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LIS ANDREA SOBOLL DEISE LUIZA DA SILVA FERRAZ IRGANIZADORAS \RMADILHAS DA ORGANIZACAO DO TRABALHO ANA MAGNOLIA MENDES ANDREA POLETO OLTRAMARI ANNE PINHEIRO LEAL BRUNA FERNANDES CINTHIA LETICIA RAMOS DANIELE ECKERT DEISE LUIZA DA SILVA FERRAZ ELISA LEMOS FERNANDO VIEIRA FLORA CARRASQUEIRA JOSE HENRIQUE DE FARIA LIS ANDREA SOBOLL LYDIA BRITO MARCIO ANDRE LEAL BAUER, MARCOS JUNIOR DE MOURA PAULA MARCOS VINICIUS SIQUEIRA MARIA TEREZA FLORES-PEREIRA MAYTE RAYA AMAZARRAY RAFAELA MAYER DE MORAES ROSSANA JOST SIDINEL ROCHA DE OLIVEIRA SILVIA KOLLER THAIS LEME REGATIERL SAO PAULO EDITORA ATLAS S.A. — 2014 4 Recrutamento e Selecao de Pessoas: uma andlise de quest6es de privacidade e discriminacao dos candidatos Maria Tereza Flores-Pereira Daniele Eckert Introducao ‘Temos como objetivo neste capitulo realizar uma andlise acerca das orientacdes dos livros didéticos de Administra¢ao de Recursos Humanos (ARH), no que se refere aos métodos de recrutamento e selecao (R&S) de pessoas. Abordamos, mais especificamen- te, os temas da privacidade e da discriminagao. Para balizar essa anélise utilizamos mate- Hal da drea do Direito visando construir uma reflexio critica sobre tais orientacSes, au- xiliando assim os gestores de pessoas a pautarem suas praticas nesse campo de atuaco. Tal andlise nos pareceu relevante na medida em que percebemos, principalmente no que se refere aos livros didéticos brasileiros, que os candidatos séo apresentados como recursos e o R&S analisado como parte de um sistema ou da estratégia organiza- cional. A percep¢ao do candidato como um ator social e do R&S como uma a¢io geren- cial que tem implicagdes para além de questdes de eficiéncia e eficdcia organizacional demonstraram ser bastante insipientes. No sentido de construir uma andlise inicial sobre essas questées organizamos este capitulo em trés grandes partes, além dessa introdugdo e das consideracées finais. Pri- meiro analisamos como o tema de recrutamento e selegdo de pessoas é apresentado pelos livros didaticos de ARH, organizando essa explanacao a partir de trés diferentes perspectivas: 0 R&S como um processo, o R&S como (parte da) estratégia organizacio- nal, o R&S como uma a¢ao sécio-legal. Na seco seguinte realizamos uma anilise inter- calada entre as orientagdes dos livros didaticos de ARH e referéncias na rea do Direito, 70 Gestao de Pessoas * Soboll e Ferraz de modo a problematizar e discutir questdes de privacidade e discriminacao no R&S de pessoas em nosso pais Na terceira seco apresentamos e discutimos informagGes advindas de uma pes- quisa empirica exploratéria que realizamos com pessoas que passaram por alguma experiéncia de R&S. Mesmo em fase exploratéria as informacdes obtidas nos permi- tiram levantar quest6es iniciais sobre privacidade e discriminacdo no R&S, em um contexto brasileiro. O que dizem os livros didaticos de administracao de recursos humanos, sobre o tema recrutamento e selecao de pessoas Uma leitura detalhada dos capitulos sobre R&S de pessoas de seis livros didaticos de ARH (CHIAVENATO, 2002; BERGUE, 2010; BOHLANDER, SNELL e SHERMAN, 2003; DUTRA, 2002; MARRAS, 2000; MILKOVICH e BOUDREAU, 2006) e de um da 4rea de Psicologia Organizacional (SPECTOR, 2005) nos permitiu compreender os ca- minhos pelos quais tais textos conduzem sua explanacao sobre o tema. A escolha desses livros como material de andlise ocorreu tanto a partir de crité- rios quantitativos, quanto por critérios qualitativos. Sob uma perspectiva quantitativa a maioria desses livros — especialmente Chiavenato, 2002; Bohlander, Snell ¢ Sherman, 2003; Marras, 2000 e Milkovich e Boudreau, 2006 ~ se refere a textos amplamente di- vulgados no ambiente dos cursos de Administracdo (presenga na biblioteca de diversos exemplares, recomendago nos planos de ensino de professores, por exemplo). Quali- tativamente consideramos importante considerar nessa escolha questdes de naciona- lidade (livros de autores brasileiros ¢ internacionais), de setor (a inclusdo do livro do BERGUE, 2010, por se tratar de um livro sobre gestao de pessoas no setor piiblico) e de rea do conhecimento (a incluso de ao menos um livro de outra 4rea, no caso, da Psicologia). Acreditamos que nos preocupando com tais critérios conseguimos compor um grupo de livros que ndo so apenas conhecidos pelas pessoas da érea (critério quan- titativo), mas que também apresentem uma possibilidade de diferentes interpretacdes da ARH e, mais especificamente, do R&S de pessoas (critério qualitativo). De maneira resumida percebemos trés linhas de abordagem nesses livros, as quais denominamos: (1) R&S como um proceso; (2) R&S como (parte da) estratégia; (3) R&S como uma aco sécio-legal. R&S como um processo A ideia de que o R&S é um processo est4 presente principalmente em dois livros brasileiros de ARH pesquisados (MARRAS, 2000; CHIAVENATO, 2002). Primeira- mente, recrutar e selecionar, em uma perspectiva processual, se baseia em um pressu- Recrutamento e Selegéo de Pessoas 71 posto sistémico, uma vez que tais agdes so tratadas como subsistemas de um sistema maior, no caso, o sistema de Administracao de Recursos Humanos. Tanto em Chiavenato (2002) quanto em Marras (2000) os titulos dos capitulos indicam a escolha dos autores por uma perspectiva sistémica, processual. Chiavenato (2002) denomina o capitulo como “Subsistema de Provisio de Recursos Humanos”, dentro do qual estariam os processos de planejamento, recrutamento e sele¢do de pes- soal. J Marras (2000) diretamente denomina o capitulo como “Subsistema de Recru- tamento e Selegao”. Em ambos os livros recrutar e selecionar (subsistemas) so compreendidos como processos que devem trabalhar de maneira coesa a um sistema maior (érea de recursos humanos), visando sua manutencao e melhoria. Uma compreensio sistémica, mudando de nivel de andlise, definiria a prépria rea de recursos humanos como um subsistema de um sistema maior que, por sua vez, seria a propria organizaco. Ou seja, a organiza- fo vista como uma série de subsistemas inter-relacionados (MORGAN, 1996). Os capitulos de Chiavenato (2002) e Marras (2000), assim como a abordagem sis- témica, também compreendem a organizagao como um sistema aberto. Entre os pres supostos dessa teorizacao estd a énfase no ambiente que circunda a organizacao, consi- derando as interacdes imediatas, bem como tais interacdes em um contexto ambiental mais amplo, Essas interagdes ocorrem através de um continuo processo de troca com 0 ambiente, ou seja, o conhecido ciclo de entradas, transformacao interna, saida e retroa- limentag4o (MOTTA; VASCONCELOS, 2001; MORGAN, 1996). No livro de Chiavenato (2002, p. 169), por exemplo, essa interac¢do aparece quan- do 0 autor fala que os processos de aprovisionamento (planejamento, recrutamento e selecio) “(...] representam a porta de entrada das pessoas no sistema organizacional” e, ainda, que tais processos tratam de “[...] abastecer a organizacao dos talentos humanos necessérios ao seu funcionamento”. Nesse sentido, tais processos se apresentam como “uma porta” que permite a integracao da organizacao com o ambiente através do “abas- tecimento” desta com insumos que, no caso, sao as prdprias pessoas ou, nas palavras do préprio Chiavenato (2002), os “talentos humanos”. Ainda no intuito de constituir uma compreenso sistémica das organizacées, que busca investigar “[...] como as organizacoes funcionam e que fatores influenciam o seu bem-estar” (MORGAN, 1996, p. 43), os capitulos de Chiavenato (2002) e de Marras (2000) tratam primordialmente o R&S como uma sequéncia de atividades que devem ser planejadas e conduzidas pelo gestor de modo a obter, no final, a melhor relagdo cus- to-beneficio para a organizacio. Nesse sentido, além de garantir uma entrada de insu- mos adequada a essa organizacdo - talentos humanos necessdrios ao seu funcionamen- to ~ a visdo sistémica tem continuidade no momento em que tais autores se preocupam em detalhar os demais elementos de um processo completo de R&S. Marras (2000), por exemplo, se concentra nas fases de processamento e saida. O autor expde que o recrutamento se inicia pela emissdo de uma requisicao de pessoal por parte da chefia do setor requisitante, detalha as duas fontes a serem utilizadas na busca de “recursos” (recrutamento interno e externo), apresenta os canais de recrutamento 72. Gestao de Pessoas + Soboll e Ferraz externo e finaliza dizendo que a safda se refere & identificacao preliminar dos “[...] can- didatos mais adequados as caracteristicas do cargo [...]” (MARRAS, 2000, p. 79). Em um dos diversos fluxogramas expostos em seu capitulo, Chiavenato (2002) deixa claro que a selegao é um processo formado por entradas, processamento e saf- das. As entradas se referem aos candidatos encaminhados pelo recrutamento. O pro- cessamento contempla as técnicas de selecdo, tais como as entrevistas, os testes de conhecimento, os testes psicométricos, os testes de personalidade, a dramatizacéo eas técnicas de simulagao. A safda, por sua vez, se refere aos candidatos seleciona- dos que serao encaminhados aos gerentes. Chiavenato (2002, p. 252) propée ainda uma “avaliagao e controle dos resultados” do processo seletivo. O autor afirma que © processo seletivo “[...] precisa ser eficiente e eficaz” ¢ afirma que para saber se isso efetivamente ocorre so necessdrias medic6es ¢ avaliacées dos resultados de tal processo, ou seja, de suas saidas. O autor denomina isso como retroacdo dizendo que: “Somente com essa retroagdo (retroinformacdo) 6 posstvel saber se so necessérias inter- vengées para corrigir inadequacdes e ajustar o funcionamento do proceso para melhora-lo cada vez mais” (Chiavenato, 2002, p. 252). Desse modo, uma das maneiras que o tema do R&S é apresentado nos livros didé- ticos de ARH é a partir da compreensao desses como processos sistémicos. Essa é uma visdo importante a ser passada aos (futuros) gestores, uma vez que oferece uma orien- taco acerca de uma sistemdtica de trabalho e, ainda, detalha questées técnicas sobre tal procedimento de gestdo. Entretanto, é essencial fazer a critica de que essa é uma visdo parcial sobre o tema, tanto em um sentido gerencial, quanto em uma perspectiva hu- mana. Uma das limitacdes gerenciais dessa perspectiva é que ela muito pouco trabalha a dimensao estratégica dos temas do R&S de pessoas. Nesse sentido, apresentaremos outros dois livros que abordam 0 R&S com um olhar estratégico ampliando, assim, a compreensio dessa temitica da 4rea de gestao de pessoas. R&S como (parte da) estratégia Entendemos que da nossa pesquisa bibliogréfica dois livros diddticos de ARH re- presentam a visdo estratégica da gestao de pessoas e, portanto, do R&S como parte des- se planejamento maior. No capitulo denominado como “movimentacao de pessoas”, 0 professor (brasileiro) Dutra (2002) diz que ir primeiramente discutir “[...] a importéin- cia da movimentagao na gestdo estratégica de pessoas para, posteriormente, discutir as questées de natureza tética e operacional” (Dutra, 2002, p. 64). Outro livro que entendemos abordar a tematica do recrutamento e selecdo a partir de um olhar estratégico € dos professores (estadunidenses) Bohlander, Snell, e Sherman (2003). No capitulo de “Planejamento e recrutamento de recursos humanos” os autores detalham a ligagao entre os processos de planejamento de recursos humanos e o plane- jamento estratégico. Nesse contexto, os autores organizam o planejamento estratégico a partir de trés etapas: (1) anélise estratégica, (2) formulacdo de estratégias, (3) imple- Recrutamento e Selecdo de Pessoas 73 mentacdo de estratégias — as quais, respectivamente, devem estar ligadas a também trés etapas do planejamento de recursos humanos, quais sejam: (1) identificar questdes da empresa relacionadas a pessoas, (2) definir estratégias de RH e planos de acao, (3) im- plementar processos, politicas e praticas de RH. Bohlander, Snell, e Sherman (2003) trabalham com a perspectiva de que a estraté- gia de gestdo de pessoas é derivada da estratégia da empresa, enquanto Dutra (2002) enfatiza que, na prdtica, elas influenciam-se mutuamente. De um modo ou de outro, ambos 0s textos trabalham a partir da premissa de que ndo é possivel falar de recruta- mento ¢ sclecdo (ou movimentago de pessoas) sem simultaneamente trazer questées de planejamento estratégico e de gestao estratégica de pessoas. Um ponto que oferece um tom estratégico a ambos os capitulos é a compreensio de que a constituicdo do quadro de trabalhadores da organizacio se configura de ma- neira mais complexa do que uma tradicional organizacao por cargos. Dutra (2002), por exemplo, comenta que “[...] é clara a tendéncia de a empresa trabalhar com pes- soas que mantém os mais variados vinculos contratuais [...]” e, ainda, complementa: “O que nos importa aqui nao é 0 vinculo contratual, mas 0 fato de a pessoa manter relacdo de irabalho com a empresa, e ser dessa forma que trabalharemos a questo da movimentagao de pessoas” (DUTRA, 2002, p. 64). Bohlander, Snell, e Sherman (2003), nessa mesma linha, chegam a construir uma matriz que pretende representar os tipos de forca de trabalho que compem uma or- ganizacao a partir de duas variaveis (valor estratégico ¢ habilidades) que em interagZo constituem quatro diferentes tipos de quadrantes e, portanto, trabalhadores: (1) os portadores de competéncias essenciais (valor estratégico alto e habilidades exclusivas), (2) os que ocupam cargos tradicionais (valor estratégico alto e habilidades genéricas), (3) 0s contratados (valor estratégico baixo e habilidades genéricas), (4) os de aliancas ¢ parcerias (valor estratégico baixo e habilidades exclusivas). Nesse sentido, orientam os autores: “[...] as relagdes de [trabalho e] emprego e as priiticas de RH adotadas com diferentes funciondrios variam de acordo com a célula ou quadrante que eles ocupam na matriz” (BOHLAN- DER, SNELL, e SHERMAN, 2003, p. 62) Os textos de Dutra (2002) e de Bohlander, Snell e Sherman (2003), portanto, bus- cam “instruir” os (futuros) gestores acerca da maneira que esses poderao montar o seu quadro de forga de trabalho que, em uma perspectiva estratégica, ocorre a partir (ou & custa) de uma variabilidade dos vinculos contratuais. Tal variedade de vinculos contra- tuais visa obter eficiéncia ¢ eficdcia de desempenho a partir da valorizacao de uns pou- cos trabalhadores (aqueles estratégicos ao negécio) ao mesmo tempo em que precariza as relagdes de trabalho de um grande grupo (aqueles “distantes” do core business). E importante destacar ainda que a compreensao do R&S a partir de uma visao es- tratégica nao deixa de contemplar a nogao de que esses sao também processos. Além disso, a vis%o estratégica amplia o estudo e a pratica dessa temética ao dizer que R&S sdo processos que deverdo estar articulados com um planejamento estratégico prévio (geral e de pessoas). Se olharmos a partir desse angulo, compreendemos que esses textos tornam mais complexos e completos o tema do R&S de pessoas. Entretanto, 74 Gestio de Pessoas * Soboll e Ferraz cabe ressaltar que tanto os textos com a viso processual, quanto os de viséo estra- tégica, muito pouco exploram questdes humanas ¢ sociais do recrutamento ¢ sele¢ao de pessoas. Ambas as perspectivas tém como foco a eficiéncia (principalmente a pro~ cessual) ea eficdcia (principalmente a estratégica) sob a perspectiva gerencial/orga- nizacional. {A préxima vis4o que apresentaremos nao chega a mudar 0 foco de anélise da orga- nizacdo para a pessoa, no caso, 0 candidato. Entretanto, entendemos que € uma pers- pectiva que avanca por apresentar a pessoa que passa pelo R&S (0 candidato) como algo além de um mero “recurso”. A visio do R&S como uma acao sécio-legal nos permite vislumbrar essa pessoa como um ator social atuante. R&S como uma agao sécio-legal “Trés outros livros consultados, dois estadunidenses (MILKOVICH e BOUDREAU, 2006; SPECTOR, 2005) e um brasileiro (BERGUE, 2010), nos oferecem mais uma pers- pectiva de compreensio do R&S, que aqui estamos denominando: R&S como uma asao sécio-legal. Escolhemos esses trés livros por eles falarem sobre questées legais de pri- yacidade e de discriminagdo em relacao aos candidatos (MILKOVICH e BOUDREAU, 2006; SPECTOR, 2005) e, no caso do livro brasileiro, de algumas regulamentag6es es- pecificas para minorias,’ as quais deverdo ser consideradas no caso de processos seleti- vos nas organizaées piiblicas (BERGUE, 2010). O livro de MILKOVICH e BOUDREAU (2006, p. 163), ja no inicio do capitulo so- bre recrutamento, alerta o leitor de que “O recrutamento nfo apenas diz respeito as qualificagoes dos empregados, mas também a diversidade do quadro de pessoal” ¢ com- plementa dizendo: “Se nao houver entre os candidatos némero suficiente de mulheres ¢ membros de minorias, ndo sera possivel atender 4s metas da acao afirmativa ¢ de diver- sidade.” Sobre essas afirmativas dos autores cabe realizar duas consideracées. A primeira delas é que essa 6 uma orientagao que contrasta com o modo como os autores anteriormente apresentados discutem o tema do R&S (BOHLANDER, SNELL, e SHERMAN, 2003; CHIAVENATO, 2002; DUTRA, 2002; MARRAS, 2000). Ou seja, Milkovich e Boudreau (2006) se afastam de uma argumentagao de eficiéncia e eficdcia “Apesar do nome “minoria” estar relacionado a um universo quantitativo, o fator numérico ndo é o mais importante para a definigdo de um grupo como minoria social (SEFFNER, 2003; SILVA, 2005). Se Fleury (2000, p. 20) trabalha com o pressuposto de que: “Os grupos de maioria sao os grupos cujos membros, his- toricamente obtiveram vantagens em termos de recursos econémicos ¢ de poder em relacdo aos outros”, po- demos dizer que os grupos de minoria se referem ao inverso, ou seja, aqueles que historicamente apresentam Gesvantagens econdmicas e de poder em relagao a outros grupos sociais. Algumas maneiras de pensar esta Guestio so: 0 pouco apreco da Sociedade por tragos culturais ¢fisicos do grupo, a ccupagéo de papéis subor- Ginados na hierarquia social, o desejo de total exclusdo (xenofobia) do grupo em relacdo as diversas formas de convivencia social, entre outras. Recrutamento e Selecio de Pessoas 75 pura (0 candidato mais qualificado) para apresentar um requisito de carter mais social para falar dos critérios de R&S de pessoas. O outro ponto importante a ser destacado é que esse comentario dos autores est4 alinhado a uma realidade hist6rica especifica dos Estados Unidos da América. Em tal pais, 0s movimentos de aco afirmativa, a legislacdo acerca das minorias e, ainda, a en- trada dessa temitica nas organizacées sob o rétulo da diversidade, apresentam uma ar- ticulacdo e um desenvolvimento mais avancado do que quando comparamos com nosso pais (ALVES e GALEAO-SILVA, 2004). Nesse sentido, Milkovich e Boudreau (2006) constroem, ainda no seu capitulo de recrutamento, uma se¢do denominada “Equidade”. Em tal seco os autores defendem que “[...] € no recrutamento que comesa a montagem de um quadro de pessoal diver- sificado, tendo em vista atingir objetivos antidiscriminatérios ¢ de ado afirmativa” (MILKOVICH e BOUDREAU, 2006, p. 194). Os autores exploram essa questo ao di- zerem que um dos desafios dos gestores é adequar as fontes e técnicas de R&S nao ape- nas pelo critério da qualificacao do candidato, mas também no sentido de que esses ndo reforcem uma selecdo — chamada, triagem inicial e escolha do(a) candidato(a) ~ discri- minat6ria. Uma chamada e uma triagem discriminatérias podem ocorrer, por exemplo, através da técnica de recrutamento via Internet que, na andlise dos autores, ir bene- ficiar um determinado grupo de candidatos, no caso: “[...] homens, brancos e de nivel universitdrio [...]” (MILKOVICH e BOUDREAU, 2006, p. 194). E interessante observar que essa preocupacdo com a equidade prossegue no de- corter do texto até o momento em que as medidas de avaliaco do processo sao orga- nizadas. Nessas medidas, Milkovich e Boudreau (2006) dizem que devem estar con- templadas no apenas perguntas sobre atividades, resultados e eficiéncia, mas também questées de equanimidade. Assim, os autores sugerem perguntas como: nimero de candidatos mulheres e membros de minorias que se apresentaram, ntimero de mulhe- res ¢ membros de minorias recrutados e, por fim, vagas preenchidas por membros de grupos subutilizados (MILKOVICH e BOUDREAU, 2006, p. 195). Milkovich e Boudreau (2006) parecem apresentar esse debate sobre equidade devido 4 preocupacao com a imagem da empresa ¢, principalmente, com a seguran- ca desta no que se refere a problemas legais trabalhistas. Em um determinado trecho 0s autores sdo bastante claros em repassar essa preocupacio para os seus leitores, no caso, leitores estadunidenses: “[...] quando o proceso de selecéo de uma empresa rejeita muitos membros de minorias, o governo americano pode exigir explicagdes e justificativas, o que geralmente consome tempo e dinheiro da organizacio” (MILKO- VICH e BOUDREAU, 2006, p. 210). Essa preocupacdo com a legislaco, segundo os autores, deve se estender também para pontos referentes 4 privacidade do candidato. Sobre esse contexto Milkovich e Bou- dreau (2006, p.210) comentam o caso de uma cadeia de lojas varejistas da California: [...] a Target, exigiu que os candidatos a vagas de confianca passassem por um teste que pedia respostas falso/verdadeiro para frases do tipo: “sou fascinado por fogo”, “sinto-me fortemente atraido(a) por pessoas 76 Gestdo de Pessoas * Soboll ¢ Ferraz do mesmo sexo”, ou “tenho completo controle sobre o funcionamento dos meus intestinos”. Esse teste foi aplicado de 1987 a 1991, apesar de um processo movido por um grupo de candidatos que alegava invasio de privacidade e discriminacao em 1989. Em 1995, a empresa teve que pagar mais de 2 milhdes de délares, sem que tivesse admitido sua res- ponsabilidade ou culpabilidade. Nesse contexto de preocupacées legais com questdes de discriminacao e invasio de privacidade, Milkovich e Boudreau (2006) organizam um quadro que visa auxiliar 0 leitor a escolher a(s) técnica(s) de selecdo. Para cada uma das ito técnicas apresentadas sao analisadas questoes de validade, de custo, de popularidade e, ainda, de legalidade. Sobre os formularios de inscricéo e curriculos, por exemplo, eles apontam o seguinte debate sobre sua legalidade: “Defensavel quando as questdes so exclusivamente rela- cionadas com o trabalho a ser feito. O uso de questées de risco, entretanto, é comum e pode trazer complicacées.” Sobre os testes de personalidade, honestidade e grafologia cles assinalam possiveis problemas legais de discriminacao e invasdo de privacidade: “Risco de impacto negativo junto a grupos religiosos. Riscos de invasao de privacidade. Dificuldade em demonstrar a relacdo com 0 comportamento funcional do candidato” (MILKOVICH e BOUDREAU, 2006, p. 216). © outro texto estadunidense comentado (SPECTOR, 2005), esse na area da Psi- cologia Organizacional, fala das Diretrizes Uniformes para a Selego de Funcionarios. Tais diretrizes sdo elaboradas pelo governo americano e essas “(...] no fornecem apenas uma declaracao dos requisitos legais, mas descrevem a maneira adequada de conduzir um sistema de selecdo [...]” (SPECTOR, 2005, p. 230). O autor informa que essas diretrizes trazem consigo trés importantes conceitos: impacto adverso, acomo- dago razoavel e aces afirmativas. O impacto adverso é definido como um “[...] método de contratagio do empre- gado em uma classe protegida [...] definido em termos de coeficiente de selecdo da classe protegida e do grupo majoritdrio [...” (SPECTOR, 2005, p. 230). O célculo do coeficiente leva em consideracao a diferenca no nimero de candidatos em cada grupo e define que devem ser contratados do grupo minoritério 4/5 do total de contratados Ro grupo majoritério. Caso contrério, ocorrerd o chamado impacto adverso. O impacto adverso nfo € necessariamente ilegal, “[...] mas é uma entrada para uma possivel discri- minacao no processo de sele¢o” (SPECTOR, 2005, p. 230). O conceito da acomodacao razodvel é relacionado a questao da deficiéncia e diz res- peito a uma adaptacao e estrutura minima que a organizacao deve ter para seus traba- Ihadores com deficiéncia. A aco afirmativa, por fim, objetiva aumentar a presenca de pessoas de grupos minoritérios em cargos concorridos, assim como diminuir a discrimi- nacao: “Um programa de acdo afirmativa pode envolver muitos passos diferentes, desde 08 esforgos extras feitos para atrair os candidatos até o tratamento especial dedicado a eles nas ofertas dos cargos e nas promocées” (SPECTOR, 2005, p. 232). Recrutamento e Selecdo de Pessoas 77 Essa versdo brasileira do livro de Spector (2005) propde que essas diretrizes sejam usadas em nosso pais (Brasil) como uma orientacAo geral. Entretanto, entendemos que esses so casos especificos de um contexto estadunidense, sendo que seguimos com a percepcao de que muito pouca informacao acerca de questoes legais brasileiras parece estar disponivel nos nossos livros didéticos de ARH. Cabe destacar, porém, que num dos livros brasileiros pesquisados, Bergue (2010), nos oferece alguma informacao referente a direitos de duas minorias nos processos de recrutamento e selecao de pessoal no setor piiblico. O primeiro direito apresentado se io de desempate em concurso piblico, no caso: a idade. Nesse contexto, é dada preferéncia ao de candidato de idade mais elevada (art. 27, pardgrafo tinico da Lei Federal n° 10.741, de 1° de outubro de 2003 - 0 Estatuto do Idoso). O segundo di- reito se refere A reserva de vagas para pessoas com deficiéncia (fisica, mental ou senso- rial) em cargos e empregos piiblicos. O texto esclarece que essa é uma matéria de fundo constitucional (art. 37, inciso VID). Desse modo, percebemos que o tema das questées legais esté em estagio muito inicial nos livros didéticos brasileiros de ARH. E com o intuito de aprofundarmos essa perspectiva que organizamos as duas proximas secdes. Uma anilise juridica (brasileira) sobre questées de privacidade e discriminacao no recrutamento e selecao de pessoas Abordar as técnicas utilizadas nos processos de recrutamento e selecdo sob 0 en- foque juridico torna-se imprescindfvel no momento em que hé uma divergéncia entre ‘© que dispée a legislacdo brasileira ¢ as orientagSes disponibilizadas nos livros didaticos de ARH. Muitos desses livros apresentam praticas de R&S que sao vetadas pela legisla-

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