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6 O animal que sempre brinca ‘Ao falarmos das necessidades salientamos que a maior parte das nossas atividades tem uma finalidade, isto é, visa atingir uma meta com alguma idade, mas sera que € sempre assi Certamente nao, porque hé um tipo de atividade muito im- portante nos seres humanos caracterizada pelo fato de nao ter metas claras, embora a realizagio da atividade cause prazer. E a atividade de brincar, uma das mais fascinantes ¢ enigmiticas praticadas pelo ser humano. Basta uma observacio superficial das atividades das criangas para se perceber o importante papel que a brincadeira desempe- nha nelas, E muito ficil reconhecer a atividade de brincar e nés sabemos perfeitamente, por uma série de tragos, quando uma ctianga esté brincando ou esté realizando outro tipo de ativida- de, Contudo, é extremamente dificil definir com exatidao 0 que a brincadeira, pois sob este nome englobamos muitas condutas que, se examinadas em detalhe, apresentam muitas diferencas. Da crianga de apenas um ano que se apoia nos pés e se segura na borda do berco para balangar 0 corpo para frente € para tris com evidentes sinais de prazer, dizemos que ela est brincando, Também brincam as criangas de quatro ou cinco anos que, em grupo, fazem papel de mies ou de médicos, © me- nino de nove ou dez anos que tenta construir um guindaste ou tum castelo com pegas ou blocos de montar. Também dizemos que brincam as meninas que pulam sobre um pé dentro de um. retingulo des: uuma casa para outra, ou 0 grupo de adolescentes que joga fute- bol com um gol improvisado. \do no chao, enquanto deslocam um seixo de ‘Mas também dizemos que brincam as senhoras que se reti- nem para jogar cartas ¢ passar a tarde, os velhos que arrumam_ barulhentamente as fichas de dominé sobre a mesa de mérmore de um bat, as criangas, os adolescentes ou adultos que utili- zam um console de video para eliminar alienfgenas, ¢ também a equipe que disputa uma partida de futebol. “Todas estas atividades sio caracterizadas como jogos, em- bora sejam muito diferentes umas das outras. Algumas séo in- dividuais e consistem apenas em movimentos, outras criam um mundo de ficgao (como brincar de médico) ou reproduzem a realidade mediante uma construgio, € outras ainda sio ativi- dades sociais, que \guém pode realizar sozinho € nas quais 0 objetivo é fazer melhor do que os outros. No entanto, em geral se concorda em que brincar é uma atividade importante durante um perfodo da vida ¢ indispensé- vel para as ctiancas, sendo preciso dar-Ihes oportut zé-lo, traball quando se diz & crianga: “Chega de brincadeira, agora voc’ tem de fazer as tarefas que ficaram pendentes”. Do ponto de vista das ati lades que se realizam, dos lugares onde sio realizadas ¢ do conjunto da achar caracteris- ticas comuns aos diversos tipos de brincadeiras. Mas em todas icas parece evidente que quem as realiza tem n 5 Iaumas opiniges sobre o aie de brinear Amaioria das bri aan ate ARSTOTEiES i OSS nate ds csr homem s6, i "upagoes sérias homem i°2 duando é homem no p on ‘quando brinca (SCHILLER, leno sentido da palavea, e 6 6 in Cartes sobre a educacto estes sn ee Ja 0s primeiros autores que abordaram o desenvolvimen- to infantil apontaram a presenga da brincadeira, embora com diferencas na importancia a ela atribuida. Arist6teles jd falava das brincadeiras ¢ de seu uso com propésito educativo, e desde entio as opiniées dos diversos autores sobre o valor da brinca- deita tém sido muito discrepantes. Muitos sustentaram que a brincadeira esta bastante ligada ao desenvolvimento da crianca, ‘mas considerando-a um mal inevitavel que deve merecer mi- nima atengio. As criangas brincam e isto nao se pode evitar, mas deve-se tentar que brinquem 0 minimo possivel. Todavia, outros autores tém salientado a importéncia educativa da brin- cadeira e que por meio dela se pode conseguir que a crianga faga coisas que dificilmente faria de outra maneira. Hoje os psics- logos concordam em atribuir grande importancia & brincadei- ra no desenvolvimento da crianga, sustentando que se trata de 78 idade absolutamente necesséria ao crescimento sadio. A ideia popular mais generalizada também € que as criangas precisam brincar, ‘Teorias sobre a brincadeira Foi possivelmente 0 grande poeta e escritor alemao Friedrich Schiller (1759-1805) quem formulou, em suas Careas sobre a educagao extética do homem (1795), a teoria de que a brincadeira serve para consumir 0 excesso de energia de que dispe o orga- nismo jovem, que nao precisa trabalhar para sobreviver porque outros cuidam de atender as suas necessidades. De alguma ma- neira, no trabalho de Schiller estd presente a brincadeira de distingao esta que outros autores tornario a fazer depois. ‘Teorias sobre a origem e 0 significado da brincadeira Teoria Goractrsicns “Descarga Siminag do excoso de ene do egaismo joven ue He ‘nao precisa trabalhar. Animais homens tém de ser ativos @ preisam ai Esta ora a antaipaa por Schiler © {tsonvlida or Spencer He Rolaxamento| “Recapitulagio Seguindo as idsias de Heockel, o desenvolvimento do indivdvo eae fa 0 desenvolvimento da cas rena ‘Siem na tpn sevopr, erm abd sires cack ova escndetj; na tape noma team ees noe sais na etape bs acute para, bnearam cm Sonecs a1 de earn ror etapa tte pena te tancidns gg, Ets regio odor Starny Ha esos oje completarante bara. bz Ociais, construcées etc, Abrincadcir consist deservoivime 10 completo e per s brincadeires ta. A cranga pode vidade fisica fciitam braticar sem isco Seu desenvhiata do pono devise moter ese ae © Conferindo-Ihe agitidade. As brincac leiras simt police com blicas e com ‘P0Fas prepsrarm-na para posterores atvidades de car ‘Social. Este explicagéo fol defendia por Karl Groce fai-lo, quer porque ‘a norma, 0 que deve ser. Na brincadeira, pelo 0 individ ¢ ivr para desenvolver a acto cama Esta posture relaciona-se cam as ieias de Froud, AA brincadeiraserviria para a crianga adquirr dominio sobre 6) Drépria, mediante a experimentacéo de condutas complexas, ‘mas sem ter de atingir um objetivo fiado por outros, ito 6, © proprio individuo estabelece suas metas. Esta postura foi defend por dversos autores, tendo sido reatuazade por As caracteristicas da brincadeira ‘Uma das dificuldades para se entender a brincadeira ¢ po- der analisé-la do pomto de vista cientifico ¢ determinar quais so as caracter(sticas que a definem ¢ qual a sua oposicio ou diferenga com relaggo a outras idades da crianca. Em muitas das teorias ¢ andlises sobre a brincadeira esta havendo confusio entre diversos elementos, 0 que dificulta a andlise detalhada, Seria preciso distinguir, de um lado, em que consiste a brinca- deira, 0 que é a brincadeira, isto é, ou seus componentes ¢, quais as suas caracteristicas de ourto lado, quais as fungées que ela 80 desempenha, isto é, para que serve a brincadeira no contexto do desenvolvimento. Apesar do grande mimero de caracterfsticas ou aspectos que foram apontados como préprios da brincadeira, esta ndo € uma conduta diferente nem um tipo especial de atividades entre outros; segundo Piaget, a brincadeira “é definida uni- camente por uma determinada orientagao da conduta ou por sum ‘polo’ geral de toda atividade” (PIAGET, 1946: 154). Em. muitos casos, uma mesma atividade pode ser realizada visando algum fim ou como brincadeira. Mencionaremos a seguir, na linha de Piaget, algumas das caractert préprias da brincadeira. apontadas como Em primeiro lugar, o fim da brincadeira é cla em si mes- 1a, isto é, nao se trata de alcangar objetivos alheios a ela, mas. de que a prépria ati idade de- sinteressada, em comparagio com outras atividades nas quais a preocupacio reside no resultado, Baldwin (1894) denomi- nara esta atividade “autotélica”, palavra de raiz grega que in- dica 0 carter de finalidade intrinseca. Isto é, 0 individuo age pelo prazer que sente, sem pretender conseguir nada além da prépria acéo, caractetizada justamente pelo prazer funcional que ela proporciona. ade € prazerosa. Seria uma Em segundo lugar, tem-se mencionado a espontaneidade da brincadeira em oposicao ao trabalho, & adaptagio a realida- de, Como vemos, esta caracterfstica tem relacio estreita com a anterior. 81 Algumas caracteristicas da brincadeira i por fimasipréptia 0 cbetvo ga atvidade & 8 sua prop Nose trata do atin ew aca peo witas possibilidades d. niger 8 ata de dens Mihis de scores con saa &s brincaderas tém formates, modos pincipac de” ——__ organwagéo, = A pessoa que brincs, ado, em ver de ser cont a ea Supermotivagao Sendo uma atividade pravorasa, a brincadeira tom lume motwagéo suplment 20 transforméia em det ia Feclita a adapracio Para Bruner, tem relacéo com a maturdade, Permit experimentar condutas complexes sem ter {de ating um objetivo concreto. Outra maneira de se exprimir este aspecto, que c ira idade dade, uma atividade que apenas pelo prazer que proporciona, Segundo Piaget, esta definigao equivale a traduzir 0 conceito de atividade auto. télica em termos afetivos, ¢ Claparéde ditia que a brincadeira € uma realizagao imediata dos desejos ou das necessidades, a0 asso que o trabalho proporcionaria uma realizaco posterior. uma terceira caracteristica, é que a brincadeira é uma at que proporciona prazer em vez de se reali Uma quarta caracteristica observada por Piaget é a relativa falta de organizacao na brincadeira, que nao teria a estrutura or- Banizada prépria do pensamento sério, embora haja de fato di- vetsos tipos de brincadeiras que tém uma organizacao definida. a2 Um quinto critério é a liberagio de conflitos, pois a brinca- deira ou ignora ou resolve os conflitos. A crianga que nio gosta de uma comida oferece-a simbolicamente a um boneco, que a accita com muito prazer. Finalmente, hd 0 ctitério da supermotivacio. Transforman- do uma atividade comum em brincadeira se obtém uma moti- vagao suplementar para realizd-la, e o bebé que tem dificuldade Para aceitar uma comida consegue fazé-lo quando se brinca de transformar a colher num avido que transporta uma coisa para descarregé-la na boca. Os motivos simbélicos acrescentam um prazer & atividade. Por consequéncia, Piaget entende que a brincadeira nio pode ser diferenciada das atividades nao hidicas, pois consis- te simplesmente numa orientagdo que acentua alguns aspectos da atividade: “Reconhece-se a brincad de grau variavel, das relagdes de eq (PIAGET, 1946: 157). A lagdo ¢ a acomodacio, ou seja, entre a incorporasao da realidade ¢ a modificagio do organismo de acordo com essas demandas da realidade, numa modificasio, io entre o real € 0 eu” ividade do organismo procura 0 No caso da brincadeira, ocorre um predominio da assi- milacio, sem o mesmo grau de acomodagao: a crianga incor- Pora a realidade aos seus esquemas, mas nao se preocupa em acomodar-se a essa realidade, porém a modifica segundo sua conveniéncia. A comida que ela detesta na realidade vira um "© que o boneco aceita com prazer, Os objetos — a bengala que se transforma em cavalo, 0 pedago de madeira que vira boneca — desempenham a funsio que a eles se quiser atribuir, mesmo que no sejam realmente o que se pretende, A 83 realidade se submete as ne de submeter-se as Necessi ecessidades do eu, ) Sem que este tenha neadeira como ela quer. Para Bruner (1972), a brincadeira esté retamente ligada & imaturidade do ser humano a0 nascer (cf, cap. 1), que Ihe ‘ claborar uma grande quantidade de condutas muito diversas que resultam numa adaptagio muito flexiv conjectura que durante essa etapa de imaturidade a brincadeira desempenha funcées de grande nportancia, ao fazer possivel 20 organismo jovem experimentar condutas complexas sem a Pressao de ter de atingir um objetivo. Daf que a brincadeira “é uum meio de minimizar as consequéncias das préprias ages ¢, Portanto, de aprender numa situago menos arriscada” (BRU- NER, 1972: 55). A brincadeira permite entéo realizar essa ativi- dade sem se preocupar com os resultados da prépria aco, mas concentrando-se apenas na realizagio da atividade; assim, o in- idades, sem ser pressionado pela necessidade de atingir um ob que, se no satisfeito, acarretaria frustracio, Na brincadeira, a crianca consegue suas metas sem se propor a isso e sem se ver frustrada quando nao as atinge, porque a prépria realizagao da idade é prazerosa, dividuo estabelece suas metas conforme as sts poss Portanto, como também aponta Bruner, a brincadeira ofe- ece uma oportunidade para experimentar combinacées de condutas que nao seriam testadas em condiges de pressdo fan- 84 aatividade é mi cional. Con mais livre na brincadeira do que quando visa alcangar uma meta, o individuo pode explo- rar as propriedades de materiais e instrumentos sem objetivo aparente all comenta, 1m, mas descobrindo assim muitas delas. Bruner base nas observacées de Goodall (1971), que ndo paus imité-la por meio de brincadeiras, sem conse guir resultados notéveis no inicio. Mas ao fazer isso brincando podem experimentar sem ter de passar pela frustragio de no conseguirem seu intento. Merlim, um chimpanzé que perdera a mie aos trés anos de idade e fora criado por irmaos mais velhos, no aprendeu a pegar cupins com a mesma eficécia que os ou- tros porque nao teve a portunidade de explorar essas condutas como aqueles criados em contato com as maes. Assim, Bruner ressalta que a possi dades sem a pressio de obter um resultado proporciona ao indi- viduo boas chances de experimentar condutas e pode ser muito itil do ponto de vista adaptativo, pois the permite manusear instrumentos ¢ descobrir suas mais diversas possi se propor ~ no {cio — a conseguir metas que talvez Ihe sejam ingiveis nesse momento. os de brincadeira Os tipos de brincadeira predominantes vio mudando com a idade, como se observa na tabela, As primeiras manifestagoes que podemos detectar so daquilo que se denomina “brincadei- ra de exercicio”, que consiste em atividades motoras feitas por puro prazer. Com dois ou trés anos de idade surge a brincadei- 85 ra simbélica, ¢ a partir dos seis anos a brinca Estes tipos de brincadeira té; is doa a ua athidede uo tm esi om i mesma. 0 sia fade, mas ret, com provlene we 0 simboli ausone. A brincadia 8 in 8s criangas brinquem com os adults, eoma “ ‘ue bate, bate", “sera, sere, sertader™ Caracterize-se pelo uso de abundante simbalisma Predominante desde 2-3 formado medi anos até 6-7 anos cenas da vida ecessidades. Os simbolos adquirem seu significado na atvidade: os pedacos de papel via dinheiro para brincar de lista, @ caixa de papeléa vre eaminhdo, © palit transforma-se na seringa usada pelo made, ‘Muitos brinquedos funcionam como apato para @ realizagéo deste tipo de A crange ‘xerita-se nos papeis socials das atividades que Circundam (professor, médica, losta, matrista exe.) ® isto he ajuda a domingsla. A realidade & qua ea to dia a dia subordina-se a sous desejos e nacessidades na brincadeira. De caréter socal praticada mediante regras que A partir de6 anos aré a todos os paticipantes dove respeitar. Logo, a ‘dolescéncia Ccooperagao 6 necesséria, pois néo hi brincadeira sem a dedicapéo de todos, e também a competicéo, ‘ots geralmente um individuo ou ume equipe trian. {sto obriga oindividuo a ge calocar no lu tar prevere no dei também a uma coordenacéo dos. ‘muito importante para o desenvolvimento social €@ superagia do “egocentrismo”. Brincedeira com regras 86 A medida que a crianga cresce, os diferentes tipos de brinca- deira se misturam da forma mais intrineada, A crianga de cinco anos continua fazendo brincadeiras de exercicio, mas também simbdlicas, e corre montando num pau (cavalo) e perseguindo Depois, com dez anos de idade, quando brinca ¢€ ladrdo, 0 simbolismo é evi regras rigidas que todos tém de seguir, e além disso tudo surge uum aspecto de exercicio igualmente essencial: € preciso correr muito ¢ com habilidade para no ser pego. Os esportes ou as apresentac6es teatrais dos adultos so, entre outras coisas, pro- Jongamentos de diferentes tipos das brincadeiras infantis. Os seres humanos somos © tinico animal que continua a brincar durante a vida inteira ¢, além disso, a brincadeira é uma parte importante de nossas atividades: esportes, jogos de mesa, videogames, As representagées teatrais, a arte e a fantasia como um todo tém aver com a brincadeira, como jé apontara Schiller. E enorme a importdncia educativa da brincadeira, ¢ pode-se dizer que crianga que nfo brinea é crianga doente. Por meio da brincadeira a crianga pode aprender muitas coisas na escola € fora dela; 2 brincadeira ndo deve ser menosprezada como ati- vidade supérflua nem apresentada como 0 oposto do trabalho escolar sério, muito pelo contrério. Uma vez que a brincadeira desempenha um papel tio necessirio no desenvolvimento, a educagéo deve aproveité-la ao maximo. Na escola, a crianga pe- quena deve sentir que estd brincando e que, com a brincadeira, poderd aprender muitas coisas. Nao podemos relegar a brinca- deira aos momentos fora da escola ou no patio de recreio, mas temos de incorpord-la & sala de aula para a crianga achar prazee na prépria atividade escolar endo em obter a aprovacio de pais e mestres.

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