma microdissecgao do homo psychologicus, do qual teriamos em nossas igrejas um modelo sintético, que serviria de referéncia para nossa ago. Nao, o que temos em vista, na psicanélise, & uma procura do sentido, da significagao, da “fungdo”, e entendo com isso a funcao humana, Se a psicandlise pode se servir de esquemas estruturais, se recorre a diversos campos das ciéncias hum: nas, se participa da psicologia, da filosofia, da sociologia, da histéria, da criagao artistica e também da medicina, ela no é, entretanto, em si tnesma, uni aino de nenliuma dessas disciplinas. * Entretiens psychiatriques n° 4, PUF, 1958, p.193-216, 93 94 escritos elinicos A psicanélise é uma procura do sentido, ¢ esse € 0 seu campo pré- prio; pois pensamos, talvez. ingenuamente, que @ a¢do do homem tem uum sentido Qual é, entio, a significagio da divida que o doente obsessive presenta? E 0 que me proponho considerar, tentando, ao mesmo tem- po, mostrar que, se a abordagem psicanalitica constitu uma posigo ba- sicamente original, ela ndo é forgosamente, e, por isso, completamente impenetravel Para tratar do sentido, é preciso, antes de mais nada, que o meu dis- curso possa ter um sentido para vocés. Em poucas palavras, este € 0 ca- rminho que seguirei: falarei primeiro da divida e lembrarei as diferentes ‘maneiras cldssicas de encard-la, antes de estudé-la mediante um exem- plo clinico. Direi depois algumas palavras sobre a neurose obsessiva, terra de eleigdo da chivida, Enfim, tentarei, na terceira parte, situaro ter- reno do imaginério, opondo-o a0 simbdlico e ao real; espero mostrar que essas trés categorias sio, para nés, de um eminente valor operacio- nal, na conduta do tratamento. Sé6 entio tentarei explicar, como conclu- io, a fungao imagindria da divida na neurose obsessiva, ( objeto de nosso estudo, a divvida, parece, na verdade, bem fugaz. Assim, vamos tomar algumas referéncias, para que possamos nos e tender. Para comegar, acompanhem-me por um momento no terreno, que se pretende s6lido, das “definigdes” ““A divida é um conflito de julgamentos, a nenhum dos quais con- seguimos aderir de maneira duradoura’”, diz H. Delacroix no tratado de Dumas. E prossegue: ‘Oconhecimento ¢ incompletae sabemos que ele é assim; nenhuma hipéte- se se impOe verdadeiramente; logo, elas se apresentam sucessivamente, sem que a decisao da crenga seja possivel: a divida consist, antes de tudo, nessa oscilagdo mental e num estado afetivo geralmente penoso, que vai do simples mal-estar & angiistia, Essa divida se torna patolégica quando a impossibilidade de che- ‘gar @.uma conclusdo vem da impoténcia do sujeito, e quando os proble- ‘mas que o habitam so obra de um trabalho estéril de pensamento € apenas expressam sua agitagdo mental. Entretanto, resta definir nessa perspectiva a crenga, pois, continua Delacroix, “crenga e possibilidade de duvidar so conexas, como evidéncia ¢ impossibilidade de duvidar” De modo que se chega a esta conclusio sobre a davida patologica: “Ele duvida das coisas porque nao € mais ele mesmo € nao sabe mais apro- priar-se delas.” «a fungio imagindria da divida na neurose obsessiva 98. cariter global, central ¢ invasor da divida foi observado por to- dos os autores: Sollier, em seu estudo sobre a divida (1909), relega 0 conflito de julgamento para segundo plano e define assim a divida # um fendmeno de ordem afeiv,interessandoapersonaldade intra pri m cantando secundarianventeveayoe instinivas © wolves, ¢ constituide por um confvto entre estados qualquer de atividade cere. bral, conto que tem forma de osclagdes que Se prodtzem de maneira involuntira,e€acompanhiado de um sentimento mais ou menos penoso Essas definigdes podem servir de ponto de partida para muitas re- flexdes; eis alguns exemplos, para aqueles que gostariam de continuar nesse terreno — A incerteza nfo é a diivida, mas a sua conseqiiéncia...a menos que seja o contrério, segundo a divida seja um fendmeno “afetivo” ou “intelectual”, — Do mesmo modo, a hesitagdo deve ser distinguida da davida, como um comportamento resultante de um estado de diivida, cujo mo- vimento de oscilacao ele objetiva; — Também se pode considerar a divida como uma faléncia da vontade; =- Enfim, seria preciso encarar a ditvida em relagdo ao seu objeto e distinguir assim uma divida do mundo exterior, da realidade presente, passads ou futura, de uma diivida de si mesmo... etc. Aqueles que tém o habito, por falta de ciéncia, de inventar “formas clinicas” para suas questdes de residéncia médica, poderdo sem dificul- dade dedicar-se a este joguinho sobre a questio “Davida”: formas se- gundo 0 objeto, o tempo, o terreno, a evolugdo... Deixo isso para eles, pois hoje nao € nesse sentido que desejo conduzir nossa reflexdo, Também nao ¢ para o plano filasdfico que eu desejania arrasté-los esta noite; mas como calar aquilo que, na quarta parte do Discurso, int tulada “Provas da existéncia de Deus e da alma humana ou fundamen- tos da metafisica”, Descartes expunha em seu Método? Mas, no que entao eu desejaria consagrar-me somente é busca da verdad, pensei que fosse necessério que eu fizesse exatamente o contritio, ¢recu- sasse como absolutamente falso tudo aquilo em que eu pudesse imaginar a rmcnor divide, e mais adiante: Em conseqiténcia de que, refletindo sobre o que eu duvidava, e que, por cconseguinte, meu ser no era completamente perfeito, pois eu via com cla- 96 escrtos elnicas reza que era maior perfeigao conhecer do que duvidar, decidi procurar de ‘onde eu aprendera a pensar algo de mais perfeite do que eu era; ¢ conheci ‘evidentemente que isso deveria ser de alguma natureza que fasse, de fato, mais perfeita Releio essas linhas com a intengdo de lembrar-Ihes estas duas di mensdes do problema da divvida: a da verdade e a da transcendéncia, pois s6 falaremos muito pouco disso agora Mas voces vero que no me bastard recorrer & clinica psiquidtrica para avangar nitidamente no terreno da compreensao, para além das descrigdes puras ou das especulagdes ingénuas. ‘A diivida aparece, é verdade, em toda observacio clinica do obses- sivo. Entretanto, vamos reler alguns trechos de notiveis clinicos do co- ‘mego do século; Pitres e Regis nos apresentam, em sua observara0 XXVIII, um caso de obsessio de davida do pensamento e da existéncia: Hii dois meses, M.D., cingiienta anos, se indaga se realmente pensa, © ‘como pode ter certeza de que pensa... Uma noite, acorda ¢ pergunta; seri {quecu pense? Como nio sente que pensa, diza si mesmo: jé que nada pro- ‘va que eu penso, ndo posso saber se exist. Fle desteni E nossos autores, depois de lembrar a “loucura da diivida” de Fal- ret, Morel e Legrand du Saulle, observam: assim a famaso aforismo de Descartes Na realidade, todas as obsessbes ideativas, quaisquer que sejam, represer tam variedades de uma iiica © mesma doenga... Ealé, quando se exer nam melhor as coisas, percebe-se que a maioria ds idSias que se observam nas obsessbes Slo apenas, com todas as variages que o pensamento huma- ‘ho comport, idéias de hesitaglo, de pexplexidade, em suma, de diivida: de modo que se pode dizer, som temor de enganar-se, que a diivida ansiosa cestd na base da maioria, se ndo de todas as obsessdes..” E concluem sabiamente: “Basta-nos assinalar esse ponto.” P. Janet, que recusa 0 lugar central que é dado & davida por Pitres € Regis, faz do “sentimento de divida” um estigma psicasténico enquan- tomanifestagio de incompletude nas operagdes intelectuais. Em vez de reportar uma de suas observagaes (0 que fare’ daqui a pouco), quero ci- tar alguns dos titulos que ele Ihes da; assim, nas “manias de oscilacao”, isola duas observagdes, que intitula: mania mental de hesitagao, de in- terrogacdo e mania de hesitagdo determinada pelo casamento, Sinto muito ndo poder lé-las, por falta de tempo. A explicagao que P. Janet dé desses distirbios € conhecida ¢ eu a lembro aqui: “Acredita- 4 fungio imagindria da divida na neurose obsessiva 97 ‘mos hoje, diz ele, que esse sentimento é a primeira manifestagdo de um grande rebaixamento da tensao psicolégica que impede os sujeitos de chegarem ao sentimento do Real.” Parece que a abordagem psicanalitica, preocupada em reconhecer a significacdo dos sintomas, introduz uma dimensao nova na pesquisa. Ena observacao do “Homem dos Ratos” que Freud nos confia suas re- flexdes sobre “a predilegdo dos obsessivos pela incerteza e pela divi- da”. ‘A oscilagdo de divida tem seu modelo no paciente de Freud, em duas ordens dos conflitos afetivos primitivos. primeiro desses conflitos comresponde a oscilas30 normal entre 0 ho- ‘mem ea mulher como objeto de amor, na qual ponies a erianga, com a fa- rosa pergunta: “De quem voet gosta mais, do papai ou da mamae?", oscilagao que a acompanha por toda a vida, “0 outro conflito é entre o amor e 0 ddio”, cuja conseqiiéncia é de- duzida incxoravelmente: Se a.um amor intenso se ode um ddio quase tao forte o resultado imedia- to deve ser uma abulia parcial, uma incapacidade de decistio em todas as agdes cujo motive eficiente & 0 amor. Mas essa indecisdo nao se limita du- rante muito tempo a um jnieo grupo de agdes, pois quais S30 os atos de um amante que nio estio em relagio com sua paixdo? Assim, principalmente ‘sracas a0 mecanismo de deslocamento familiar a0 obsessivo, a paralisia da decisao se estende pouco a pouco a atividade inteira do homem. .. No finndo, & uma diivida do amor, pois aquele que duvids do seu amor pode € ‘deve duvidar até de todas as autras coisas. As consegiiéncias dessa diivida sio as medidas de defesa do obses- sivo: repetiyiv continu, tendo por fin banir essa incerteza, compulsio {que tenta compensara inibi¢Zo, isolamento da medida de defesa, anula- io, enfim, numa sucessio que prova que todos esses meios esgotam @ sua eficdcia, Logo que a impulsio amorosa consegue executar 0 que quer que seja no seu deslocamento sobre uma ago insignificante — deslocar uma pedra, por exemplo, para evitar um acidente —, a impul- so hostil logo a segue e aniquila sue obra. A extensdo da diivida & inde- finida e Freud observa “que todo obsessivo pode, gracas & incerteza da jemnora, estender a diivida a tudo... mesmo aos atos passados que nao tém nada a ver com o complexo amor-6dio”. Na verdade, depois dessa época historica, a divida interessou pou- 0 aos psicanalistas e, assim, ndo mencionaremos os raros complemen- tos acrescentados a partir de entio a essas reflexdes freudianas, seja no 98 excritus elinicos Ambito da teoria do cariter anal, cujas aplicagdes pitorescas voces po- dem adivinkar, seja no Ambito da psicologia analitica, em que todo 0 problema parece reduzir-se a uma oposigdo sem saida entre o Isso e 0 Supereu, em que o Eu fica neutralizado. Assitn, se nos limitamos a0 texto freudiano, vemos que a questio fica aberta num ponto que nao poderia ser contestado: a divida é, em il- tima andlise, uma dtivida do amor: amor de si, amor do outro, amor de si pelo outro. Ke nesse ponto que 0 caminho fica aberto para nossa andli- se, ou ent, falando de modo mais técnico, é no nivel do problema do narcisismo que a questio permanece. A diivida é uma diivida de si mesmo. E ja que acredito que estamos todos mais ou menos de acordo sobre «essa proposicdo, vamos tentar compreender o que ela significa, qual € 0 sentido da divida de si mesmo. Até aqui, tomamos nossas coordenadas com a ajuda de algumas refe- réncias psicoldgicas, filoséficas e histéricas. Agora, sigam-me por fa- vor até 0 diva; instalem-se perto da poltrona, olhtem ¢ escutem. So trés horas, mando o paciente entrar. Ele tem 26 anos, um belo sortiso ilumina seu rosto preocupado quando ele me aperta a mio; sua clegincia é disereta, seus gestos moderados. Nao, ele nlo parece mes- ‘mo doente; é impressionante como ele se parece conosco! Mas se vocés souibessem o que passa pela sua cabega! Sera que estacionou bem o car- ro, sera que 0 catro no vai provocar alyum acidente? Ele se tortura, “a vida & uma provagio”. Solteiro, & claro, e & pena, porque ele é terno, gent, espirituoso, grande apteciador de arte. Até imagina étimos con- tos, mas nio os escreve. Ieonéfor & 0 seu nome. Icouefory, depois de estender-se sobre o diva, comeya assinn: “Era mesmo ds trés horas que eu devia chegar? Talvez vocé esteja me espe- rando ha quinze minutos; sinto muito realmente, me desculpe.” E.conti- ‘nua: “Figuei com isso na cabega: voce disse trés horas ou quinze pata as trés? Com certeza, eu anotei ts horas, € sei que raramente vocé mudaa hora, seja como for, Mas eu estava quase certo de que vocé disse: da préxima vez, vai ser mesmo quinze para as trés;alids, se eu tivesse pen- sado um pouco, teria compreendido que, jé que eu me lembrava das silas palavras, € porque, como sempre, eu me enganes quuando escrev' Realmente, sinto muito ter chegado quinze minutos atrasado.” E con nnuou assim durante uns bons... quinze minutos. Nem preciso dizer que a hora de Ieonéforo era realmente as trés & que ele chegou muito pontualmente as trés horas menos um minuto. a funedo imagindria da divide na neurose obsessiva 99 © que significa isso? Ele esté me ironizando ou verdadeiramente duvidando? Nao tenham divvida: esté duvidando, apesar de saber. Antes de qualquer andlise, o que se impde efetivamente, em primeito lugar, & que ele chegou na hora e isso nos indica de imediato que nio se deve considerar essa diivida no seu aspecto facial. Ele duvida porque sabe. Sim, € isso mesmo, ele duvida porque sabe, e néo é um lapso. Isso nos confirma a opiniio de que nao tirariamos nada de uma andlise que se referisse exclusivamente ao objeto da duivida, Janet notou isso admi- ravelmente; escutem este trecho da observagao 119: ‘Uma jovem que trabatha como caixa duvida, sempre que dio troco, da cexatidio de suas contas, .. Muitas vezes The sugeriram uma coisa muito simples: ir ao onderogo do cliente ¢ perguntat-Ihe se a conta estava certa Elase recusa absolulamente a isso, sentindo bem que, no fundo, nao havia Mas essa é apenas uma consideragao liminar & nossa andlise. Va- mos prosseguir. O que significa o discurso cujo inicio reproduzi? Um detalhe me impressiona, e eu o observei de passagem:; € que ele dedica um bom quarto de hora a discorrer sobre esse assunto, ¢ esse € 0 tempo que ele imagina ter perdido com o seu atraso, Esté claro; ele esta perdendo tempo, e isso pode significar: “enquanto estou falando disso, nio falo de outra coisa. Estou me ocupando e, afinal, estou ocupando 0 analista”, E 0 que se convencionou chamar de defesa, Isso é tudo? Cer- tamente que nao (O que faria um homem sensivel diante de um individuo que se ator- ‘menta assim, sem motivo? Ele o trangiilizaria, Ihe responderia que ndo ha por que se preocupar; cle ndo esta atrasado e no prejudicou nin guém, a menos que, habituado com esse tipo de situagao, ele Ihe passe um sermao e o mande calar-se;talvez também esse homem sensivel, to- cado pela deticadeza desses escripulos, aprecie tanta preocupago com ‘outro, Acredito que esse discurso também é uma armadilha, para que eu Ihe responda, & maneira de um homem sensivel, para elogié-lo, re- preendé-lo ou trangtiliza-lo. Mas se entendo esse discurso dubitativo como uma armadilha para que eu intervenha, também devo encari-lo sob 0 Angulo positive de pelo, mais ou menos sincero, mais ou menos habil, mas apelo discreto € longinquo de umn ser cativo da sua solidéo. De fato, se o seu discurso é uma maneira de perder tempo ¢ fazer uma armadilha para mim, é apesar de tudo tum modo muito indireto de 100 escrtos linicos abordar um tema que the € caro, como ficara provado na seqiiéncia da sesso. E 0 problema do tempo. Iconéforo nao tem relégio durante 0 dia, mas dorme sob a vigilancia de dois despertadores; o tempo perdido, © tempo passado, 0 tempo que deve dedicar ao sono, a0 trabalho, a0 cexercicio so para ele temas familiares, e nao ha sesso em que ele dei- xe de me perguntar que horas so e quantos minutos Ihe restam até o fim, Em suma, a irreversibilidade do tempo, principalmente do tempo que ele perde, o apavora e fascina como um mistério, ‘Assim, se podemos reconhecer nesse ponto um dos motivos reais do seu discurso dubitativo, para além do seu valor de defesa, armadilha ‘ou apelo, chegamos ao fim da andlise? Nao. Pois enfim, se esse fosse 0 caso, bastaria continuar a conversa- «fo sobre 0 tema do tempo, para tirar disso preciosas vantagens ter péuticas, O que observo entao, se aprofundo um pouco minha andlise, é que esse discurso é, de fato, um preémbulo, uma introdugdo prelimi- nar... Muito bem. Vamos esperar a continuagdo. Mas a continuagao & uma espécie de paréntese que se situa entre 0 prélogo e um hipotético epilogo que nunca chega, a nao set como projeto. E é sempre assim: Iconéforo poe tudo entre aspas, entre travessdes, entre parénteses, em 1pos-escrito ou em prélogo... Nao é que uma vez ele me disse que gosta- ria de escrever uma historia em que no acontecesse nada? Seu discurso dubitativo representa uma espécie de mensagem que & preciso decifrar, como vemos, que contém muito ruido e poucas pala- vas, que pede tuna resposta e uma recusa... Explicarei depois a respos- ta que € preciso dare a recusa que se deve opor a esse apelo. Una coisa é certa: a dévida & uma pergunta. Releiam todas as ob- servagdes de diivida: 0 ponto de interrogagiio nunca falta no fim das de- claragdes do doente, e & por isso que acho bastante pertinente a terminologia que fala de mania de interrogago, até mesmo de delisios interrogativos (Capgras e Abély) Comesse ponto de interrogacao, vamos suspender provisoriamente a.anilise desse inicio de sesso, cujos elementos eu Ihes lembro: Ieonéforo duvida do que sabe. Ele ganha tempo... ou perde, falando comigo Prepara uma armadilha para mim, uma isca. Langa-me um apelo interrogativo, em forma de prologo. ( que poderia ser resumido nesta formula provisoria: sua ditvida é uma isca problemdtica e interrogativa Mas, dirio vocés, por que Iconéforo usa tantos desvios para nfo di- zer 0 que tem a dizer, mas dizendo isso entre parénteses? Por que faz tantos rodeios para falar de uma questo? a fungdo imagindria da divida na neurose obsessiva 101 Por qué? A resposta dbvia é: porque ele é um obsessivo. Oque é, pois, um obsessivo? E 0 que vou tentar apresentar-Ihes agora. O obsessivo € esquivo e diverso, s6lido como um rochedo e fluido ‘como o mar; presente sem estar ali, por toda parte ¢ em lugar nenhum, ‘Vocés jé participaram da sua vertigem, quando ele os arrasta pelo circu lo vicioso das suas diividas, das suas contradigdes, da sua rigidez mono- itica a sutileza das suas relativizagdes incessantes? Que curiosa fortaleza, esse castelo fortficado cujas portas abertas so mais intrans- poniveis do que muralhas; é um impressionante reino fechado que con- tém nos seus limites, infinitamente extensiveis, um fora e um dentro, uum castelo interior cercado de uma natureza muito rica, onde todas as paisagens do mundo estdo representadas, que contém no seu microcos- ‘mo todas as verdades como outros tantos elementos estéreis. Fortaleza surpreendente, que esconde tantas fraquezas, temores ¢ angiistas. Parece muito com um conto de fadas... Nada melhor do que relatar por completo para vocés a grande fantasia de Iconéforo. Ele nos fala da “Cidade Encantada”. Vamos escuté-lo Fuvandava interminavelmente ao longo desse recinto rmdo; um sentimen- loestranho me ligavaa ele, ¢ o campo imvel sob 0 sol do meio-dia abata- va a cadéncia dos meus passos; cu avangava sem me mexer... Quanto tempo? Nio sei! Encontrei-ie entio diante de uma porta imensa, recortada na muratha; suas grades ricamente ornadas estavam abertase no alto do pértico li met nome. Ente ‘Aluz era estranha, calma,limpida, azulada, Parecia que alia lua era o astro do dia e dava ao campo, desenhado como um parque, um rigor insAlito. ‘Mal se atravessava o limiar, uma inserigao gravada no marmore advertia © estranho. Aqui 0 tempo dura e nao passa. Continue, mas a0 mesmo tempo senli que eu encolhia como uma pele de asno, e compreendi ento que era preciso que eu estivesse a escala da natu- ‘eza que me cercava: os carvallios centendtios eram pequenos como maci ciras, e os mais majestasos pinheiros pareciam enfeites de Natal. Os ‘caininhos e estradas se abriam para um povo de pigmeus. (O trem que ia me levar até a cidade parecia safdo das fantasias de algum miliondrio: era uma cépia s6,um pouco reduzida. Instalei-me nesse trem :maravithoso, com 0 qual todos nés sonhamos, para alravessar 0 campo que crea a cidade: as terras cultivadas estavam organizadas como jardins & francesa e os campos de lpulo se pareciam com nossas vinhas; a natureza “selvagem” estava organizada @ inglesa, © quando se prestava atencd0, 102 escrios linicos via-se que ela parecia ser um capricho de geégrafo: todos os continentes foram representados pelo jardinciro, adomadas com sua vegetacio pro pria, Um campo curioso: imagine lado a lado pequenos trechos de estepe, jardim exéticoe parque Monceau, Atravessei assim um trecho de natureza ‘muito selvagem, Era uma reserva natural, disseram-me, s6 um pouco mai- fr do que um jardim zoolégico, mas ai estavam todos os animais, como na arca de Nos. Com a diferenga de que estavam solteitos. A cidade me pareceu entio mais préxima, como um castelo sobre uma col na, antes mesmo que cu me recuperasse das minhas primeiras surpresas, desci do trem e encontre-me sob os seus muros. Atravessei uma porta sem- pre aberla, por tris de uma ponte levadica que nunca se levantava; mas foi para me encontrar logo, 20 mesmo tempo em que meu tamanho encolhia de ‘novo, diante de outro recinto, que também atravessei por outra porta sempre bert... Atravessei dessa maneira seis recintos, antes de encontrar-me no ceentra da cidade, desta vez reduzido ao tamanho de um verdadeiroliliput no; cada redugio me espantava durante um momento, depois eu me acostu- mmava, esquecendo até que as pessoas podiam ser maiores. Entdo, fizeram-me subir a0 torredo que se clevava no centro da cidade. Assim como Estrasburgo, do alto da fecha da sua catedral, sc emaldura no seu jardim, assim também o campo, que eu acabava de percorrer, se esten- dia sob o meu olhar,¢ os limites do reino escapavamn & minha visio. O es- panto me congelou, quando cu me virei: diante de mim, uma cidade, texatamente ygual dquela que me eereava, mostrava seus seis Feeimtos ¢ © lorredo que brotava do seu centro correspondia aquele que me suportava, FE assim fui introduzido & vida da cidade... Era como se fossem gémeas, bastava saber: havia duas A historia da cidade, continuow Iconéforo, reproduz assim a origem da ci- dade gémea: outrora, hé muito tempo, fazia-se a guerra, depois a paz, com uma eidade que se encontrava além do reing; mas houve muitas vicissitu- des, ¢ por duas vezes a cidade quase foi incendiada. Assim, o Conselho, com muita sabedorie, decidiy construir, no proprio interior do recinto © Jogo ao lado da nossa fortaleza, outra cidade simultaneamente amiga e ri val, construida& imagem da nossa: se as duas sdo iguais,julgava o Conse- Iho dos Sabios, os combates e lutas serdo puramente formais. Assim, a partir desse tempo, quando a guerra estourava entre as cidades gémeas, cra por pura diversio, e quando por acaso um dos nossos era feito prisioneiro no combate, ficava no cativeira como se estivesse em casa... Alids, em ‘guerre ou paz, combates ou jogos, era a mesma coisa Informei-me sobre 0s costumes da cidade, e o que me surpreendeu, disse Tconéforo, foi que nunca se falava de amor; s6 0 acaso me mostrou que aquilo que chamamos assim se ensinava no gingsio, como jogo de comba- te: era apenas um exercicio, FFiquei sabendo assim, disse o nosso contista, ue os habitantes da cidade {gostavam de passar as férias na cidade gémea vizinha, e que tinham grande 4 feo imagindria da divida na weurose obsessive 103. satisfagio em mudar de ares ¢ de ponto de vista, reencontrando os mes- nos, simetricamente; nada seria mais repousante. Duas administragGes, rigorosamente hicrarquizadas, duas guardas civis, dluas igres e dus universidades se defrontavam assim de wna cidade « ‘utr, coniniamente:é assim que se cultiva a cultura. . Nada é mais en- tragndo, disco leonoro, do que exes intenminves dceuesdesaeadmi sem que os defensores de cada escola so os seus antigos téversirios. Informet-me enti, dise le, sobre a naturcza dessa colina que se clevava uum tanto fore das eidades gémeas e que me parecia nica; um prédio mag- C0, simétrico e harmonioso, que se arecia ao mesmo tempo com o Blirgenstocke com um grande mosteiro lamasta, estava constuido ah. a mnsio Sirius, disseram-ae,o alc da unificas0; nossos pensadores ‘vio paral de vez em quando para descansr. Na verdade, continuou leonéforo, & um lugar encantadore compreendo aque a8 portasabertas nunca vam ningém sat a no se os morbundos. De faa & fra do reino que se morte, e se &enterrado por esranhos. Nia hi cemitério na cidade. Nao mesmo, & morte & 0 ire, confiow-meIeo- néforo Fiquc sabendo ainda, disse cle, que a reserva zoolbgia da cidade gémen, ial que eu haviapercorido, abrigava as ‘metades® dos inieos rep tantes di outra reserva, Mas enti, como eles procritva?, pergune. Quase nada, responderamy; ais, isso no era necessrio, fempo passava tio pow, Elc também me falou longamente dos relégios: estavam por todo lado, ¢ na rua ea poste tinka um mnosiador, sem conta os ds torres, dos ports © das pragas: 0 reldgio era tio necessério num cémodo quanto a jancla, © cacia habitants tinh qe levar dis elgios consigo, Mas era estranko: no Se ouvin nenhur tique-ague..pois els no funcionavam como os nossos @ cada um ajustava 0 seu tempo para que ele durasse de acordo com a sua vontade Durante uma sessio inteira, Iconéforo me falou dos museus da ci- dade: tudo 0 que a arte produziu estava encerrado em intermindveis ga- lerias, € 05 cidadios eram muito cultos... Mas eram apenas cépias ou reprodugdes; no havia um iinico original. Na verdade, como os habi- tantes no sabiam disso, dava no mesmo pata eles. As bibliotecas eram to ricas quanto os museus e a obra escrita do mundo se encontrava ne- las, interpretada, traduzida ou resumnida em sinopses, de maneira muito metédica, Enfim, disse ele, visitei um monumento espantoso, que se encontrava no coragao da cidade, mais bem defendido do que uma reserva de ouro ou de urdnio, Sabe 0 que ele guardava em seus milhdes de fichérios em gavetas? Fotos, ou mais exatamente microfotos de liliputianos... Acredite-me, nada 104 escritos cinicos ddo que se pode ver no nosso mundo faltava ali: foi o mais beta album de fi- guras que eu ja folheei. ‘Ah, encantador Iconéforo! Sera que sabia que, em sua “Cidade Encantada”, era asi proprio que ele descrevia? Talvez; mas nao tive co- ragem de dizer-Ihe, pois assim cle realizava o seu sonho de imaginar uma histéria em que nada acontecia, Dominado pelo encanto dessa fantasia, que me lembrava os contos goethianos do Nouveau Péris ¢ da Nouvelle Mélusine, atrastei-o para 0 caminho do pecado psicanalitico da curiosidade e interroguei-o sobre @ sua fantasia: “Como € que a cidade se comunica com o mundo que esta fora do seu reino?” Esperava, com esse recurso, obter algumas indica- ges sobre a arte e a maneira de atacar a fortaleza obsessiva. Esta é, em resumo, a resposta que ele me deu: Fiquei sabendo, durante minha breve estada na cidade, que essas relagdes ‘com o exterior eram indispensiveis, eu diriavilais. O ouro da cidade, que Ihe permite viver, enfim... que Ihe permite olhar o tempo passar, € fotote- cca; mas cla tem de ser constantementc alimentada, atualizads, renovada c, ppata isso, ¢ preciso manter rolages com o mundo. Por outro lado, essasre- lagdes sdo indispensaveis para tudo aquilo que diz respeito & morte, como {i expliquei. Mas se essas relagbes sio necessirias, elas tamhém slo per {gosas e cansativas, pois afinal, logo que os habitantes (8m de abandonar seu tamanho liliputiano para ir se encontrar com os homens, eles se ex- pcm, como sua histéria mostra, a inimeros perigos: roubos, destruigio, ferimentos, estupros. Entdo, como se organiza essas relagdes? & muito simples: a partir do grande principio do guiché que faz comunicagio entre as clausuras rigo- rosas eo exterior; nada sai sem ser verficado no guiché da alfandega, pois de outta forma a cidade poderiaficar imediatamente exanguc, ¢ por outro lado, nada entra sem ser rigorosamente depurado, censurado e principal- mente calibrado... Como provam os museus ¢ as bibliotecas, 0 horror ao ‘auténtico 6 sagrado, Assim, os meios préticos de comunicacio sio a mala diplomatica, a mensagem cifrada e, em geral, todos os meios de telecomu- nicagio que sdo capazes de alterar suficientemente o auténtico, Acredite, concluiu [conéforo, apesar de tudo vive-se muito bem na cidade encantada, ealiés, como eu disse, ninguém quer sair de ld. A esse respeito, conta-se a triste historia do homem que quis sai aluz do sol o ofuscou, ele {oj atacado, maltratado, despojado de seus relogios ede sua microfototece, ‘que trazia sempre consigo; falaram com ele sem gentileza e ele quase cait ‘no jogo do amor. Isso for demais; ele quis voltar, mas no encontrou mais as portas da cidade encantada, Andou desesperadamente, sentindo subir ‘em sia angiistiairresistivel do homem perdido... Ah, como ele lamentava ‘0s muros sem calor da cidade... Andava sem destino, E sabe o que ele fa- 4 fungdo imaginéria da divida na neurase obsessiva 10S Zia, no seu desespero? Comegou a construir portas abertas no meio dos ‘campos. Tinha ficado louco, Vou poupé-los da interpretagio arida dessa grande fantasia. A cida- de encantada é uma bela imagem do mundo do obsessivo. Basta que re- conhegamos nela a estrutura obsessiva em sua prudéncia, em sua forga aparente, em suas fraquezas internas ¢ em seu horror ao contato direto, 2 relagdo auténtica Lembrem-se da pergunta que faziamos no fim de nossa primeira analise de uma manifestacao de diivida: “Por que Ieonéforo faz tantos rodeios para nao dizer 0 que tem a dizer, dizendo-o entre parénteses, € por que usa tantas formalidades para falar de uma questio?” A resposta Obvia foi: porque ele & um obsessivo. Nisso, ele se parece muito com o habitante da cidade encantada, que nunca se comunica diretamente com ‘0 mundo exterior, mas usa, para isso, de todos os meios que vimos, Allis, para ilustrar melhor esse fato, saibam que Ieonéforo, em suas pri- meiras sessbes comigo, usava a técnica bem conhecida do pedacinho de papel no qual escrevera tudo 0 que queria me dizer, e isso, como ele re~ conheccu depois, eta apenas um modo de transmitir-me uma mensa- ‘gem rebuscada e incompleta, é claro — e transmiti-la principalmente “em segnncla mio”, segunda a sna propria expressio, 0 que & uma vari= ante do travessio ou do paréntese. E esse tipo de relagdo que denomino relacdo imaginéria, ¢ vou tentar explicar esse ponto. Efetivamente, ja que vimos em que sentido podiamos dizer que a diivida constituia uma isca problematica — logo, um tipo de relagao particular com o psicanalista —, ja que consideramos depois, de um ponto de vista estrutural, gragas a fantasia de Iconéforo, o que era a po- sigdo obsessiva, tentemos precisa agora, no tempo que nos resta, 0 que Ea relagio imagindria, para além da sua ilustragao fantasistica O que tenho de melhor a fazer, para estudar rigorosamente a relagao imaginiia, ¢ opor essa relagdo a0 outro tipo de relagdo, que chamo de auténtica A relagdo imaginaria em estado puro, como se pode ver, é uma fic- «iio, Mas isso nao impede o fato de que ela possa nos dar, se a conce- bemos claramente, pontos de apoio muito iiteis para estudar posteriormente o cardter imagindrio da relagdo com o outro do neuré- tico. Talvez alguns de voeés tenham visto um desenho animado de Walt Disney intitulado A parada dos esportes, filme altamente instrutivo em que Donald ensinava véo a vela, antes que o espectador tivesse, com Pluto, uma aula de golfe incomparavel. Como toda boa exposigao, esse 106 escritos elinicos filme era precedido de um histérico dos esportes desde a origem dos ‘tempos, e essa retrospectiva fora confiada ao lapis de Maurice Henry. O autor nos mostra, na origem, um homem vigoroso, de pélos abun- dantes, olhos particularmente redondos e fixos, segurando na mio di- reita um s6lido tacape. Este 6, diz ele, o homem da idade da peda, ¢ sem mais, depois de empurra-lo para o lado, apresenta-nos o seu semelhan- te, verdadeiramente semelhante em todos os pontos, a excegio de segu- rar sua arma na mao esquerda: um quarto de volta para o centro da telae eles se fixam reciprocamente no branco de seus olhos vivos. Bento que o homem da esquerda, talvez 0 mais alerta e 0 mais dia- lético dos dois, tevanta lentamente o sew tacape, fazendo-o cair de re- pente sobre o cranio do seu semelhante, provocando um barulho surdo, Entdo, homem da direita, estimulado no ritmo do seu pensamento, le- vanta por sua vez 0 seu bordao, mandando-o com um vigor simeétrico na cabega do seu semelhante. Sem mais detongas, o homem da esquerda, movido por algum automatismo de repetigao, reitera mais vivamente 0 seu gesto, 0 que nao deixa de determinar um reflexo semelhante no seu semelhante... Para a mesma causa, o mesmo efeito, € uma vez 0 exercicio comega- do, continua sem parar, numa cadéncia que se acelera indefinidamente. ‘Nao pensem que o eriinio de tum ou de outro vai ceder! Nao, os dois se enterram, progressivamente, no rochedo que os suporta, A relacdo imaginéria pura é assim: fascinante, inexordvel, sem sai- da, Mas também vemos, na mesma ocasifo, que essa relago pode, com razio, ser qualificada de “dual”. Esse exemplo € de grande utilidade para nés, pois nos mostra 0 que acontece quando somos dois, dois sozi- nnhos, em téte-d-tére exclusivo, mesmo que seja no consultério do ana- lista. Mas, enfim, no vamos falar mal de ninguém. ‘Tranqdilizem-se; a face imagindria de uma rela¢ao neurética ¢ mais matizada do que aquilo que acabo de descrever, e vou Ihes dar exem- plos ctinicos, sem omitir, desta vez, a observagio complementar do ilustre terapeuta, Esses exemplos lites mostrardo os diferentes aspectos da relagdo imaginaria, dos quais 0 primeiro, que acabamos de isolar, & que a relagao imaginéria & uma relagao dual, isto é, relacdo a dois, sem recurso a nenhum outro, exatamente como as duas cidades da Cidade Encantada se enfrentam por formalidade, num isolamento rigoroso, Lembro-me de uma sessio logo no inicio do tratamento, em que meu paciente confessou ingenuamente: “Nao consigo realizar a exis- téncia do meu préximo como um outro; sow incapaz de ter uma verda- deira presenca social. Os outros... me servem de referéncia, de medida: Sou tao bonito quanto eles, to culto, tdo inteligente, serd que lhes inte~

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